Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
630/11.5TBCBR.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÂO
Relator: ANTÓNIO DA SILVA GONÇALVES
Descritores: DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
PRESUNÇÃO DE CAUSA
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 09/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: MANTIDA A DECISÃO RECLAMADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 762.º, N.º 1, 798.º E 799.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 721.º, N.º3 (NA REDAÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DECRETO-LEI Nº 303/2007, DE 24-08).
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 671.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

ACÓRDÃO, DE 15-05-2014, REVISTA N.º 5869.09.0TBMTS.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
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DECISÃO DE 28.4.14, RECLAMAÇÃO, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - O NCPC (2013) estabelece regime jurídico equiparado ao do CPC, na redacção do DL n.º 303/2007, de 24-08, para a dupla conforme no n.º 3 do seu art. 671.º, nele se substituindo a expressão anterior “ainda que por diferente fundamento” – constante do n.º 3 do art. 721º do CPC – pela frase “sem fundamentação essencialmente diferente”.

II - Estamos perante duas decisões com “fundamentação diferente” se forem diversificados os caminhos percorridos por ambas até à sua idêntica solução final, reportando-se esta realidade jurisdicional à circunstância de o Julgador, ponderando o universo normativo da legislação compreendida no sistema jurídico a que recorre, ter ido buscar distinto regime jurídico daquele que foi seleccionado por outro Juiz.

III - Numa acção de responsabilidade civil por incumprimento contratual em que a ré foi absolvida do pedido em ambas as instâncias, na 1.ª instância porque se considerou que a ré afastou a presunção de culpa sobre si incidente, tendo em conta o estatuído nos arts. 762.º, n.º 1, 798.º e 799.º, todos do CC, e na 2.ª instância porque se considerou que a ré não incumpriu o contrato ou cumpriu defeituosamente as obrigações que assumiu através do contrato celebrado com o autor, ambas as resoluções comportam enquadramento no mesmo regime substantivo, sendo desnecessária a admissibilidade de um terceiro grau de jurisdição.

Decisão Texto Integral:
Em conferência, requerida pelo recorrente AA ao abrigo do estatuído no art.º 652.º, n.º 3, ex vi art.º 679.º, ambos do C.P.Civil, acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


AA, viúvo, com domicílio profissional na Av. Calouste Gulbenkian, Centro Comercial Mayflower, Loja …, em Coimbra, intentou a presente acção declarativa, com processo comum e forma ordinária, contra “BB - SERVIÇOS E SISTEMAS DE SEGURANÇA, LDª”, com sede na Av. …, 3000-271 Coimbra, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe, a título de indemnização por todos os danos patrimoniais sofridos, a quantia de € 65.500,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da data de citação e até efectivo pagamento.

Alegou para tanto, em síntese, que celebrou com a R. um contrato de prestação de serviços de vigilância e que, porque esta incumpriu - ou cumpriu defeituosamente - tal contrato, o seu estabelecimento comercial foi assaltado, o que lhe causou danos patrimoniais dos quais pretende ser indemnizado.

A R. contestou, excepcionando o não cumprimento do contrato por parte do A. e o abuso de direito e impugnando a factualidade alegada na petição inicial, designadamente a relativa à causalidade adequada, em termos de concluir não estarem reunidos os indispensáveis pressupostos da sua pretensa responsabilidade civil contratual.

A R. requereu ainda a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros CC, S.A., intervenção essa que foi admitida, tendo a chamada oferecido o seu articulado em que, no essencial, aderiu à contestação da R., invocando, contudo, a eventual exclusão do sinistro do âmbito da cobertura do contrato de seguro que a ligava àquela.

Saneada, condensada e instruída a causa, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em cujo âmbito foi proferida a pertinente decisão sobre a matéria de facto.

Foi, depois, com data de 29/08/2013, emitida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. e a interveniente do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso para a Relação de Coimbra que, por acórdão de 18.02.2014 (cfr. fls. 195 a 203), julgou a apelação improcedente e, consequentemente, manteve a sentença recorrida.

Irresignado, recorre agora para este Supremo Tribunal o autor AA, alegando e concluindo em conformidade.



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Ficou provado que, dedicando-se a ré à prestação de serviços de segurança privada e vigilância, celebrou com o autor um contrato de prestação de serviços de vigilância para o estabelecimento comercial deste, denominado “A… …”, instalado no Centro Comercial Mayflower, sito na Av. Calouste Gulbenkian, em Coimbra.

Pelo referido contrato a ré obrigou-se a prestar vigilância sobre o edifício/loja, através da instalação de um sistema de alarme de detecção de intrusão, consistindo o mesmo na instalação de um conjunto de censores e detectores, colocados em diversos pontos da loja, que em caso de intrusão ou tentativa de intrusão pela porta ou pela montra fariam disparar um forte alarme sonoro (sirene) e gerariam automaticamente a comunicação da ocorrência, por telefone, para a central da R.

Estava incluído no contrato uma revisão técnica durante o período de vigência deste, além das assistências solicitadas pelo cliente para reparação em condições normais de utilização de todo o equipamento.

A ré procedera à revisão do equipamento existente na loja a 3 de Abril de 2009, tendo então ficado operacional.

Contudo, no dia 16/11/2009, pelas 05,30 horas, o estabelecimento do autor foi objecto de um assalto para realização do qual os assaltantes partiram o vidro da montra da loja de antiguidades abrindo nela um buraco pelo qual, sem entrarem, introduziram os braços, retirando o que estava ao seu alcance, designadamente objectos em ouro, tais como anéis, pulseiras, brincos e gargantilha, um relógio Ómega Constellation em ouro, dois relógios de bolso em ouro e dois relógios de pulso em metal.

Apesar disso, o sistema de vigilância instalado pela R. não accionou a comunicação automática à central.

O alarme da porta do estabelecimento do A. soou às 7 horas e 9 minutos, não se apurando porque tal não aconteceu com o da montra, sendo certo que depois de partido o vidro da montra, tendo sido danificado o sensor, não é já possível apurar-se se ele estava avariado ou não antes da quebra do vidro.

Perante este circunstancialismo factual e considerando ambas as instâncias que a causa de pedir invocada pelo autor se radica na alegada responsabilidade civil contratual da ré por incumprimento do contrato, entendeu a sentença proferida na 1.ª instância que, tendo na devida conta o estatuído nos artigos 762.º, n.º1, 798.º e 799.º, todos do C.Civil, a ré afastou a presunção de culpa sobre si incidente, tudo porque “logrou a demandada demonstrar que havia procedido à revisão do equipamento existente na Loja em 3.4.2009, tendo então ficado operacional”.

Entende a Relação que, porque a ré não praticou um “facto ilícito”, pressuposto indispensável para que haja responsabilidade civil contratual (a violação do contrato), conclui este tribunal superior que não se encontra fundamento factual para concluir que a ré incumpriu ou cumpriu defeituosamente as obrigações que assumiu através do contrato celebrado com o autor.

Analisando ambos estes arestos, adianta o recorrente/autor que, não obstante ter a Relação confirmado a sentença impugnada, não se verificou a regra da dupla conforme prevista no n.º 3 do art.º 671.º do atual C.P.Civil, porquanto as duas decisões proferidas assentaram em fundamentação essencialmente diferente:

a) A Relação ajuizou que nem sequer se verificou o facto ilícito contratual que levaria ao funcionamento da presunção legal prevista no artigo 798.º do C.Civil; e

b) Na sentença entendeu-se ter operado a presunção legal de culpa, logrando a ré/recorrida ilidir tal presunção.

Respondendo a esta afirmação, argumenta a recorrida no sentido de que ambas as decisões se arreigam na mesma fundamentação: a ausência de qualquer incumprimento contratual por parta da ré, ou seja, a falta de prova do facto ilícito praticado pela ré e alegado pelo autor.



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I. Com o intuito de racionalizar a possibilidade de recurso ao Supremo Tribunal de Justiça (até aí a parte podia recorrer - recurso de revista - até ao STJ mesmo no caso de existirem duas decisões convergentes: a decisão do tribunal de 1.ª instância e a decisão da Relação), ex vi do estatuído no n.º 3 do art.º 721.º do C.P.Civil (na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24-08), “não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida[1].

A Lei n.º 41/2013, de 26/06, que aprovou o atual Código de Processo Civil, em vigor desde o dia 1 de Setembro de 2013 e aplicável ao caso “sub judice”, estabelece equiparado regime jurídico para a dupla conforme no n.º 3 do seu art.º 671.º - sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.[2]


II. Estamos perante duas decisões com “fundamentação diferente” se forem diversificados os caminhos percorridos por ambas até à sua idêntica solução final.

Reporta-se esta realidade jurisdicional à circunstância de o Julgador, ponderando o universo normativo da legislação compreendida no sistema jurídico a que recorre, ter ido buscar distinto regime jurídico daquele que foi o selecionado pelo outro Juiz.

Tomando os factos aos quais vai aplicar a lei, o Juiz fundamenta diferentemente a sua decisão quando, comparando-a com outra que lhe foi aplicada, entende e demonstra que, em tal caso concreto, é outra a expressiva prescrição legal que o legislador ajustou, abstracta e genericamente, para a colectividade a quem se dirige.

A fundamentação é essencialmente diferente” no caso de os descoincidentes regimes legais aplicados em ambas as decisões à mesma facticidade, muito embora coincidam em denotados pontos das suas racionalidade e lógica expendidos, todavia são vincadamente diferentes na sua significativa e substancial avaliação.[3]


III. Na presente ação o que o autor roga é que, fundamentando a sua pretensão no não cumprimento do contrato de prestação de serviços que tinha celebrado com a ré, a demandada seja obrigada a ressarcir o demandante pelos prejuízos que tal incumprimento lhe determinou.

As instâncias denegaram ao recorrente/autor este pedido que faz, pontificando-se, em cada uma das decisões proferidas, que não cabe ao réu responder civilmente pelo dano ocorrido ao autor, mercê de se não terem verificado os pressupostos da sua aplicabilidade:     

- A sentença apelada, porque a ré logrou afastar a presunção de culpa que sobre ela recaía - para que haja responsabilidade civil exige a lei (art. 483.º, do C.C.) que o autor aja com culpa (dolo ou mera culpa); e na responsabilidade contratual presume-se a culpa do devedor - "incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o incumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua" (art.º 799.º, n.º 1, do C.Civil).

 - O acórdão recorrido, porque se não verifica sequer a existência de um facto ilícito perpetrado pela ré, um dos pressupostos da responsabilidade civil que lhe é imputada.

Desta opção jurisdicionalmente tomada podemos depreender que, porque ambas as resoluções se comportam no enquadramento do mesmo regime substantivo, mantendo-se fiéis ao modo como caracterizam o contrato em que assenta o pedido do autor (contrato de prestação de serviços) e a sua violação (incumprimento), complementando-se na sua argumentação jurídica mas circunscrevendo-se ambas ao contexto do mesmo quadro normativo em que se apoiam, havemos de reputar como desnecessária, no caso “sub judice”, a admissibilidade de um terceiro grau de jurisdição que o atual regime recursório especificadamente demarcou.

A fundamentação de que dão conta as duas determinações, divulgadas por ambos os Tribunais, consolida, inequivocamente, uma motivação essencialmente idêntica - a alusão à natureza essencial ou substancial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não revelam um enquadramento jurídico alternativo; o mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não-aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido (Cons. Abrantes Geraldes; Reclamação; decisão de 28.4.14; www.dgsi.pt).

Assim, ambos os arestos acomodam na sua justificação jurídica uma fundamentação essencialmente idêntica.

Pelas razões acima deduzidas não vamos conhecer do recurso de revista interposto.    

          Nestes termos,

          Julgamos findo o recurso pelo não conhecimento do seu objecto.

Custas pelo recorrente.

        

Supremo Tribunal de Justiça, 18 de setembro de 2014.

António da Silva Gonçalves (Relator)

Fernanda Isabel Pereira

Pires da Rosa

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 [1] Artigo 721º (decisões que comportam revista).       

3 - Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.
[2] Nele substituindo a expressão “ainda que por diferente fundamento” pela frase “sem fundamentação essencialmente diferente”.

[3] Assim escrevemos no acórdão prolatado na revista n.º 5869.09.0TBMTS.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.