Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5801/12.4YYLSB-A.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
PRAZO
DENÚNCIA
REGIME APLICÁVEL
RECURSO PER SALTUM
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Doutrina:
- Olinda Garcia, «Arrendamento para comércio, aplicação da lei no tempo. Oposição à renovação e denúncia do contrato», consultável em http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rfdulp/artide/view/2960/2226 .
- Januário da Costa Gomes, «Sobre a (vera e própria) denúncia do contrato de arrendamento. Considerações Gerais», Revista O Direito, 2011, 30 a 32; «A desvinculação ad nutum no contrato de arrendamento urbano na reforma de 2012. Breves notas», Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Lebre de Freitas, R.O.A, Ano 72, n.ºs 2-3 (Abr.-Set.2012), 619-651.
- Gravato Morais, «Arrendamento (vinculístico) para comércio e a questão da oposição à renovação do contrato pelo senhorio», Cadernos de Direito Privado, n.º 33, Janeiro/Março 2011, 58 a 62; «Novo regime do arrendamento comercial», 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2012; «As novas regras transitórias na reforma do NRAU (Lei n.º 31/2012)», Revista Julgar, n.º 19, 2013, 31 e ss..
- Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, II, 959.
- P. de Lima e A. Varela, “Código Civil” Anotado, 4.ª ed., vol. II, 348 e 509.
- Aragão Seia, Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, 7.ª ed., 497 e 638.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 1025.º, 1067.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 629.º, N.º 1, 678.º, N.º 1.
LEI N.º 6/2006, DE 27-02 (NRAU): - ARTIGOS 15.º, 26.º, N.º 4, AL. C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-P. N.º 971/08.9TVPRT.P1.S1.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- N.º 147/2005, P. N.º 503/04, DE 16-03-2005.

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JURISPRUDÊNCIA DAS RELAÇÕES:

- ACÓRDÃOS DA RE DE 15-01-2015 (P. 557/14.9YLPRT.E1), DA RC DE 18-11-2014 (P. 4172.11.0TJCBR.C1), DA RL DE 19-02-2013 (P. 2201/11.7TBPDL-A.L1-1), DA RP DE 24-01-2012 (P. 6208/10.3YYPRT-A.P1) E DA RG DE 19-05-2011 (P. 942/10.5TBFAF.G1).
Sumário :
I - Qualquer uma das partes pode requerer que o recurso interposto de decisão proferida em 1.ª instância que ponha termo à causa suba directamente ao STJ, desde que, cumulativamente, o respectivo objecto se restrinja a questões de direito e não abarque decisões interlocutórias e se verifiquem os requisitos referentes ao valor da causa e da sucumbência, para tanto impostos, faculdade que, nos termos do art. 678.º, n.º 1, do CPC, se mostra configurada como um direito potestativo a cujo exercício a parte contrária não poderá opor-se, uma vez que estejam preenchidas todas as aludidas condições.

II - A previsão do art. 1025.º do CC – tal como a do (actual) art. 1095.º, que regula o denominado “contrato com prazo certo” – refere-se ao prazo por que o contrato de arrendamento é celebrado e não ao da sua duração, na sequência das suas sucessivas renovações.

III - Não obstante as inovações do NRAU (aprovado pela Lei 6/2006), mantém-se, em regra, a proibição de denúncia ad nutum ou da oposição à renovação pelo senhorio de contratos de arrendamento não habitacionais, celebrados antes do DL 257/95, que continuam a estar, desde a redação originária da Lei 6/2006, sujeitos ao regime dos contratos de “duração indeterminada” – o regime comum a que se convencionou designar “vinculístico” – com a relevante especificidade de, em princípio, não se lhes aplicar a alínea c) do art. 1101.º do CC, por força das normas transitórias previstas nessa Lei, particularmente a contida na alínea c) do n.º 4 do seu art. 26.º (e, após a alteração operada pela Lei 31/2012, no seu art. 28.º, n.º 2).

Decisão Texto Integral:

Revista 5801/12.4YYLSB-A.S1

           

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

           

AA Lda opôs-se à execução que lhe move BB, Lda, pedindo que se declare extinta a respectiva instância, alegando ser ineficaz, por não admitida por lei, a declaração da exequente opondo-se à renovação dos contratos de arrendamento celebrados para o exercício de comércio ou indústria, a partir de 1 de Abril de 1971, pelo prazo de seis meses, renovável por iguais períodos de tempo.

A exequente pugnou pela conformidade do título executivo que invocara.

Foi proferido despacho saneador/sentença, julgando procedente a oposição e determinando a extinção da instância executiva.

Inconformada, a exequente interpôs recurso de revista dessa decisão, requerendo que seja recebido neste Supremo Tribunal per saltum, dado que a questão é exclusivamente de direito, a alçada o permite, a sucumbência foi total e não existem decisões interlocutórias a impugnar. E delimitou o objecto do recurso com as seguintes conclusões:

A- Os contratos de arrendamento cuja cessação se requereu para o termo do período de renovação em curso por comunicação enviada com uma antecedência superior a um ano, foram celebrados por escritura pública, pelo prazo de seis meses, com início em 01 de Abril de 1971;

B- A Rte enviou à arrendatária ora Rda. a comunicação – notificação judicial avulsa – para a oposição à renovação de ambos invocando para o efeito o disposto nos art°s 1096° nº 2, 1097° e 1101º, alínea c) do Código Civil, visando a formação do título executivo nos termos do art° 15° n° 1, alínea c) da Lei nº 06/2006, de 27/FEV, com a redacção então em vigor;

C- À data da entrega da NJA para comunicação à arrendatária da oposição à renovação (17/3/2011 e 18/4/2011), ambos os contratos de arrendamento vigoravam já por um período superior a quarenta anos, em clara violação do disposto no art° 1025°, quanto ao prazo máximo de vigência – 30 anos – e no art° 280°, ambos do Código Civil, quanto à ordem pública e bons costumes,

D- Reduzindo-se o prazo do contrato de arrendamento ao período máximo de trinta anos e por força do disposto no art° 1054° do Código Civil, a partir de 01 de Abril de 2001, terá passado ao regime da renovação anual, podendo a Rte opor-se à renovação do contrato por força do disposto no art° 1055° do CC, sob pena de, no caso contrário, estarmos perante contratos perpétuos;

E- Ainda que se admita que a validade formal e substancial nos termos do normativo aplicável ao tempo da celebração dos contratos (01/04/1971) se devem manter,

F- Estando em causa os efeitos dos contratos (art° 12° n° 2 do Código Civil), o NRAU (Lei 6/2006) prevalece sobre quaisquer normas supletivas, visto (art° 59° n° 1) se aplicar “... às relações contratuais constituídas nessa data (a da sua entrada em vigor), sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”, acrescentado o nº 3 deste preceito que “as normas supletivas contidas no NRAU só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa norma aplicável”, porquanto,

G- Visando as normas transitórias apenas os casos previstos no artº 26° nº 4, alíneas a) (aplicação do art° 107° do RAU), b) (indemnização prevista no art° 1102° nº 1 do CC) e c) (afastamento da aplicação do art° 1101°, alínea c) - cessação comunicada com a antecedência de cinco anos), nada impede a aplicação do NRAU aos contratos anteriores ao RAU, submetendo-se o “estatuto do contrato” ao “estatuto legal”;

H- Com as alterações introduzidas pelo NRAU (lei n° 6/2006) o legislador visou a eliminação do monopólio da oposição à renovação por parte do inquilino, seja qual for o tipo de duração, passando também o senhorio a beneficiar do direito de denunciar ou de se opor à renovação do contrato, desde que respeite o prazo legal de aviso prévio.

I- Todos os contratos para fins não habitacionais, como é o caso dos autos, constituídos antes da vigência do NRAU encontram-se sujeitos a este regime jurídico, “caindo no domínio da lei nova quanto aos efeitos futuros das respectivas relações jurídicas que vierem a produzir-se no âmbito temporal da mesma”.

J- Assim, aplicando-se aos contratos de arrendamento sub judice o disposto no NRAU, por força do disposto no art° 59° nº 1 e 3 da Lei n° 6/2006, a oposição à renovação realizada pela ora Rte, por notificação judicial avulsa, requerida em 18/04/2011 e recebida pela Rda em 19/05/2011, foi legal e tempestiva, sendo permitida pelo disposto nos art°s 1096° n° 2 e 1097° do Código Civil.

K- Preceituando o artº 15° n° 1, alínea c) do NRAU aprovado pela Lei n° 6/2006, de 27 de Fevereiro, que não sendo o locado desocupado na data devida por lei ou convenção das partes, podem servir de base à execução para entrega de coisa certa, em cado de oposição à renovação, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no artigo 1097° do Código Civil. E, tendo a ora Rte juntado ao requerimento executivo os contratos de arrendamento, a notificação judicial avulsa e o comprovativo da comunicação (recepção assinada em 19.05.2011), visando a entrega dos espaços locados em 30 de Setembro de 2012, DISPÕE A EXEQUENTE DE TÍTULO EXECUTIVO para prosseguir a acção executiva.

L- Decidindo em contrário o Mº Juiz a quo violou o disposto nos art° 15° nº 1, alínea c), 59° nºs 1 e 3 do NRAU (Lei n° 6/2006, de 27/FEV), os artigos 12° nº 2, 280°, 1054° e 1055°, 1096° n° 2 e 1097°, todos do Código Civil.

 

Nas suas contra-alegações, a executada opôs-se ao recebimento deste recurso per saltum, dizendo que a utilização de tal faculdade processual configura uma tentativa de manipulação do processo, contrária aos ditames da boa fé, porque a recorrente pretende furtar-se à provável confirmação pelo Tribunal da Relação da sentença ora em crise, evitando dessa forma a concretização da “dupla conforme”. E, quanto ao objecto do recurso, a recorrida pugnou pela manutenção do decidido.

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Vem assente da 1ª instância a seguinte factualidade, não impugnada no presente recurso:

1. A R. é proprietária do prédio urbano sito na Rua de ..., na localidade e freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana pelo artigo 276 e descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 345.

2. Por escritura de arrendamento outorgada em 7 de Abril de 1971, foi a loja (R/C, com os nºs 00 e 00 da Rua de …, em ...) cedida à Executada AA, LDA, pelo prazo de seis meses, sucessivamente prorrogáveis, com início em 1 de Abril de 1971.

3. Por escritura de arrendamento outorgada em 29 de Abril de 1971, foi o terceiro andar direito do prédio com entrada pelo nº 00 da Rua de …, em ...) cedida à Executada AA, LDA, pelo prazo de seis meses, sucessivamente prorrogáveis, com início em 1 de Abril de 1971.

4. O Objecto de ambos os contratos de arrendamento consiste em “qualquer no ramo de comercio ou indústria, com excepção de taberna, funerária, móveis, ferro velho e venda de produtos tóxicos ou explosivos”, ou seja para actividade não habitacional.

5. A Exequente procedeu à Notificação Judicial Avulsa da Executada/Oponente em 17/03/2011 e 18/04/2011, comunicando-lhe que se opunha à renovação dos contratos de arrendamento relativos à loja (00 e 00 - fracção autónoma designada pela letra “A”) sita na Rua de ..., e ao terceiro andar direito (3º Dtº - fracção autónoma designada pela letra “F”) com entrada pelo nº 00 do mesmo prédio, na localidade e freguesia de ..., concelho de ..., inscrita na matriz predial urbana pelo artigo 276 e descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 345 – sua propriedade – que, por esse facto, cessariam em 31 de Março de 2012, ou 30 de Setembro de 2012.

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Cumpre decidir.

1. A admissibilidade do recurso per saltum.

Nos termos do art. 678º, nº 1, do CPC, as partes podem requerer que o recurso interposto de decisão proferida em 1ª instância que ponha termo à causa – como é a visada neste recurso – suba directamente ao STJ, desde que, cumulativamente, o respectivo objecto se restrinja a questões de direito e não abarque decisões interlocutórias e se verifiquem os requisitos referentes ao valor da causa e da sucumbência, para tanto impostos (e previstos no art. 629º, nº 1, do mesmo código).

 Trata-se, pois, tal como se mostra configurado na lei, de um direito potestativo de qualquer uma das partes, a cujo exercício a contrária não poderá opor-se, uma vez que estejam preenchidas todas as aludidas condições, o que, no caso, a recorrida não refuta.

Portanto, uma vez que não releva a oposição que a recorrida deduziu a tal faculdade potestativa e estão reunidas as condições exigidas para o seu acionamento, admite-se o recurso de revista per saltum.

2. A duração dos contratos e a oposição à sua renovação.

Nos autos estão em causa dois contratos de arrendamento para comércio ou indústria, celebrados em Abril de 1971 e com início no dia 1 desse mês, pelo prazo de seis meses, sucessivamente prorrogável. Estamos, pois, perante contratos de arrendamento urbano para fim não habitacional – na designação conferida ao art. 1067º do CC pela Lei 6/2006, de 27/2 (que aprovou o NRAU) – celebrados em data anterior à vigência do RAU de 1990 (DL 321/90, de 15/10) e, portanto, também à vigência do DL 257/95, aplicável especificamente aos contratos para tal fim ([1]).

A recorrente, depois de, em 2011, ter comunicado à recorrida a sua oposição à renovação de tais contratos, defende que dispõe de título executivo válido para obter na execução a entrega dos locais arrendados porque, em suma: (i) à data da notificação dessa sua oposição, os contratos vigoravam havia já mais de trinta anos, contra princípios de ordem pública e dos bons costumes reconhecidos nas disposições conjugadas dos arts. 1025º e 280º do CC, pelo que os contratos de arrendamento, uma vez reduzido o respectivo prazo àquele limite máximo (trinta anos), passaram, a partir de 1 de Abril de 2001, ao regime da renovação anual, por força do disposto no art. 1054° do mesmo código, à qual a exequente se poderia opor; (ii) nos termos do art. 12° nº 2 do CC, o NRAU (aprovado pela Lei 6/2006) aplica-se aos efeitos dos contratos não habitacionais constituídos antes da sua vigência, como os aqui em causa, e o legislador, com este diploma, estendeu ao senhorio os direitos de denúncia e de oposição à renovação do contrato de arrendamento, sem que tais direitos hajam sido contrariados pelas suas normas transitórias.

À luz da interpretação que propõe para o art. 59º do NRAU, a exequente/recorrente alega que teria sido válida a oposição que deduziu à renovação dos contratos porque, por um lado, a estipulação nestes do prazo (renovável) de 6 meses não autorizaria a que os mesmos se considerassem como sendo de duração indeterminada – segundo se subentende, para os efeitos previstos nos arts. 26º nº 4, 27º e 28º do NRAU – porquanto, tendo prazo certo, estariam sujeitos ao limite máximo de 30 anos, previsto no actual art. 1095º, nº 2, e, aliás, no art. 1025º do CC, desde a sua versão original. E, segundo também defende, ser-lhe-ia reconhecida a possibilidade de formular tal oposição ao abrigo do art. 1097º do CC, NRAU, dado que, estando em causa os efeitos dos contratos, esse novo regime prevalece sobre quaisquer normas supletivas e aplicar-se-ia às «relações contratuais constituídas que subsistam» após a sua entrada em vigor.

Todavia, acompanhamos a diferente leitura que vem sendo proposta, pacificamente, pela doutrina ([2]) e também pela jurisprudência publicitada ([3]), com a única dissonância – tanto quanto sabemos – constituída pelo essencial apoio a que a recorrente apela a favor da sua posição, ou seja, a fundamentação aduzida no Acórdão desta Secção de 27-05-2010 ([4]).

Com efeito, contrariamente ao defendido no recurso, consideramos que a comunicação que a recorrente endereçou à recorrida, manifestando a sua oposição à renovação dos mencionados contratos, não constitui título executivo, pelas razões que, resumidamente, passamos a alinhar e a que subjazerá a ponderação do enquadramento normativo vigente na data da efectivação de tal comunicação (2011), com particular realce para o definido pelas regras transitórias impostas pela Lei 6/2006, antes da sua alteração pela Lei 31/2012, de 14/08 ([5]).

 Relativamente ao primeiro dos fundamentos invocados no recurso, registamos que desde sempre se entendeu que o citado art. 1025º do CC ([6]) se refere aos prazos por que os contratos de arrendamento são celebrados e não ao prazo da sua duração, na sequência das sucessivas renovações impostas por lei a favor do inquilino. Nos termos do preceito, a locação não pode celebrar-se por mais de 30 anos, mas, como também advertem P. de Lima e A. Varela ([7]), o limite máximo de 30 anos não pode aplicar-se à duração locatícia proveniente da renovação do contrato, visto serem distintas as circunstâncias em que o contrato se inicia, na exclusiva disponibilidade das partes e as condições em que a relação se prorroga, por força da lei ([8]).

E o TC, no seu Acórdão nº 147/2005 ([9]), de 16-03-2005, concluiu não ter fundamento a aí suscitada inconstitucionalidade – à luz da tutela do direito de propriedade – do referido art. 1025º, interpretado no sentido de o prazo de 30 anos nele previsto apenas valer para a constituição do contrato, e não para a sua duração total resultante de sucessivas renovações – a dimensão em que fora aplicado pelo STJ –, por não lesar «o conteúdo essencial» ou o «conteúdo mínimo» daquele direito (de propriedade) e por também se poder «dizer que, apesar de tudo, os “senhorios (...) continuam a poder transmiti-lo e fruí-lo».

Lembre-se que já a Lei nº 828, de 28-9-1917 (art. 2º, nº 5) proibiu «aos senhorios (...) intentarem acções de despejo que se fundem em não convir-lhes a continuação do arrendamento, seja qual for o quantitativo das rendas» e o art. 106º do Decreto nº 5411, de 17-04-1919 estipulava que «Na renovação dos contratos de arrendamento de prédios urbanos (…) fica proibido aos senhorios (…) requererem o despejo de quaisquer prédios, seja qual for a sua renda, com fundamento de não lhes não convir a continuação do arrendamento». A Lei nº 2030, de 22-06-1948, manteve a regra da renovação automática.

E o princípio da prorrogação forçada e da impossibilidade de denúncia imotivada por parte do senhorio para o fim do prazo ou renovação do contrato de arrendamento urbano, com uma já longa tradição, subsistiu no Código Civil de 1966 e não foi derrogado pela legislação posterior.

Só com o RAU (DL 321/90, de 15/10), o legislador passou a admitir, amplamente, a celebração, após a vigência daquele, de contratos de arrendamentos habitacionais denominados de “duração limitada” ([10]), assim facultando aos contraentes, para o futuro, o afastamento desse princípio “vinculista”. Posteriormente, o DL 257/95 veio introduzir no RAU a extensão de tal faculdade também em relação aos arrendamentos para comércio, indústria, exercício de profissões liberais ou para outros fins não habitacionais ([11]).

Por isso, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais do pretérito, celebrado até à vigência do DL 275/95, cai na categoria de “sem duração limitada” (na expressão do NRAU) e é “vinculístico”, não sendo possível ao senhorio fazê-lo cessar sem motivos, denunciando-o ou pondo-lhe termo para o fim do prazo ou da sua renovação: em princípio, mesmo contra a sua vontade, o senhorio terá de suportar indefinidamente o arrendamento que fora celebrado segundo o regime de prorrogação forçada que emergia do contrato e que se convencionou designar de “vinculista”.

A reforma operada com o RAU – anos depois complementada com o referido DL 275/95, para o arrendamento para fins não habitacionais – manteve em vigor o regime “vinculístico” dos arrendamentos urbanos então subsistentes ([12]).

Portanto, a recorrente não tem razão quando defende que os contratos de arrendamento em apreço, uma vez reduzido o respectivo prazo «ao período máximo de trinta anos», teriam passado, a partir de 1 de Abril de 2001, ao regime da renovação anual, a que a mesma se poderia opor por pretender, segundo parece, extrair, implicitamente, do decurso daquele período a consequência de que os contratos “vinculísticos” se teriam convolado em contratos de “duração limitada”.

Todavia, como se viu, por um lado, o decurso de tal período não tem a virtualidade de derrogar o mencionado “vinculismo” contratual e este, por outro lado, quanto aos arrendamentos para fins não habitacionais, só passou a poder ser afastado pelos contraentes, no exercício da respectiva liberdade contratual, a partir da vigência do DL 257/95, celebrando tais contratos com duração limitada ([13]).

Também não acompanhamos a segunda linha da argumentação oferecida pela recorrente quanto à aplicabilidade dos direitos de denúncia e de oposição à renovação do contrato de arrendamento previstos no NRAU aos contratos não habitacionais constituídos antes da sua vigência, a qual, supostamente, não seria contrariada pelas normas transitórias da Lei 6/2006 (que aprovou o NRAU).

Realmente, segundo pensamos, a aceitação da proposta interpretativa formulada neste recurso sobre as aludidas normas transitórias desrespeitaria as regras impostas pelo art. 9º do CC, porque, por um lado, não colheria na respectiva letra um mínimo de correspondência verbal e, por outro lado, contornaria os aspectos de ordem sistemática, histórica e racional envolvidos, afrontando, estrondosamente, o pensamento legislativo, por desconsiderar o modo como este foi sendo consagrado nos sucessivos regimes do arrendamento.

É certo que o nº 1 do art. 59º do NRAU prevê a aplicação das normas deste – que disponham directamente sobre o conteúdo da relação de arrendamento – às relações contratuais constituídas na data da sua entrada em vigor. Porém, desde logo, não pode omitir-se que a própria norma ressalva a aplicabilidade de normas transitórias especificamente previstas para as relações já constituídas.

Ora, perante as disposições conjugadas dos arts. 26º a 28 do NRAU – na versão original (anterior à conferida pela Lei 31/2012), como acima se disse –, aos contratos não habitacionais celebrados antes do DL 257/95 aplicava-se, com as devidas adaptações, aquele art. 26º que previa que os contratos sem duração limitada – como eram os dos autos – regiam-se pelas regras aplicáveis aos contratos de “duração indeterminada”, com as especificidades estabelecidas nas suas diversas alíneas, designadamente, a de não lhes ser aplicável a alínea c) do art. 1101º do CC, ou seja, a denúncia pelo senhorio mediante comunicação ao arrendatário com antecedência (então) não inferior a cinco anos sobre a data em que pretendesse a cessação ([14]). Com efeito, os contratos de arrendamento para fins não habitacionais celebrados antes do DL 257/95 estão, desde a redacção originária da Lei 6/2006, sujeitos ao regime dos contratos de “duração indeterminada”, com a relevante especificidade de, como princípio, não se aplicar a alínea c) do art. 1101º do CC ([15]).

Reforçando o entendimento que acaba de se expor, salientamos que, no caso, não se tratava de contratos de arrendamento de duração limitada – que eram apenas os que, como tal, haviam sido celebrados ao abrigo do RAU, ex vi DL 257/95 – mas, sim, de contratos abarcados pelo regime comum, decorrente das normas contidas nos nºs 4 e 6 do citado art. 26º, por remissão do art. 28º, do NRAU.

Cabe ainda dizer que não se vislumbra a pertinência da invocação do comando do art. 59º nº 3 do NRAU ([16]), pois, não só inexiste qualquer conflito entre normas supletivas, como aquele artigo 26º nº 4 incorpora normas imperativas de interesse e ordem pública que impõem que a tais contratos se continue a aplicar a regra da sua renovação automática ou forçada e não a faculdade prevista no art. 1097º do CC ([17]).

Do que resulta a manutenção, em regra, da proibição de denúncia ad nutum pelo senhorio em contratos como os que estão em causa nos autos, pois a reforma de 2006, mesmo com a sua alteração de 2012, não ultrapassou o “vinculismo” quanto aos contratos do pretérito, em relação aos quais o senhorio continua a não poder efectuar a denúncia mediante comunicação ao arrendatário ([18]).

Acresce que a posição defendida pela recorrente, obnubilando a aplicabilidade da citada norma transitória, não leva em linha de conta e, por isso, não oferece qualquer explicação para o facto de o regime legal decorrente do NRAU permitir, precisamente, que se opere uma transição dos contratos de arrendamento não habitacionais celebrados antes da vigência do DL 257/95 para o regime constante do próprio NRAU, através da comunicação de tal intenção ao arrendatário pelo senhorio, uma vez verificadas determinadas condições. Ora, se é o próprio diploma, a prever tal procedimento específico, «um regime muito próprio para uma eventual quebra do vinculismo, permitindo ao senhorio fazê-lo a partir do momento em que ocorram determinadas vicissitudes», não faz qualquer sentido entender que a possibilidade de denúncia ad nutum pelo senhorio dos contratos do passado já resultava da aplicação imediata do novo regime ([19]).

E, por fim, tanto assim é que idêntica ilação se colhe do confronto entre o conjunto dos artigos 1095º a 1098º do CC – que compõem a subdivisão atinente ao «Contrato com prazo certo» – e o dos artigos 1099º a 1103º do mesmo compêndio ([20]) –que integram a subdivisão relativa ao «Contrato de duração indeterminada»: a oposição à renovação que a recorrente pretendeu acionar, prevista no art. 1097º, vale apenas para os contratos com “prazo certo” (anteriormente designados de “duração limitada”), não para os arrendamentos “vinculísticos”, que o legislador designou de “duração indeterminada” – como são os dos autos –, uns e outros com o sentido técnico-jurídico que resulta de tudo o que se expôs.

Por conseguinte, a comunicação que a recorrente/senhoria endereçou à recorrida, manifestando a sua oposição à renovação dos mencionados contratos, não constitui título executivo para basear a instauração e o prosseguimento da execução, nos termos do art. 15º do NRAU, pelo que, improcede o recurso.

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Síntese conclusiva:

1. Qualquer uma das partes pode requerer que o recurso interposto de decisão proferida em 1ª instância que ponha termo à causa suba directamente ao STJ, desde que, cumulativamente, o respectivo objecto se restrinja a questões de direito e não abarque decisões interlocutórias e se verifiquem os requisitos referentes ao valor da causa e da sucumbência, para tanto impostos, faculdade que, nos termos do art. 678º, nº 1, do CPC, se mostra configurada como um direito potestativo a cujo exercício a parte contrária não poderá opor-se, uma vez que estejam preenchidas todas as aludidas condições.

2. A previsão do art. 1025º do CC – tal como a do (actual) art. 1095º, que regula o denominado “contrato com prazo certo” – refere-se ao prazo por que o contrato de arrendamento é celebrado e não ao da sua duração, na sequência das suas sucessivas renovações.

3. Não obstante as inovações do NRAU (aprovado pela Lei 6/2006), mantém-se, em regra, a proibição de denúncia ad nutum ou da oposição à renovação pelo senhorio de contratos de arrendamento não habitacionais, celebrados antes do DL 257/95, que continuam a estar, desde a redação originária da Lei 6/2006, sujeitos ao regime dos contratos de “duração indeterminada” – o regime comum a que se convencionou designar “vinculístico” – com a relevante especificidade de, em princípio, não se lhes aplicar a alínea c) do art. 1101º do CC, por força das normas transitórias previstas nessa Lei, particularmente a contida na alínea c) do nº 4 do seu art. 26º (e, após a alteração operada pela Lei 31/2012, no seu art. 28º, nº 2).

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Decisão:

Pelo exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 19/9/2017

Alexandre Reis - Relator

Pedro Lima Gonçalves

Cabral Tavares

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[1] Dispunha o art. 3. do RAU – tal como, anteriormente, o art. 1086º do CC revogado por tal diploma – que o «arrendamento urbano pode ter como fim a habitação, a actividade comercial ou industrial, o exercício de profissão liberal ou outra aplicação lícita do prédio».

[2] Neste sentido, os Professores: Januário da Costa Gomes “Sobre a (vera e própria) denúncia do contrato de arrendamento. Considerações Gerais”, in Revista O Direito, 2011, pp. 30 a 32, e “A desvinculação ad nutum no contrato de arrendamento urbano na reforma de 2012. Breves notas” (Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Lebre de Freitas), ROA; Gravato Morais, “Arrendamento (vinculístico) para comércio e a questão da oposição à renovação do contrato pelo senhorio” in Cadernos de Direito Privado, nº 33, Janeiro/Março 2011, pp. 58 a 62), “Novo regime do arrendamento comercial”, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2012, e “As novas regras transitórias na reforma do NRAU (Lei 31/2012)”, Revista Julgar - nº 19 – 2013, pp. 31 e ss; e Olinda Garcia, in “Arrendamento para comércio, aplicação da lei no tempo. Oposição à renovação e denúncia do contrato”, consultável em http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rfdulp/artide/view/2960/2226.

[3] De que são exemplo os Acórdãos da RE de 15-01-2015 (P. 557/14.9YLPRT.E1 - Mário Serrano), da RC de 18-11-2014 (P. 4172.11.0TJCBR.C1- Falcão de Magalhães), da RL de 19-02-2013 (P. 2201/11.7TBPDL-A.L1-1 - Rosário Gonçalves), da RP de 24-01-2012 (P. 6208/10.3YYPRT-A.P1 - Anabela Dias da Silva) e da RG de 19-05-2011 (P. 942/10.5TBFAF.G1 - Carvalho Guerra).

[4] P. 971/08.9TVPRT.P1.S1 (relatado pelo Cons. Hélder Roque) e que, para o que aqui releva, foi assim sumariado:

«(…) II - A primazia do NRAU, na definição dos critérios de delimitação intertemporal, só é manifesta quanto aos preceitos imperativos, que são de aplicação imediata, mas não quanto às normas supletivas, que apenas se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do NRAU quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da sua celebração, como reflexo da subordinação do “estatuto do contrato” em relação ao “estatuto legal”.

III - A alteração substancial mais relevante introduzida pelo NRAU consistiu na eliminação do monopólio da oposição à renovação, por parte do inquilino, em qualquer modalidade de arrendamento, e seja qual for o respectivo tipo de duração, passando, também, o locador a gozar do direito de se opor à renovação ou de denunciar, não, fundadamente, o contrato, embora com observância do prazo de pré-aviso, com antecedência legal.

IV - Todos os contratos para fins não habitacionais – arrendamento para comércio, indústria e outros fins – sem qualquer excepção, constituídos antes da data do início de vigência do NRAU, são susceptíveis de vir a ser regulados por este diploma legal, caindo no domínio da lei nova os efeitos futuros das respectivas relações jurídicas que vierem a produzir-se já no âmbito temporal da mesma.».

[5] Ainda que da eventual aplicação desta lei não resultasse uma solução para a questão aqui suscitada em termos substancialmente diversos, como, muito de passagem, ainda observaremos.

[6] Que dispõe que a locação não pode celebrar-se por mais de 30 anos e que, sendo estipulada por tempo superior, ou como contrato perpétuo, considera-se reduzida àquele limite. Também o actual art. 1095º, que regula o denominado “contrato com prazo certo”, cuja estipulação deve constar de cláusula inserida no contrato, contém uma norma de idêntico alcance.

[7] In Código Civil Anotado, 4.ª ed., vol. II, pp. 348 e 509.

[8] «A possibilidade de aplicação do art. 1025° do CC não colhe. Do que se trata aí é de estabelecer que o período inicial de duração do contrato de locação não pode exceder os 30 anos. Apenas isso.» (Gravato Morais, in cit. “Arrendamento (vinculístico) para comércio …”). No mesmo sentido, Aragão Seia, in “Arrendamento Urbano Anotado e Comentado”, 7ª ed., pp. 497 e 638, opina que o preceito «vale apenas para a constituição do contrato, mas já não para a renovação do mesmo. Ou seja, não se pode celebrar um contrato de arrendamento para habitação por prazo superior a 30 anos, o que é um modo de defender o arrendatário que, sendo no contrato a parte mais fraca, podia ver-se coagido a aceitar arrendamentos por prazos que lhe retiravam toda a liberdade. As prorrogações do contrato essas já não estão sujeitas a esse limite de duração: desde logo, porque elas funcionam a favor do inquilino, e, para acautelar a imposição do senhorio, é suficiente a possibilidade de denúncia do contrato, verificadas as condições legais, ou da sua resolução quando ocorra motivo de despejo.».

[9] P. 503/04 – Cons. Prazeres Beleza.

[10] Em bom rigor, o contrato denominado de “duração limitada” (na expressão do RAU – art. 98º –, actualmente, “com prazo certo”, na expressão do NRAU – arts. 1094º e 1095º do CC), a cuja renovação se pode opor tanto o arrendatário como o locador, foi introduzido pela Lei 46/85, de 20/9, mas então limitado ao arrendamento habitacional de prédios que nunca tivessem sido arrendados, com o específico escopo de alargar a disponibilização de locais arrendáveis para habitações.

[11] Um tanto incongruentemente, como observou o Prof. Januário da Costa Gomes, in cit. “A desvinculação ad nutum …”, nota 66: «Deste modo, o legislador de 1995 veio corrigir uma situação paradoxal, já que o que teria sido mais lógico seria o de o pioneirismo nos contratos de duração limitada pertencer aos arrendamentos não habitacionais que não aos habitacionais; cf. o nosso Arrendamentos para habitação2, cit., p. 208.».

[12] É o que lembra o Prof. Januário da Costa Gomes no Estudo cit. na nota anterior, p. 621, em cuja nota de rodapé nº 1, o Autor acrescenta: «Para a caracterização do vinculismo arrendatício, impõe-se, como primeira referência, o nome e a obra de PINTO FURTADO; cf., v. g., Curso de direito dos arrendamentos vinculísticos, Almedina, Coimbra, 1984, p. 131 e ss., Id., Evolução e estado do vinculismo no arrendamento urbano, in “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio GalvãoTelles”, III - “Direito do arrendamento urbano”, Almedina, Coimbra, 2002, p. 647 e ss., Id., Manual do arrendamento urbano, i, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 187 e seguintes (…)».

[13] Aliás, o art. 6º do diploma prescrevia, expressamente, a sua não aplicabilidade «aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor».

[14] Nos termos desse preceito, com a actual redacção (Lei 31/2012), essa antecedência é agora de 2 anos.

[15] O Prof. Januário da Costa Gomes, no comentário crítico que fez ao acima mencionado Acórdão desta Secção de 27-05-2010, in cit. “Sobre a (vera e própria) denúncia …”, realçou, quanto a essas normas transitórias, ser impossível desconsiderar, como fez o Supremo, o regime do artigo 26/4, aplicável, por força do artigo 28: «Ou seja, o arrendamento em causa, uma vez qualificado como comercial e sujeito ao regime comum (vinculístico), passou a ser, ex vi legis, um “arrendamento sem duração limitada”, sujeito, em consequência, às regras aplicáveis aos arrendamentos de duração indeterminada, mas com as especificidades das alíneas do citado artigo 26/4», não sendo, assim, possível desconsiderar a “conversão” do contrato em causa em contrato de duração indeterminada, feita no citado artigo 26/4). A propósito, o Autor evoca a seguinte lapidar passagem de Pinto Furtado, in “Manual do arrendamento urbano”, p. 996: «Os velhos contratos vinculísticos passaram a ser encarados, para todos os efeitos, como contratos de duração indeterminada, deixando de comportar o instituto da oposição à renovação».

Gravato Morais, in cit. “Arrendamento (vinculístico) para comércio e a questão da oposição à renovação do contrato pelo senhorio”, diz resultar expressamente do art. 26º, nº 4, do NRAU «que a disciplina dos contratos antigos (os vinculistas) passou a ser a dos contratos de duração indeterminada, que são aqueles que se lhes equiparam “ex lege”».  

Como refere, ainda, Pinto Furtado, in “Manual do Arrendamento Urbano”, II, p. 959 «Seja o arrendamento habitacional ou não habitacional, não há em princípio, denúncia livre pelo senhorio, nos termos da alínea c) do nº 4 do art. 26º da Lei nº 6/2006». Relembre-se que, actualmente, assim continua a ser, mas por força do art. 28º, nº 2, na versão introduzida pela Lei 31/2012.

[16] «As normas supletivas contidas no NRAU só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável».

[17] Gravato Morais, in cit. “Arrendamento (vinculístico) para comércio …” destaca a natureza imperativa (de interesse e ordem pública) da norma (art. 26º, nº 4) – «A imperatividade que entendemos consagrada na norma é-o no sentido de impedir a sua derrogação pura e simples» –, ao dispor que «os contratos sem duração limitada [portanto, os vincutisticos] regem-se [a partir da data da entrada em vigor do Novo regime do Arrendamento Urbano] pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada [ ... ]».

[18] A este respeito, Gravato Morais, in cit. “As novas regras transitórias …” anotou que a «reforma de 2006 veio trazer algumas particularidades quanto aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do DL 257/95, de 30 de setembro, sempre sujeitos ao regime vinculista (já que não havia sequer outro que se pudesse adotar alternativamente)» e que a reforma de 2012 veio dar uma nova dimensão a tais contratos, sob o prisma da denúncia imotivada, sob cujo domínio se mantém formalmente o espírito da reforma de 2006, perante o disposto no art. 28º, nº 2, do NRAU, que «significa que o regime da denúncia imotivada com prazo de pré-aviso de 2 anos não se aplica. Portanto, o contrato não perde a sua faceta vinculista, não se altera nem se modifica».

Também Januário da Costa Gomes, in cit. “A desvinculação ad nutum …”, pp. 643, 644, 648 e 649, expendeu «A remissão do artigo 26.º/4 para os arrendamentos de duração indeterminada determinaria a aplicação do regime da alínea c) do artigo 1101 do CC. Contudo, a redação original do artigo 26.º/4 da Lei 6/2006 impedia — na sua alínea c) — a aplicação daquela alínea c) do artigo 1101.º do CC, com a consequência de que o arrendamento mantinha-se preso pela lógica vinculística até que se extinguisse por outra causa (…) quanto aos arrendamentos celebrados antes do RAU mantém-se, por força do “novo” artigo 28.º/2 da Lei 6/2006, o regime inicial do NRAU, ou seja, esses arrendamentos não podem ser denunciados pelo senhorio nos termos da alínea c) do artigo 1101.º do CC (…) Quanto aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais celebrados antes do DL 257/95, dispõe o novo artigo 28.º/2 que não é aplicável o disposto na alínea c) do artigo 1101.º do CC, replicando, assim, o regime que constava da alínea c) do primitivo artigo 26.º/4 da Lei 6/2006, aplicável por força da remissão do artigo 28.º também primitivo. Isto significa a manutenção do regime vinculístico no que à denúncia se refere, manutenção essa que, no entanto, surge claramente atenuada pelas situações de desvinculação unilateral propiciadas pelo regime consagrado nos artigos 50.º a 54.º, na redação de 2012 (...) A remissão do artigo 26.º/4 para os arrendamentos de duração indeterminada está pensada em função das situações comuns em que os arrendamentos (vinculísticos) celebrados antes da entrada em vigor da Lei 6/2006 eram celebrados por prazos curtos, de seis meses ou um ano, aplicando-se, a partir daí, a lógica da renovação automática com a quase impossibilidade de o senhorio denunciar o contrato».

[19] Neste sentido, v. Gravato Morais, in cit. “Arrendamento (vinculístico) para comércio …”, também remetendo para a sua obra, igualmente já cit., “Novo Regime do Arrendamento Comercial”.

[20] Disposições especiais do arrendamento para habitação, mas igualmente aplicáveis aos arrendamentos para fins não habitacionais, por força da remissão do art. 1110º.