Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2837/19.8T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROVA VINCULADA
PROVA DOCUMENTAL
FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA EXCECIONAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: - NEGAR A REVISTA NORMAL
- ORDENAR A REMESSA DOS AUTOS À FORMAÇÃO DE JUÍZES A QUE
ALUDE O ARTº 672º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário :
A matéria de apreciação de provas não vinculadas escapa à sindicância do STJ.
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


AA e mulher BB, intentaram acção declarativa de condenação com processo comum contra Banco BIC Português SA, pedindo a condenação da ré no pagamento de € 50.000,00 e juros vencidos e vincendos até integral pagamento, perfazendo os vencidos à data da interposição da acção, o montante de € 7.873,97.

Fundam o peticionado no instituto da responsabilidade civil e por violação dos deveres de informação impostos ao Banco R. na intermediação financeira das obrigações SLN Mais 2004, tendo o A. marido sido convencido a adquirir estas obrigações, com o argumento de que constituíam “uma variante de um depósito a prazo, que mais bem remunerado” e que apenas “se dispôs a aplicar o seu dinheiro na obrigação sugerida pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelo seu gestor de conta, funcionário do mesmo, que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo”.

Por último alegam que o A. marido não teria aceite a subscrição caso tivesse sido informado das reais características do produto.

Citado, veio o R. invocar a excepção de prescrição do direito aqui invocado, por via do disposto no art.º 324º do código dos valores mobiliários e de abuso de direito, bem sabendo o A. as características do produto adquirido, delas tendo beneficiado durante vários anos, sem nunca ter reclamado; por impugnação que prestou todas as informações sobre este produto, à data absolutamente seguro, não sendo possível prever a futura insolvência da emitente.

Em resposta à excepção invocada, os AA. alegam que o banco agiu com dolo ou culpa grave, pelo que se lhes aplica o prazo geral de prescrição constante do art.º 309º do código civil, de vinte anos.

Foi após designada audiência prévia, na qual, proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e identificados os temas da prova, relegando-se para final o conhecimento das excepções de prescrição e abuso de direito.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, findo o qual, foi proferida sentença que absolveu o réu dos pedidos.

Inconformados com esta decisão, impetraram os AA., recurso da mesma, pedindo que fosse revogada a sentença ora recorrida e substituída por outra que julgasse a ação totalmente procedente, por provada, mas a Relação julgou tal recurso improcedente.

Não se conformaram de novo os AA.. que interpuseram recurso de revista formulando as seguintes conclusões:

A.O Venerando Tribunal recorrido não deu cumprimento ao disposto no artigo 662.º do C.P.C., pois não teve em devida conta o depoimento do funcionário do Banco réu que vendeu o produto dos autos ao autor marido (a testemunha CC), nem de igual modo, valorou o depoimento de parte do autor marido, assim como não valorou um documento fundamental para a economia do processo – o documento n.º 6 da p.i..

B. O documento n.º 6 da p.i., não foi impugnado pelo Banco réu, pelo que tinha forçosamente de ter sido valorado, segundo as regras do artigo 376.º do C.C.

C. Nomeadamente, tinha de ter sido atribuída força de prova plena às declarações atribuídas ao Banco réu, seu autor – artigo 376.º, n.º 1 do C.C., in fine.

D. Nos termos do disposto no artigo 674.º, n.º 3 do C.P.C., o erro na apreciação das provas e na afixação dos factos materiais da causa pode ser objeto de recurso de revista quando se verifique a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

E. Atenta a prova produzida nos autos, deveriam ter sido dados por “provados” os factos não provados vertidos nos pontos 9; 10; 12; 13; 14; 15; 16 e 18 dos factos não provados.

F. O ponto 9 dos factos não provados deveria ter sido dada por provado, atento o depoimento da testemunha CC.

G. O ponto 10 dos factos não provados deveria ter sido dado por “provado”, atentos os depoimentos das testemunhas DD, EE e FF.

H.  Atento o depoimento das testemunhas DD e CC, o ponto 12 dos factos não provados deveria ter merecido a resposta de “provado”.

I. Sendo certo que, segundo as regras da repartição da prova, competia ao Banco réu demonstrar que ficha técnica do produto foi efetivamente entregue ao autor marido, o que não aconteceu.

J. O ponto 13 dos factos não provados atento o depoimento da testemunha CC.

K. O ponto 14 dos factos não provados deveria ter sido dado por “provado”, tendo em conta o depoimento da testemunha DD, GG e CC.

L. O modus operandi, do Banco réu, em ordem ao seu financiamento consistiu, como é do conhecimento comum, em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comumente praticada por outros operadores financeiros.

M. E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros,

N. O que na realidade não era verdade.

O. Os pontos 15 e 16 dos factos não provados deveriam ter ficado a constar na lista dos factos provados, atentos os depoimentos das testemunhas DD, GG e CC e o depoimento de parte do autor marido, nomeadamente, que não foi entregue ao autor marido a ficha técnica do produto que subscreveu; que lhe foi referido que haveria facilidade de transmissão do produto entre carteiras de clientes; que não lhe foi explicada a característica da subordinação da obrigação que subscreveu; que o autor marido era um cliente conservador e que foi reduzindo o seu envolvimento com o Banco réu desde que se apercebeu que teria sido lesado pelo mesmo e que só aceitou subscrever a obrigação dos autos porque confiava nos conselhos e sugestões que o seu gestor de conta lhe dava

P. O ponto 18 dos factos não provados deveria ter sido dado como “provado”, atento o teor do documento n.º 6 da p.i. e tudo o que foi dito pelo autor marido e pelas testemunhas em sede de audiência de julgamento, nomeadamente, por não lhe ter sido entregue a ficha técnica do produto.

Q. O autor marido, como os demais clientes do Banco réu, acabou por aceitar e subscrever tal produto porque acreditava e confiava plenamente nos funcionários do Banco réu que o aconselhavam quanto ao melhor destino a dar ás suas poupanças, tudo foi feito praticamente “ás cegas”, com base nessa mesma confiança, pelo que o tribunal deveria ter concluído que o autor marido nunca aceitaria fazer tal subscrição, se as verdadeiras características do produto em causa lhe fossem mostradas e devidamente explicadas.

R.  E ainda que à data da subscrição não se previsse a possibilidade de ocorrer a insolvência da entidade emitente, que nunca sequer se tivesse falado em insolvência de Bancos ou de outras instituições financeiras, se acreditasse que tanto o Banco réu como a sua dona eram, de facto, entidades seguras, ainda assim não se pode de boa-fé concluir que o autor marido foi devida e convenientemente informado pelo Banco réu (como devia) e que a característica da subordinação da obrigação dos autos era de somenos importância para a sua tomada de decisão.

S. Só quando uma pessoa é cabalmente esclarecida e informada sobre as características do produto que lhe é proposto subscrever, advertida dos riscos e dos benefícios que tal produto lhe poderá trazer, é que se poderá dar por devidamente informada nos termos previstos no artigo 312.º do CVM.

T. A característica da subordinação não era de somenos importância, mas de importância crucial para a aquisição daquele tipo de produto financeiro.

U. Uma coisa é adquirir-se um produto com risco Banco, que seria pago pelo Banco, com quem, no fundo, se estava (ou pensava estar) a contratar; outra é adquirir-se um produto de uma entidade que, na altura, nem se sabia bem o que era; uma coisa é adquirir-se um produto com um risco semelhante a um depósito a prazo, julgando-se estar sempre garantido pelo Banco; outra é adquirir-se um produto de uma entidade que se desconhece e que, ainda que seja muito pouco provável a sua insolvência, que até à data nunca sequer se tenha cogitado tal hipótese, se tal vier a acontecer, ainda que por mera suposição, só se receberá alguma coisa depois de todos os credores comuns terem recebido a totalidade dos seus créditos.

V. Uma coisa é julgar estar a adquirir-se um produto efetivamente seguro e garantido pelo próprio Banco, outra é adquirir-se um produto que, afinal, de seguro nada tem e que existe sempre um risco, ainda que longínquo, de se perder nele as poupanças de uma vida.

W. A questão da subordinação não foi efetivamente explicada ao autor marido e tal questão não é de somenos importância, mas de importância capital para uma tomada de decisão livre e informada.

X. O tribunal recorrido deveria, pois, ter dado por provado que, “Ao subscrever aquele produto, nunca passou pela cabeça do autor – nem tal lhe foi alvitrado – de que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de Outubro de 2014” e que “Nunca o autor teria aceitado subscrever uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004 se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivesse sido mostrado o documento n.º 6, nomeadamente, nos capítulos “REEMBOLSO ANTECIPADO”; “LIQUIDEZ” e “SIBORDINAÇÃO”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição”, atento o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do C.P.C.

Y. O tribunal recorrido deveria, pois, ter dado por provado que, “Ao subscrever aquele produto, nunca passou pela cabeça do autor – nem tal lhe foi alvitrado – de que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de Outubro de 2014” e que “Nunca o autor teria aceitado subscrever uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004 se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivesse sido mostrado o documento n.º 6, nomeadamente, nos capítulos “REEMBOLSO ANTECIPADO”; “LIQUIDEZ” e “SUBORDINAÇÃO”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição”, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 607.º do C.P.C..

Z. O tribunal a quo não procedeu a uma análise critica das provas e não interpretou e aplicou as normas jurídicas correspondentes – artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.C..

AA. De facto, o princípio da liberdade da apreciação das provas não confere ao julgador uma liberdade plena e ilimitada: tal liberdade tem, forçosamente, de ter por limites a lógica e a racionalidade.

BB. Quando tal não aconteça foi violado o princípio da liberdade da valoração das provas – artigo 607.º, n.º 5 do C.P.C.

CC. A prolação do douto acórdão recorrido vai contra a jurisprudência constante e quase uniforme do próprio Venerando Tribunal da Relação de Coimbra e do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, bem como deste Colendo Tribunal.

DD. É um facto notório, de conhecimento geral e, necessariamente, de conhecimento judicial, a forma como o Banco réu comercializava as obrigações SLN aos seus balcões.

EE. Tanto o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra como o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa prolataram em sentido completamente oposto ao agora professado, em causas da mesma natureza e basicamente com os mesmos intervenientes (de um lado, lesados pela venda de obrigações da SLN aos balcões do BPN e do outro o ora réu e recorrido, o Banco BIC), um grande conjunto de acórdãos, entre os quais, o aqui escolhido como acórdão fundamento.

FF. Em todos os acórdãos suprarreferidos se discute a mesma questão fundamental de direito: aquilatar da existência do nexo de causalidade entre a conduta do Banco e o prejuízo sofrido pelos autores, ora recorrentes.

GG. O entendimento professado no douto acórdão agora recorrido colide frontalmente com aquele professado naqueloutro acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 19/04/2018.

HH. Existe uma identidade quase total entre as causas: obrigações SLN (aqui SLN Rendimento Mais 2004 e no acórdão fundamento, SLN 2006), vendidas, no caso dos autos, no balcão do BPN, do ... e no caso do acórdão fundamento, no balcão do BPN de ... (...).

II. A representação, razoavelmente feita pelo autor marido, de que o produto financeiro era seguro, com risco igual ao do Banco réu, e que poderia ser resgatado a qualquer altura, resultou de falsa informação prestada pelo Banco réu, que violou o dever de informação leal e verdadeira, não correspondendo aos ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, assinalados no n.º 1 do artigo 304.º do C.V.M..

JJ. No caso dos autos, foi omitida relevante informação que os factos demonstraram ser crucial: o produto não era seguro, nem o Banco réu, ante a insolvência da SLN, reembolsou os autores, que perderam o valor investido, o que exprime o prejuízo sofrido de €50.000,00.

KK. Quanto à verificação do nexo de causalidade, que no caso sub judice se considerou não existir, incorreu o douto acórdão recorrido em manifesta e ostensiva contradição com o entendimento professado no acórdão fundamento.

LL. A págs. 65 e 66 do acórdão fundamento, considerou-se “que, se por um lado a responsabilidade do intermediário financeiro e a que alude o artigo 314.º do CVM é uma responsabilidade contratual, por outro e porque é fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os Banco, nos termos do artigo 75.º, n.º 1 do RGIFSC, a responsabilidade civil aproxima-se da delitual, logo, e em última análise, a responsabilidade em apreço situa-se numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, aplicando-se em todo o caso o regime do art.º 799.º do Código Civil.

Presumindo-se a culpa nos termos do art.º 799.º do CC, e também por força do disposto no art.º 314.º, n.º 2 do CVM, e porque a norma do CC referida contem uma dupla presunção de ilicitude e de culpa, então, e quando na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente (caso em que a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade») a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado, apenas logrando este último obstar à sua responsabilização se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa”. – Doc. 1

MM. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

NN. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a contraparte.

OO. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual, impendendo sobre o intermediário financeiro ou Banco, que age nessa veste, presunção de culpa, nos termos do art. 799.º, n.º 1 do Código Civil, sendo claro o n.º 2 do art. 304.º-A do C.V.M. quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação”.

PP. Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente, a falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade. Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado.

QQ. Pese embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro se, no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir, em nome desse relacionamento contratual, também o reembolso do capital investido.

RR. Tendo o Banco réu violado o dever de prestar ao autor marido a informação completa, leal e diligente – que os seus deveres profissionais impunham – é ele responsável pela obrigação de indemnizar o prejuízo causado; não só o réu não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, como ficou plenamente demonstrada nos autos a sua culpa efetiva.

SS. Existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido que, afinal, não foi garantido pelo Banco, bem como o nexo de causalidade entre a atuação culposa e inadimplente do Banco réu, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1 do C.C..

TT. A decisão agora posta em crise, para além de consubstanciar uma flagrante injustiça, procede a uma autêntica lavagem, se não mesmo derrogação, do regime da responsabilidade do intermediário financeiro.

UU. Perante a incontroversa omissão de um dever informativo, cabe ao Banco algum esforço probatório demonstrativo da irrelevância de tal omissão na produção dos danos sofridos pelo credor.

VV. De outro modo, alimentar-se-ia uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para terceiros a ele alheios; à margem de qualquer vontade livre e esclarecida, situação que o legislador de todo não visou.

WW.O legislador não visou a instalação da indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.

XX. Na prática, a decisão recorrida alimenta uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para os clientes, investidores não qualificados, e instala a indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.

YY. O ónus probatório deve ser distribuído, não por causa da função que os factos desempenham no processo, mas antes em função do conceito de prova mais fácil, atribuindo-o, especificamente, à parte que está casuisticamente em posição mais favorável de o demonstrar.

ZZ. Este entendimento faz todo o sentido, uma vez que só deste modo, se estimula a efetiva produção de prova e a procura da verdade material, onerando a parte com maior facilidade probatória, bem como se promove a igualdade material entre as partes, dando a ambas maior igualdade na possibilidade de fazerem valer a posição em juízo.

AAA. De facto, a parte com maior facilidade probatória pode sempre demonstrar a versão do facto que lhe aproveita e a parte contrária, apesar de ter menor facilidade em provar, pode sempre beneficiar de uma decisão de ónus da prova, caso a outra parte não consiga realizar a prova.

BBB. No plano de direito substantivo, só desta forma será possível repor a equivalência subjetiva entre a prestação e a contraprestação contratualmente fixada pelas partes.

CCC. Por sua vez, no plano do direito adjetivo, só deste modo será possível garantir a prossecução do princípio da efetividade, do dever de verdade processual e da justa composição do litígio em prazo razoável, enquanto corolários do princípio da celeridade e da economia processuais.

DDD. Cabe ao investidor lesado em virtude do incumprimento de um dever de informação por parte do intermediário financeiro, demonstrar a existência desse dever, enquanto sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º e 312.º do CVM.

EEE. Tanto o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, como o tribunal de 1.º instância violaram as regras da apreciação de prova, ao não imporem ao Banco recorrido, intermediário financeiro, o ónus da prova.

FFF. De facto, ambos os tribunais recorridos deixaram de extrair dos factos apurados as

presunções impostas por lei, como impõe o n.º 4 do artigo 606.º do C.P.C..

GGG. O douto acórdão recorrido, contornando ostensivamente factos notórios vem passar uma esponja e branquear todo um conjunto de crimes perpetrados pelo falecido HH e companhia.

HHH. A informação prestada pelo Banco/réu, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, não era completa, verdadeira, clara nem objetiva, em virtude de já em 2004 a situação do grupo SLN/BPN se encontrar em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN eram falsos, estarem viciados e não traduzirem a verdadeira situação económico-financeira do grupo SLN/BPN.

III. O impacto da realidade informal, a sua inclusão nas contas da SLN, implicavam capitais próprios negativos, ou seja, o grupo estava tecnicamente falido na data em que foram emitidas as obrigações dos autos.

JJJ. As condenações nos processos n.º 121/08.... e n.º 4.910/08.... demonstram cabalmente que afinal não foi a crise financeira do SUB PRIME que esteve na origem na rutura e no buraco financeiro do grupo SLN/BPN, pelo que não se pode afastar a existência do nexo de causalidade entre o dano sofrido pelos autores e a conduta ilícita do Banco réu.

KKK. Tanto o acórdão recorrido como o suprarreferido acórdão se debruçam sobre a mesma questão fundamental de direito: a de saber se se deverá presumir a existência de nexo de causalidade entre a ilicitude figurada pela inobservância dos deveres contratuais, nomeadamente, pela violação dos deveres (acessórios) de informação por parte do Banco e o dano sofrido pelo cliente pela falta de reembolso do capital e dos juros na data acordada?

LLL. Os Venerandos Desembargadores que prolataram o acórdão agora posto em crise responderam de modo negativo, enquanto outros do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, responderam de modo positivo.

MMM. A apreciação da aludida questão é absolutamente necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que, nesta altura, a orientação dos nossos tribunais superiores não está sedimentada, não proporcionando ainda aos utentes da Justiça aquele grau de segurança que a aplicação do direito demanda.

NNN. Dever-se-á presumir a existência de nexo de causalidade entre a ilicitude figurada pela inobservância dos deveres contratuais, nomeadamente, pela violação dos deveres (acessórios) de informação por parte do Banco e o dano sofrido pelo cliente pela falta de reembolso do capital e dos juros na data acordada.

OOO. Num caso como o dos autos (em que temos de um lado um Banco que exerce a intermediação financeira com profissionalidade e, do outro, clientes, investidores não qualificados), as partes, atentos os interesses em jogo e a respetiva condição, não podem ser colocadas em igualdade de posições, no que tange ao esforço probatório de cada uma.

PPP. A mesma questão fundamental de direito foi colocada já a este Colendo Tribunal, em sede de revista excecional, ainda não apreciada, no âmbito dos Processos n.º 33970/15...., n.º 3443/17...., n.º 10438/16.... e n.º 12422/16...., contra o Banco réu, nos quais, como nos presentes autos, tendo o acórdão do Tribunal da Relação sido proferido por unanimidade, mantendo a decisão da primeira instância com idêntica fundamentação, foi admitida a revista, por ter sido “invocado pelos recorrentes o disposto nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 672º do C.P.C., que é suscetível de configurar uma situação de admissibilidade da revista excecional, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do C.P.C.”, e uma vez que estão pendentes “neste Supremo Tribunal de Justiça diversos recursos para uniformização de jurisprudência em face das divergências que também aqui se vêm manifestando”.

QQQ. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 9.º, n.º 2; 342.º, n.º 1; 344.º, 483.º, n.º 1; 563.º e 799.º do Código Civil e nos artigos 304.º-A; 306.º, 309.º, 310.º, 312.º e 314.º, n.º 1 do CVM e 376.º, n.º 1; 607.º, n.ºs 3, 4 e 5; 662.º e 674.º, n.º 3 do C.P.C..

Nestes termos, deverão V. Exas julgar procedente o presente recurso e, em consequência, verificada a ostensiva oposição de julgados, revogar o douto acórdão recorrido, substituindo-o por outro que, condenando o recorrido no pedido, fixe jurisprudência, no sentido de estabelecer que se deverá presumir a existência de nexo de causalidade entre a ilicitude figurada pela inobservância dos deveres contratuais, nomeadamente, pela violação do dever de informação por parte do Banco e o dano sofrido pelo cliente pela falta de reembolso do capital e dos juros, com o que farão, como é timbre deste Colendo Tribunal, como sempre, inteira JUSTIÇA!”

O réu contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

Estão provados os seguintes factos:

“1-O autor é encarregado numa empresa de cerâmica e tem o 8.º ano de escolaridade.

2- A autora é técnica de laboratório na mesma empresa de cerâmica e tem o 12.º ano de escolaridade.

3-O réu é um Banco comercial que girava anteriormente sob a denominação “BPN – Banco Português de Negócios, S.A.”.

4-Os autores tinham no Banco réu e noutra Instituição bancária alguns depósitos a prazo.

5-Os autores tinham, em Outubro de 2004, um depósito a prazo numa Instituição bancária, de € 53.500,00.

6-Em momento que não foi possível fixar, o autor recebeu um telefonema do seu gestor de conta, funcionário do Banco réu, dizendo-lhe que o Banco tinha um novo produto totalmente seguro, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo, e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior.

7-Mais lhe referiu o sobredito funcionário que lhe aconselhava a compra de 1 obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de € 50.000,00.

8- O autor autorizou a operação sugerida, subscrevendo a compra de uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de € 50.000,00 a 12 de Outubro de 2004.

9 -Para a dita subscrição, o autor marido assinou um documento denominado “Boletim de Subscrição”.

10-Para a concretização de tal subscrição, no dia 13 de Outubro de 2004, o autor resgatou o referido depósito a prazo, no valor de € 53.500,00, que tinha noutra Instituição bancária, e depositou-o na sua conta de depósitos à ordem no Banco réu.

11-Com data valor de 14 de Outubro de 2004, foram transferidos € 50.000,00 para a conta de depósito a prazo dos autores no Banco réu.

12 -No dia 25 de Outubro de 2004, tal montante foi resgatado da conta de depósito a prazo dos autores e transferido para a sua conta de depósitos à ordem, no Banco réu, para ser aplicado na aquisição de uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004.

13-Todos os funcionários do Banco réu que lidavam com o autor sabiam que este não tinha por hábito investir na Bolsa, não costumava adquirir a qualquer Banco qualquer produto diverso de depósitos a prazo.

14-O autor tinha plena confiança nos seus interlocutores do Banco, por achar que eram pessoas íntegras e de palavra, que se preocupavam com os interesses dos clientes do Banco e que, especialmente no que toca ao seu gestor de conta, lhe prestava aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças.

15- Alguns gestores de conta do Banco réu, onde se inclui aquele que lidava directamente com o autor, aconselharam os seus clientes a subscrever o novo produto que lhes era oferecido sem terem a exacta noção do que se tratava.

16 -A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, hoje denominada “Galilei, SGPS, S.A.” apresentou, no Tribunal da Comarca ..., um Processo Especial de Revitalização, o qual correu seus termos pela ... Secção de Comércio - J4, com o número 22922/15...., tendo sido logo proferido o despacho a que alude o artigo 17.º-C, n.º 3, al. a) do C.I.R.E. e tendo já sido proferida sentença que, declarando encerrado o processo negocial, sem aprovação do Plano de Recuperação, determinou o encerramento do Processo de Revitalização, nos termos do disposto no artigo 17.º-G, n.º 1 e n.º 4 do C.I.R.E.

17- A “Galilei, SGPS, S.A.” foi, entretanto, declarada insolvente por sentença, de 29/06/2016, proferida pelo Tribunal da Comarca ..., ... Secção de Comércio-J4, no âmbito do processo número 23449/15...., sem que tivessem sido pagas as obrigações dos autos.

18- O Banco réu já foi condenado, por decisão transitada em julgado, no âmbito do Processo de Contra-ordenação n.º ...9..., do Banco de Portugal, pela prática das contravenções previstas e punidas no artigo 211.º do R.G.I.C.S.F., vg, na alínea g), infracções de falsificação da contabilidade e inexistência de contabilidade organizada.

19- HH, ... da SLN e do BPN, foi condenado a 15 e a 12 anos de prisão e que II, o número ... do BPN e o gestor da área financeira da SLN, foi condenado a 8 anos e seis meses e doze anos de prisão, em dois processos diferentes, pela prática, entre outros, dos crimes de burla qualificada e de falsificação de documentos, nomeadamente das contas da SLN.

20- Na decisão proferida no âmbito do processo nº 4910/08...., foram dados por provados os seguintes factos: “3) Em Novembro de 1997, o arguido JJ, que na data tinha cessado funções de administrador do F..., foi convidado por um grupo de accionistas do BPN para liderar o projecto de crescimento do BPN, nomeadamente com vista à sua implantação no mercado com um banco comercial; 4) JJ colocou como uma das condições para liderar o projecto, o controlo maioritário do respectivo capital, a concretizar quer através da aquisição de acções por novos investidores, quer através da criação de uma Sociedade mãe tipo SGPS que concentrasse um conjunto significativo de acções, o que lhe permitiriam a tomada de controlo accionista do BPN; 7) Desde o início da sua liderança que JJ definiu como estratégia a obtenção de poder pessoal e influência nas áreas financeira e realização de negócios, aceitando conceder a terceiros que com ele colaborassem, dividendos retirados do BPN ainda que em prejuízo do mesmo; 15) Na concretização do referido primeiro pilar da estratégia concebida pelo arguido HH, veio a ser constituída uma sociedade holding, destinada a servir de sociedade mãe quer para o Banco que para o sector não financeiro; 20)A partir da SLN SGPS e recorrendo à criação de uma cadeia de entidades sub-holding, os arguidos JJ, II e KK determinaram, como pretendiam, a segmentação das actividades desenvolvidas pelo grupo económico, com a criação de sub-holdings dedicadas a sectores específicos de actividade de forma a separar e melhor manobrar as operações de contabilização; 336) Face ao exposto, os arguidos HH e II conseguiram alcançar, tirando a primeira Assembleia Geral referida supra, o controlo de uma maioria de accionistas com capacidade de fazer impor as deliberações que pretendessem aprovar, bem como de sustentar a Administração; 337) Desta forma, os arguidos tinham perfeita autonomia dentro do grupo para levar a cabo a prática dos atos lesivos do interesse do mesmo Grupo e em seu benefício pessoal conforme já narrado e ainda conforme se irá narrar; 409) O Banco de Portugal, por carta de 17 de Julho de 2000, alertou o Conselho de Administração da SLN SGPS de que considerava aquela entidade como uma companhia financeira, devido ao facto de deter o Banco Português de Negócios, pelo que estaria sujeita à sua supervisão, numa base consolidada que abrangeria todas as sociedades participadas; 410) Mais alertou o Banco de Portugal para o facto de que, nessa análise consolidada de todas as participadas pela SLN SGPS, se evidenciava uma exposição a risco de crédito que atingia o montante de 85,2 milhões de euros, quando estaria sujeita a um limite de exposição até 20% dos fundos próprios consolidados, o que na altura representaria um limite de 23,5 milhões de euros; 411) Como consequência desse excesso ao limite de exposição ao risco de crédito, que, na data atingiria já o valor de 61,7 milhões de euros, o Banco de Portugal exigiu a regularização do excesso de exposição ao crédito, estabelecendo níveis mínimos de solvabilidade, de 9%, para o BPN, em base individual, e para a SLN, em base consolidada; 412) Face a tal exigência do Banco de Portugal, os arguidos HH, KK e II, conceberam uma estratégia que passava por criar a aparência de um procedimento de cisão, abrangendo as sociedades incluídas na sub-holding SLN IMOBILIÁRIA SGPS, de tal forma que a mesma sub-holding e as suas participadas deixassem de aparecer como integrantes do grupo SLN; 413) Tal estratégia necessitava de contar com a intervenção de terceiros que, com a aparência de utilização de capitais externos ao grupo, viessem a adquirir a SLN IMOBILIÁRIA, que assim, deixaria de ter que consolidar, em sede contabilística, no seio do grupo SLN, aproveitando, ao mesmo tempo, para retirar da esfera da SLN SGPS um conjunto de sociedades cujo nível de crédito concedido faria ultrapassar os limites fixados pelo Banco de Portugal; 429) De acordo com o combinado entre o arguido HH e os cinco accionistas intervenientes na operação, ficou consignado o direito da SLN de readquirir aqueles activos, logo que estivessem reunidas as condições regulamentares, designadamente em sede de cumprimento dos normativos de grandes riscos, ficando consignado que o preço de reaquisição seria equivalente ao do capital investido pelos accionistas, acrescido de uma taxa de remuneração de 8% ao ano; 430) De forma a dar uma aparência do carácter temporário da operação, ficou ainda consignado que, uma vez decorridos três anos, se a SLN não tivesse reunidas as condições para readquirir os activos, o capital social da sociedade que iria adquirir a SLN IMOBILIÁRIA deveria ser aberto a todos os accionistas da SLN SGPS — cláusula 4a do protocolo; 431) No sentido de criar uma aparência de credibilidade quanto à colocação do capital da SLN IMOBILIÁRIA na esfera de terceiros, os arguidos HH, II, KK e LL fizeram omitir do referido protocolo as formas de financiamento que iriam montar para o pagamento da aquisição daquela entidade, da mesma forma que omitiram perante os accionistas intervenientes na operação qual seria a conta debitada para a mobilização dos fundos; 569) Os arguidos mencionados no facto anterior utilizaram a K... e o documento por si elaborado, como instrumento de forma a criar a aparência de aquisição pela SLN INVESTIMENTOS dos suprimentos sobre a V...; 570) Tal contrato de pretensa aquisição de créditos à K... visava ocultar o financiamento que a I... havia realizado no dia 31 de Maio de 2000 à SLN SGPS, o que determinou um prejuízo ao BPN, com o saque da conta daquela, ali domiciliada, pelo valor de 427.270.262$00 (operação por transferência a débito da conta da I... no BPN que entretanto foi redenominada VE..., com o no 3199955.10.001, e crédito da conta da SLN SGPS com o no ...01), que nunca foi reembolsada; 571) Com efeito, de acordo com o estratagema a que aderiram e de forma a dar credibilidade, em sede de contabilidade, ao aparente acordo de cessão de créditos, os arguidos II, MM e NN determinaram o pagamento da aludida aquisição de créditos à K...; 709) Para execução do plano dos arguidos HH e KK, foram dadas instruções à Dra. OO, que então presidia à Assembleia Geral da sociedade L..., para proceder a um aumento de capital, no montante de 5 milhões de euros, que seria financiado pelo Banco I..., mas, visando os arguidos continuar a ocultar a verdadeira titularidade do capital da L..., conceberam e transmitiram indicações de que as novas acções, seriam colocadas na esfera de pessoas da confiança do Grupo BPN, que funcionariam como testas de ferro, visando criar a encenação de que o grupo SLN não teria qualquer relação com aquela sociedade; 710) Através desta estratégia de ocultação da titularidade da L... e consequente exclusão do perímetro de consolidação do Grupo, visavam os referidos arguidos esconder a exposição creditícia que a própria L... detinha junto de instituições financeiras do Grupo SLN/BPN, o que se traduziria num aumento do consumo dos fundos próprios relativo a grandes riscos de crédito; 764) No entanto, os arguidos HH e KK utilizaram o referido fundo como mais uma capa de ocultação do património que era pertença do Grupo SLN/BPN, uma vez que o resultado do referido fundo não estava relevado no balanço consolidado da SLN SGPS S.A., bem como o seu próprio financiamento; 765) Assim, também o financiamento da L... através do BPN GESTÃO DE ACTIVOS VALORIZAÇÃO PATRIMONIAL era uma forma de conceder crédito à mesma empresa, sem revelar a exposição creditícia do grupo BPN/SLN perante as entidades de supervisão; 827) Os arguidos HH, KK e PP, criaram assim, uma aparência de regularização de dívidas e de transmissão de acções, visando recolocar a participação accionista detida na L... pelo PP sem revelar a directa participação accionista do grupo BPN, acordando, para tal, conferir uma vantagem patrimonial ao mesmo PP, à custa da lesão financeira do próprio BPN; 898) Uma vez reunidos os 1.275.000,00 na conta do K..., na ..., titulada pela sociedade de advogados ..., correspondendo a solicitação dos advogados desta sociedade, mas seguindo instruções do arguido HH, foi elaborado um "fiduciary agreement" entre a B... e a SLN SGPS, onde a primeira actuaria como fiduciária da SLN na compra de 1.250.000 acções da L... pelo preço total de 1.250.000,00 €; 899) No entanto, tal minuta de "fiduciary agreement" não chegou a ser assinada, tendo o arguido HH optado por, de novo, ocultar a intervenção da SLN; 939) Os arguidos HH, II e KK actuaram com o propósito de impor os seus interesses individuais, em sede de conquista de controlo accionista, de perpetuação nos cargos e de prevalência dos negócios por si idealizados, sobre os interesses das sociedades que lhes competia administrar; 940) Os arguidos HH, II e KK conjugaram esforços no sentido de ludibriar accionistas e criar falsos cenários às entidades de supervisão de forma a fazerem impor estratégias de negócio pessoais, aceitando fazer as entidades por si administradas pagar e sofrer perdas para criar os referidos cenários e formas de engano de terceiros; 941) Os arguidos HH e II actuaram ainda com o propósito de deitarem a mão a fundos criados ou disponíveis nas instituições que geriam, como se fossem beneficiários de empréstimos, mas sem o propósito de pagar juros e amortizar as quantias recebidas, apesar de saberem que se tratava de fundos que não lhes pertenciam e que deviam actuar perante esses fundos como entidades autónomas; 942) Os arguidos HH, II e KK actuaram ainda com o propósito de forjar documentos e alterar registos contabilísticos de forma a ocultar e a justificar as suas actuações de apropriação de fundos e de obtenção de ganhos, em particular ocultando o seu benefício e a utilização de contas junto do Banco I... e do BPN Cayman tais como as da J... e as da VE... CAPITAL.”

21- Na decisão proferida no âmbito do processo nº 121/08.... foram dados por provados os seguintes factos: “1) - À data dos factos adiante descritos, existia um conjunto de entidades societárias que formavam um Grupo Económico, doravante designado por Grupo BPN/SLN, onde designadamente se integravam a SLN SGPS, a SLN VALOR SGPS, o BPN SGPS, o BPN SA, a P... e a REAL SEGUROS; 2) - Tal Grupo era administrado através de uma cadeia de sociedades “holdings”, em cuja cúpula se encontrava a entidade SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS SA, com sede na Av. ..., em ..., a qual detinha directamente a sociedade BPN SGPS, no sector financeiro do grupo; 23) - O arguido JJ era, no ano de 2001, Presidente do Conselho de Administração da SLN SGPS, do BPN SGPS, do BPN SA e da Companhia Real Seguros; 27) - A partir do início dos anos 2000, os arguidos HH, KK e II acordaram numa estratégia de alargarem as áreas de negócio do Grupo a sectores não financeiros, designadamente o do desenvolvimento de projectos imobiliários, do turismo e das novas tecnologias; 28) - Para a implementação desses negócios os mesmos arguidos pretendiam usar das possibilidades de financiamento conferidas pelo controlo do BPN SA; 29) - Mas tinham consciência das limitações às possibilidades de intervenção directa do Banco nesses empreendimentos, em particular decorrentes da necessidade de fazer consolidar nas contas do Grupo os investimentos com financiamentos concedidos pelo BPN a sociedades directamente controladas pelo Grupo, revelando a sua exposição ao crédito; 30) - Por outro lado, uma vez que a entidade “holding” do Grupo, a SLN SGPS, era, ainda que indirectamente, a detentora de um Banco, todo o Grupo se encontrava sujeito à supervisão do Banco de Portugal, o que incluiria as sociedades não financeiras, se fossem elas os veículos escolhidos para diversificar as áreas de negócio; 31) - Para ultrapassar tais limitações, os arguidos HH, KK e II conceberam então uma estratégia que passava pela utilização de terceiros para actuarem como fiduciários na detenção de participações em projetos de investimento, fora do sector financeiro, mas que na realidade pertenciam ao Grupo ou que os arguidos pretendiam manter sob o controlo do Grupo; 32) -Tal utilização de terceiros permitia a concessão alargada de crédito pelo Banco detido pelo Grupo, o BPN SA, que assim aparecia perante o regulador como estando a financiar terceiros; 33) - A real posição accionista do Grupo SLN nos empreendimentos seria ainda oculta por detrás de entidades instrumentais, criadas como veículos para fins específicos, nalguns casos com recurso a entidades em offshore, de forma a garantir a maior opacidade quanto ao beneficiário final, que era o próprio Grupo SLN; 40) - Desta forma, os mesmos arguidos procuravam também ultrapassar os reparos que viessem a ser, como foram, suscitados ao Grupo, quer pelos auditores externos quer pelo Banco de Portugal, quanto ao excessivo volume de crédito concedido a determinados clientes dentro de determinada área de negócio; 41) - Sabendo os mencionados arguidos, JJ, II e KK, que algum desse crédito concedido era para negócios do próprio Grupo mas em que este aparecia oculto pela intervenção de terceiros; 894) - Os arguidos JJ e KK actuaram sempre com o propósito de induzir em erro o regulador, Banco de Portugal, quanto à titularidade dos activos que colocavam na posse de terceiros e na titularidade de entidades veículo, aceitando para tal lesar o Grupo BPN/SLN com a realização de pagamentos excessivos e indevidos a esses terceiros, em remuneração da tarefa de parqueamento dos activos, para além de aceitarem realizar financiamentos não cobertos por garantias eficazes, aceitando o risco, que se consumou, do não pagamento desses financiamentos, com o consequente aumento do prejuízo do Grupo BPN/SLN; 895) - Na elaboração e execução desse propósito participou o arguido II, que tinha conhecimento da angariação e aprovava projectos de negócios que eram ocultados da titularidade do Grupo BPN/SLN, de forma a encenar perante o regulador a existência de um crédito concedido a terceiros, quando na realidade sabia estar em causa um activo e um custo que deveria ser contabilizado no Grupo;. 897) - O arguido II, nos termos descritos, participou na actividade de encenação aceitando lesar financeiramente o BPN e proporcionar vantagens indevidas a terceiros, procurando não revelar a exposição do Grupo BPN/SLN a riscos de negócios próprios na área não financeira, em particular no sector imobiliário; 898) - Numa segunda fase, os arguidos HH e KK insistiram em ocultar perante o regulador a titularidade do grupo BPN/SLN relativamente a negócios e a operações com a compra e venda de activos, obtendo a adesão dos arguidos QQ e RR; 899) - Os arguidos QQ e RR aderiram ao propósito de encenar a existência de investidores externos ao Grupo BPN/SLN, sabendo que estavam a ludibriar as entidades de regulação, visando obter um ganho, através da disponibilidade de fundos e de activos, que aproveitaram para seu próprio proveito, e para obterem ganhos ilegítimos, designadamente em sede fiscal; 900) - Os arguidos JJ e KK contaram ainda com a colaboração dos arguidos SS e TT no sentido de permitirem a montagem e execução dos negócios e remuneração dos arguidos que aparentavam ser investidores externos ao grupo BPN/SLN;”

22- Os autores subscreveram, antes e depois da aplicação financeira em causa, Unidade de Participação em Fundos de Investimento BPN IMONEGÓCIOS.

23- Eliminado pela Relação

24- Eliminado pela Relação

25-Nunca os autores efectuaram qualquer reclamação.”

As instâncias deram como não provados os seguintes factos:

“1- Os autores são, há mais de 15 anos, clientes do Banco réu, através da agência de ....

2- Até à nacionalização do “BPN - Banco Português de Negócios, S.A.” a totalidade do capital social do Banco em causa era detida, na íntegra, pela sociedade “BPN, SGPS, S.A.”, a qual, por sua vez, era detida, também na íntegra, pela sociedade então denominada “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”

3- Foi, nessa altura, adoptado um plano ao mais alto nível, pela cúpula dirigente do Banco, com vista ao empossamento, pelo Banco, de grande parte das quantias que os seus clientes, como os autores, ainda tinham depositadas ali ou noutra Instituição bancária.

4- Tal plano foi gizado ao nível do Conselho de Administração do Banco, em Setembro de 2004.

5- Gizado o plano nos mais ínfimos detalhes, o mesmo foi transmitido aos Directores de Zona que, por sua vez, o transmitiram aos gerentes de cada um dos balcões distribuídos de norte a sul do país.

6- O plano assentava em três pilares fundamentais:

a) Captação, pela “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, de cinquenta milhões de euros através de um empréstimo obrigacionista, denominado “SLN – Rendimento Mais 2004”, por “emissão de 1.000 obrigações subordinadas, sob forma escritural e ao portador, com o valor nominal de €50.000,00 cada”;

b) Emissão de obrigações a dez anos, a amortizar, ao par, de uma só vez, em 25/10/2014;

c) Instruções rigorosas a todos os funcionários do Banco, nomeadamente aos gerentes e aos gestores de conta, para seduzirem os depositantes do Banco para o novo produto, que devia ser vendido como um sucedâneo de um mero depósito a prazo e que, como tal, pudesse ser movimentado sempre que o respectivo titular assim o desejasse.

7-Foram dadas instruções aos funcionários do Banco para não entregarem aos clientes, potenciais ou efectivos subscritores das obrigações, a nota informativa que constitui o doc. 6, anteriormente junto, a qual nunca foi entregue ao autor marido, não obstante inúmeras insistências para o efeito.

8-Foram dadas ordens aos operacionais do Banco para não mostrarem tal nota informativa aos clientes.

9-Mais lhe referiu o sobredito funcionário que se tratava de um produto com muita procura, o qual lhe proporcionaria um rendimento bem superior ao de um depósito a prazo que tinha ali no Banco.

10-Ao assinar o “Boletim de Subscrição”, o autor julgava que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado.

11-O autor só se dispôs a aplicar o seu dinheiro na obrigação sugerida pelo Banco réu por que lhe foi afiançado pelo seu gestor de conta, funcionário do mesmo, que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.

12-Não foi dada ao autor a nota informativa da operação, fosse em 2004, fosse logo após a nacionalização do Banco réu, fosse até à presente data.

13-Foi assegurado ao autor que, não obstante tratar-se de uma obrigação a dez anos, este poderia, querendo, resgata-la a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros.

14-Todos os funcionários do Banco réu que lidavam com o autor tinham perfeita consciência de que o autor, devidamente informado, nunca, em circunstância alguma, aceitaria subscrever um produto como aquele que está em causa nestes autos.

15-Ao subscrever aquele produto, nunca passou pela cabeça do autor – nem tal lhe foi alvitrado – de que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de Outubro de 2014.

16-Se tal tivesse acontecido, nunca o autor teria aceitado a sugestão do Banco réu.

17-Nas suas relações com o Banco réu, o autor deixou sempre transparecer a preocupação em ter o dinheiro sempre disponível, para faz face a qualquer aperto financeiro súbito.

18-Nunca o autor teria aceitado subscrever uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004 se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivesse sido mostrado o documento n.º 6, nomeadamente nos capítulos “REEMBOLSO ANTECIPADO”; “LIQUIDEZ” e “SUBORDINAÇÃO”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição.

19-Apesar de inúmeras vezes ter o autor exigido que lhe fosse dada informação, nomeadamente, documento escrito com as condições de aplicação de tal quantia, o prazo, a rentabilidade, as condições de movimentação, e demais informação relevante e legalmente exigida para esse tipo de operações, a mesma nunca lhe foi fornecida

20-A ré interveio nas transacções recebendo e executando ordens do seu cliente quanto à subscrição de títulos de valores mobiliários, por sua conta e em seu nome.

21-A ordem de aquisição foi dada pelo autor com perfeito conhecimento dos produtos em causa.

22-Com perfeito conhecimento da sua natureza e condições de remuneração, reembolso e liquidez.

23-Características que lhe foram claramente explicadas.

24-Bem sabendo o autor que não estava sequer a contratar um qualquer produto equivalente a depósito a prazo.

25-Mas antes dívida da sociedade-mãe do Banco.

26-Com a segurança inerente a tal condição.

27-Foi informado ao autor que a única forma de obter liquidez, no caso da subscrição de obrigações, e se pretendida antes da data do respectivo reembolso, era vender as mesmas endossando-as a um terceiro.

28-Tudo do que o autor tinha perfeito conhecimento.

29-Características que o autor teve em conta ao subscrever o título.”

O Direito.

Os AA. interpuseram revista excepcional ao abrigo das als. a), b) e c) do nº 1 do art. 672º do CPC.

No entanto, pretendem, também, que sejam dados como provados os pontos 9, 10, 12, 13, 14, 15, 16 e 18 do enunciado dos factos não provados, com fundamento na violação do disposto no art. 662º do CPC. Não concorrendo essa matéria para a formação da dupla conforme prevista no nº 3 do art. 671º do CPC, por tal violação ser imputada apenas à Relação, não ocorre, assim, nessa parte, coincidência com a decisão da 1.ª instância (cfr. Ac. STJ de 25.5.2017, proc. 945/13.8T2AMD-A.L1.S1, em www.dgsi.pt).

Apontam, ainda, os recorrentes, por outro lado, a violação do art. 376º do Código Civil, que constitui fundamento de recorribilidade nos termos do art. 674º, nº 3 do CPC.

Em resumo, e como é jurisprudência comum, não podem as referidas matérias ser objecto de recurso de revista a título excepcional, sendo admissível, quanto a elas, recurso de revista nos termos gerais (cfr. Ac. STJ de 14.7.2020, proc. 1630/17.7T8VRL.G1.S1, Ac. STJ de 8.1.2019, proc. 696/16.8T8VIS.C1.S1, ambos em www.dgsi,pt), sendo, portanto, neste âmbito, que delas se vai conhecer.

Como se disse, argumentam os recorrentes que o Tribunal recorrido não deu cumprimento ao disposto no art. 662º do CPC., e que não foi atribuída força de prova plena às declarações atribuídas ao Banco réu, seu autor, nos termos do art.  376º, nº 1, in fine, do CC, através do documento nº 6. Assim, no seu entender:  o ponto 9 dos factos não provados deveria ter sido dado por provado, atento o depoimento da testemunha CC ( funcionário do Banco réu que vendeu o produto dos autos ao autor marido); o ponto 10 dos factos não provados deveria ter sido dado por provado, atentos os depoimentos das testemunhas DD, EE e FF; atento o depoimento das testemunhas DD e CC, o ponto 12 dos factos não provados deveria ter merecido também a resposta de “provado”; o ponto 13 dos factos não provados, atento o depoimento da testemunha CC, como provado; o ponto 14 dos factos não provados deveria ter sido igualmente dado por “provado”, tendo em conta o depoimento da testemunha DD, GG e CC; os pontos 15 e 16 dos factos não provados deveriam ter ficado a constar na lista dos factos provados, atentos os depoimentos das testemunhas DD, GG e CC e o depoimento de parte do autor marido, nomeadamente, na parte em que não foi entregue ao autor marido a ficha técnica do produto que subscreveu, que lhe foi referido que haveria facilidade de transmissão do produto entre carteiras de cliente, que não lhe foi explicada a característica da subordinação da obrigação que subscreveu, que o autor marido era um cliente conservador e que foi reduzindo o seu envolvimento com o Banco réu desde que se apercebeu que teria sido lesado pelo mesmo e que só aceitou subscrever a obrigação dos autos porque confiava nos conselhos e sugestões que o seu gestor de conta lhe dava; e que, finalmente, o ponto 18 dos factos não provados deveria ter sido dado como provado, atento o teor do documento nº 6 da p.i. e, ainda, tudo o que foi dito pelo autor marido e pelas testemunhas em sede de audiência de julgamento, nomeadamente, por não lhe ter sido entregue a ficha técnica do produto. Acrescentam que o autor marido, como os demais clientes do Banco réu, acabou por aceitar e subscrever tal produto porque acreditava e confiava plenamente nos funcionários do Banco réu que o aconselhavam quanto ao melhor destino a dar às suas poupanças, tudo tendo sido feito praticamente “ás cegas”, com base nessa mesma confiança, pelo que o tribunal deveria ter concluído que o autor marido nunca aceitaria fazer tal subscrição se as verdadeiras características do produto em causa lhe fossem mostradas e devidamente explicadas.

A violação do art. 662º do CPC radica, assim, na perspectiva dos recorrentes no facto de o tribunal não ter levado em “devida conta” o depoimento de diversas testemunhas, isto é, não radica no facto de a Relação não ter apreciado os depoimentos dessas testemunhas mas no facto de não os ter valorado devidamente, o que conduziria, na sua prespectiva, a que fosse dada como provada matéria diversa da impugnada.

Porém, essa errada valoração não pode ser objecto do recurso de revista (cfr. arts. 662º, nº 4 e 674º, nº 3 do CPC)

Por outro lado, o documento nº 6 não pode fazer força probatória plena nos termos do art. 376º do CC. Trata-se de uma nota interna do Banco, apresentada  nos autos pelo próprio Banco, que não vem sequer assinada. Aliás, não vêm esclarecidos sequer os factos em relação aos quais o documento nº 6 tem a pretensa força probatória plena.

Assim, não pode deixar de concluir-se que toda a matéria colocada em causa é matéria de apreciação de provas não vinculadas, que escapa, desse modo, à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça.

Argumentam, ainda, os recorrentes que o tribunal a quo não procedeu a uma análise critica das provas e não interpretou e aplicou as normas jurídicas correspondentes – artigo 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC - sendo que o mesmo tribunal não atentou que era um facto notório, de conhecimento geral e, necessariamente, de conhecimento judicial, a forma como o Banco réu comercializava as obrigações SLN aos seus balcões. Consideram, ainda, que o Tribunal da Relação de Coimbra, tal como o tribunal de 1.ª instância, violou as regras da apreciação de prova, ao não impor ao Banco recorrido, intermediário financeiro, o ónus da prova e ao deixar de extrair dos factos apurados as presunções impostas por lei, como determina o nº 4 do art. 606º do CPC..

Porém, uma simples observação da fundamentação permite concluir que o tribunal recorrido procedeu à análise crítica das provas, não estando, aliás, esclarecido em que medida é que não o fez e onde. Por outro lado, e no que respeita à notoriedade da forma com o Banco comercializava as obrigações SLN aos seus balcões, trata-se, como se disse noutro acórdão (Ac. STJ de 6.12.2022, proc. n.º 2839/19.4TBLRA.C1.S1, deste mesmo colectivo), de matéria de facto (aqui não identificada), de exclusivo julgamento pelas instâncias e subtraído ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça por via de recurso de revista. Não está, também, substanciada, em termos de decisão de facto, a concreta medida em que as regras do ónus da prova influenciaram a valoração da prova. Finalmente, não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o não uso das presunções judiciais pela Relação (cfr. Ac. STJ de 9.7.2014, proc. 299709/11, no habitual site do IGFEJ).

Não obstante, os recorrentes pretendem, como se disse, a revista excepcional com fundamento nas als. a) b) e c) do nº 1 do art. 672º do CPC.

Mostram-se verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, designadamente os relacionados com a natureza e conteúdo da decisão, valor do processo e da sucumbência, legitimidade e tempestividade (arts 629º, 631º, 638º e 671º do CPC).

Como assim, e oportunamente, após trânsito, devem os autos ser remetidos à Formação para os efeitos do art. 671º, nº 3 do CPC.

Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):

“A matéria de apreciação de provas não vinculadas escapa à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça”.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em:

a) negar a revista nos termos gerais;

b) determinar a remessa dos autos à Formação com vista a verificar os requisitos específicos da admissibilidade da revista excepcional.

As custas do recurso normal ficarão pelos recorrentes, se, por acaso, a revista excepcional não for admitida.


*


Lisboa, 28 de Fevereiro de 2023


António Magalhães (Relator)

Jorge Dias

Jorge Arcanjo