Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
047781
Nº Convencional: JSTJ00027793
Relator: PEDRO MARÇAL
Descritores: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRISÃO PREVENTIVA
MEDIDAS DE COACÇÃO
Nº do Documento: SJ199601240477813
Data do Acordão: 01/24/1996
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS-A DE 14-03-1996, PÁG. 510 A 512 - BMJ Nº 453 ANO 1996 PÁG. 35
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA DE JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: M GONÇALVES IN CPP ANOTADO 6ED PÁG354.
Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS. DIR CONST - DIR FUND.
DIR PROC CIV - RECURSOS.
Legislação Nacional: CONST89 ARTIGO 18 N2 N3 ARTIGO 27 ARTIGO 28.
CPP87 ARTIGO 4 ARTIGO 191 ARTIGO 193 N2 ARTIGO 202 N1 ARTIGO 212 A B ARTIGO 213 N1 ARTIGO 441.
L 43/86 DE 1986/09/26 ARTIGO 2 N2.
CPC67 ARTIGO 766 N3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1989/05/31 IN BMJ N387 PAG487.
ACÓRDÃO STJ DE 1991/03/13 IN BMJ N405 PAG374.
ACÓRDÃO STJ DE 1991/11/13 IN BMJ N411 PAG450.
ASSENTO STJ DE 1992/05/06 IN DR IS DE 1992/08/06.
ASSENTO STJ PROC43073 DE 1993/01/27 IN BMJ N423 PAG47.
ASSENTO STJ PROC43398 DE 1993/01/27 IN BMJ N423 PAG65.
Sumário :
É fixada para os tribunais judiciais a seguinte jurisprudência: a prisão preventiva deve ser revogada ou substituida por outra medida de coacção logo que se verifiquem circunstâncias que tal justifiquem, nos termos do artigo 212 do Código de Processo Penal, independentemente do exame trimestral dos seus pressupostos imposto pelo artigo 213 do mesmo Código.
Decisão Texto Integral:

Acordam no plenário das secções criminais do
Supremo Tribunal de Justiça:

1.
Invocando os artigos 437 e 438 do CPP, o arguido no processo comum colectivo n. 295 da 2. Vara Criminal de Lisboa, interpôs o presente recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, do acórdão da Relação de Lisboa proferido em 12 de Outubro de 1994 no processo n. 33494, por neste se haver decidido que o despacho de manutenção da sua prisão preventiva, com trânsito em julgado, só poderia alterar-se aquando do reexame trimestral dos respectivos pressupostos, contrariamente ao resolvido pela Relação do Porto, que no processo n. 24/93, por acórdão de 3 de Fevereiro de 1993, entendeu ter lugar a revogação ou substituição da prisão preventiva a todo o tempo, apenas dependendo da verificação de fundamentos que tal justifiquem.


2.
Observada neste Supremo Tribunal a devida tramitação, o recurso foi mandado prosseguir, depois de reconhecida a oposição de julgados, por se tratar de dois acórdãos das Relações, que assentaram em soluções opostas, relativamente à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, pois fizeram interpretação antagónica dos artigos 212 e 213 do C.P.P. (decisão de


27 de Setembro de 1995, a folha 35).


Alegando, nos termos do artigo 442 do mesmo Código, o arguido propôs se consagre a posição defendida no aresto fundamento.
O Ministério Público pronunciou-se no mesmo sentido, sugerindo a uniformização de jurisprudência, nos seguintes termos:
"A prisão preventiva deve ser revogada quando tenham deixado de subsistir as circunstâncias que a ditaram, independentemente do decurso do prazo de três meses a que se refere o artigo 213 do Código de Processo Penal".
3.
Simultaneamente, considerou o Ministério Público que, verificada e decretada aquela oposição de julgados, ela não pode ser novamente apreciada agora, "porquanto o Código de Processo Penal em vigor não comporta no seu articulado normativo um preceito idêntico ao do artigo
766 n. 3 do Código de Processo Civil, aplicável aos Assentos requeridos no domínio do Código de Processo Penal de 1929".
Todavia, àcerca dessa questão prévia, outra tem sido a orientação deste Supremo Tribunal de Justiça, que ficou definida no texto do Assento de 6 de Maio de 1992 (Diário da República, I, de 6 de Agosto de 1992) e foi depois reafirmada através de dois Assentos de 27 de Janeiro de 1993, um no processo n. 43073 e o outro no processo n. 43398 (Boletim n. 423, páginas 47 e 65).
Na verdade, entende-se que o acórdão inicial, nos termos do artigo 441 do Código de Processo Penal, é apenas uma decisão preliminar de que depende o prosseguimento do recurso, não podendo vincular o plenário dos juizes, depois chamado a apreciar o seu objecto. Exactamente como sucede em processo civil, cujo regime aqui se aplica por identidade de razões, visto o artigo 4. daquele mesmo Código.
Porém, no caso ora em apreço, não há dúvida de que se verifica a oposição de julgados reconhecida no acórdão preliminar de folha 35, nos termos que sumariamente deixamos referidos em 1. e 2..
E nenhuma outra questão prejudicial ocorre.


4.
Quanto ao problema de fundo:


Como vimos, a questão consiste em saber se a revogação ou substituição da prisão preventiva depende apenas da verificação de fundamentos que a justifiquem, sendo de operar-se a todo o tempo, ou só pode ter lugar aquando do reexame trimestral dos respectivos pressupostos.
Para tomar posição, convirá que nos debrucemos sobre o regime legal de aplicação das medidas de coacção em geral e da prisão preventiva em particular, com vista a surpreender as linhas mestras que juridicamente as estruturam e caracterizam, maxime a prisão como medida coactiva extrema.


As medidas de coacção restringem a liberdade das pessoas em maior ou menor grau, pelo que assumem natureza excepcional e têm de estar taxativamente previstas na lei, conforme decorre dos artigos 27 e 28 da Constituição da República e do artigo 191 do Código de Processo Penal, apenas se justificando - diz este último preceito - "em função de exigências processuais de natureza cautelar".


Por isso mesmo, todas elas obedecem aos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da adequação, segundo o disposto no artigo 18, ns. 2 e 3, da Constituição da República, como limites que representam a um direito fundamental - a liberdade das pessoas - e consoante estabelece o artigo 193 daquele Código, que manda adequa-las às exigências cautelares que o caso requer e proporcioná-las à gravidade do crime e das suas previsíveis sanções. Vão do simples termo de identidade e residência até à prisão preventiva.


Depois, e ainda como reflexo de tais princípios, as medidas de coacção são necessariamente precárias, substituíveis ou revogáveis, única forma de em cada momento se ajustarem à finalidade que visam e as justifica no caso concreto. Isto resulta claramente do artigo 212 do Código de Processo Penal, de que vale a pena transcrever as passagens seguintes:
"1. As medidas de coacção são imediatamente revogadas por despacho do juiz, sempre que se verificar: a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou b)Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.
3. Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução.
4. A revogação e a substituição previstas neste artigo têm lugar oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido..."
Relativamente à prisão preventiva, acresce tratar-se de providência subsidiária, que "só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção", segundo reza o n. 2 do artigo 193 e repete o n. 1 do artigo 202 do mesmo
Código, onde se lhe fixam outras condições. Isso em obediência ao artigo 28, n. 2, da Constituição e de acordo também com a Lei de autorização n. 43/86 de 26 de Setembro, cujo artigo 2, n. 2 alínea 38, mandou acentuar no novo Código de Processo Penal tal carácter subsidiário, a par da índole provisória da prisão preventiva


Porque esta é a mais gravosa das medidas de coacção, impõe a lei o seu controle periódico, dispondo o artigo 213, n. 1, daquele Código:
"Durante a execução da prisão preventiva o juiz procede oficiosamente, de três em três meses, ao reexame da subsistência dos pressupostos daquela, decidindo se ela é de manter ou deve ser substituída ou revogada".
Mas parece evidente que não pode deixar de aplicar-se também à prisão preventiva o prescrito em termos genéricos para as medidas de coacção pelo antecedente artigo 212, no sentido de ser revogada imediatamente e portanto sem condicionamento temporal - quer oficiosamente quer a requerimento do Ministério Público ou do arguido - sempre que se verifique algum dos fundamentos de revogação ali previstos: aplicação indevida ou desaparecimento das circunstâncias que a justificaram.
Quer dizer, não pode ler-se o artigo 213 desligado do artigo 212, de modo que a obrigatoriedade de reexame trimestral não exclui nem dispensa o reexame imediato, a todo o tempo em que se notem ou invoquem fundamentos para a prisão preventiva ser revogada ou substituída.
Aliás, seria ilógico que, além da obrigatória e oficiosa revisão de três em três meses, não houvesse lugar, pelo menos, a petições do arguido ou do
Ministério Público, para os pressupostos da prisão serem reexaminados, com base em novas circunstâncias, verificadas antes de passar um trimestre sobre a última análise da situação prisional.
A invocação do respeito pelo caso julgado, feita no acórdão sob recurso, não faz sentido, relativamente a uma decisão de índole precária, como é o caso, destinada a só vigorar enquanto os seus pressupostos subsistirem.
Portanto, face aos princípios legais por que se rege a aplicação das medidas de coacção, o reexame trimestral imposto pelo artigo 213 tem de ser entendido como uma garantia suplementar, para o arguido preso, de que não poderá decorrer esse período sem ver a sua situação oficiosamente revista; não excluindo porém a possibilidade de o ser mais cedo, quando tal se justifique, de acordo com a regra geral do artigo 212.
5.
Este tem sido o entendimento dominante, expresso v.g. em acórdãos deste Supremo Tribunal de 31 de Maio de 1989 - processo 39947, de 13 de Março de 1991 - processo n. 41758 e de 13 de Novembro de 1991 - processo n. 42301 (Boletim n. 387, página 487, n. 405, página 374, e n. 411, página 450).


No dizer do Conselheiro Maia Gonçalves, o reexame dos pressupostos da prisão preventiva prescrito no n. 1 do artigo 213, "que é feito oficiosa e obrigatoriamente de três em três meses, acresce a qualquer outro reexame, que deve ser feito sempre que se verifiquem circunstâncias que o imponham. A lei não teve necessidade de o dizer aqui porque esses reexames são impostos por outros normativos, maxime pelo artigo 212
... As medidas de coacção, pelas contínuas variações do seu condicionalismo, estão sujeitas à condição "rebus sic stantibus" "(Código de Processo Penal Anotado, 6. edição, páginas 355 e 354).
6.
Em conclusão:


- Opta-se, decididamente, pela orientação acolhida no acórdão fundamento.
- Entretanto, visto qualquer decisão sobre prisão preventiva ter de ser reapreciada ao fim de três meses, é claro que o acórdão recorrido, neste momento, só conserva a utilidade de constituir suporte para a pretendida uniformização de jurisprudência, sendo agora descabido revogá-lo ou mandá-lo alterar, porque já despido de validade e interesse, em relação ao caso concreto nele resolvido, cumprindo sim declarar a superveniente inutilidade do recurso, nesse aspecto.


E pelos fundamentos expostos se fixa, com carácter obrigatório para os tribunais judiciais, a seguinte jurisprudência:

"A prisão preventiva deve ser revogada ou substituída por outra medida de coacção, logo que se verifiquem circunstâncias que tal justifiquem, nos termos do artigo 212 do Código de Processo Penal, independentemente do reexame trimestral dos seus pressupostos, imposto pelo artigo 213 do mesmo Código".
Não há lugar a tributação.


Lisboa, 24 de Janeiro de 1996


Pedro Marçal,
Costa Pereira,
Sousa Guedes,
Ferreira da Rocha,
Sá Ferreira,
Nunes da Cruz,
Araújo dos Anjos,
Sá Nogueira,
Castro Ribeiro,
Costa Figuerinhas,
Andrade Saraiva,
Augusto Alves.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA:
ALEGAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO
I - RAZÃO
1. CARLOS INÁCIO DOS SANTOS PINA, arguido no processo comum colectivo n. 295 da 2. Vara Criminal de Lisboa, invocando os artigos 437 e 438 do Código de Processo Penal (C.P.P.) (serão deste Código todas as normas sem menção de diploma) interpôs o presente recurso extraordinário para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 12 de Outubro de 1994, no Processo n. 33494.
2. Como fundamento invocou a oposição entre o acórdão recorrido e o que foi proferido pela Relação do Porto, a 3 de Fevereiro de 1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência desse ano, Tomo I, páginas 247 e 249.
II. DA OPOSIÇÃO:
1. Por acórdão deste supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Setembro de 1995, decidiu-se como verificada a alegada oposição. Fundamenta-se esta decisão no facto de ambos os arestos terem feito interpretação antagónica dos artigos 212 e 213 reguladores do reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da sua revogação ou substituição.
2. Enquanto o acórdão recorrido decidiu que o despacho com trânsito que tenha ordenado tal prisão só pode ser alterado aquando do reexame trimestral dos respectivos pressupostos, já o acórdão-fundamento, ao contrário, entendeu que a revogação ou substituição apenas depende da verificação de fundamentos que a justifiquem, podendo ser decidida a todo o tempo.
3. Verificada e decretada a oposição, não pode esta ser novamente apreciada, porquanto o Código de Processo Penal em vigor não comporta no seu articulado normativo um preceito idêntico ao artigo 766, n. 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável aos Assentos requeridos no domínio no Código de Processo Penal de 1929.
III - DA QUESTÃO CONTROVERTIDA
A revogação ou substituição da prisão preventiva depende apenas da verificação dos fundamentos que a justifiquem, podendo operar-se a todo o tempo, ou só pode efectuar-se aquando do reexame trimestral dos respectivos pressupostos?
IV - ALEGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO:
1. Com a epígrafe "Revogação e substituição das medidas" (de coacção), dispõe o artigo 212:
"1. As medidas de coacção são mediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar: a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei, ou b) Terem deixado de substituir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.
2. As medidas revogadas podem de novo ser aplicadas, sem prejuízo da unidade dos prazos que a lei estabelecer, se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a sua aplicação.
3. Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução.
4. A revogação e a substituição previstas neste artigo têm lugar oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, devendo estes, sempre que necessário, ser ouvidos. Se, porém, o juiz julgar o requerimento do arguido manifestamente infundado, condenado ao pagamento de uma soma entre seis e vinte Ucs".
2. Por sua vez, o artigo 213, com a epigrafe "Reexame dos pressupostos da prisão preventiva", reza assim:
"1. Durante a execução da prisão preventiva o juiz procede oficiosamente, de três em três meses, ao reexame da subsistência dos pressupostos daquela, decidindo se ela é de manter ou deve ser substituída ou revogada.
2. Sempre que necessário, o juiz ouve o Ministério
Público e o arguido.
3. A fim de fundamentar as decisões sobre a substituição, revogação ou manutenção da prisão preventiva, o juiz pode solicitar a elaboração de relatório social."
3. O instituto da prisão preventiva, como medida de coacção restritiva do direito à liberdade, deve merecer da parte do legislador uma atenção redobrada, tanto mais quanto é certo que ela pode ser aplicada numa fase processual em que não há ainda a certeza jurídica da autoria da prática do crime. Daí que a lei só faculte ao juiz o seu decretamento se se verificarem simultaneamente duas condições (artigo 202, n. 1):
A) Considerarem-se insuficientes ou inadequadas as medidas de coacção contempladas nos artigos 196 a
201;
B) e se houver fortes indícios da prática do crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos.
Trata-se, portanto, de uma medida subsidiária que não deve, mesmo assim, aplicar-se, se, nos termos do artigo 204 se, não se verificar: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade pública ou da continuação da actividade criminosa.
4. Em relação aos crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a oito anos, ou tratando-se dos crimes indicados no n. 2 do artigo 209, pode o juiz, no despacho sobre medidas de coacção, não sujeitar o arguido à prisão preventiva. Só que nestes casos, manda o n. 1 daquele preceito que o juiz deve indicar os motivos que o levaram a não aplicar tal medida. E compreende-se que assim seja, uma vez que, nestas circunstâncias, há mais razões para crer que se verificam os perigos enunciados no artigo 204, designadamente o da perturbação da ordem e da tranquilidade públicas. Seria, na verdade, de difícil compreensão, para o homem comum, que aguardasse o julgamento em liberdade o arguido sobre quem recaíssem suspeitas fundadas da prática de um crime de homicídio voluntário.
Além de prejudicar a imagem da justiça, criaria com certeza um sentimento de revolta e um apelo à vindicta privata. Mas se o crime tiver sido, por exemplo, motivado por forte provocação da parte da vítima, nada impede o juiz de não sujeitar o arguido à prisão preventiva, contanto que indique os motivos por que o faz.
Neste caso, a sociedade é a primeira a compreender as razões da decisão, não existindo preocupações de alarme social.
5. As normas processuais referidas nos números anteriores mais não são, afinal, do que uma emanação do princípio consagrado no artigo 28, n. 2 da Constituição da República, que transcrevemos:
"A prisão preventiva não se mantém sempre que possa ser substituída por caução ou por qualquer outra medida mais favorável prevista na lei".
6. Da anotação a este preceito feita por Vital Moreira e Gomes Canotilho (in Constituição da República Anotada, página 188) respigamos, por se nos afigurarem importantes para a discussão do problema, as seguintes ideias: a) A prisão preventiva só deverá manter-se se e na medida em que for necessária para satisfazer os interesses da justiça penal; b) Não deverá efectuar-se, ordenar-se ou manter-se quando se mostre desnecessária, isto é, quando possa, sem prejuízo, ser substituída por medida mais favorável; c) Deve beneficiar dos princípios da proporcionalidade e da necessidade, devendo ser revogada ou suspensa quando se venha a revelar desnecessária.
7. É, em síntese, "uma medida de coacção" subsidiária, reservada para casos de imputação de crimes de acentuada gravidade (pena de máximo superior a três anos) e que, mesmo assim, só deve ser decretada quando os restantes meios de coacção sejam inadequados ou insuficientes" (v. anot. ao artigo 202 do Código de Processo Penal, de Maia Gonçalves).
8. Aflorados os princípios gerais norteadores da prisão preventiva, é altura de nos debruçarmos sobre o tema concreto que nos preocupa no presente recurso.
Um exemplo:
9. A é detido e apresentado ao juiz, no prazo de 48 horas, por existirem fortes indícios da prática de um crime punível com pena superior a 3 anos de prisão (v.g., furto qualificado previsto no artigo 204 do novo Código Penal). O juiz ordena a prisão preventiva por entender que se verifica um ou alguns dos perigos enunciados no artigo 204 do Código de Processo Penal. O despacho transita em julgado; mas, decorridos menos de três meses, deixaram de subsistir claramente os pressupostos que ditaram a prisão preventiva (pense-se, por exemplo, na hipótese de o arguido ter sido confundido com outra pessoa sobre a qual passaram a recair agora fortes suspeitas).
10. Deverá o juiz, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, ou até oficiosamente, ordenar de imediato a restituição daquele à liberdade ou terá que esperar que se completem os três meses sobre o inicio da prisão preventiva?
11. Estamos plenamente convictos que, perante tal situação, ao juiz só resta a primeira solução: a restituição à liberdade. Impõe-lha o artigo 28, n. 2 da Constituição e não a contrariam (nem o podiam fazer) as normas do processo penal.
"O reexame oficioso dos pressupostos da prisão preventiva, e a fixação do prazo de 3 meses, foram introduzidos na vigência do Código de Processo Penal de 1929, pelo artigo 5 do Decreto-Lei n. 377/77, dando origem ao artigo 273-A daquele Código, com a seguinte redacção:
Artigo 273 (a) - Durante a prisão preventiva deverá o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do defensor, proceder ao reexame da subsistência dos seus pressupostos, decidindo se é de manter, revogar ou suspender essa medida.

Parágrafo único - O reexame deverá ter lugar de três em três meses e a ele se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no parágrafo 3. do artigo 291.
No preâmbulo do citado Decreto-Lei n. 377/77 justifica-se a introdução daquele preceito, nos seguintes termos:
"Justificaram-se já as alterações do artigo 273. Em complemento, adita-se no artigo 273 (a) o reexame da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, de modo a tornar seguro, tanto quanto possível, que não se mantenham ou consolidem situações que ofendem o direito
à liberdade.".
12. O artigo 213 do Código de 1987, embora com uma redacção algo diferente, não veio alterar significativamente o regime anterior. O reexame, que é feito oficiosa e obrigatoriamente, de três em três meses, não pode impedir, antes acresce, a qualquer outro reexame que deverá ser feito sempre que se verifiquem circunstâncias que o imponham. Não o proíbe o artigo 213, que apenas obriga o juiz a fazê-lo no período aí estabelecido e impõe-o a alínea b) do n. 2 do artigo 212 que, como escreve Maia Gonçalves (v. Ob. cit.), constitui um afloramento do principio de que as medidas de coacção, pelas contínuas variações do seu condicionalismo, estão sujeitas à condição "rebus sic stantibus".
13. Esta solução encontra apoio na maioria dos tratadistas e é corrente maioritária na jurisprudência.
14. Na doutrina, escreveu Germano Marques da Silva o seguinte:
"A previsão expressa da lei, relativamente à atenuação das exigências cautelares, justifica-se pelo favor rei; o legislador pretendeu acentuar que as medidas aplicadas não devem manter-se para além do necessário e, por isso, disciplina a reapreciação da situação dos arguidos sujeitos a medidas de coacção, impondo-a periodicamente nos casos mais graves e permitindo-a sempre, quer oficiosamente, quer a requerimento.
1.3. - Em atenção à gravidade da prisão preventiva e porque ela só pode manter-se enquanto não possa ser substituída por outra menos gravosa ou revogada, a lei impõe o reexame oficioso, de três em três meses, da subsistência dos seus pressupostos, decidindo então o juiz se ela deve manter-se, ser substituída ou revogada." (Curso de Processo Penal, II, páginas 251 e seguintes):
15. João Castro e Sousa escreveu também a seguinte passagem (in Tramitação do Processo Penal, páginas 65 e seguintes):
"Sendo, por força do disposto no artigo 27 da Constituição, o direito à liberdade é regra e a privação da mesma é excepção, o n. 2 do artigo 28 da Lei Fundamental impõe a cessação da prisão preventiva sempre que a mesma possa ser substituída por caução ou por medida de liberdade provisória prevista na lei (princípio da subsidariedade).
Daí que a previsão preventiva deva ser revogada sempre que se verifique não subsistirem os motivos que a determinaram, podendo, todavia, ser de novo ordenada se sobrevierem motivos que legalmente a justifiquem
(artigo 273), nomeadamente a violação por parte do arguido das obrigações que lhe forem impostas ou se a liberdade provisória se vier a revelar, de novo, insuficiente.
Para assegurar o cumprimento da obrigação a lei impõe mesmo ao juiz um reexame obrigatório, de três em três meses, da subsistência dos pressupostos da previsão preventiva (parágrafo único no artigo 273-A), reexame esse que poderá ter lugar, a todo o tempo, a requerimento do Ministério público, do arguido ou do seu defensor (artigo 273-A).".
16. Este mesmo Autor, na mesma obra, em nota de rodapé, depois de contestar a tese contrária defendida por Tavares de Almeida (na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 42, Setembro/Dezembro de 1982), defende que o parágrafo único do artigo 273-A do Código de Processo Penal de 1929 se limita a estabelecer o prazo em que o reexame oficioso é obrigatório enquanto no corpo do artigo se estabelece a possibilidade de, facultativa e independentemente de tal condicionalismo temporal, o reexame ter lugar quer oficiosamente quer a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do defensor. Termina, formulando a seguinte pergunta:
"Pois, não seria contraditório estabelecer a possibilidade de o reexame ser requerido se o mesmo só pudesse ter lugar, e então oficiosa e obrigatoriamente, de três em três meses?"
17. A jurisprudência, embora escassa, vai no mesmo sentido. Com maior interesse e a título meramente exemplificativo, referimos os seguintes acórdãos:
1. Acórdão do STJ de 24 de Maio de 1989, Processo n.
39947, in BMJ n. 387-487, com o seguinte sumário:
"I - As decisões sobre prisão preventiva são sempre modificáveis, perante novo circunstâncialismo.
II - Se tal decisão foi revista no processo, por outra nova e mais actual, está precludido o recurso que solicitava a suspensão da prisão, por se verificar inutilidade superveniente da lide."
Deste acórdão transcreve-se a seguinte passagem:
"Posto isto, importa recordar que as decisões sobre prisão preventiva são decisões sempre modificáveis perante novo circunstancialismo, tratando-se portanto de decisões rebus sic stantibus.
Por isso mesmo, durante a prisão preventiva deve o juiz, oficiosamente ou a requerimento, proceder ao reexame da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, decidindo se é de manter, revogar ou suspender essa medida. O reexame é obrigatoriamente feito de 3 em 3 meses, se o não for antes."
2. - Acórdão do STJ de 13 de Março de 1991 - Processo n. 41758, in BMJ 405-374, com o seguinte sumário:
"I - Durante a prisão preventiva deve o juiz, oficiosamente ou mediante requerimento, proceder ao reexame da subsistência dos pressupostos dessa decisão, decidindo se ela é de manter, revogar ou suspender, sendo o reexame feito de 3 em 3 meses, obrigatoriamente, se o não tiver sido antes.
II - Nestes termos, decorridos 3 meses desde a decisão sobre os pressupostos da prisão preventiva, o recurso de tal decisão perde todo o interesse e deve ser julgado extinto por inutilidade superveniente da lide (artigo 287 alínea e) do Código de Processo Civil."
3. Conferir ainda os seguintes arestos:
- De 13 de Novembro de 1991, no BMJ n. 411-450;
- De 16 de Maio de 1990, no BMJ n. 397-367.
18. E nem se diga que a solução encontrada ofende de algum modo o caso julgado, como sustentou o acórdão recorrido. Toda a arquitectura deste instituto assenta na segurança e na paz jurídica. Só que o caso julgado não é um valor em si mesmo, absoluto e situado no topo da pirâmide dos valores protegidos pela ordem jurídica.
A sobreporem-se-lhe existem outros como o da liberdade e o da justiça material, perante os quais aquele deverá ceder.
19. Não faria, pois, sentido manter alguém preso preventivamente, havendo fundadas razões para ser restituído à liberdade.
20. Pelo exposto, e
V. EM CONCLUSÃO:
Propõe-se que o conflito de jurisprudência existente entre os acórdãos dos tribunais da Relação de Lisboa, de 12 de Outubro de 1994, proferido no Processo n.
33494, e o da Relação do Porto, de 3 de Fevereiro de
1993, proferido no Recurso n. 24/93, seja resolvido, uniformizando-se jurisprudência, nos seguintes termos:
"A prisão preventiva deve ser revogada quando tenham deixado de subsistir as circunstâncias que a ditaram, independentemente do decurso de prazo de três meses a que se refere o artigo 213 do Código de Processo Penal".
O Procurador-Geral Adjunto,
António Pais Agostinho Homem.