Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
14143/14.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
DOCUMENTOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO DO TRABALHADOR.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO / INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / ACTOS DAS PARTES ( ATOS DAS PARTES ) / APRESENTAÇÃO A JUÍZO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / PROVA POR DOCUMENTOS / PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais”, 2.ª ed., 111.
- Rodrigues Bastos, Notas ao “Código de Processo Civil”, Vol. III, 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 279.º, ALÍNEA C), 296.º, 298.º, N.º1, 323.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 132.º, N.º1, 137.º, N.ºS 1 E 2, 138.º, N.º1, 144.º, N.ºS 1 E 2, 423.º, N.ºS 1 E 2, 443.º, N.º 2, 574.º, N.º1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 337.º, N.º 1.
PORTARIA N.º 280/2013, DE 26/08: - ARTIGOS 6.º, N.º 1, AL. B), 10.º, N.ºS 1, 2, 4 E 5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

-DE 7/3/85, IN B.M.J., 347.º/477.
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 5/4/1989, IN B.M.J. 386/446, DE 23/3/90, IN A.J., 7.º/90, 20, DE 12/12/1995, IN C.J., 1995, III/156, DE 18/6/96, C.J., 1996, II/143, DE 31/1/1991, IN B.M.J. 403.º/382.
-DE 7/02/1991, A.J., 15.º/16.º-28, E DE 29/04/1992, B.M.J., 416.º-619.
-DE 24/01/2007 E DE 4/12/2007, A.D., 544.º-695 E 554.º-460, RESPECTIVAMENTE, E DA 4.ª SECÇÃO, DE 14/01/2009, PROC. N.º 2060/08, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 20/06/2012, PROC. N.º 347/10.8TTVNG.P1.S1.

Sumário :
1 - O efeito interruptivo determinado no nº 2 do art. 323º do CC assenta em três pressupostos:
a) Que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação;
b) – Que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;
c) Que o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao A.

2 - A expressão legalcausa não imputável ao requerente” deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, não se verificando a interrupção da prescrição se existir nexo de causalidade adequada entre a conduta do A. e a não realização do ato interruptivo (citação ou notificação) no prazo de cinco dias após ter sido requerido.

3 – A não apresentação dos documentos com a petição ou nos prazos estabelecidos no art. 144º, nºs 1 e 2 e nos arts. 10º, nºs 1, 2, 4 e 5 da Portaria 280/2013 de 26/08, não constitui motivo impeditivo da realização da citação.

4 – A apresentação dos documentos depois dos cinco dias estabelecidos no art. 323º, nº 2 do CC, não exclui a interrupção da prescrição ali estabelecida.

Decisão Texto Integral:


PROC. 14143/14.T8LSB.L1.S1
REVISTA
4ª Secção

RC/FP/CM

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1])

1 – RELATÓRIO

AA interpôs a presente ação com processo comum contra BB pedindo que:

a) Seja declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre A. e R. desde 1.9.2004;

b) Que a R. seja condenada a pagar-lhe:

  1. € 7.875,00, a título de subsídios de Natal referentes aos anos de 2004, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013;

  2. € 13.039,00, a título de subsídios de férias referentes aos anos de 2005 a 2013;

  3. € 2.970,00, a título de férias e subsídio de férias referentes aos anos da cessação do contrato de trabalho em 31.12.2013:

  4. € 13.365,00, a título de indemnização de antiguidade.

Para tanto alegou que iniciou a sua atividade para a R. em setembro de 2004 e que esta fez terminar o vínculo, que tem natureza laboral, por sua iniciativa, em 31.12.2013, sem precedência de processo disciplinar.

Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, contestou a R., por exceção, invocando, além do mais, a prescrição dos créditos laborais.

No despacho saneador, conheceu-se desta exceção, que foi julgada verificada, tendo sido proferida a seguinte decisão:

«Nesta conformidade e decidindo, julga-se procedente a excepção peremptória da prescrição invocada e, consequentemente, absolve-se a ré BB do pedido formulado por AA.

Custas pelo autor.

Fixa-se à acção o valor indicado na petição inicial.

Registe e Notifique.»

Inconformado o A. apelou, tendo a Relação proferido a seguinte deliberação:

«Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, pelo que se revoga a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.»

Não aceitando tal veredito, recorre agora a R. de revista impetrando a revogação do acórdão recorrido, “decidindo-se pela procedência da excepção de prescrição invocada, com a absolvição do R. de todos os pedidos”.

O A. não contra-alegou.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral-‑Adjunta emitiu douto parecer no sentido da negação da revista e da confirmação do acórdão recorrido, o qual não mereceu resposta.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

“(Recorribilidade, objecto do presente recurso e fundamentação específica da recorribilidade e da alteração ou anulação da decisão recorrida (n.º 2 do artigo 637.º e n.º 1 e 2 do artigo 639.º do CPC))

1. O Acórdão recorrido e a decisão nele constantes são recorríveis nos termos conjugados do disposto nos artigos 671.º, nº 1, al. a) e b) do n.º 1 do artigo 674.º, 629.º, n.º 1 e 631.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil e, ainda, nos termos do disposto nos artigos 80.º, n.º 1 e 2 e 81.º, n.º 5 do Código de Processo do Trabalho. Isto porquanto, estamos perante decisão sobre improcedência de excepção peremptória, em que a recorrente fica totalmente vencida, proferida em processo cujo valor excede a alçada da Relação e o recurso é tempestivo.

2. O que aqui está em causa é, no essencial, saber se o Acórdão recorrido interpretou e aplicou correctamente a norma do art. 323.º, n.º 2 do Código Civil, considerando interrompida e não verificada a prescrição que ocorreria por força do determinado no artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, qualificando e subsumindo devidamente os factos provados por referência à mesma.

3. Entende o recorrente que enferma o Acórdão recorrido de erro na interpretação e aplicação de normas substantivas e errada aplicação da lei do processo. Isto, porquanto, entendeu o Acórdão recorrido, em contrário do decidido em 1.ª instância, que não procede a excepção peremptória de prescrição (ex vi artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho), invocada pela R. e aqui recorrente BB, entendendo-se que, no caso concreto, o prazo respectivo se encontrava interrompido por efeito do disposto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, por a presente acção não ter sido alvo de citação após 5 dias da data da sua entrada em juízo, por razão não imputável ao A.

4. Entendemos, pois, que a decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente aquela norma, tendo em atenção os factos em presença e as demais obrigações e normas legais, substantivas e processuais aqui aplicáveis.

5. Decisão com que a recorrida não se pode conformar e que vem aqui colocar em crise, por entender, ao contrário, que tal prescrição ocorreu e que a falta de citação para a acção se deveu (e sempre se deveria) a facto imputável ao A. e recorrido e que não se poderia considerar o referido prazo como interrompido nos termos decididos, constituindo este o fundamento e o objecto do presente recurso.

Senão vejamos:

6. Atentos os factos em causa e provados nesta acção (supra descritos nas alegações), assiste inteira razão ao recorrente, devendo proceder a excepção de prescrição invocada.

7. Conforme fundamenta o Acórdão recorrido, o prazo prescricional em apreço nestes autos iniciou-se em 1.1.2014 (dia seguinte ao da cessação do contrato) e completava-se às 24 horas do dia 1.1.2015 (por força do disposto e da necessária aplicação ao caso, atenta a própria tese do A., do n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho).

8. O A. interpôs a presente acção em 22 de Dezembro de 2014, por via electrónica, através da Petição Inicial com ref.a CITIUS 18348065;

 9. Na ocasião juntando (apenas) 4 (quatro) do[s] 59 (cinquenta e nove) documentos que indicou instruírem aquele articulado- al. C) dos factos provados.

10. O A. veio a remeter os restantes documentos (55) a esse Tribunal através dos requerimentos com a Ref.a CITIUS 18410443, 18410622, 18410708, 18410807, 18410905, 18410973, 18411039 e 18411186, em 6 de Janeiro de 2015.

Ou seja,

11. O A. apenas remeteu todos os restantes documentos com que indicou instruir a petição inicial, na data de 6 de Janeiro de 2015 - al. D) dos factos provados.

12. Pelo que, apenas em 6 de Janeiro de 2015 a Secção do Tribunal onde correu a presente acção, dispôs da versão integral da petição inicial.

13. E só nessa data de 6 de Janeiro de 2015, o Tribunal estava em condições de citar a R. para a acção;

14. Pelo que a falta de citação (atempada) e a concomitante e consequente não interrupção do prazo prescricional ex vi n.º 2 do artigo 323.º do CC, ocorreu por culpa exclusiva do A..

15. A nenhuma outra conclusão podemos chegar ao fazer a devida e correcta subsunção jurídica dos factos em presença.

Explicando:

16. As partes processuais (normalmente, A. e R.) numa acção têm direitos e obrigações, substantivas e processuais, a cumprir.

17. Entre esses deveres, está o de as partes, com os articulados, juntarem os respectivos documentos que indicam e instruem a sua peça processual (cfr., para o caso específico, n.º 1 do artigo 63.º do CPT e, em tese geral, o artigo 423.º, n.º 1 do CPC);

18. Tanto mais que sobre os mesmos (documentos) sempre terá o R. o direito de se pronunciar (n.º 1 do artigo 415º CPC).

19. Por seu lado, e tratando-se de uma petição inicial, sujeita a distribuição e citação, deve aquela, aquando do acto de citação, estar completa e ser remetida completa ao R. citando.

20. A isso obriga, no caso concreto (laboral) o n.º 4 do artigo 54.º do CPT ("Com a citação é remetido ou entregue ao R duplicado da petição inicial e cópia dos documentos que a acompanhem");

21. E, na regra geral processual, a isso também obriga e é determinado pelo n.º 3 do artigo 219.º do CPC ("A citação e as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto").

22. Sendo que, atente-se, a lei determina a obrigatoriedade da transmissão ao citando dos documentos que a acompanhem, conforme preceitua o n.º 1 do artigo 227.º do CPC ("O ato de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem").

23. Pelo que, a junção à p.i. dos documentos que são indicados como a instruindo e com aquela juntos, é obrigação do A. e constitui elemento essencial à completude da peça processual inicial e à realização da citação.

24. Levando, em nosso entender, no caso em que tal não aconteça (a peça esteja incompleta), necessariamente, a que os efeitos decorrentes da entrada em juízo (no qual se inclui a possibilidade de obter o efeito interruptivo da prescrição) não possa ocorrer.

25. E isto, naturalmente, por culpa exclusiva do A., que não providenciou a remessa da peça completa, não permitindo a regular citação do R..

 26. E nem se diga que a peça inicial, in casu, veio incompleta, por a dimensão dos documentos exceder os 3 MB permitidos por aquela aplicação, podendo, então, os documentos ser remetidos posteriormente e o A. beneficiar daquele efeito interruptivo da mesma forma.

27. Pois, nesse caso (que aqui ocorreu), a parte A. tem a obrigação de remeter os documentos em falta, pela mesma via CITIUS), através de requerimento (no caso de p.i.) "até ao final do dia seguinte ao da distribuição" (cfr. n.º 3 e 4 da Portaria n.º 280/2013 de 26-08 com alt. subsequentes).

28. Neste mesmo sentido, o disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 144.º CPC, que, aliás, a norma referida daquela Portaria completa e regulamenta.

29. O que o A. também não cumpriu.

30. Tendo, nessa base e medida, dado causa à falta de citação atempada da R.

31. Pelo que, também por aqui, não se pode considerar verificada, no caso concreto, a interrupção da prescrição por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 323.º CC.

32. Neste sentido, entre outros, Ac. STJ de 10-04-1996, in CJ-STJ 1996, T1, pág. 283; Ac. STJ de 07-02-1992, in Actualidade Jurídica 15.716.º, pág. 28; Ac. STJ de 05-05-1987, in BMJ, 367.º, pág. 507.

33. E nem se diga, como refere o Acórdão recorrido, que, ainda assim, e por a citação estar dependente de prévio despacho judicial, o efeito interruptivo se deveria verificar porque esse acto processual (normalmente, diremos nós) só ocorreria após férias e, portanto, era questão de ordem processual, alheia ao A.

34. Em primeiro lugar, o artigo 137.º do CPC exceptua dos actos a (não) praticar em férias as citações, sem excepcionar as que dependam, ou não, de prévio despacho judicial.

35. Pelo que não é líquido que, conquanto o processo o permitisse, a citação (com prévio despacho que a ordenasse) não se pudesse verificar em férias.

36. E, de todo o modo, admitindo, ou não, que o despacho só iria ser emitido após férias, certo é que, para que o A. beneficiasse daquele efeito interruptivo da prescrição, teria de ter cumprido com as suas obrigações processuais legais, em tempo de evitar a ocorrência da prescrição.

37. Assim seria se o A. tivesse cumprido com todas as obrigações processuais (acima referidas) na entrega da sua peça, por forma a permitir a citação da R. (também para que o processo fosse concluso e aquele despacho determinando a citação ocorresse de forma completa e regular), o que não fez, como já se explicou detalhada e fundamentadamente, falecendo, logo por aí, essa conclusão;

38. Pois, nas próprias palavras do Acórdão posto em crise, o autor infringiu objectivamente a lei em termo processual até à verificação da prescrição, como se verificou.

39. Esta é questão e facto totalmente imputáveis ao A., porquanto na sua total disponibilidade e iniciativa.

40. O A. apenas juntou 55 documentos que indicou anexar e instruir a sua p.i. a 6 de Janeiro de 2015 (al. D) dos factos provados) e, portanto, a petição só estava completa e apta a regular e completa citação do R. a partir dessa data.

41. Logo, reafirmando, só se poderiam considerar cumpridos os deveres legais processuais determinados ao A. para que a p.i. estivesse completa e em condições de ser citada a partir dessa data.

42. Pelo que só a partir dessa data, minime (ou, sendo mais rigorosos, após 5 dias), se poderia considerar interrompida a prescrição.

43. Data em que a prescrição já havia ocorrido (1/1/2015).

 44. Tendo o R. sido citado a 13.1.2015 (al. F) dos factos provados), data em que (igualmente) a prescrição já havia ocorrido, pelos motivos expostos, excepção de prescrição que invocou devidamente e em tempo e deve ser considerada e proceder.

45. Atente-se, em abono desta tese, o facto concreto de a conclusão e o despacho ordenando a citação da R. terem ocorrido a 8 de janeiro de 2015 (al. E) dos factos provados).

46. E não imediatamente após férias judiciais, como naturalmente ocorreria se a p.i. estivesse completa, assim permitindo, logo a partir dessa data, a citação do R.

47. E, então, neste caso, permitindo a ocorrência (atempada) do efeito interruptivo da prescrição a partir do momento em que a peça estivesse completa (desde que o estivesse sempre 5 dias antes da ocorrência da prescrição).

48. E isto por inércia do A.

49. Ou seja e em suma, a falta de citação atempada da R., no caso concreto, deveu-se (e terá de se considerar como devida, ainda que genérica e abstractamente em situação idêntica) a facto e incumprimento de deveres processuais legais, imputáveis ao A. (junção tardia dos documentos que indicou anexar e instruir a p.i.), que este apenas supriu já após a ocorrência da prescrição;

50. Não podendo, por esse motivo, o A. beneficiar do efeito interruptivo da prescrição, por apelo ao disposto no n.º 2 do artigo 323.º do CPC;

51. Ao contrário do decidido no Acórdão aqui posto em crise, que faz uma errada interpretação e aplicação do sentido das normas que aplica e uma errada qualificação e subsunção dos factos em concreto, violando o correcto entendimento que deve ser conferido aos normativos aplicáveis (isto, quer tendo em conta os requisitos ou pressupostos concretamente aferidos na acção, quer os abstractamente determináveis, para este efeito), conforme o aqui exposto.

52. As normas jurídicas violadas e que foram erradamente interpretadas e aplicadas no aresto recorrido, são as citadas nestas conclusões, desde logo, o n.º 2 do artigo 323.º do CC, n.º 1 e 2 do artigo 144.º CPC, n.º 3 e 4 da Portaria n.º 280/2013 de 26-08 com alt. subsequentes, n.º 1 do artigo 227.º e n.º 3 do artigo 219.º do CPC, o n.º 4 do artigo 54.º e o n.º 1 do artigo 63.º do CPT, o artigo 423.º, n.º e o n.º 1 do artigo 415.º CPC e o artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, e o sentido em que, no Acórdão recorrido, as normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas é que defendemos acima, de modo devidamente fundamentado.

53. Pelo que, teremos de concluir pela procedência da excepção invocada (ex vi n.º 1 do artigo 337.º CT) e do presente recurso, sendo revogada a decisão recorrida e substituída por outra que decida pela ocorrência da prescrição dos créditos do A. e absolva o R. de todos os pedidos formulados (n.º 3 do artigo 576º do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto na ai. a) do n.º 2 do artigo 1.º do CPT.), com o fundamento supra exposto.”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

A ação emergente de contrato de trabalho com processo comum foi interposta no dia 6 de janeiro de 2015 (fls. 18).

O acórdão recorrido foi proferido em 15 de junho de 2016 (fls. 192).

É assim aplicável:

- O Código de Processo Civil na versão atual, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, a questão submetida à nossa apreciação consiste em saber se ocorreu a prescrição dos créditos reclamados pelo A.

4 - FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

A Relação considerou provados os seguintes factos:

“A. O Autor esteve ao serviço da Ré;

B. A relação contratual cessou, por iniciativa da Ré, em 31.12.2013;

C. A petição inicial foi remetida, via Citius, em 22.12.2014, acompanhada de 4 documentos;

D. Invocando a sua dimensão incompatível com a do Citius, o Autor remeteu os restantes 55 documentos em vários requerimentos, por via electrónica, em 6-5-2015.

E. Os autos foram conclusos em 8.1.2015, tendo nessa mesma data sido proferido despacho que designou o dia 27.1.2015, pelas 14,15h, para a realização da audiência de partes.

F. A Ré foi citada em 13.1.2015.”

4.2 - O DIREITO

Vejamos então se ocorreu a prescrição dos créditos reclamados pelo A.

Nos termos do art. 298º, nº 1 do CC, “estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.

Estabelece o art. 337, nº 1 do CT: “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

Como determinado no art. 296º do CC, à contagem deste prazo, são aplicáveis as regras do art. 279º deste mesmo diploma. Consequentemente, porque o prazo de prescrição está fixado em um ano, nos termos da al. c), o mesmo termina às 24 horas do dia a que corresponda dentro do ano seguinte ao da cessação do contrato.

Está provado que o contrato cessou no dia 31.12.2013.

Iniciando-se o decurso do prazo prescricional no dia 1.01.2014, o mesmo atingiu o seu términus às 24 horas do dia 1.01.2015.

Nos termos do art. 323º, nº 1 do CC, “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

No caso, está provado que a R. foi citada no dia 13.01.2015.

Prescreve, todavia, o nº 2 do mesmo art. 323º que, “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”  

O efeito interruptivo estabelecido neste nº 2 assenta em três pressupostos([3]):

1 – Que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação;

2 – Que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;

3 – Que o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao A.

Está provado que a petição inicial foi remetida, via Citius, em 22.12.2014, acompanhada de 4 documentos e que, invocando a sua dimensão incompatível com a do Citius, o Autor remeteu os restantes 55 documentos em vários requerimentos, por via electrónica, em 6-5-2015.

Temos assim que o A. requereu a citação da R. nove dias antes do termo do prazo de prescrição.

Por conseguinte, importa apurar se o facto da R. apenas ter sido citada em 13.01.2015 ocorreu por motivo imputável ao A.

«A expressão legalcausa não imputável ao requerente” deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei, em qualquer termo processual, até à verificação da citação» ([4]).

Dito de outra forma, a interrupção da prescrição não se verificará se existir nexo de causalidade adequada entre a conduta do A. e a não realização do ato interruptivo (citação ou notificação) no prazo de cinco dias após ter sido requerido.

O A. pediu a citação da R. no dia 22.12.2014, ou seja, no primeiro dia das férias judiciais, tendo os autos sido conclusos em 8.1.2015, tendo nessa mesma data sido proferido despacho que designou o dia 27.1.2015, pelas 14,15h, para a realização da audiência de partes.

Do referido decorre que a citação não foi ordenada nem realizada antes do termo do prazo de prescrição, nem dentro dos cinco dias após ter sido requerida, sendo certo que neste período decorriam as férias judiciais do Natal.

 Estando a decorrer as férias judiciais, período em que não se praticam atos judiciais, com exceção dos realizados de forma automática e dos destinados a evitar dano irreparável (art. 137º, nºs 1 e 2, do CPC), e se suspendem os prazos processuais (art. 138º, nº 1, do CPC) e, não se tratando, como não se trata, de processo urgente, apenas no dia 4.01.2015, se imporia que a citação fosse ordenada e/ou realizada.

Temos assim que, caso não ocorressem outros obstáculos imputáveis ao A., a citação não ocorreria nos 5 dias após ter sido requerida, pelo simples facto de estarem a decorrer as férias judiciais, não sendo, por isso, o motivo do retardamento imputável ao A., mas a razões de organização judiciária ([5]).

Alega, porém, a recorrente que embora a petição tenha sido apresentada em juízo no dia 22.12.2014 apenas ficou completa em 6.01.2015 e, assim, em termos de poder ser ordenada ou realizada a citação, porquanto, apenas nesta data o A. remeteu a juízo os restantes 55 documentos dos 59 que na petição referira que juntava.

Defende assim que, pese embora o decurso das férias judiciais, o retardamento da citação ocorreu por motivo imputável ao A.

Não há dúvida de que, referindo o A. na petição a junção de 59 documentos, os mesmos deveriam ter sido apresentados com ela (arts. 423º, nº 1, 132º, nº 1 e 144º, nºs 1 e 2, do CPC e art. 6º, nº 1, al. b) da Portaria 280/2013 de 26/08 – doravante apenas Portaria), ou em separado, no caso de a simultaneidade não ser possível, designadamente por condicionantes de ordem informática (art. 10º, nº 1 da Portaria), ou até ao final do dia seguinte ao da distribuição (nº 4 do art. 10º da Portaria) ou no prazo de 5 dias por um dos meios previstos no nº 7 do art. 144º do CPC (nºs 2 e 5 da Portaria).

Mas será que a não apresentação dos documentos nos termos e prazos referidos impede a parte de os apresentar em momento posterior?

A resposta terá que ser negativa.

A não observância do referido apenas faz a parte incorrer no pagamento de multa (arts. 423º, nº 2 e 443º, nº 2, do CPC), podendo, todavia, os documentos serem ainda apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (art. 423º, nº 2, do CPC).

Daqui se conclui que o facto do A. apenas ter remetido com a petição, 4 dos 59 documentos que nela refere, não impedia que fosse ordenada e realizada a citação, uma vez que a apresentação poderia ocorrer posteriormente nos termos e com a cominação referidos.

Alega a recorrente que apenas perante os documentos estaria na posse de todos os elementos para urdir cabalmente a contestação.

A contestação tem como finalidade a dedução da defesa perante os factos alegados pelo A. na petição (art. 574º, nº 1 do CPC). Ora, sendo os documentos meros meios de prova dos factos alegados, a sua não apresentação com a petição não inviabiliza nem condiciona a contestação, certo como é que, sendo apresentados em momento posterior, a R., no exercício do contraditório, poderá tomar posição relativamente aos mesmos.

Concluímos assim, que a não apresentação dos documentos com a petição ou nos prazos em que o poderia fazer sem cominação, não era impeditiva da citação, pelo que arredado se mostra o necessário nexo de causalidade adequada conducente ao afastamento do efeito interruptivo previsto no art. 323º, nº 2, do CC.

Não sendo o motivo da não realização até 27.12.2014, da citação requerida em 22.12.2014, imputável ao A., mas ao decurso das férias judiciais e, assim, a razões de organização judiciária, tem-se a prescrição por interrompida no dia 27.12.2014.

5. DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2 – Custas da revista pela recorrente.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 12.01.2017

Ribeiro Cardoso - Relator

João Fernando Ferreira Pinto

Joaquim António Chambel Mourisco

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Interrupção da prescrição

Documentos

1 - O efeito interruptivo determinado no nº 2 do art. 323º do CC assenta em três pressupostos:

a) Que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação;

b) – Que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;

c) Que o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao A.

2 - A expressão legalcausa não imputável ao requerente” deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, não se verificando a interrupção da prescrição se existir nexo de causalidade adequada entre a conduta do A. e a não realização do ato interruptivo (citação ou notificação) no prazo de cinco dias após ter sido requerido.

3 – A não apresentação dos documentos com a petição ou nos prazos estabelecidos no art. 144º, nºs 1 e 2 e nos arts. 10º, nºs 1, 2, 4 e 5 da Portaria 280/2013 de 26/08, não constitui motivo impeditivo da realização da citação.

4 – A apresentação dos documentos depois dos cinco dias estabelecidos no art. 323º, nº 2 do CC, não exclui a interrupção da prescrição ali estabelecida.

Lisboa, 12.01.2017

(António Manuel Ribeiro Cardoso)
(João Fernando Ferreira Pinto)
(Joaquim António Chambel Mourisco)

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[1] No texto é adotado o acordo ortográfico, exceto nas transcrições (texto em itálico) em que é mantida a versão original.
[2] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[3] Acórdãos do STJ de 24.01.2007 e de 4.12.2007, AD, 544º-695 e 554º-460, respetivamente, e desta secção de 14.01.2009 (Vasques Dinis), proc. 2060/08 in www.dgsi.pt.
[4] Ac. desta secção de 20.06.2012 (Sampaio Gomes), proc. 347/10.8TTVNG.P1.S1.
[5] Cfr. neste sentido os ac. do STJ de 7.02.1991, AJ, 15º/16º-28 e de 29.04.1992, BMJ, 416º-619.