Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P418
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: ACORDÃO DA RELAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
RECONHECIMENTO
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ200807150004185
Data do Acordão: 07/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIAL.
Sumário :  I  - Uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se faz da prova e outra é detectarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.

II - Por outro lado também não pode esquecer-se tudo aquilo que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite: basta pensar no que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.

III - O trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizados em 1.ª instância, e da fundamentação feita na decisão por via deles, traduz-se fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado como provado o que se deu por provado – cf. Acs. de 15-02-2005 e de 10-10-2007, Procs. n.ºs 4324/04 - 5.ª e 3742/07 - 3.ª, respectivamente.

IV - Perante a redacção da lei processual penal anterior à Lei 48/2007, de 29-08, aquilo que tecnicamente é apelidado de prova por reconhecimento, tinha cabimento em regra nas fases de inquérito e de instrução; de tal modo que, se em audiência, uma testemunha identificasse o(s) arguido(s), durante o seu depoimento, era prova testemunhal que estava a ser produzida, e portanto não seria exigível o formalismo que o art. 147.º do CPP já prescrevia – cf. Acs. do STJ de 11-05-2000, Proc. n.º 75/2000 e de 16-06-2005, Proc. n.º 553/05, ambos da 5.ª e Ac. do TC de 25-08-2005, Proc. n.º 425/05 - 2.ª.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


No Tribunal Judicial de Santo Tirso, em tribunal colectivo e processo comum (Pº 3/06. 1GASTS) foram julgados e condenados a 10/4/2007, juntamente com outro arguido de nome AA:

1) BB, nascido a 21/6/87, como autor de trinta crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204º, nº 1 al. f), do C. Penal e, como autor de um crime de detenção ilegal de arma de defesa p. e p. pelo art. 6º da Lei nº 22/97 de 27/6, em cúmulo, na pena única de nove anos de prisão;
2) CC, nascido a 12/5/83, como autor de trinta crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204º, nº 1 al. f), do C. Penal, , e, como autor de um crime de detenção ilegal de arma de defesa p. e p. pelo art. 6º da Lei nº 22/97 de 27/6, em cúmulo, na pena única de doze anos de prisão;

3) DD, nascida a 27/6/87, como autora de trinta crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 e 2 al. b), por referência ao art. 204º, nº 1 al. f), do C. Penal, e, como autora de um crime de detenção ilegal de arma de defesa p. e p. pelo art. 6º da Lei nº 22/97 de 27/6, em cúmulo, na pena única de seis anos de prisão;

Deste acórdão interpuseram os três arguidos recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

Por decisão de 7/11/2007, este último Tribunal negou provimento aos recursos e confirmou a decisão recorrida. Dela recorrem novamente os arguidos para este Supremo Tribunal de Justiça.

A – DECISÃO DA PRIMEIRA INSTÂNCIA

Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos (transcrição):

“- NUIPC 44/06.9GAPVZ -
1.1 - Na noite de 30 para 31 de Janeiro de 2006, quatro indivíduos de identidade não apurada dirigiram-se numa viatura “Seat Ibiza”, de cor branca, ao Monte de S. Félix, Laúndos, Póvoa do Varzim. Aí, pelas 1.10 horas, enquanto um deles ficou a aguardar no “Seat”, os outros três, com as caras tapadas e um deles empunhando uma pistola, abeiraram-se, silenciosamente, dum “Volkswagen Passat”, em cujo interior se encontravam EE e FF. Então, empunhando a referida pistola na direcção destes, os três indivíduos exigiram-lhes que lhes entregassem as carteiras, dinheiro e telemóvel, bem como as chaves da viatura, o que os mesmos fizeram, temendo pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas, sendo que tudo tinha um valor não inferior a duzentos e cinquenta euros (€ 250).

- NUIPC 146/06.1GAVCD –

1.2 - Na noite de 4 para 5 de Fevereiro de 2006, pelo menos dois indivíduos de identidade não apurada dirigiram-se ao Monte de St.ª Eufémia, Canidelo, Vila do Conde. Aí, pelas 1.45 horas, dois deles, com as caras tapadas e um deles empunhando uma pistola e o outro uma caçadeira, abeiraram-se, sub-repticiamente, dum “Audi A3”, em cujo interior se encontravam GG e HH. Então, juntos do “Audi”, os dois indivíduos, empunhando as referidas pistolas e caçadeira na direcção destes, partiram com esta última o vidro da porta do lado do condutor e exigiram-lhes que lhes entregassem todos os valores que tinham consigo, nomeadamente um computador que estava a utilizar, as carteiras, o dinheiro e os telemóveis, o que os mesmos fizeram, temendo pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas, sendo que tudo tinha um valor não inferior a mil euros (€ 1.000).
Já com estes bens na sua posse, os dois indivíduos, sempre empunhando as armas em direcção aos ofendidos, ordenaram ao GG que saísse da viatura o que o mesmo prontamente fez. Então um dos indivíduos entrou na viatura e tentou arrancar o auto-rádio a fim de o fazerem seu. Não o logrando fazer, saiu do “Audi A3” e ordenou ao ofendido que nele entrasse e que arrancasse de imediato do local, o que este, sempre temendo pela sua integridade física, fez.

- NUIPC 147/06.1GAVCD -

1.3 - Ainda nessa madrugada (5 de Fevereiro de 2006), pelo menos dois indivíduos de identidade não apurada dirigiram-se ao Lugar e freguesia de Mindelo, Vila do Conde. Aí dois deles abeiraram-se da viatura “Renault Clio”, em cujo interior se encontravam II e JJ. Juntos deste veículo, aqueles, com as caras tapadas e um deles empunhando uma pistola e o outro uma caçadeira, partiram com esta última o vidro da porta do lado do condutor e exigiram-lhes dinheiro, e telemóveis, o que os mesmos fizeram, temendo pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas, sendo que tudo tinha um valor não inferior a duzentos e cinquenta euros (€ 250).
Os dois indivíduos também retiraram do “Renault” a respectiva chaves.
- NUIPC 63/06.5GAPVZ -
1.4 - Na noite de 10 para 11 de Fevereiro, quatro indivíduos de identidade não apurada dirigiram-se ao Monte de S. Félix, Laúndos, Póvoa do Varzim, numa viatura “Seat Ibiza”, de cor branca, com as chapas de matrícula tapadas com uns panos a fim de evitar virem a ser identificados.
Aí, pelas 1.15 horas, enquanto dois deles ficaram a aguardar naquele veículo, os outros dois, com as caras tapadas, dirigiram-se para junto dum “Seat Ibiza”, de cor preta, HS, quando KK e LL regressavam ao mesmo, vindos dum miradouro existente no local, barrando-lhes o caminho e empunhando nas suas direcções um deles uma pistola e o outro uma caçadeira, exigiram-lhes todo o dinheiro e os telemóveis que tivessem consigo, o que os mesmos fizeram, temendo pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas, sendo que os bens pertencentes a KK tinham um valor de trezentos e setenta e cinco euros (€ 375) e os pertencentes a LL tinham um valor de trezentos e dez euros (€ 310).

Esses dois indivíduos indagaram a KK se o “Seat” que aí se encontrava estacionado lhe pertencia, o que o mesmo negou, pelo que aqueles lhes ordenaram que se fossem embora do local, a pé.

1.5. - Pouco tempo depois, nessa mesma madrugada e no mesmo referido Monte, aqueles indivíduos, deslocando-se também na viatura “Seat Ibiza”, de cor branca, com as chapas de matrícula tapadas com uns panos, dirigiram-se ao veículo “Opel Astra” aí parado.
Aí, enquanto dois deles ficaram a aguardar naquele “Seat Ibiza”, os outros dois, com as caras tapadas, dirigiram-se para junto do veículo “Opel Astra”, quando ao mesmo regressavam MM e NN, barrando-lhes o caminho e empunhando nas suas direcções um deles uma pistola e o outro uma caçadeira, exigiram-lhes todo o dinheiro e os telemóveis que tivessem consigo, tendo-os revistado e, depois, sempre empunhando na direcção dos mesmos as referidas armas, obrigaram o ofendido a abrir o “Opel” e a retirar do seu interior e a entregar-lhes dois telemóveis e o dinheiro que a ofendida NN tinha na carteira, sendo que tudo tinha um valor não inferior a duzentos e cinquenta euros (€ 250).

- NUIPC 333/06.2JAPRT -

1.6 - Na noite de 24 para 25 de Fevereiro de 2006, pelo menos dois indivíduos de identidade não apurada dirigiram-se junto da praia de Azurara, Vila do Conde. Aí, por volta da 1.00 hora, dois deles abeiraram-se da viatura “Renault Clio”, em cujo interior se encontravam OO e PP. Juntos deste veículo, aqueles, com as caras tapadas e um deles empunhando uma pistola e o outro uma navalha, partiram o vidro da porta do lado direito com uma pedra (paralelo) e empunhando na direcção destes a pistola e a navalha exigiram-lhes que lhes entregassem um casaco de cabedal, o dinheiro e os telemóveis, o que os mesmos fizeram, temendo pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas, sendo que os bens pertencentes a OO tinham um valor de duzentos e setenta e cinco euros (€ 275) e os pertencentes a PP tinham um valor de cento e dez euros (€ 110).

- NUIPC 250/06.6GAVCD -

1.7 - Na madrugada de 24 para 25 de Fevereiro de 2006, junto da praia de Azurara, Vila do Conde, os arguidos avistaram o “Opel Corsa”, cinzento, com a matrícula RJ, em cujo interior se encontravam QQ e RR, os quais decidiram assaltar. Na sequência, enquanto os arguidos DD e CC ficaram no “Seat Ibiza”, cor branca, com a matrícula NU, à espera da consumação do assalto, os arguidos BB e AA taparam as caras, muniram-se de uma pistola e uma navalha, respectivamente, e dirigiram-se, silenciosamente até àquele “Opel”. Juntos desta viatura, esses dois arguidos partiram o vidro da respectiva porta e ordenaram àqueles que saíssem da mesma e lhes entregassem os bens que tivessem.
Temendo pelas suas integridades física e mesmo pelas suas vidas os ofendidos saíram da viatura e entregaram-lhes, o primeiro, os documentos do carro, 35 euros, um telemóvel, no valor de 250 euros, e um relógio, no valor de 250 euros, e a segunda, um telemóvel, no valor de 120 euros.

De seguida aqueles arguidos entraram na viatura “Opel Corsa”, no valor de quinze mil (€ 15.000), pertencente a QQ, puseram-na em funcionamento, daí a levando com eles, enquanto, por sua vez, também a arguida DD e o arguido CC, que com ela ficara na viatura ”Seat”, abandonaram o local.

O aludido telemóvel subtraído a CA veio a ser recuperado, no dia 23 de Março de 2006, na posse do arguido CC.

- NUIPC 159/06.3GCSTS -

1.8 - De seguida, os arguidos, transportando-se na viatura “Opel Corsa” com a matrícula RJ acabada de subtrair a QQ e no já referido veículo “Seat Ibiza”, cor branca, com a matrícula NU, dirigiram-se ao Monte de S. Gens, Alvarelhos, Trofa, a fim de assaltarem mais algum casal que lá viessem a encontrar. Aí, os arguidos, tendo avistado o “Opel Astra”, em cujo interior se encontravam SS e TT, logo acordaram em assaltar estes.
Para tanto, os arguidos BB e AA , que seguiam no “Opel Corsa” antes subtraído, taparam as caras, muniram-se com as já referidas pistola e navalha, respectivamente, aproximaram-se do “Opel Astra” e, junto deste, partiram o vidro da porta do lado direito com uma pedra (paralelo), abriram-na e, ao mesmo tempo que, empunhavam as ditas armas em direcção dos ofendidos, ordenaram-lhes que saíssem e lhes entregassem todo o dinheiro, carteiras e telemóveis que consigo tivessem, o que os ofendidos fizeram, por temerem pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas, tendo saído da viatura e entregue aos arguidos, ele um telemóvel e 15 euros e ela um telemóvel e 10 euros, tudo no valor não inferior a duzentos e cinquenta euros (€ 250).

Já com aqueles bens em seu poder, os arguidos ordenaram aos ofendidos que se retirassem do local, o que os mesmos fizeram, tendo então visto o veículo “Opel Corsa” em que os arguidos que os abordaram se transportavam.

- NUIPC 160/06.7GCSTS -

1.9 - Ainda nessa mesma madrugada de 25 de Fevereiro e no mesmo local – Monte de S. Gens, Alvarelhos, Trofa –, os arguidos avistaram um “Citroen C3”, em cujo interior se encontravam RMSM e TRDB, e acordaram em assaltar também este par.
Para tanto, os arguidos BB e AA , que seguiam no “Opel Corsa” antes subtraído, taparam as caras, muniram-se com as mesmas pistola e navalha, respectivamente, pararam junto do “Citroen C3”, saíram rapidamente da viatura em que se transportavam e, dirigindo-se à porta do condutor do “Citroen”, tentaram abri-la. Como não o conseguiram partiram o respectivo vidro com um paralelo, com o que provocaram ferimentos nos ofendidos.

Sempre empunhando a pistola e a navalha em direcção dos ofendidos, os arguidos exigiram-lhes que lhes entregassem os bens que consigo tivessem, o que aqueles fizeram, por temerem pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas, tendo ele entregue um telemóvel, no valor de 400 euros, e ela um telemóvel, no valor de 120 euros.

Já com aqueles bens em seu poder, os arguidos ordenaram aos ofendidos que se retirassem do local, o que os mesmos fizeram, tendo então visto o veículo “Opel Corsa” em que os arguidos que os abordaram se transportavam, tendo anotado a respectiva matrícula.

- NUIPC 254/06.9GAVCD -

1.10 - E, ainda nessa mesma madrugada de 25 de Fevereiro, os arguidos, transportando-se no dito “Opel Corsa” com a matrícula RJ anteriormente subtraído, avistaram um “Toyota Corolla”, parado na Av. dos Banhos, Labruge, Vila do Conde, em cujo interior se encontravam RCTC e CFRM e logo decidiram assaltar estas pessoas.
Para levarem a cabo esse plano, os arguidos BB, AA e CC taparam as caras, muniram-se das já referidas pistola e navalha, aproximaram-se do “Toyota”, pararam atrás do mesmo, assim o bloqueando e impedindo de arrancar do local, e saíram os três, dois para a porta da frente do lado direito e o terceiro para a porta do condutor, enquanto a arguida DD se manteve no banco traseiro do “Opel Corsa”.

Os arguidos, empunhando e apontando as referidas pistola e navalha em direcção dos ofendidos, exigiram-lhes que lhes entregassem os bens que consigo tivessem, o que os mesmos fizeram, por temerem pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas, entregando-lhes, o primeiro, um casaco e um telemóvel, e, o segundo, um telemóvel, sendo todos os seus bens de valor total não inferior a duzentos e cinquenta euros (€ 250).

O aludido telemóvel subtraído a CFRM veio a ser recuperado, no dia 23 de Março de 2006, na posse do arguido CC.

- NUIPC 283/06.2GAVCD -

1.11 - No início da madrugada de 4 de Março seguinte, os arguidos avistaram, junto à praia da Azurara, Vila do Conde, o “Volkswagen Lupo”, preto e com a matrícula UG, em cujo interior se encontravam HDMC e ASGC e logo decidiram assaltar estas pessoas.
Assim, os arguidos BB e AA taparam as caras, para não serem reconhecidos, muniram-se das já referidas pistola e navalha, respectivamente, e dirigiram-se até junto do “Volkswagen”, ao qual partiram os vidros das duas portas da frente, de supetão. De imediato, enquanto o arguido AA encostou a navalha ao pescoço de HDC e o arguido BB empunhou a pistola em direcção aos dois ofendidos, ambos exigiram a estes que saíssem da viatura e que lhes entregassem todos os valores que consigo tivessem. Temendo pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas, os ofendidos saíram da viatura e ela entregou-lhes um casaco e um telemóvel, no valor total de trezentos e trinta euros (€ 330).

Com os ofendidos fora do “Volkswagen”, com o valor de sete mil e quinhentos euros (€ 7.500), os arguidos BB e AA nele entraram, ligaram-no e levaram-no com eles.

- NUIPC 346/06.04GAMAI -

1.12 - De seguida, nessa mesma madrugada de 4 de Março, os arguidos transportaram-se no dito “Volkswagen Lupo” preto matrícula UG, subtraído antes junto à praia da Azurara e seguiram nele até ao Parque de S. Pedro de Avioso, na Maia onde, pelas 1.30 horas, avistaram, a circular, o “BMW 316 i”, com a matrícula AT, em que seguiam MG e VMSF, tendo de imediato decidido assaltá-los.
Para concretizarem esse plano os arguidos ultrapassaram o “BMW” e atravessaram o “Volkswagen” à frente daquele, obrigando a que a condutora, MG, travasse a fundo. Com o “BMW” imobilizado, saíram do “Volkswagen”, onde se manteve a arguida DD, os arguidos BB, AA e CC, com as caras tapadas e munidos, um com a pistola e outro com a navalha, já referidas, e colocaram-se, o que empunhava a pistola, na frente do “BMW”, o que empunhava a navalha do lado do ofendido e o terceiro do lado da ofendida. Assim colocados e sempre empunhando aquelas armas na direcção dos ofendidos, os arguidos exigiram-lhes que saíssem da viatura, tendo, o que se encontrava do lado da ofendida, puxado a mesma com força para o exterior. Em simultâneo, os arguidos exigiram aos ofendidos que lhes entregassem os bens que possuíssem, o que os mesmos fizeram, por temerem pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas, tendo entregue, ele um casaco e 150 euros, e, ela, uma carteira, um telemóvel, umas chaves e uns óculos, tudo no valor não inferior a duzentos e cinquenta euros (€ 250).

Após, um dos arguidos meteu-se no mesmo “BMW”, no valor de dez mil euros (€ 10.000), e nele de lá arrancou, seguido pelos restantes arguidos no “Volkswagen Lupo”.

- NUIPC 355/06.3PBMTS -

1.13 - Ainda nessa madrugada, os arguidos transportaram-se no mesmo “BMW” AT até à praia do Funtão, Lavra, Matosinhos, onde, já pelas 4.00 horas, estavam estacionados um “Peugeot 206”, cinzento e com a matrícula RI, em cujo interior se encontravam RMPFD e DISM, pessoas que os arguidos logo acordaram em as assaltar. Ao lado, estava parado um outro automóvel, em cujo interior se encontravam RFSC e MCCP.
Para execução daquele acordo, os arguidos BB e AA, depois de taparem a cara e se munirem, respectivamente, da pistola e da navalha já referidas, abeiraram-se do dito “Peugeot”, partiram um vidro da porta da frente, lado esquerdo, e, enquanto empunhavam aquelas pistola e navalha ordenaram a RD e à DM que lhes entregassem todos os bens que possuíam, o que esses ofendidos fizeram, por temerem pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas, entregando, ele uma carteira, contendo documentos e 100 euros e dois telemóveis e, ela, um telemóvel, tudo no valor não inferior a duzentos e cinquenta euros (€ 250).

Nessa ocasião, a supra mencionada MCP saiu do carro em cujo interior se encontrava, vindo em socorro do RD e da DM e, quando tal sucedeu, surgiu o arguido CC, o qual apontou uma navalha à cara daquela e obrigou-a entrar também para o dito “Peugeot”, após o que um desses três arguidos se encaminhou para o outro automóvel estacionado ao lado e, dirigindo-se ao RC, apontou-lhe uma pistola à cabeça e tirou-lhe as calças, um telemóvel e uma carteira com 80 euros, assim como, também retirou um casaco e um telemóvel, pertencentes à MCP.

Após, os quatro arguidos abandonaram o local, transportando-se no aludido “BMW”.

- NUIPC 197/06.6GCSTS -

1.14 - Na madrugada de 11 para 12 de Março de 2006, os arguidos dirigiram-se ao Monte de S. Gens, Alvarelhos, Trofa, onde, por volta das 0.30 horas, avistaram, parado, o veículo “Peugeot XSI”, preto e com a matrícula GE, em cujo interior se encontravam RMAF e SLAT, que logo decidiram assaltar.
A fim de não serem reconhecidos, os arguidos BB e AA, CC e DD taparam as caras e muniram-se, respectivamente, da pistola e da navalha já referidas e aproximaram-se daquele veículo ao qual de imediato partiram o vidro da porta da frente do lado direito e, de seguida, puxaram os ofendidos para o exterior e, entrando de imediato no veículo “Peugeot”, no valor de três mil euros (€ 3.000), nele abandonaram o local, levando-o e todos os bens que os ofendidos nele tinham, estes no valor nunca inferior a duzentos e cinquenta euros (€ 250,00).

- NUIPC 168/06.2GBMTS -

1.15 - Ainda na mesma madrugada de 12 de Março, pelas 2.00 horas, os arguidos, transportando-se no “Peugeot 106”, subtraído ao ofendido RMAF, dirigiram-se junto à Praia do Fundão, Lavra, Matosinhos, onde avistaram, um “Renault Megane”, cinzento e com a matrícula VR, parado, em cujo interior se encontravam TFOFS e SMPA que logo decidiram assaltar.
A fim de não serem reconhecidos, os arguidos BB e AA taparam as caras e, munidos empunhando, respectivamente, a pistola e a navalha já referidas, aproximaram-se do “Renault Megane” ao qual, logo que chegaram junto do mesmo, partiram o vidro da porta da frente do lado direito com um paralelo e, em simultâneo, apontando as armas em direcção dos ofendidos, ordenaram-lhes que saíssem da viatura. Porque os ofendidos não acataram de imediato essa ordem, os dois arguidos puxaram-nos para fora e entraram eles para o veículo, no valor de, pelo menos, cinco mil euros (€ 5.000), o qual ligaram, daí o levando, abandonando o local, tal como os restantes arguidos, que se mantinham no “Peugeot 106”.

No interior do “Renault Megane” encontravam-se vários bens pessoais dos ofendidos, no valor total não inferior a duzentos e cinquenta euros (€ 250), entre eles, roupas, carteiras, dinheiro, um telemóvel marca “Nokia 6610i”, com o IMEI .... e outro da marca “Siemens C60” com o IMEI ..., um “voucher” do “Rock in Rio”, uma bolsa para CD’s, da marca “Creo”, uma bolsa para CD’s da marca “Samsonite” e um DVD dos “Incubus, e a chave/cartão de ignição da viatura “Renault Megane”.

No dia 23 de Março de 2006, vieram a ser recuperados os dois telemóveis e a chave cartão de ignição aludidos, subtraídos aos ofendidos, que estavam na posse do arguido AA, e os referidos “voucher” do “Rock in Rio” e as duas bolsas para CD’s, uma da marca “Creo” e outra da marca “Samsonite”, também subtraídos aos ofendidos, que estavam na posse do arguido CC, guardados na supra referida viatura “Seat” NU.

- NUIPC 162/06.3PAVNF -

1.16 - De seguida, todos os arguidos, transportando-se naquele “Renault Megane”, com a matrícula VR, acabado de subtrair ao ofendido TFOFS, dirigiram-se até à Igreja de ..., Póvoa do Varzim, onde avistaram o veículo da marca “Renault Clio”, com a matrícula JI aí parado, em cujo interior se encontravam RJSL e APMS, que logo acordaram assaltar.
Assim, enquanto os arguidos DD e CC se mantiveram no interior do referido “Renault Megane”, os arguidos BB e AA taparam as caras, muniram-se da já mencionada pistola e aproximaram-se daquela viatura “Renault Clio”, junto da qual o arguido que empunhava a pistola apontou-a na direcção dos ofendidos e ordenou-lhes que saíssem para o exterior, o que ambos fizeram por temerem pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas. Depois o outro arguido entrou no veículo e dele retirou o auto-rádio, um casaco e um telemóvel, pertencentes ao ofendido. Quando os arguidos se estavam já a retirar, a arguida DD, ordenou-lhes que tirassem o casaco à ofendida, o que fizeram, bem como lhe retiraram, ainda o relógio de pulso, ambos no valor de 120 euros.

- NUIPC 326/06.0GZVCD -

1.17 - Pelas 0.15 horas da madrugada do dia 15 de Março seguinte, os arguidos, transportando-se numa viatura “Seat Ibiza” cor branca, dirigiram-se ao Lugar da ..., Árvore, Vila do Conde, onde se encontrava parada a viatura da marca “Mercedes Benz E 220”, com a matrícula QB, em cujo interior estavam CATV e RSDS, que logo acordaram assaltar.
Assim, para não serem reconhecidos, os arguidos BB, AA e CC, taparam as caras, muniram-se com as referidas pistola e navalha e aproximaram-se da viatura “Mercedes”, ao qual partiram o vidro da porta da frente, ao mesmo tempo que contra os ofendidos apontaram as armas ordenando-lhe que saíssem. Porque os ofendidos não obedeceram de imediato a esta ordem, os arguidos abriram as portas e puxaram-nos para o exterior.

De imediato, dois dos arguidos entraram no “Mercedes”, no valor de, pelo menos, dez mil euros (€ 10.000) e com ele dali arrancaram, enquanto o terceiro seguiu naquele no “Seat”, onde aguardava a arguida DD.

No interior do “Mercedes” tinham os ofendidos roupas e objectos pessoais, entre eles, carteiras, telemóveis, sendo um deles da marca “Nokia 8210”, com o IMEI ..., tudo no valor não inferior a duzentos e cinquenta euros (€ 250).

No dia 23 de Março de 2006, vieram a ser recuperados o telemóvel acima referido e subtraído à ofendida RS, bem como a chave/comando do dito “Mercedes”, que estavam na posse do arguido AA.

- NUIPC 207/06.7GCSTS –

1.18 – Uma vez na posse do dito “Mercedes” acabado de subtrair a CATV, todos os arguidos se passaram, de seguida, para o mesmo e nele se transportaram para a Trofa. No percurso, avistaram o “Peugeot 306”, bordeaux, com a matrícula EU a circular à sua frente, em cujo interior seguiam ARSS e MAMM, que logo decidiram assaltar.
Assim, os arguidos os arguidos BB e AA, que seguiam no banco traseiro do “Mercedes”, taparam as caras e muniram-se das já referidas pistola e navalha, respectivamente.

Depois, passaram os arguidos a circular no encalço do referido “Peugeot” e, quando o ofendido AS o estacionava, na rua Central de Cidoi, Alvarelhos, Trofa, os arguidos ultrapassaram-no e atravessaram-lhe o “Mercedes” à sua frente, assim o bloqueando e impedindo qualquer tentativa de fuga. De imediato, os arguidos BB e AA saíram do “Mercedes” e, empunhando na direcção dos ofendidos as referidas armas, ordenaram-lhes que saíssem, o que os mesmos fizeram por temerem pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas.

Com os ofendidos já fora do “Peugeot”, os arguidos BB e AA revistaram e tiraram àqueles os telemóveis e o dinheiro que os mesmos detinham, bens estes em valor nunca inferior a duzentos e cinquenta euros (€ 250).

De seguida os dois arguidos entraram no “Peugeot”, no valor de dois mil e quinhentos euros (€ 2.500) e com ele dali arrancaram, seguidos pelos dois outros arguidos que se mantiveram no “Mercedes”.

No dia 23 de Março de 2006, veio a ser recuperado um dos telemóveis acima referidos, subtraído pelos arguidos, que estava na posse do arguido AA.

- NUIPC 222/06.0GCSTS -

1.19 - Na madrugada do dia 22 de Março seguinte, os arguidos dirigiram-se, mais uma vez, para o monte de ..., Alvarelhos, Trofa, onde, pelas 1.30 horas, avistaram o “Ford Fiesta”, com a matrícula UA, em cujo interior se encontravam VMSC e IMSM, que logo decidiram assaltar.
Assim, os arguidos BB e AA taparam as caras, muniram-se com as já referidas pistola e navalha, respectivamente, e dirigiram-se sub-repticiamente até àquela viatura, junto da qual, partiram o vidro do lado do condutor com um paralelo e enquanto o arguido BB, empunhando a pistola se aproximou deste, o arguido AA empunhando a navalha, aproximou-se da ofendida e ambos os arguidos ordenaram aos ofendidos que saíssem para o exterior.

Temendo pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas, os ofendidos saíram do “Ford”, após o que os arguidos, sempre empunhando em direcção daqueles a pistola e a navalha, revistaram-nos e retiraram-lhes, a ele, um telemóvel marca “Sagen” MYZ 5”, com o IMEI ... e 15 euros, e, a ela, uma carteira com documentos e 10 euros e um telemóvel da marca “Sharp GX20”, com o IMEI ...) que os mesmos traziam, tudo no valor nunca inferir a duzentos e cinquenta euros (€ 250).

De seguida, os arguidos BB e AA entraram no “Ford”, no valor de mil e quinhentos euros, e de lá o levaram.

No dia 23 de Março de 2006, vieram a ser recuperados os aludidos telemóveis, com os IMEI’s ... e ..., subtraídos a VC e IM, respectivamente, na posse do arguido AA.

- Autos principais -

1.20 - Na noite de 22 para 23 de Março de 2006, os arguidos, transportando-se na viatura “Seat Ibiza”, branca, com a matrícula NU, conduzida pelo arguido CC dirigiram-se, ao Monte de S. Gens, Trofa.
Aí, pelas 0 horas, tendo avistado o “Volvo 460”, matrícula BS, e, no seu interior, um casal, os arguidos acordaram que o arguido AA e o arguido BB abordariam, com armas, o casal, enquanto a arguida DD e o arguido CC, os aguardariam no “Seat” para depois fugirem do local.

Assim, na execução desse plano, os arguidos AA e BB, munidos, respectivamente, de uma navalha e de uma pistola semi-automática, de calibre 6.35 mm, em condições de realizar disparos – marca “Tanfoglio Giuseppe S.R.L. Gardone GT, GT-28”, resultado da sua transformação/adaptação clandestina a partir de uma arma de alarme – e com as caras tapadas, um deles com um cachecol da selecção portuguesa de futebol, abeiraram-se, sub-repticiamente do “Volvo”, onde se encontravam HRSC e CRBL.

Ao chegarem junto da viatura, partiram, de imediato, os vidros laterais da mesma, surpreendendo, assim, as referidas pessoas, a quem ordenaram que saíssem para o exterior, enquanto ambos empunhavam aquelas armas contra os mesmos e, simultaneamente, o arguido BB disparou um projéctil com a referida arma de fogo.

Já com os referidos RC e CL fora da viatura, os arguidos, sempre empunhando as ditas armas na direcção deles, revistaram e retiraram, primeiro, uma bolsa com uma “pen USB 2.0”, da marca “Esydisk”, àquele e, seguidamente, um anel em ouro amarelo, com doze pedras brancas cravadas, a esta. Quando os arguidos assim agiam em relação a CL, o dito RC, não obstante temer pela sua integridade física e mesmo pela sua vida, reagiu, envolvendo-se em luta com o arguido AA, altura em que o arguido BB, apontando a pistola que empunhava na direcção do corpo de RC, disparou dois projécteis, com os quais o atingiu.

De seguida, com o ofendido RC caído, os arguidos BB, e AA dirigiram-se a CL, atiraram-na ao chão e desferiram-lhe pontapés na barriga e nas pernas, após o que, revistaram a viatura e do seu interior retiraram a carteira da mesma, que continha cartões bancários e a quantia de trinta euros (€ 30), bem como, o casaco de RC, modelo “parka”, azul marinho, com uma carteira em pele e o telemóvel “Siemens” do mesmo.

Depois de se aperceberem do estado de debilidade física em que RC começava a entrar, os arguidos saíram do local, aí deixando caído o supra mencionado cachecol, dirigindo-se para a viatura onde os aguardavam os arguidos CC e DD e com os quais mantinham comunicação. Porém, quando o faziam, avistaram elementos da G.N.R., pelo que, fugiram através da vegetação, enquanto os arguidos CC e DD o fizeram também, de carro, a alta velocidade.

Na tarde desse mesmo dia 23 de Março de 2006, vieram a ser recuperados os acima referidos “pen USB 2.0”, que o arguido CC detinha, e o anel em ouro com doze pedras brancas cravadas, detido pela arguida DD.

Em consequência directa e necessária da supra descrita conduta dos arguidos, sofreu o ofendido RC ferida perfurante na parede abdominal e escoriações na face e couro cabeludo, traumatismo do braço direito, abdominal e lombar, orifícios de entrada de projécteis no hemitorax esquerdo e no antebraço direito, sendo que aquele projéctil fez trajecto orientado medialmente, alojando-se ao nível da 2ª vértebra lombar, junto à face posterior esquerda do corpo vertebral, ao nível de partes moles, fractura da coronóide no cotovelo direito, tendo efectuado cirurgia ortopédica com osteossínteses com parafuso. Actualmente, o ofendido apresenta cicatriz localizada na face lateral do terço inferior do hemitorax esquerdo, com um centímetro de comprimento, localizada na intersecção da linha axilar posterior com o 12º espaço intercostal, cicatriz linear com 4 centímetros de comprimento localizada na face posterior do terço superior do antebraço direito, mancha cicatricial hiperpigmentada localizada na face medial do cotovelo.

Todas estas lesões consolidaram em 21 de Maio de 2006, pelo que determinaram sessenta dias para curar, com afectação da capacidade do trabalho profissional, dos quais quarenta e cinco com afectação da capacidade de trabalho geral.

Ainda em consequência da mesma conduta dos arguidos o ofendido continua a padecer de perturbação, revolta e, em algumas situações, medo quando vê indivíduos com capuchos ou gorros na cabeça.

Em consequência directa e necessária dessa mesma conduta sofreu a ofendida CL uma ferida com 12 milímetros, na região supraciliar direita, três escoriações lineares com um centímetro de comprimento no dorso da mão, uma escoriação linear com um centímetro de comprimento no dorso do quarto dedo e duas escoriações lineares, com um centímetro de comprimento no terço superior da face anterior da perna, lesões estas que demandaram cinco dias para curar com afectação da capacidade de trabalho.

Com as suas condutas acima descritas, os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, em conjugação de esforços e na execução do plano que para o efeito haviam entre todos os quatro concertado para assaltar pessoas que viessem a encontrar em locais ermos, com o propósito concretizado pelo modo referido de, usando as referidas pistola e navalha, intimidarem os ofendidos e assim se apoderarem dos supra referidos bens, sabendo que lhes não pertenciam e que actuavam contra a vontade dos seus donos, com recurso à violência que se viesse a revelar necessária para vencer a eventual resistência, o que fizeram ao partirem os vidros de viaturas, ao efectuarem disparos, sobretudo, os que atingiram o corpo do ofendido RC com dois projécteis e ao constrangerem os ofendidos a entregar-lhes os bens que subtraíram.

Os arguidos BB, AA, CC e DD tinham, respectivamente, 18, 16, 22 e 18 anos nas datas dos factos. Nessas datas, o primeiro fora anteriormente condenado em pena de multa, como autor de um crime de condução sem habilitação legal, e o terceiro na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, como autor de um crime de roubo, praticado em 24/5/2004. Os restantes não tinham antecedentes criminais.

Todos os arguidos estavam desempregados e sem qualquer fonte de rendimento.

O arguido BB tem olhos claros.

Na data dos factos, os arguidos CC e DD eram namorados.

Os arguidos não prestaram declarações em audiência.

E deu-se como não provado que (transcrição):

2.1 - Os arguidos cometeram os factos supra descritos por referência aos items 1.1 a 1.6.
2.2 - Nas circunstâncias supra descritas por referência ao item 1.13, os arguidos retiraram e levaram com eles a viatura “Peugeot”, aí aludida.
2.3 - Na noite de 14 de Março de 2006, os arguidos dirigiram-se ao Monte de ..., Alvarelhos, Trofa, onde, pelas 23.40 horas, avistaram parado o veículo da marca “Seat Ibiza” de cor branca e com a matrícula EL, com os seus ocupantes VMMS e MESA. Então, dois deles muniram-se com uma pistola e uma navalha, taparam as caras e aproximaram-se do carro onde se encontravam aqueles, contra o qual atiraram uma pedra. Depois, abriram as portas da frente do carro e, empunhando em direcção dos mesmos as armas, ordenaram-lhes que saíssem, o que eles fizeram por temerem pelas suas integridades físicas e mesmo pelas suas vidas. Com os mesmos no exterior, os arguidos revistaram-nos e retiraram-lhes todos os bens pessoas que consigo traziam e, de seguida, entraram no “Seat Ibiza” de VMS e daí o levaram, sendo que para o colocarem a trabalhar obrigaram aquele empurrá-lo até à estrada – NUIPC 206/06.9GCSTS.
2.4 - Os arguidos são amigos entre si.
2.5 - Os 2º a 13º demandantes sofreram os danos civis por eles invocados.”

B – RECURSOS

1) Da arguida DD

Esta arguida apresentou as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
“1- O Acórdão da Relação é nulo uma vez que não faz uma análise crítica das provas, não fazendo referência aos elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
1.1-Por isso, violou o acórdão recorrido o vertido no n° 2 do Art.° 374° do CPP, o que acarreta a sua nulidade nos termos do Art.° 379° do mesmo código.

2-Não pode considerar-se bastante para fundamentar a decisão e cumprir o dever de examinar criticamente as provas, a simples enumeração das provas e de que foram convincentes os depoimentos das testemunhas.

2.1-0 normativo contido no n° 2 do Art.° 374° do CPP - exigência de fundamentação e exame critico das provas - é inconstitucional, se interpretado no sentido de que basta a mera enumeração das provas e a afirmação de que foram convincentes os depoimentos das testemunhas, por violar as garantias de defesa do arguido - Art.° 32° - e o dever de fundamentação das decisões judiciais - Art.° 205°, ambos da C.R.P..

3-0 Acórdão recorrido é nulo, por ter omitido pronunciar-se sobre o recurso na dimensão constante da respectiva motivação, não o tendo apreciado nessa dimensão omitiu pronúncia sobre questão de que era obrigado a conhecer, razão pela qual é nulo, nos termos dos arts. 428.°, n.° 1, 431.°, 425.°, n.° 4, e 379.°, n.° 1, ai. c), todos do CPP

(cf. o Ac. deste Supremo de 08-11-2006, Proc. n.° 3140/06 - 3.a Secção).

4-Existe, no acórdão recorrido, o que resulta do próprio texto da decisão, uma clara insuficiência da matéria de facto para a decisão.

4.1- Com efeito, do texto da decisão recorrida, plasmada nos pontos 1.8, 1.9, 1.11, 1.13, 1.15, 1.18 e 1.19 (que o foram da matéria dada como provada em consequência do julgamento realizado em Ia Instância) nenhuma referência é feita à pessoa da recorrente.

4.2-Não pode a recorrente ser condenada por crimes, em relação aos quais nenhuma participação da recorrente foi apurada.

4.3-0 Tribunal da Relação errou notoriamente na apreciação da prova, o que resulta do texto da decisão, ao considerar (manter) como provados factos, em relação aos quais, nenhuma referência é feita à pessoa da recorrente.

5-Não podia ter-se como preenchida a qualificativa agravante prevista na ai. f) do n° 2 do Art.° 204° do CP.: “trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta. “

5.1-Resulta indiscutível, do texto da decisão, que a arguida recorrente, em momento algum, nos crimes de roubo em que foi dada como provada a sua participação, usou ou trazia consigo, de forma aparente ou oculta, qualquer arma.

5.2-Violou, por conseguinte, o acórdão recorrido o art° 204° n° 2 ai. f) do CP.

6-Não podia a recorrente ser condenada pelo crime de detenção ilegal de arma, previsto no Art.°6°daL22/97.

6.1- Nenhuma referência é feita - em todo o texto da decisão recorrida - à detenção, pela arguida recorrente, fosse por que forma fosse, de qualquer arma de defesa.

6.2 - Assim, foi violado, pelo acórdão recorrido o vertido no art° 6º da Lei 22/97.
Sem prescindir,
7- Para além das nulidade supra referenciadas, sempre a arguida deveria ser condenada em pena de medida inferior a cinco anos de prisão, já que:
7.1- Não cometeu todos os crimes de roubo porque vem condenada, devendo ser absolvida, pelo menos, em relação aos que se reportam aos factos dos item 1.8, 1.9, 1.11,1.13,1.15,1.18, e 1.19, a que correspondiam 15 crimes.

7.2- Em relação aos crimes em que foi dada como provada a sua participação, não se verifica, em nenhum deles, a agravante qualificativa prevista na ai. f) do n° 2 do art° 204° do CP.

7.3- Não cometeu o crime de detenção de arma ilegal, previsto no art° 6º da Lei 22/97.
7.4- A recorrente tinha, à data dos factos, 18 anos de idade,
7.6- Nunca tinha tido qualquer contacto com “o mundo do crime”, sendo delinquente primária.
7.7- A recorrente tinha trabalho até pouco tempo antes de ser detida;
7.8- A recorrente vivia (e vive) com uma irmã e com a mãe;
7.9- A recorrente pretende completar a sua formação educacional, voltando a estudar.
7.10- A recorrente tem cumprido escrupulosamente todos os deveres decorrentes da medida de coação que lhe foi imposta.
8- Sendo aplicada à recorrente uma pena de prisão de medida inferior a cinco anos, como entendemos não poder deixar de ser, sempre tal pena - e face à nova redacção do Art.° 50° do CP. - deverá ser suspensa na sua execução, ainda que sujeita a condições.
9- A arguida pretende continuar a sua formação escolar.
10- Deverá ser facultada à recorrente a possibilidade de sua reeducação e reinserção social, desde logo e sem perder de vista a sua tenra idade, fora do estigmatizante sistema prisional.
11- O Tribunal Recorrido, ao não fixar a pena de prisão em medida não superior a cinco anos, violou o quanto resulta do art° 71° do CP.
Termos em que, deverá ser dado provimento ao presente recurso, assim se fazendo justiça.”

2) Do arguido CC

Este arguido apresentou as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):

1- O arguido CC foi condenado em Ia instância, como autor de cada um trinta crimes de roubo, p.p. pelo art. 210°, n.° 1 e 2 al.b), por referência ao art. 204°, n.° 1 ai. f), do C.Penal, e como autor de um crime de detenção ilegal de arma de defesa p.p. pelo art. 6º da Lei n.° 22/97 de 27/6, na pena única de doze anos de prisão;

2- Não se conformando com tal decisão, interpôs recurso da mesma, tendo concluído a sua motivação, referindo que:
- “ O Tribunal à quo, para além de não dar o beneficio da dúvida, aplicando o princípio in dúbio pró reo, parte de presunções para condenar o Recorrente, não podendo simplesmente condenar por convicção como fez... Não se podendo o julgador bastar com as regras da experiência comum e assim o tribunal à quo violou o disposto no art. 127° do C.P.P. (livre apreciação da prova) e o princípio in dúbio pró reo.”

- os reconhecimentos dos arguidos feitos em audiência de julgamento não obedeceram a nenhuma das formalidades consagradas no art. 147° do C.P.P., não tendo, por isso, qualquer valor como prova; sendo o vício o da inexistência, devendo toda a prova proibida ser inutilizada.

3- Atentas as conclusões apresentadas pelo arguido CC e pelos demais arguidos, decidiu o Tribunal à quo negar provimento aos recursos interpostos, confirmando a decisão recorrida.

4- Ora, Senhores Juízes Conselheiros, desde logo, com o devido respeito, entendemos que o Tribunal à quo fez uma errada aplicação do direito, nomeadamente, violando o disposto nos arts. 147° e 409°, ambos do C.P.P..
Com efeito,
A- Do reconhecimento dos Arguido - Norma violada: art. 147° C.P.P.
5 - No que se refere à questão levantada quanto aos reconhecimentos feitos em audiência de julgamento, o Tribunal à quo fundamentou a sua decisão no facto de o art. 147° do C.P.P., nomeadamente o seu n° 7, com as alterações da Lei n.° 48/2007, de 29.8, não ter vindo “introduzir um novo meio de prova ou definir de maneira diferente o valor probatório daquele meio de prova, caso em que se poderia por a questão da aplicação da lei nova, se eventualmente mais favorável aos arguidos. Apenas veio dizer de forma inequívoca aquilo que já era suposto (e que muitas vezes se fazia na prática dos tribunais) na lei antiga: que o meio prova “reconhecimento” só o seria válido e eficaz se obedecesse ao formalismo do n.°2 do art. 147°.
6- Mas, refere o douto Acórdão, o entendimento de que “o reconhecimento do arguido ou de alguém, feito por uma testemunha na audiência de julgamento, não tinha sempre de obedecer ao formalismo prescrito pelo art. 147.° CodProcPenal, pois este preceito legal só tinha aplicação nas fases de inquérito e de instrução (...) não deverá ser
questionado no âmbito da lei nova quando se trate não de proceder ao “reconhecimento” do arguido mas à identificação do mesmo pela testemunha como sendo o autor dos factos em discussão” - valoriza-se o depoimento da testemunha e não a prova por reconhecimento.

7- Além de que, conclui o tribunal à quo, não tendo sido arguida a nulidade dos reconhecimentos no prazo devido (quando o arguido a eles assistia), considerar-se-ão sanados quaisquer vícios, não podendo a invocada nulidade ser conhecida.
8- Assim decidindo, o tribunal à quo violou o disposto no art. 147° do C.P.P., na medida em nenhuma das formalidades consagradas na norma jurídica em questão foi observada.
9- Como diz o Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, II volume, págs. 175 e 176), “o cuidado que o legislador pôs na regulamentação do acto de reconhecimento evidencia a importância e a falibilidade deste meio de prova, quando não forem tomadas as devidas precauções. Por isso que as estabelecidas na lei o são sob pena de invalidade do reconhecimento (art.º 147º n.° 4). ... É evidente que se a testemunha tiver tido indicações prévias de quem é a pessoa ou qual a coisa a identificar, nomeadamente pela prévia indicação da suspeita, exibição de fotografia do suspeito ou outro qualquer modo, o reconhecimento só tem valia probatória desde que substancial e formalmente se respeitem as regras de procedimento estabelecidas por lei. A prova por reconhecimento é uma prova muito delicada e porque irrepetível deve ser rodeada de cuidados especiais para assegurar a sua fiabilidade” (sublinhado nosso).
10- “É muito frequente na prática processual perguntar-se aos ofendidos e testemunhas no decurso da audiência se reconhecem o arguido presente. Esta prova pode ter muita importância quando negativa, mas não tem o valor de reconhecimento quando positiva, isto é, quando a testemunha declara que sim, que reconhece o arguido.” nota de pé-de-página, na mesma obra e na mesma página 175
11- No mesmo sentido o Prof. Manuel da Costa Andrade (in “Sobre as proibições de prova em processo penal, págs. 131 e 132), escreveu: “Na medida em que optou por consagrar expressamente um regime de reconhecimento imposto, o legislador português demarcou-lhe ao mesmo tempo os limites. Que o intérprete e aplicador do direito não estão legitimados a ultrapassar. Como cremos que o fariam, se não nos casos de fronteira como o simples corte de cabelo ou barba, pelo menos nas demais constelações típicas que temos vindo a considerar.” (sublinhado nosso).
12- Finalmente, a alteração do n° 7 do artigo 147° do C.P.P., com a Lei n.° 48/2007, de 29.8 (aplicável por mais favorável ao arguido) só veio reforçar a posição de que as regras relativas ao reconhecimento de arguidos se verificam em todas as fases processuais, nomeadamente, na fase de julgamento.
13- Posição, essa, já plasmada na anotação ao artigo 147° em análise: “De uma forma muito mais pormenorizada e precisa que no direito anterior, fixa-se neste preceito o procedimento a adoptar quando haja necessidade de se proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, seja no decurso do inquérito (ou instrução), seja na audiência (Simas Santos, Leal Henriques e Borges de Pinho - Código de Processo Penal, anotado, 1° volume, 1996, pág. 608).
14- De todo o exposto resulta estarmos perante verdadeiros reconhecimentos do arguido efectuado pelos ofendidos/testemunhas de acusação na audiência de julgamento dos autos - não se tratando de uma identificação do mesmo pela testemunha como sendo o autor dos factos em discussão, como defende o tribunal a quo.
15- Os quais, por não respeitarem o estatuído no art° 147° do C.P.P., não têm valor como meio de prova (artigo 147°, n.° 7 do CPP).
16- O vício não é o da nulidade - artigo 118°, n.° 3 CPP -, como o tribunal à quo quer fazer crer, mas o da inexistência.
17- O reconhecimento sem observância das formalidades legais não tem valor: não vale; não existe.
18- Daí que, contrariamente ao aludido pelo tribunal à quo, não haja sequer que observar as regras das nulidades, nomeadamente das nulidades relativas e da oportunidade da respectiva arguição.
19- Salvo melhor opinião, outra coisa não se poderá concluir, senão que a consequência que advém da inobservância do art. 147° do C.P.P. é sem margem para dúvidas, a prevista no seu n.° 7: o reconhecimento não tem valor como meio de prova.
20- Sendo que, toda a prova proibida deve ser inutilizada. A lei não estabelece limitações ou excepções, diz simplesmente que não pode ser utilizada” (cfr. Prof. G. Marques da Silva, o.a, vol. II, pag. 122).
21- E “a inexistência é insanável” (cfr. Prof. G. Marques da Silva, o.c, vol. II, pag. 88).
B) Da proibição de reformatio em pejus - Norma violada: art. 409, n.° 1 do C.P.P.

22- Não obstante ter reconhecido que os arguidos praticaram apenas 29 crimes de roubo, não 30, o Tribunal á quo em nada alterou a medida da pena, porquanto considerou que não poderia “ ter qualquer relevo na formação do cúmulo das várias penas, dado tratar-se apenas de uma pena parcelar pouco significativa e dada a gravidade dos factos: grande número de crimes, modo violento e sofisticado de actuar, etc. “.
23- Agindo assim e, em nosso entender, em clara violação do disposto no art. 409°, n.° 1 do C.P.P.
24- Com efeito, se para 30 crimes de roubo foi aplicada uma pena de 12 anos de prisão, para 29 crimes de roubo teria, forçosamente, de haver uma redução da penas,
25- Sob pena de estamos diante uma modificação da medida da pena e, consequente, diante a violação do princípio da proibição de reformatio in pejus, prevista no art. 409, n.° 1 do C.P.P.
26- Assim sendo, violou o Tribunal à quo, os arts. 147° e 409°, n.° 1 do C.P.P. e, ainda, o art. 32° da C.R.P.
Termos em que deverão V. Exas. dar provimento ao presente recurso, e, em consequência, proferir decisão que absolva o Recorrente da prática dos crimes pelos quais foi indevidamente condenado em primeira instância, assim fazendo

JUSTIÇA !”

3) Do arguido BB
Este arguido apresentou as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):

“1º - O arguido / Recorrente foi condenado, em Primeira Instância, como autor de cada um de trinta crimes de roubo, p.p. pelo art. 210°, n.° 1 e 2 ai. b), por referência ao art. 204°, n.° 1 ai. f) do Código Penal e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p.p., então pelo art.275,n.°l com referencia ao disposto no art. 4° do DL 48/95 de 15/03 e, actualmente, p.p. pelo art.2° n.° 1 ai. t) e 86°, n.° 1 ai. c) da Lei 5/2006 de 23/02, na pena única de nove anos de prisão.

2º - Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação do Porto.

3º - A Relação confirmou a decisão, negando provimento ao recurso.

4º - Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido nos autos por se entender, que se impõe a revogação da decisão em virtude de nela ter sido violado o disposto no artigo 147°, n.°7 do actual CPP, na parte em que prevê as consequências da inobservância dos formalismos atinentes ao Reconhecimento de Pessoas em qualquer fase do processo, e concomitante desatenção do Principio da Aplicação da lei mais favorável plasmado no artigo 5º do CPP e, ainda, por ter sido violado o Princípio da Proibição da Reformado in Pejus previsto no artigo 409° do CPP.

5° - Invocou o recorrente, no seu Requerimento de Interposição de Recurso para a Relação, a inexistência da prova produzida pelos reconhecimentos realizados quer em sede de Inquérito (factos atinentes ao 1.11 - Apenso 283/06.2 GAVCD) quer em plena Audiência de Julgamento (factos atinentes ao 1.10 - Apenso 254/06.9 GAVCD; 1.14 - Apenso 197/06.6 GCSTS; 1.19 -Apenso 222/06.0 GCSTS; e ao 1.20 - os autos principais) em virtude de em nenhum deles ter sido observados, nem sequer ao de leve, os requisitos de que dispõe o artigo 147° do CPP, que regula este meio de prova.

6º - Dispunha o artigo 147° do CPP, antes de 15 de Setembro de 2007:

“1. Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre as circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.

2. Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chama-se pelos menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
3. Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
4. O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova.”
7º - E, agora diz:

“1 Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita -se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.

2 Se a identificação não for cabal, afasta -se quem dever proceder a ela e chamam -se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar -se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
3 Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar -se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
4 As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.° 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.
5 O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.° 2.
6 As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento.
7 O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.”
8º - Nenhuma destas formalidades do RECONHECIMENTO foi sequer ao de leve, observada.

9º - A consequência que, forçosamente, tem de extrair-se daí é sem margem para dúvidas, a prevista no n.° 4 (antes de 15 de Setembro) do artigo 147° do CPP : O RECONHECIMENTO NÃO TEM VALOR COMO MEIO DE PROVA.

10° - Como diz o Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, II volume, págs. 175 e 176), “o cuidado que o legislador pôs na regulamentação do acto de reconhecimento evidencia a importância e a falibilidade deste meio de prova, quando não forem tomadas as devidas precauções. Por isso que as estabelecidas na lei o são sob pena de invalidade do reconhecimento (art.l47°s n.° 4 - antes de 15 de Setembro).

11° - A prova por reconhecimento é uma prova muito delicada e porque irrepetível deve ser rodeada de cuidados especiais para assegurar a sua fiabilidade”.

12° - Também o Prof. Manuel da Costa Andrade (in “Sobre as proibições de prova em processo penal, págs. 131 e 132), a propósito do princípio “nemo tenetur se ipsum accusare”, escreveu:

“Na medida em que optou por consagrar expressamente um regime de reconhecimento imposto, o legislador português demarcou-lhe ao mesmo tempo os limites. Que o intérprete e aplicador do direito não estão legitimados a ultrapassar. Como cremos que o fariam, se não nos casos de fronteira como o simples corte de cabelo ou barba, pelo menos nas demais constelações típicas que temos vindo a considerar.” (sublinhado nosso

13° - Limites que, dizemos nós, o tribunal a quo ultrapassou, ou melhor, não respeitou minimamente.

14° - Em anotação ao artigo 147° em análise, já assim antes de 15 de Setembro de 2007, escreveram Simas Santos, Leal Henriques e Borges de Pinho (Código de Processo Penal, anotado, Iº volume, 1996, pág. 608):

“De uma forma muito mais pormenorizada e precisa ... fixa-se neste preceito o procedimento adoptar quando haja necessidade de se proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, seja no decurso do inquérito (ou instrução), seja na audiência.

15° - Do respeito pelo rigor imposto à respectiva disciplina resultará o valor da diligência como meio de prova (n.°4).

16° - Assim já era. Mas, todo este argumento está, agora, muito reforçado pelo próprio texto da lei.

17° - Estipula o actual artigo 147° do CPP no seu n.° 7 que: “O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer”.

18° - Disposição esta que deve ser aplicada ao caso sub Júdice à luz do PRINCIPIO DA APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL plasmado no artigo 5º do CPP, e que regula a aplicação da lei processual penal no tempo.

19° - Não poderá dizer-se, como diz a decisão a quo, que em Audiência de Julgamento não houve qualquer “reconhecimento”, mas prova testemunhal em que se procedeu à identificação dos arguidos.

20° - Se se seguir o entendimento da decisão a quo, correremos o risco de esvaziar por completo a possibilidade de aplicação do meio de prova RECONHECIMENTO realizado em AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO.

21° - Não é que não se faça: está é travestido de prova testemunhal com identificação do arguido.

22° - Os reconhecimentos do arguido, atinentes aos factos acima elencados, efectuados pelos ofendidos / testemunhas de acusação quer na Audiência de Julgamento dos autos quer ainda em Inquérito NÃO TÊM VALOR COMO MEIO DE PROVA (artigo 147°, n.° 7 do CPP actual).

23° - Ao contrário do que diz o Acórdão agora em crise, O VICIO NÃO É O DA NULIDADE - artigo 118º, n.° 3 CPP.

24° - Entendemos, como o Prof. Germano Marques da Silva, que o vício é o da INEXISTÊNCIA.

25° - O RECONHECIMENTO SEM OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS NÃO TEM VALOR: NÃO VALE; NÃO EXISTE.

26° - Daí que não haja sequer que observar as regras das nulidades, nomeadamente das nulidades relativas e da oportunidade da respectiva arguição, como defendeu o Acórdão a quo.

27° - “A INEXISTÊNCIA É INSANÁVEL” (cfr. Prof. G. Marques da Silva, o.c, vol. II, pag. 88).
28° - Os reconhecimentos dos arguidos não podem, de modo algum, fundamentar a decisão do tribunal.
29° - Nem tão pouco podem ser tidos em conta à luz do Principio da Livre Apreciação da Prova subjacente a todo o julgamento.
30° - Ao fazê-lo o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 147° do CPP.
31° - Os reconhecimentos realizados nos presentes autos não observaram as formalidades essências prescritas na lei. Não têm qualquer valor. Não existem.

32° - O tribunal a quo não podia atribuir-lhes qualquer importância, porque não existem.

33° - Em consequência, a prova restante não é suficiente para fundamentar a condenação do arguido/recorrente pela prática de cada um dos crimes (1.10; 1.11; 1.14; 1.19; e 1.20).

34° - Impunha, como se impõe agora, a ABSOLVIÇÃO do Arguido/ Recorrente da prática dos crimes atinentes aos factos 1.10 - Apenso 254/06.9 GAVCD; 1.11 - Apenso 283/06.2 GAVCD; 1.14 - Apenso 197/06.6 GCSTS; 1.19 - Apenso 222/06.0 GCSTS; e ao 1.20 – os autos principais, por falta de prova que fundamente devidamente a condenação.

35º- DA VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DA PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS PREVISTO NO ARTIGO 409° DO CPP

O Arguido / Recorrente foi condenado, em Primeira Instância, como autor de cada um de trinta crimes de roubo, p.p. pelo art. 210°, n.° 1 e 2 ai. b), por referência ao art. 204°, n.° 1 ai. f) do Código Penal e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p.p., então pelo art.275,n.°l com referencia ao disposto no art. 4º do DL 48/95 de 15/03 e, actualmente, p.p. pelo art.2° n.° 1 ai. t) e 86°, n.° 1 ai. c) da Lei 5/2006 de 23/02, na pena única de nove anos de prisão.

36° - Um dos crimes de roubo dos factos 1.18 atinentes ao Apenso 207/06.7 GCSTS não existiu, como reconheceu a decisão a quo.

37° - Mas, incompreensivelmente, a decisão ora em crise defende que tal redução do número de crimes “não poderá ter qualquer relevo na formação do cúmulo das várias penas.”

38° - Se o Arguido /Recorrente foi condenado a nove anos de prisão pela prática de 30 crimes de roubo e um de detenção ilegal de arma; se a decisão a quo defende que deverá ser, de igual modo, condenado a nove anos de prisão pela prática não de 30 mas de 29 crimes de roubo e um de detenção de arma ilegal; há, claramente, um agravamento da condenação pelos restantes crimes.

39º- Dispõe o n.°l do artigo 409° do CPP:

“ Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.”

40° - No caso em apreço só os arguidos recorreram.

41° - Ao decidir manter a condenação a nove anos de prisão, apesar da redução do número de crimes, o tribunal a quo modificou a medida da condenação dos restantes crimes.

42° - Ao decidir manter a condenação a nove anos de prisão o tribunal a quo agravou a condenação do arguido /recorrente pela prática dos 29 crimes de roubo e um de detenção de arma ilegal.

43° - Agravou a medida da sua condenação, olvidando a disposição do artigo 409°, n.°l do CPP.

44° - Ora, em respeito por este preceito legal, deveria o tribunal recorrido fazer reflectir na condenação do arguido/ recorrente a redução do número de crimes.

45° - Se é menor o número de crimes, menor deveria ser a pena.

46° - Impunha-se, como se impõe agora, REDUÇÃO DA PENA em reflexo da REDUÇÃO DO NÚMERO DE CRIMES.”

4) Resposta do Mº Pº

Na sua resposta, o Mº Pº pronunciou-se no sentido de nenhum dos recursos merecer provimento. Rebateu, em relação ao recurso da arguida DD, a pretensão de se considerar o acórdão nulo, por falta de exame crítico das provas ou omissão de pronúncia, a invocação da existência dos vícios de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, e erro notório na apreciação da prova, a alegação de errada qualificação dos crimes de roubo, da falta de fundamento legal na condenação pelo crime p. p. no art. 6º da Lei n. ° 22/97, de 27/6, bem como a pretensão de ver reduzida a pena e a suspensão da sua execução.
Quanto aos recursos dos dois arguidos BB e CC, o Mº Pº debruça-se sobre as questões dos reconhecimentos feitos em audiência de julgamento, e pretendida violação do disposto no n.° 7 do art, 147° do C. P. P., bem como sobre a alegada violação disposto no artigo 409° do C. P. P..
O Mº Pº neste S.T.J. emitiu douto parecer.
Colhidos os vistos foram os autos presentes a conferência.
C – APRECIAÇÃO

1) Do recurso da arguida DD

Interessa antes do mais ter em conta a posição, que o Mº Pº junto deste S.T.J. defendeu, no seu parecer, e que se prende com a irrecorribilidade do recurso interposto por DD. A posição assumida pelo Mº Pº corresponde à que, nesta 5ª Secção, começou por ser adoptada, e que nós mesmos subscrevemos. Porém, foi entendido que a dita posição deveria ser revista, assim se atingindo uma uniformidade de procedimento nas duas secções criminal deste S.T. J.. Passou a entender-se, que se devia ter em conta a data da decisão proferida em primeira instância, mesmo que não fosse essa a decisão recorrida, e não necessariamente à decisão recorrida. As razões deste novo entendimento são, muito sinteticamente:
DD, ao ser constituída arguida neste processo, adquiriu um direito, que a al. i) do nº 1 do artº 61º do C.P.P. prevê, e que se cifra no direito a “Recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis”. A partir do momento em que passou a ser um sujeito processual, com um estatuto que lhe confere um direito determinado, o de recorrer, só o exercício desse direito é que ficou dependente de se mostrarem preenchidas as condições que a lei impõe para tanto, e, obviamente de, mesmo em face desse preenchimento, o arguido querer fazer uso do direito que lhe assiste.

A lei posterior, que venha estabelecer condições diferentes e mais restritivas para o exercício do direito ao recurso, por parte da arguida, de tal modo que uma decisão recorrível segundo a lei antiga, deixou de o ser segundo a lei nova, acaba por redundar em desfavor da arguida. Ora, específica da lei processual penal é a norma do citado nº 2 do artº 5º do C.P.P., segundo a qual o princípio regra, em matéria de aplicação da lei adjectiva no tempo, “tempus regit actum”, sofre aqui um importante desvio. O C.P.P. não andou longe da posição que Figueiredo Dias exprimiu a seu tempo dizendo:

“importa que a aplicação da lei processual a actos e situações que decorram na sua vigência mas se ligam a uma infracção cometida no domínio da lei processual antiga, não contrarie nunca o conteúdo da garantia conferida pelo princípio da legalidade. Daqui resultará que não deve aplicar-se a nova lei processual penal a um acto ou situação processual que ocorra em processo pendente ou derive de crime cometido no domínio da lei antiga, sempre que da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido ou, em particular, uma limitação do seu direito de defesa”(in “Direito Processual Penal”, pag. 112).

Na verdade, o dito nº 2 do artº 5º diz-nos que, embora a lei processual seja de aplicação imediata, não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência (e aqui teremos forçosamente que adoptar como referência a instauração do inquérito), se daí puder resultar o referido agravamento sensível da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.

Concretamente, saber se uma decisão é ou não recorrível, não pode ser aferido exclusivamente pela lei vigente ao tempo da prolação dessa decisão, porque também importa ver se, à luz da lei anterior, na vigência da qual o processo já estava pendente, a decisão era recorrível. Claramente, neste sentido, Maia Gonçalves, quando diz:

“Não define a lei o que se deve entender por agravamento sensível da situação processual do arguido, questão que fica para o prudente critério do julgador, que a deverá resolver casuisticamente. Caso claro será, por exemplo, o de uma lei nova, na vigência do processo, retirar o direito de recorrer; neste caso o direito de recorrer continuará a reger-se pela lei antiga”. (in “Código de Processo Penal Anotado”, 16ª edição, pag. 67).

Refira-se, a terminar, que a questão da recorribilidade aqui em discussão tem de ser aferida à luz da lei processual penal ordinária, não decorrendo a posição adoptada, a nosso ver, da disciplina constitucional plasmada no artº 32º nº 1 da C.R.P.. Na verdade, a garantia constitucional do direito ao recurso, como vem sendo uniformemente decidido pelo Tribunal Constitucional, não reclama um duplo grau de recurso. O que está aqui em causa é a recorribilidade de decisão da Relação para o S,T.J., decisão essa que já fora proferida em recurso.

Do que resulta que iremos conhecer do recurso interposto pela recorrente DD. E as questões a apreciar são:

a) A nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia;
b) A nulidade do mesmo acórdão em virtude de vícios do artº 410º nº 2 do C.P.P.;
c) A verificação da agravante qualificativa da al. f) do nº 2 do artº 204º do C.P.;
d) A condenação pelo crime do artº 6º da Lei 22/97, de 27 de Junho;
e) A medida da pena.

a) Neste primeiro ponto (conclusões 1, 1.1., 2., 2.1., e 3.), a recorrente pretende que o acórdão recorrido se limitou a reproduzir as considerações da primeira instância, limitou-se a enumerar as provas e a declarar que foram convincentes os depoimentos das testemunhas, omitindo de facto a análise crítica das provas. Certo que a condenação da recorrente nunca surgiria justificada com o apelo à distinção entre prova directa e indirecta. O que tudo acarretaria a nulidade do acórdão por força dos artºs 428º nº1, 425º nº 4, 431º, 374º nº 2 e 379º do C.P.P.
Não tem razão, porém, a recorrente, importando ver, o que se devia exigir que o Tribunal da Relação fizesse neste contexto, e se o fez ou não.

De acordo com o artº 97º nº 4 do C.P.P., os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. A seu turno, o artº 374º nº 2 do mesmo Código pronuncia-se sobre a fundamentação que deve constar da sentença, exigindo, sob pena de nulidade (artº 379º nº 1 al. a) do C.P.P.), a enumeração de factos provados e não provados, a exposição o mais completa possível, se bem que concisa, dos motivos de facto e de direito que levaram à decisão, com indicação e exame crítico das provas que estiveram por detrás da convicção do tribunal. Tudo aplicável aos acórdãos proferidos em recurso por força do nº 4 do artº 425º do C.P.P..

A arguida já tinha invocado, no recurso que interpôs da 1ª instância para o Tribunal da Relação, a nulidade em apreço, queixando-se de falta de fundamentação e, nomeadamente, da falta de exame crítico das provas. O acórdão ora recorrido debruçou-se sobre a questão e concluiu pela inexistência da aludida nulidade.

Pretende agora a arguida que seja reconhecida a mesma nulidade, desta feita no acórdão recorrido, mas sem qualquer razão. Na verdade, a Relação debruçou-se sobre o acórdão do Tribunal Judicial de Santo Tirso, e explicou de forma clara e suficiente, que obviamente nos escusamos de reproduzir, porque é que concluiu que o vício apontado não existia.

Recorde-se que no acórdão da 1ª instância, o tribunal fundou a sua convicção passando em revista os factos dados por provados, e os elementos de prova que para tanto confluíram.

Quanto aos pontos 1.1. a 1.6. da matéria de facto, acontecimentos de Janeiro e Fevereiro de 2006 (exceptuados os do ponto 1.7.), o tribunal concluiu pela falta de prova em relação aos arguidos (fls.18).

Mas a seguir explicou porque é que entendeu dever dar por provados:

· os factos de 24/25 de Fevereiro de 2006 (pontos 1.7. a 1.10., fls. 20 do acórdão da 1ª instância),
· os factos de 4 de Março de 2006 (pontos 1.11. a 1.13., fls. 20 do acórdão da 1ª instância),
· os factos de 12 de Março de 2006 (pontos 1.14. a 1.16., fls. 21 do acórdão da 1ª instância),
· os factos de 15 de Março de 2006 (pontos 1.17. e 1.18., fls. 22 do acórdão da 1ª instância),
· os factos de 22 e 23 de Março de 2006 (pontos 1.19. e 1.20., fls 23 do acórdão de 1ª instância).
Ora, de fls. 36 a 43 do acórdão recorrido, outra coisa se não faz senão analisar a prova recolhida na 1ª instância, e o juízo que sobre ela recaiu, de forma suficientemente crítica para nos não merecer reparos.

É que a recorrente pode não concordar com a convicção que o tribunal formou, mas não pode é alegar que ficaram por revelar os percursos percorridos que levaram a tal convicção. Uma coisa é não agradar à recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova, e outra é detectarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório. Acresce que, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no artº 127º do C.P.P., ou seja, fora das excepções relativas a prova legal, que não interessam ao caso, assenta numa convicção que se quis livre, bem como nas regras da experiência.

Por outro lado, também não pode esquecer-se tudo aquilo que a imediação em primeira instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar no que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.

Serve para dizer que o trabalho que coube à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em primeira instância, e da fundamentação feita da decisão por via deles, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado (cfr. por todos o Acórdão relatado pelo Cons. Simas Santos, de 15/2/2005, Pº 4324/04, desta Secção, ou o Acórdão relatado pelo Cons. Pires da Graça de 10/10/2007, Pº 3742/07 da 3ª Secção). Foi isso o que foi feito, e sem reparos, pelo que improcede nesta parte o recurso da arguida.

b) A segunda questão abordada pela recorrente prende-se com os vícios que a mesma entende invalidarem a decisão recorrida (conclusões 4., 4.1., 4.2., e 4.3.). Importa dizer a este respeito, e mais uma vez, o seguinte:
O conhecimento de recurso em matéria de facto, interposto de decisão final do tribunal colectivo, é só da competência do Tribunal da Relação, mesmo tratando-se da mera invocação dos vícios do artº 410º do C.P.P.. Quando o artº 434º do C.P.P. nos diz que o recurso para o S.T.J. visa exclusivamente matéria de direito, “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artº 410º”, não pretende, sem mais, com esta afirmação, que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça possa visar sempre a invocação dos vícios previstos neste artigo. Pretende simplesmente admitir o conhecimento dos vícios mencionados pelo S.T.J., oficiosamente, mesmo não se tratando de matéria de direito. O âmbito dos poderes de cognição do S.T.J. é-nos revelado pela al. c), hoje al. d) do nº 1 do artº 432º, que restringe o conhecimento do S.T.J. a matéria de direito. E refira-se que as alterações do C.P.P. operadas pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, não modificaram os preceitos em causa (al. c), depois d), do artº 432º e artº 434º), de modo a justificar-se uma inflexão da orientação seguida neste S.T.J..

Mesmo que se defenda a garantia de incidência constitucional, de um duplo grau de jurisdição, também em matéria de facto, ela fica também preservada, devendo simplesmente, se for o caso, optar a arguida DD pela interposição do recurso para a Relação, como aliás fez, quando invocar os vícios do artº 410º do C.P.P.. Conforme se disse, por exemplo, em acórdão deste Tribunal e secção (Pº 2369/04, Rel. Conselheiro Carmona da Mota), “É que, tendo os recorrentes ao seu dispor o Tribunal da Relação para discutir a decisão de facto do tribunal colectivo, e tendo aquele tribunal mantido tal decisão, vedado lhe está pedir ao Supremo Tribunal uma reapreciação da decisão de facto tomada pelo Tribunal da Relação e, muito menos, directamente do acórdão sobre os factos do tribunal colectivo de 1ª instância”. Na doutrina é esta também a posição sufragada por Simas Santos e Leal Henriques (in “Recursos em Processo Penal”, pag.149 e segs.) ou Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal, III, pag. 371). Sobre o tema se pronunciou, mais recentemente, Paulo P. Albuquerque (in “Comentário do Código de Processo Penal”, pag. 1052).

Acontece, porém, que ao pronunciar-se de direito, nos recursos que para si se interponham, o S.T.J. tem que dispor de uma base factual escorreita, no sentido de se apresentar expurgada de eventuais insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos. Por isso conhece dos vícios aludidos por sua iniciativa. Aliás, tem mesmo de os conhecer, nos termos do acórdão para fixação de jurisprudência de 19/10/1995, do Pleno das Secções Criminais deste S.T.J. (Pº 46580-3ª, in D.R. Iª série – A, de 28/12/2005).

Apesar de tudo o que dito fica, adiantam-se as seguintes considerações:

A recorrente começa por dizer que existe insuficiência da matéria de facto para a decisão, o que aponta para o vício da alínea a) no nº 2 do artº 410º do C.P.P.. E sustenta-a, a seu ver, porque nos pontos 1.8., 1.9., 1.11., 1.13., 1.15., 1.18., e 1.19., da matéria de facto, ao contrário do que acontece noutros pontos, não se menciona especificamente o nome da recorrente.

Importa porém assinalar que o tribunal formou uma convicção, nos termos da qual, os quatro arguidos dos autos (que incluem os três ora recorrentes mais o arguido AA), resolveram concertadamente praticar assaltos pela calada da noite, escolhendo geralmente, como vítimas, casais que estavam dentro dos seus carros, em locais isolados. Nos pontos assinalados fala-se sempre em “os arguidos”, o que obviamente inclui a recorrente. Ou seja, o tribunal deu por provado que a recorrente acompanhou e participou nos assaltos a que se referem aqueles pontos da matéria de facto.

Mas a fls. 16 do acórdão da 1ª instância, do seu último parágrafo, resulta que,

“Com as suas condutas acima descritas, os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, em conjugação de esforços e na execução do plano que para o efeito haviam entre todos os quatro concertado para assaltar pessoas que viessem a encontrar em locais ermos, com o propósito concretizado pelo modo referido de, usando as referidas pistola e navalha, intimidarem os ofendidos e assim se apoderarem dos supra referidos bens, sabendo que lhes não pertenciam e que actuavam contra a vontade dos seus donos, com recurso à violência que se viesse a revelar necessária para vencer a eventual resistência, o que fizeram ao partirem os vidros das viaturas, ao efectuarem disparos, sobretudo, os que atingiram o corpo do ofendido Ricardo Coelho com dois projécteis e ao constrangerem os ofendidos a entregar-lhes os bens que subtraíram”.

Sem necessidade de mais referências, dir-se-á que entre a matéria de facto dada por provada e a decisão condenatória não se descobre nenhuma cisão. Os factos implicam mesmo a decisão condenatória.

Outra questão é a de saber se a prova permite afirmar os factos, e então somos levados a ter em conta o disposto na al. c) do nº 2 do artº 410º do C.P.P., referente ao vício de “erro notório na apreciação da prova”, que a recorrente também invoca.

O erro notório na apreciação da prova, como tem sido repetido à saciedade, na jurisprudência deste S.T.J., tem que decorrer da decisão recorrida ela mesma. Por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum. Tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida o que, como já se afirmou, é configurado pelo caso dos autos.

A recorrente deduz o suposto erro, também, só da aludida omissão do seu nome, nos pontos em causa. Acontece é que, aquilo que se disse, a propósito da invocada falta de exame crítico das provas, e da pretensa insuficiência de factos provados, para a decisão, pode ser invocado também para se concluir pela sem razão da recorrente ainda aqui.

A recorrente não recusou, em audiência, a sua participação nos factos a que se referem os pontos enunciados, porque nada quis dizer, no uso de um direito que lhe assiste. Confrontado com esse silêncio, o tribunal de 1ª instância não o podia usar em desfavor da recorrente e teve que se socorrer dos vários elementos que explicitou ao revelar a formação da sua convicção, tendo chegado a uma conclusão sobre o modo de actuação dos quatro arguidos incluindo a participação da recorrente. Quanto a este “modus actuandi” disse-se, q fls. 18 do acórdão, entre o mais:

« (...) com base nos elementos probatórios desenvolvidos, quer imediatamente na audiência, quer nos constantes do próprio processo, para tanto, utilizáveis nos termos da lei, reuniram-se fortíssimos indícios de que foram os quatro arguidos, agindo como um grupo com certas estabilidade, organização e preparação, que perpetraram todos os factos supra descritos nos itens 1.1 a 1.20. Com efeito, de todos aqueles elementos, entre si conjugados, resultou estarmos perante uma actuação essencialmente homogénea, com as seguintes referências:

Autoria do grupo estavelmente constituído por quatro jovens – que, para além dos casos em que houve identificação positiva, abaixo indicados, foram referenciados por alguns ofendidos como correspondendo (dois) aos arguidos BB e AA, sobretudo o primeiro (por causa dos olhos), e, ainda, como tendo pronúncia do norte –, sendo um deles uma rapariga (reconhecida numa das acções, como a arguida DD, como diremos); um período inferior a dois meses; circunscrita a uma pequena área geográfica (Póvoa do Varzim, Vila do Conde, Matosinhos, Maia e Trofa); E a aludida homogeneidade consistiu em: utilização dum “Seat Ibiza” de cor branca e dos veículos que iam sendo objecto de subtracções, do efeito surpresa, resultante, tanto da quebra dos vidros dos carros com uma pedra (em geral, um paralelo), como do modo como dois deles surgiam aos ofendidos, permanecendo na retaguarda o casal constituído pelos outros dois, como quaisquer outros namorados, e intervindo o terceiro dos rapazes apenas quando as situações se complicaram ou, previsivelmente se poderiam complicar (v. os casos descritos em 1.10, 1.12, 1.13 e 1.17) e da ameaça de uma pistola e duma navalha.”

Tudo visto, quanto a este ponto, não se fica com a convicção de que o tribunal de 1ª instância andou mal, ao incluir a recorrente nos factos que imputou aos quatro arguidos, nos pontos da matéria de facto invocados pela recorrente, e sem mencionar o seu nome especificamente. A participação da recorrente, também nesses factos, não configura um erro patente, evidente, e tanto basta para que se não possa configurar o vício da al. c) do nº 2 do artº 410 º do C.P.P..

c) e d) Entende a recorrente que nos roubos em que foi dada por provada a sua participação, o que se provou foi que “a arguida ficou sempre a aguardar dentro dos veículos” a actuação dos co-arguidos. Que em lado algum se afirma que a recorrente fosse portadora de armas aparentes ou ocultas e que portanto não lhe podia ser imputada a agravante qualificativa da al. f) do nº 2 do artº 204º do C.P. (conclusões 5., 5.1., e 5.2.). Pelas mesmas razões, lhe não poderia ser assacada a prática do crime de detenção e uso de arma proibida do artº 6º da Lei 22/97 de 27 de Junho (conclusões 6., 6.1., e 6.2.). Não é porém assim.

A partir do momento que se deu por provada a participação, em co- autoria, da recorrente, nos crimes em que foi feito uso de armas, nos termos descritos na matéria de facto dada por provada, quer a agravante qualificativa dos crimes de roubo, quer o crime de detenção e uso de arma proibida passam a ser-lhe extensivos.

É consensual o entendimento de que, quando o artº 26º do C.P. se refere à co-autoria como o ”tomar parte directa na sua execução [do crime], por acordo ou juntamente com outro ou com outros”, não exige de todos os participantes a prática de todos os mesmos actos de execução. Como se disse no Acórdão deste S.T.J. de 27/9/95, “o que importa é que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista” (in Col. Jur. Ac. S.T.J., Ano III, tomo 3, pag. 197. Também, entre muitos outros, v.g. Ac. de 17/11/94, Pº 4723-3ª, ou de 6/10/99, Pº 698/99-3ª). A recorrente participou em acções levadas a cabo com os co-arguidos, bem sabendo, e dando a sua anuência, a que fossem usadas as armas que foram usadas, sendo indiferente que tenha sido ela mesma a usá-las.

e) Finalmente, importa abordar a questão da medida da pena (conclusões 7. a 11.).

A recorrente pretende que a pena a aplicar seja inferior a cinco anos de prisão e que seja suspensa na sua execução. Começa por alegar que não participou em todos os crime por que foi condenada, que não deve ser punida, nem pelos crimes qualificados de roubo, por lhe não ser extensiva a qualificativa da al. f) do nº 2 do artº 204º do C.P., nem pelo crime de detenção de arma proibida do artº 6º da Lei 22/97 de 27 de Junho, invocando ainda a falta do domínio da acção, nos assaltos em que se considerou que participou. A improcedência do recurso em relação a todas estas questões, como ficou esclarecido, impede que se tenham agora em conta para efeitos da medida da pena.

A recorrente beneficiou da atenuação especial própria do artº 4º do D. L. 401/82 de 23 de Setembro, por ter, à data dos factos 18 anos. Pretende também, ao que parece, uma atenuação especial nos termos gerais do artº 72º do C.P.. E invoca a já referida idade, nunca ter tido qualquer contacto com “o mundo do crime”, sendo delinquente primária, e ter trabalho até pouco tempo antes de ser detida. Alega que vivia (e vive) com uma irmã e com a mãe, que pretende completar a sua formação educacional, voltando a estudar, que tem cumprido escrupulosamente todos os deveres decorrentes da medida de coação que lhe foi imposta.

Vejamos então.

Convém ter em conta que no acórdão recorrido se afirmou:

Uma questão suscitada pelo recorrente BB, mas que se deve aplicar a todos os arguidos , tem que ver com o facto de no assalto referido no ponto em 1.18 não se terem tirado quaisquer bens à MM. Por isso, diz o recorrente, quanto a ela não há crime de roubo; verificando-se uma única intenção apropriativa dirigida a unicamente aos bens do ofendido A, há um só crime de roubo, ainda que a violência levada a cabo pelos arguidos tenha sido exercida sobre duas pessoas.

E de facto nem da sentença, nem do depoimento desta resulta que os arguidos se tenham apropriado de bens seus ( o que ela até nega ).

Ora, verificando-se uma única intenção apropriativa e uma só pessoa roubada, dirigida unicamente aos bens do ofendido companheiro da dita MM, há um só crime de roubo na situação supra referida, e ainda que a violência levada a cabo pelos arguidos tenha sido exercida sobre duas pessoas .( Neste sentido : Ac STJ, de 11/4/2002, www.dgsi.pt. ; Ac RPorto, de 20-4-1988, BMJ, 376.º-655 ).

Daí que no caso dos autos os arguidos apenas praticaram 29 crimes de roubo, não 30 crimes.

O que não poderá ter qualquer relevo na formação do cúmulo das várias penas, dado tratar-se apenas de uma pena parcelar pouco significativa e dada a gravidade dos factos : grande número de crimes, modo violento e sofisticado de actuar, etc.”

Tendo em conta as penas dos 29 crimes de roubo imputados à recorrente, para além do crime de detenção de arma proibida, verifica-se que a moldura penal, onde iremos encontrar a pena única a aplicar em cúmulo, vai de 2 anos de prisão a 25 anos de prisão, de acordo com o disposto no artº 77º nº 2 do C.P.. Embora a soma das parcelares seja 27 anos e 11 meses de prisão, já depois de descontada a pena parcelar de 1 ano, relativa à acção de que, como se viu, não veio a ser vítima MM, relatada no ponto 1.18. dos factos provados. E, obviamente, depois de efectivada a atenuação especial derivada da idade da recorrente. (cfr. pag. 30 e 31 do acórdão de 1ª instância).

Importa em primeiro lugar, e desde já, afirmar a falta de fundamento para que a recorrente beneficie de um dupla atenuação especial, desta feita ao abrigo do artº 72º do C.P.. Para tanto, seria mister encontrar um condicionalismo que implicasse uma acentuada diminuição da culpa, da ilicitude de cada um dos crimes e da necessidade da pena. Não é o caso, para além da atenção em que foram tidos aqueles aspectos, na opção de atenuar especialmente a pena, por força do artº 4º do D. L. 401/82 de 23 de Setembro. Então, terão estado presentes, já, factores ligados à culpa da recorrente, relacionados com a idade, bem como factores relativos à necessidade da pena, para efeitos de reinserção social da recorrente, o que não poderia ser valorado novamente para efeitos de atenuação especial, nos termos gerais.

Portanto, andaram bem as instâncias, quando não procederam, duplamente, à atenuação especial das penas parcelares.

O comando do artº 77º, nº 1, do C.P. manda considerar, na medida da pena única a aplicar, “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Vem-se entendendo que, com tal asserção, se deve ter em conta, no dizer de Figueiredo Dias, “a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente ( exigências de prevenção especial de socialização).” (in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 291).

O período temporal durante o qual os crimes foram cometidos vai de 25 de Fevereiro de 2006 a 23 de Março de 2006. Durante esse tempo foram cometidos vários assaltos, com dezenas de vítimas (29 roubos), protagonizados por um verdadeiro “gang” de jovens, que actuava de modo sempre semelhante, mascarados, e nunca recuando perante o uso da violência, a ponto de, num dos roubos, o co-arguido BB ter baleado uma vítima.

Daqui decorre, em primeiro lugar, que se fazem sentir, no caso, importantes exigências de prevenção geral. Está-se perante um tipo de delinquência causadora de alarme social, responsável por justificados sentimentos de insegurança. Concordamos com a primeira instância quando nos diz (fls. 29 do acórdão) que “É acentuadíssima a gravidade objectiva da conduta dos arguidos, já que com ela atingiram, duma forma muito intensa, valores fundamentais à vida em comunidade, como são a liberdade de autodeterminação pessoal, a propriedade, a segurança e a tranquilidade públicas”

Por outro lado, pode falar-se, no presente caso, e pelo que toca à recorrente, de uma verdadeira carreira criminosa na área dos crimes contra o património, tudo leva a crer, no início, mas a reclamar importantes medidas de prevenção especial. A imagem da ilicitude global do comportamento da arguida é a que nos é dada por um período da sua vida marcado pela marginalidade. Período que se cifra num mês.

A ponderação da idade da recorrente presidiu, como se viu, á atenuação especial das penas parcelares, de que beneficiou. Exactamente devido a essa idade jovem, é que o facto de nunca ter tido qualquer contacto com “o mundo do crime”, sendo delinquente primária, não assume especial relevo. Se trabalhou antes, tal não ocorria quando foi detida. Alega que vivia (e vive) com uma irmã e com a mãe, que pretende completar a sua formação educacional, voltando a estudar, que tem cumprido escrupulosamente todos os deveres decorrentes da medida de coação que lhe foi imposta, mas tudo isso tem um peso pouco significativo. Como se consignou no acórdão de 1ª instância (fls. 17), a recorrente não quis prestar declarações em audiência, sem que isso a possa penalizar. Não revelou nunca qualquer arrependimento.

Acresce que, sendo a única rapariga do grupo, o integrou mantendo uma ligação afectiva com o co-arguido CC, porque eram namorados, este, por sinal, o mais velho de todos. Ora, ponderado todo este conjunto de circunstâncias, que inclui a imputação de menos um crime de roubo, pelo qual foi aplicada a pena parcelar de um ano de prisão, somos levados a diminuir a pena em que a recorrente foi condenada, de seis para cinco anos e seis meses de prisão de prisão.

2) Dos recursos dos arguidos CC e BB
Temos que começar por apontar a forma exótica como o recorrente Adelino elaborou as suas conclusões (fls. 4 a 9 do respectivo recurso), nas quais, em vez de “resumir as razões do pedido”, como impõe o nº 1 do artº 412º do C.P.P., acabou a desenvolveu a motivação (fls.1 a 4 da peça recursória).

Seja como for, são duas as questões que cumpre conhecer em relação a ambos os recursos:

a) A violação do disposto no artº 147º do C.P.P., por se não terem observado as formalidades da prova por reconhecimento, em audiência, de que resulta que o reconhecimento feito não tem valor como meio de prova.
b) A violação do artº 409º do C.P.P. já que, tendo o acórdão recorrido chegado à conclusão de que os recorrentes cometeram, não trinta, mas vinte e nove crimes de roubo, ao mesmo tempo que mantivera as penas únicas aplicadas na primeira instância, teria que ter aumentado, se bem percebemos o raciocínio dos recorrentes, as parcelares, o que significaria a violação do princípio da proibição da “reformatio in pejus”.
Vejamos então.

a) A propósito da primeira questão pode ler-se no acórdão recorrido:

“Dizem os arguidos BB e CC que os reconhecimentos feitos na audiência de julgamento pelas testemunhas-ofendido é ilegal, por violar as regras que regulamentam este meio de prova – o reconhecimento de pessoas (cfr. art 147.º do CodProcPenal ), isto é, nenhuma das formalidades do meio de prova foi, sequer ao de leve, observada ; daí que estejam eles afectados do vicio de inexistência, que é insanável .

O art. 147.º do CodProcPenal vigente à data do julgamento e dos factos tinha a seguinte redacção : « Reconhecimento de pessoas :

1 - Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.
2 - Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
3 - Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
4 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova.».
Este normativo sofreu algumas alterações com a mais recente revisão da lei processual penal ( Lei n.º 48/ 2007, de 29-8 ), que, na parte que agora interessa, passou a dispor no seu n.º 7 : « O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.»

A adição, pela lei nova, de um novo número ao art. 147.º do CodProcPenal, com a redacção atrás revelada, não se traduz numa qualquer novidade na disciplina do reconhecimento ; apenas vem dizer que, quer no inquérito, quer na instrução, quer no julgamento, o meio de prova que é o reconhecimento tem de obedecer ao formalismo enunciado naquele artigo. Isto é, a lei nova não veio introduzir um novo meio de prova ou definir de maneira diferente o valor probatório daquele meio de prova, caso em que se poderia pôr a questão da aplicação da lei nova, se eventualmente mais favorável aos arguidos. Apenas veio dizer de forma inequívoca aquilo que já era suposto ( e que muitas vezes se fazia na prática dos tribunais ) na lei antiga : que o meio de prova “reconhecimento” só o seria válido e eficaz se obedecesse ao formalismo do .º 2 do art. 147.º.

No dominio da lei antiga entendia-se ( falamos do entendimento da jurisprudência e da prática dos tribunais ) que o reconhecimento do arguido ou de alguém, feito por uma testemunha na audiência de julgamento, não tinha sempre de obedecer ao formalismo prescrito pelo art. 147.º CodProcPenal, pois este preceito legal só tinha aplicação nas fases de inquérito e de instrução ( Ac STJ, de 2-10-1996, BMJ, 460.º-525 ; Ac STJ, de 1-2-1996, CJ/STJ, ano IV, t. I, p. 198 ; Ac STJ, de 11-5-2000, proc. n.º 75/2000, SASTJ, 41.º-76 ; Acs STJ de 11-05-2000, proc. n.º 75/2000, e de 17-02-2005, proc. n.º 4324/04 ; Ac STJ, de 2-10-1996, proc. N.º 96P728, www.dgsi.pt ; Ac STJ, de 6-9-2007, proc. n.º 06P1392, www.dgsi.pt ),

Esse entendimento e a prática correspondente não deverão sofrer abalo no âmbito da lei nova quando se trate não de proceder ao “reconhecimento“ do arguido mas à identificação do mesmo pela testemunha como sendo o autor dos factos em discussão. Isto por se entender ( como antes se entendia ) que em tais casos o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado nos termos do artigo 127.º do CódProcPenal, e não a «prova por reconhecimento» a que alude o artigo 147.º do mesmo diploma ( cfr acórdãos atrás citados). E entendia-se que esta interpretação do artigo 147.º não violava o princípio das garantias de defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, ou qualquer outra norma constitucional, como decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 425/2005, de 25-08-2005 ( proc. n.º 452/05, publicado no DR n.º 195, II Série, de 11-10-2005, pp. 14574 a 14579 ).

No caso em apreço, na audiência houve lugar ao reconhecimento pelos ofendido, meio de prova submetido ao princípio do contraditório, ainda que tenha sido oficiosamente produzido pelo tribunal (artigo 327.º, 2, do CodProcPenal ). Logo trata-se de uma prova não proibida, a valorar de harmonia com o referido princípio da livre convicção (cfr. artigo 355.º CodprocPenal ). Daí que seja irrelevante toda a crítica dirigida à correcção ou à observância estrita do formalismo legal imposto pelo artigo 147.citado

Em todo o caso, também se sublinhava, e deve continuar a sublinhar-se, que tinham de considerar-se sanados quaisquer vícios do âmbito daquele artigo, existentes em reconhecimento efectuado em audiência, desde que não fosse logo arguida a nulidade do acto, quando o arguido a ele assistia ( Ac STJ, de 14-4-1994, proc n. 46223 ; Ac STJ, de 2-10-1996, proc. N.º 96P728, www.dgsi.pt ).

E precisamente no caso em apreço, não se vê dos autos ( actas da audiência ) que tenha sido, por qualquer dos arguidos, invocada a nulidade dos reconhecimentos.

Para concluir que nem o tribunal recorrido estava inibido de valorar o reconhecimento dos autos como simples prova testemunhal, de acordo com o principio da livre valoração da prova, o mesmo acontecendo agora com este tribunal de recurso ; nem que a eventual nulidade não foi arguida no prazo devido , pelo que não pode ser conhecida.”

Ora, uma primeira questão que foi aflorada, mas que nos parece não dever ser chamada à colação, é a da aplicação das leis no tempo, e isto pese embora a redacção do aludido artº 147º ter sido modificada pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, designadamente no tocante ao seu nº 7 (antigo nº 4), em que se acrescentou a expressão “seja qual for a fase do processo em que ocorrer”.

O artº nº 1 do artº 5º do C.P.P. estabelece que “A lei processual é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior”. Daí que, mesmo que se não tenha seguido, porventura, o formalismo de que a lei actual faz depender a validade da prova por reconhecimento, em nada o acto processual praticado fica atingido, se tiver ocorrido com observância do que era exigível à data em que foi praticado. E, obviamente que a audiência destes autos, em 1ª instância, ocorreu antes da Lei 48/2007 de 29 de Agosto entrar em vigor. Não se põe, pois, qualquer questão de aplicação de leis no tempo, porque só interessa, aqui, a lei contemporânea dos actos praticados.

Ora, o entendimento sufragado em face dela era o de que, aquilo que tecnicamente é apelidado de prova por reconhecimento, tinha cabimento em regra nas fases de inquérito e instrução. De tal modo que, se em audiência, uma testemunha identificasse o arguido ou arguidos, durante o seu depoimento, era prova testemunhal que estava a ser produzida, e portanto não seria exigível o formalismo, que o artº 147º do C.P.P., na sua anterior redacção, já prescrevia. Assim o decidiram, entre outros, os Acórdãos de 11/5/2000 ou de 16/6/2005 deste S.T.J. (Pº 75/2000, e Pº 553/05, ambos desta 5ª Secção).

Significativa, também, neste contexto, a posição do Tribunal Constitucional, que afirma:

“Se a testemunha que depõe em audiência de julgamento, tendo na sua frente certa pessoa na posição de arguido, lhe assaca a prática de determinados actos, contextualizados espacio-temporalmente, a questão posta ao tribunal não é a de saber qual é a pessoa, dentre várias, a quem os factos constantes da pronúncia podem ser atribuídos que corresponda à representação recognitiva e mnemónica retida pela testemunha, mas a de saber se a imputação feita nesse depoimento a essa concreta pessoa é ou não credível, segundo o princípio da livre apreciação da prova” (in Ac. de 25/8/05, Pº 425/05 2ª Secção).

Sem mais considerações, se entende não terem os recorrentes razão neste ponto.

c) Quanto à segunda questão, dir-se-á que, conforme já se viu, após a intervenção do Tribunal da Relação, os recorrentes ficaram condenados em 29 e não 30 crimes de roubo qualificado. Ao crime de roubo que deixou de ser imputado ao recorrente Adelino fora aplicada uma pena parcelar de 3 anos e 9 meses de prisão, e ao recorrente BB de 1 ano e 6 meses de prisão. Importava então refazer o cúmulo das penas parcelares aplicadas, e aparentemente terá sido isso mesmo que ocorreu, quando no acórdão recorrido se disse que tal diminuição do número dos crimes de roubo ”não poderá ter qualquer relevo na formação do cúmulo das várias penas, dado tratar-se apenas de uma pena parcelar pouco significativa e dada a gravidade dos factos : grande número de crimes, modo violento e sofisticado de actuar, etc.”.
Ora, a redução das penas únicas só se mostraria absolutamente necessária se tivesse tido lugar um cúmulo material das penas. A realização de um cúmulo jurídico em que, como se viu, releva a ilicitude global dos factos e a personalidade do agente, permite chegar à posição a que chegou o acórdão recorrido neste ponto. Recorde-se que, segundo o nosso sistema de determinação da pena única conjunta, o julgador deve proceder a uma avaliação nova, só para efeitos da determinação da pena única, que atenda àquela ilicitude global e à personalidade do agente revelada no conjunto dos factos. De tal modo que é possível, inclusive, no limite, que a medida da pena conjunta seja igual à da parcelar mais grave, ou à soma aritmética das parcelares.

Isto dito, não pode porém iludir-se o facto de que para se aceitar a manutenção da pena única aplicada na 1ª instância, em face da imputação de menos um crime, se tem de exigir necessariamente uma crítica explícita do cúmulo primeiro realizado. Por outras palavras, se a Relação entendeu que certa pena única era adequada estando em causa 29 crimes de roubo, teria que achá-la incorrecta se estivessem em causa 30 crimes de roubo. Ora, a Relação não justificou a sua opção considerando que a 1ª instância tinha sido benevolente (agora com menos um crime a pena única é a mesma). No acórdão recorrido, como se viu, o que se diz é que, no meio de tantos crimes, menos um, não tem significado. É pouco.

Acontece que os recorrentes invocam a violação da proibição da “reformatio in pejus”, referida no artº 409º do C.P., e por via disso pede o recorrente CC a sua absolvição, e o recorrente BB a redução da pena aplicada em cúmulo.

Quanto à aludida violação do princípio ela acabou por ter lugar, ainda que de forma indirecta, porque em virtude do recurso que interpuseram, os recorrentes ficaram, numa parte, em situação mais gravosa do que aquela em que estariam se não tivesse recorrido. Neste sentido: para além da aplicação da pena pelo crime de detenção e uso de arma proibida, por 29 crimes de roubo e mais um, os recorrentes Adelino e BB foram condenados na pena única, respectivamente, de 12 e 9 anos de prisão. Pela prática do mesmo crime de detenção e uso de arma e só 29 crimes de roubo a condenação foi a mesma. Ou seja, os crimes que se mantiveram, nas condenações da 1ª instância e da Relação, necessariamente que foram por esta avaliados e punidos mais severamente porque em menor número. ( cfr. neste sentido v.g. o Ac. deste S.T.J. e 5º Secção, de 29/4/2003, Pº 768/03).

A respeito da pena única aplicada a ambos os arguidos, pelos crimes de roubo (29), e de detenção de arma proibida, importa assim refazer o cúmulo das parcelares envolvidas, tal como já ocorreu a respeito da arguida DD, e tendo presentes as considerações tecidas a tal propósito que sejam transponíveis. Procedem em relação aos dois recorrentes CC e BB, razões de prevenção geral e especial fortes, devidamente ponderadas em 1ª instância, de um modo que nos não merece especial reparo.

Tudo visto, entende-se que as penas que lhes foram aplicadas em cúmulo devem ser diminuídas de oito meses em relação ao recorrente CC que assim fica condenado na pena de onze anos e quatro meses de prisão e de seis meses em relação ao recorrente BB que assim fica condenado na pena de oito anos e seis meses de prisão.

Procedem pois, os recursos dos arguidos, nesta medida.

D – DECISÃO

Tudo visto e ponderado se decide neste S.T.J. e 5ª Secção:

1) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo recorrente CC, diminuindo a pena em que foi condenado de oito meses, ficando assim condenado na pena de onze anos e quatro meses de prisão.

2) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo recorrente BB, diminuindo a pena em que foi condenado de seis meses, ficando assim condenado na pena de oito anos e seis meses de prisão.

3) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida DD, diminuindo a pena em que foi condenada de seis meses, a qual fica assim condenada na pena de cinco anos e seis meses de prisão

4) Condenar os recorrentes CC, BB e DD, respectivamente, na taxa de justiça de sete, seis e quatro unidades de conta.

Lisboa, 15 de Julho de 2008

Souto de Moura (Relator)

António Colaço