Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8717/06.0TBVFR.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: EXCLUSÃO DE SÓCIO
COMPORTAMENTO DESLEAL
PREJUÍZO CONSIDERÁVEL
SÓCIO GERENTE
DEVERES DE GESTÃO
PREJUÍZO SOCIAL
SIMULAÇÃO
Data do Acordão: 04/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS.
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - CAPACIDADE DA SOCIEDADE - ADIMINISTRAÇÃO E FISCALIZAÇÃO (DEVERES FUNDAMENTAIS) - RESPONSABILIDADE CIVIL PELA CONSTITUIÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DA SOCIEDADE - SOCIEDADE POR QUOTAS / EXCLUSÃO DE SÓCIOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Carolina Cunha, “A Exclusão de Sócios (Em Particular nas Sociedades por Quotas”, in “Problemas do Direito das Sociedades”, IDET, 2002, pp. 211-212.
- Coutinho de Abreu, “Corporate Governance em Portugal”, IDET - Instituto das Empresas e do Trabalho, Miscelâneas, n.º6, p.9.
- Coutinho de Abreu, “Deveres de Cuidado e de Lealdade dos Administradores e Interesse Social”, IDET - Instituto das Empresas e do Trabalho-, Colóquios, n.º3, p.30.
- Fátima Gomes, in “Reflexões Em Torno dos Deveres Fundamentais dos Membros dos Órgãos de Gestão (e Fiscalização) das Sociedades Comerciais à Luz da Nova Redacção do artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais”, na obra “20 Anos de Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier”, volume II, Vária, p. 551.
- Gabriela Figueiredo Dias, “Código das Sociedades Comerciais Em Comentário”, Nº1, p. 734.
- Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português-Teoria Geral do Direito Civil, p. 433 e ss..
- Lebre de Freitas/ Montalvão Machado/Rui Pinto, “Código de Processo Civil”, Anotado, vol. 2.º, p. 646.
- Luís Menezes Leitão, Pressupostos da Exclusão de Sócio nas Sociedades Comerciais”, A.A.F.D.L., 1988, p. 41 e ss..
- Menezes Cordeiro, “Código das Sociedades Comerciais”, 2009, pp. 243 e 244.
- Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, I, 1994, 149; Tratado de Direito Civil, p. 845.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Maio 2005, p. 413.
- Raúl Ventura e Brito Correia, Responsabilidade Civil dos Administradores, p. 118 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC):- ARTIGOS 240.º, N.º1, 243.º, N.º1, 334.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 6.º, 64.º, 72.º, N.º1, 242.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 660.º, N.º 2, 668.º, N.º1, C) (ACTUAL 615.º), 722.º, N.º2, 729.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 15.5.2005, PROC. N.º 04A4369, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1. Não obstante a primitiva redacção do art. 64º do Código das Sociedades Comerciais (antes da Reforma de 2006) não enunciar de forma clara o princípio da corporate govenance”, ele estava contido na regra do “dever de cuidado e de diligência” imposta ao gerente a quem incumbe actuar segundo o padrão do “gestor criterioso e ordenado”, pautando a sua actuação pelos critérios da isenção e do agir de boa fé em vista da salvaguarda dos interesses da sociedade, “tendo em conta os interesses dos sócios de dos trabalhadores”; de notar que nas als. a) e b) da redacção, agora vigente, do citado preceito se alude de igual modo a “diligência de um gestor criterioso e ordenado” e nos deveres de lealdade se apontam os interesses dos sócios, da sustentabilidade da sociedadetais como os seus trabalhadores, clientes e credores”. Antes o art. 64º tinha como epígrafe “Dever de diligência”, após a Reforma aparece como “Deveres fundamentais”, um plus de expressa maior exigência.

2. O art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, antes e depois da Reforma de 2006, impõe a observância de deveres de cuidado, verdadeiros poderes-deveres dos gerentes ou administradores baseados numa relação de confiança (fiducia) que se estabelece entre a sociedade e quem a gere, seja no círculo das suas relações internas, seja nas relações externas com terceiros, sejam eles credores, entidades administrativas, trabalhadores ou quaisquer outros interessados. O dever de cuidado – duty of care – está ínsito na actuação do “gestor criterioso e ordenado” e no grau de diligência que esse standard postula.

3. A violação do dever contemplado no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais tem como sanção a responsabilidade civil dos gerentes para com a sociedade e a sua destituição com justa causa, verificados os requisitos da responsabilidade civil contratual, já que por força do art. 72º, nº 1, do referido Código, a sua culpa se presume.

4. A actuação dos 1ºs e 2ºs RR., enquanto sócios da Autora e dela gerentes, ao não prestarem contas aos demais sócios durante anos, fazendo negócios com a 3ª Ré de quem eram sócios e gerentes maioritários, cedendo-lhe a quantia de € 315 000,00 descapitalizando a Autora entre Dezembro de 2004 e Dezembro de 2005, sem demonstrarem ter informado os demais sócios e gerentes, exprime potencial de causação de danos futuros e revela deslealdade grave em relação à Autora, conduta censurável do ponto em que, como sócios, deveriam zelar pela sustentabilidade da empresa, que com tal conduta sabiam lesar.

5. A simulação absoluta importa a verificação cumulativa dos três requisitos previstos no art. 240°, nºl, do Código Civil: — o pacto simulatório entre o declarante e o declaratário; a divergência intencional entre o sentido da declaração e os efeitos do negócio jurídico simuladamente celebrado e o intuito de enganar terceiros. Não se provando um deles, não pode considerar-se ter sido simulado o negócio jurídico.
Decisão Texto Integral:

Proc. 8717/06.0TBVFR.P1.S1

R-445[1]

Revista.


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


             “Sociedade Predial AA & Filhos, Lda.”, instaurou, em 11.12.2006, no Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira – 3º Juízo Cível – acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra:

    – BB e mulher, CC. (1ºs RR.)

    – DD e mulher, EE (2ºs RR.)

  - FF & Filhos, Lda. (3º Réu)

             - Comissão de Melhoramentos de ..., Associação de Direito Privado (4º Réu)

  

 Pediu que a acção seja julgada provada e procedente e, por via dela:

A) Os primeiro e segundo réus maridos, BB e DD, sejam condenados, solidariamente, a indemnizar a sociedade autora da quantia de € 421.655,18 mencionada no art. 164.º da petição inicial, assim discriminada:

    

a) € 315.000,00 relativa às quantias ilegalmente transferidas para a terceira ré, “FF & Filhos, Limitada”, acrescida dos juros, à taxa do art. 559º do Código Civil, desde a data em que a sociedade autora desembolsou as referidas importâncias, até à data em que as mesmas lhe sejam restituídas, juros que totalizam, até 31 de Dezembro de 2006, a quantia de € 33.200,00;

b) € 1.205,26 relativa às quantias aludidas no art. 128º da petição inicial e que a autora suportou quando as despesas não eram da sua responsabilidade e do seu interesse, acrescida dos juros vencidos desde a altura em que a sociedade as suportou até à sua restituição pelos réus, juros que, até 31 de Dezembro de 2006, totalizam  € 249,92;

    

            c) A quantia de 1.000,00 € por mês em que a sociedade autora ficará prejudicada, enquanto não for declarada a nulidade por simulação do contrato de arrendamento e consequentemente não puder dispor das partes do prédio aludido nos arts. 129º a 154º da petição inicial que foram simuladamente arrendados à associação quarta ré, quantia que, desde 1 de Fevereiro de 2000 até 31 de Dezembro de 2006, perfaz € 72.000,00 acrescida:

             i) Quanto às importâncias referidas nas als. a) e b) do art. 164.º da petição inicial dos juros vincendos, desde 31 de Dezembro de 2006, até efectivo e integral pagamento, contados à taxa legal, que, até àquela data, totalizavam a quantia de € 33.449,92;

            ii) Quanto à importância referida na al. c) do art. 164.º da petição inicial da quantia mensal de € 1.000,00, desde 31 de Dezembro de 2006 até à data da efectiva entrega do imóvel aludido nos arts. 129º a 154º da petição inicial (“prédio sito na Rua Principal de ..., s/ número, composto por rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, com uma área aproximada de 2.000 metros quadrados”);

    

B) Os primeiro e segundo réus maridos condenados a pagar à autora a quantia que se liquidar, em execução de sentença, referida nos arts. 165.º e 166.º da petição inicial;

    

C) A sociedade terceira ré condenada, solidariamente, com os réus BB e DD, a restituir/pagar à sociedade autora a quantia de € 348.200,00 aludida na al. a) do art. 164.º da petição inicial;

    

D) Declarada a nulidade, por simulação, do contrato de arrendamento mencionado nos arts. 129.º a 154.º da petição inicial; e consequentemente,

    

E) A associação quarta ré condenada a restituir à autora o imóvel identificado nos arts. 129.º e 130.º da petição inicial;

    

F) Os réus BB e DD condenados a reconhecer que os comportamentos por si praticados:

    

i) foram desleais para com a sociedade autora;

            ii) provocaram à sociedade autora e são aptos a provocar-lhe prejuízos sérios;

            iii) perturbaram, perturbam e perturbarão gravemente o funcionamento da sociedade autora;

    

G) Decretada a exclusão dos réus BB e DD de sócios da sociedade autora, mediante a amortização das quotas de que são titulares no capital da sociedade autora, e de que as primeira e segunda rés mulheres são também donas, mercê do regime de bens do casamento.

      

Sustentou o pedido, alegando, em síntese, comportamentos dos primeiro e segundo réus maridos, enquanto sócios e gerentes da sociedade autora, que qualificam como gravemente perturbadores do funcionamento da referida sociedade, assim como causadores de elevados prejuízos para a mesma, que se traduziram, para além do mais, em terem:

  

 - sem qualquer fundamento, durante os anos de 2004 e 2005, transferido 315.000,00  € para a sociedade terceira ré, tendo esta como únicos gerentes os aqui referidos réus, capital aquele pertencente à sociedade autora, o que fez com que esta ficasse descapitalizada e impedida de exercer qualquer actividade;

     

- assegurado o pagamento de despesas pessoais através de fundos da sociedade autora;

    

 - onerado, através de um contrato de arrendamento simulado, no qual figura como arrendatária a associação quarta ré, imóvel pertencente à sociedade autora, com o claro intuito de o desvalorizar.

Os réus, com excepção da co-ré GG, contestaram, desde logo por excepção, invocando a ilegitimidade processual da co-ré CC, por se entender não haver sido deduzido qualquer pedido contra aquela; e também a ilegitimidade da sociedade autora e a caducidade do direito de arguir a anulabilidade da “transferência de fundos” operada da sociedade autora para a terceira ré; assim como a incompatibilidade do pedido fundado em responsabilidade civil dos réus BB e DD e o pedido de condenação da terceira ré a restituir/pagar certa importância por eles supostamente devida; e ainda da ilegal coligação da ré Comissão de Melhoramentos de ... com os restantes réus.

      

Impugnaram ainda parte substancial dos factos essenciais que integram a causa de pedir, concluindo no sentido de que deverá ser julgada improcedente a acção, com a consequente absolvição do pedido, não sem antes terem imputado à autora litigância de má fé, pelo que pedem a respectiva condenação em multa e indemnização a favor dos primeiro e segundo réus maridos, em partes iguais, que não deve ser inferior a 25% da diferença que existir entre o valor peticionado e o valor arbitrado pelo tribunal, quanto ao valor locativo do primeiro andar e logradouro do imóvel de que se fala nos autos.

      

Replicou a sociedade autora, pugnando pela improcedência de todas as excepções invocadas pelos réus contestantes, assim como sustentou dever ser julgada improcedente a pretensão que lhe foi dirigida pelos réus, no sentido de condenação a título de litigância de má fé.

      

Por despacho que se mostra exarado a fls. 1383, tendo por base a insolvência da sociedade ré “FF & Filhos, Limitada”, declarada por sentença de 10.2.2012, no âmbito do Processo n.º105/10.0TBVFR, foi a presente instância julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide, no respeitante àquela sociedade, ficando assim prejudicado o conhecimento do pedido mencionado supra em 1.1) – C).

      

Foi proferido despacho saneador, através do qual se afirmou a validade e regularidade da instância, concluindo-se, nomeadamente, pela legitimidade processual de todas as partes, e reconduzindo-se as demais questões levantadas pelos réus na contestação ao conhecimento do mérito da causa, este relegado para final.

      

Seleccionaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

      

A Autora e os Réus BB e CC apresentaram reclamações nos termos do art. 511º, nº 2 do Código de Processo Civil, tendo sido a apresentada pela Autora parcialmente deferida e a apresentada pelos réus totalmente rejeitada.

      

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, tendo-se respondido à matéria da base instrutória através do despacho de fls. 1621 e segs., que não teve qualquer reclamação. 

Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência:

1.  – Condenou os Réus BB e DD a pagar à Autora “Sociedade Predial AA & Filhos, Lda.” o montante global de € 339.737,17, acrescido de juros moratórios civis, contados à taxa legal, sobre o capital de € 316.205,26, desde 1 de Janeiro de 2007 até efectivo e integral pagamento.

           

2. – Decretou a exclusão dos Réus BB e DD da qualidade de sócios da sociedade Autora “Sociedade Predial AA & Filhos, Lda”.

      

3.  – Absolveu os Réus quanto ao mais peticionado pela Autora.

4. – Julgou não verificada litigância de má fé por parte da Autora.

      


***

            Inconformado, o Réu BB, interpôs recurso de apelação, para o Tribunal da Relação do Porto.

A  Autora recorreu subordinadamente.


***

Por Acórdão de 10.9.2013 -  fls. 1999 a 2072 – foram julgados improcedentes os recursos de apelação interpostos a título principal pelo Réu BB e a título subordinado pela autora “Sociedade Predial AA & Filhos, Limitada”, confirmando-se a sentença recorrida.


***


            Inconformados, recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça, os RR. DD e BB e, subordinadamente, a Autora.


***

            O Réu DD, alegando, formulou as seguintes conclusões:

            1 – São inadmissíveis as subsunções jurídicas em que assenta o acórdão recorrido;

2 – Com efeito, por um lado, atenta a especificidade ontológica da sociedade recorrida não é possível dizer-se que as transferências verificadas violem o objecto social;

 3 – Na verdade, a intercomunicabilidade financeira verificada entre as sociedades do “grupo” – nos termos supra descritos – e a circunstância da beneficiária esporádica das transferências ser, por excelência, a célula originária dos rendimentos da recorrida, impõe, a este propósito, uma compreensão particularmente elástica do conceito de objecto social;

4 – Mas, mesmo que assim não se entenda – o que não se concebe – a  prática de um acto que extravase o objecto social não tem, sem mais, as consequências que o acórdão recorrido lhe tende associar;

5 – Nomeadamente, quando – como é o caso – o acto não viole o fim social, a saber: o escopo lucrativo;

6 – Ora, tendo resultado claro (de tudo quanto foi dado como provado em sede de audiência, discussão e julgamento), que a HH era uma das sociedades do “grupo” que mais contribuiu para a disponibilidade financeira da recorrida;

7 - Ora, se a actividade da HH serviu, ademais – também – para financiar os investimentos imobiliários da recorrida, bem se percebe que a recorrida tivesse disponibilidade para ajudar a HH num momento de rara insuficiência financeira;

8 – Até porque a saúde financeira da HH era imprescindível ao progresso da actividade social da recorrida;

9 – Nessa medida, ainda que indirectamente, bem se percebe que a prossecução do objecto social da recorrida pressupunha a viabilização financeira da HH;

10 – A isto acresce que, como se demonstrou, resultou como não provado que a transferência em apreço tenha descapitalizado a recorrida e, nesse quadro, a tenha privado de meios para adquirir quaisquer imóveis destinados a revenda ou a arrendamento (matéria de facto que integra a base instrutória dada como não provada, item 39);

11 – Neste quadro, resulta evidente a especial latitude com que deve ser apreciada a conduta do recorrente, enquanto representante da recorrida;

12 – O que, como é bom de ver, inviabiliza que o comportamento do recorrente possa integrar a hipótese descrita no art. 72°, n.° 1, do Código das Sociedades Comerciais;

13 – Com efeito, a singularidade do universo societário que se considera e, sobretudo, a especificidade da relação que a sociedade que procedeu às transferências mantinha com a beneficiária das mesmas, impede que se considere que a actuação do recorrido tenha tido lugar com preterição dos deveres legais e contratuais que, contra si, impendem;

14 – Mais, mesmo que assim não se entendesse, sempre teríamos que considerar que o recorrente teria procedido sem culpa;

16 – Só obliterando a especificidade própria do “grupo” empresarial em apreço, nomeadamente. Enquadramento estritamente familiar do mesmo, se pode qualificar a actuação do recorrente como ilícita e culposa;

17 – É pois evidente a inaplicabilidade, in casu, do previsto nos arts. 483° e 552°, ambos do Código Civil.

18 – Efectivamente, é por demais evidente que não se verificam, no caso dos autos, os requisitos de que depende o funcionamento do instituto da responsabilidade civil extra – contratual;

19 – Designadamente, no que respeita ao carácter ilícito e culposo da respectiva actuação;

20 – Ademais – mesmo que se desconsiderasse o que anteriormente se aduziu – sempre teria funcionado a causa de exclusão de ilicitude a que alude o art. 340° do Código Civil;

21 – Na sequência do que se vem dizendo, mal andou também o Tribunal recorrido quando confirmou a exclusão do recorrente enquanto sócio da recorrente, estribando-se, para o efeito, no art. 242°, n.° 1 do Código das Sociedades Comerciais;

22 – Na verdade, tudo quanto antes de aduziu – e que se encontra devidamente confirmado impede que o comportamento do recorrente possa ser qualificado como “desleal” ou “gravemente perturbador do funcionamento da sociedade”;

23 - De facto, o comportamento do recorrente integrou, sem qualquer margem de dúvida, os padrões normais de actuação no seio do “grupo” empresarial que se considera;

24 – As comprovadas e abundantes transferências cruzadas de dinheiro entre as várias sociedades do “grupo” assim o demonstram;

25 – Resultando pois evidente que o comportamento do recorrente não integra, em momento algum, a previsão do citado normativo;

26 – Não sendo sequer admissível considerar que o recorrente incumpriu as obrigações que lhe advêm do art. 64° do Código das Sociedades Comerciais;

27 – É pois cristalino que o acórdão ora recorrido violou ostensivamente – entre outros – o disposto nos arts., 4°, n.°6, 64°, 72°, n.°1 e 242°, n.°1, do Código das Sociedades Comerciais e ainda os arts. 483°, 552° e 340°, todos do Código Civil.

Termos em que, com a revogação do acórdão se fará Justiça.


***

            O Recorrente BB, alegando, formulou as seguintes conclusões:

[…]

           

            A Autora contra-alegou em relação aos dois recursos, pugnando pela confirmação do julgado.


***

            A Autora, no recurso subordinado, formulou as seguintes conclusões:

            8.1 - Dos factos provados e a despeito de inexplicavelmente o Tribunal da Relação ter confirmado a resposta dada ao n.°64 da base instrutória, ter-se-á de concluir pela simulação do dito “contrato celebrado com a “Comissão de Melhoramentos de ...”.

8.2. - E isto apesar de na resposta dada ao n.°64 da base instrutória ter sido dado como provado que “as diversas cláusulas que constam do documento correspondem à manifestação da vontade real das partes contratantes”, pois

8.3 - Esse segmento da resposta encontra-se em contradição insanável com os factos provados de a dita arrendatária não ter actividade e nunca ter pago rendas, pelo que o mesmo é nulo – ver n° 4 do artigo 712.° do Código de Processo Civil aplicável à data do julgamento – a que corresponde no actual Código o artigo 662º, n.°2, alínea c).

8.4 - Ao decidir, como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 240.° n.° 1 do Código Civil.

            Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso de apelação e consequentemente declarada a nulidade do contrato de arrendamento aludido na alínea AR da matéria assente e os réus condenados a restituir o imóvel em causa à autora.


***

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

            1. (A) - A autora foi constituída, em 21 de Maio de 1973, tem por objecto da sua actividade a compra e venda de prédios, construção civil e urbanização de terrenos e tem o capital social de 700.000$00 (setecentos mil escudos) repartido do seguinte modo:

        - FF, já falecido – 100 contos

        - II, já falecida – 100 contos

        - JJ – 100 contos

        - LL – 100 contos

        - BB, um dos réus – 100 contos

        - DD, um dos réus – 100 contos

        - MM – 100 contos – (cfr. certidão de fls. 1023/1028, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

      

 2. (B) - A autora é uma sociedade familiar, sendo o seu capital detido, desde a constituição, pelos pais dos primeiro e segundo réus maridos e dos restantes sócios, FF e II, ambos já falecidos, respectivamente, em 28 de Abril de 2003 e em 10 de Maio de 2004 (cfr. certidão de fls. 1363/1371, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

       

3. (C) - A autora rege-se pelos estatutos constantes da escritura de constituição de 21 de Maio de 1973 (cfr. certidão de fls. 1029/1037, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

       

4. (D) - De acordo com os referidos estatutos, todos os sócios eram gerentes (artigo quinto do contrato de sociedade).

       

5. (E) - A contabilidade e demais documentação da autora encontrava-se, até 15 de Outubro de 2006, em poder dos réus BB e DD, mais concretamente na sede e instalações da sociedade FF & Filhos, Limitada, aqui terceira ré, com sede também em ..., ..., de que estes são os únicos gerentes e sócios maioritários da sociedade (cfr. certidão de fls. 1038/1044, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

       

6. (F) - Até 15 de Outubro de 2006, a contabilidade da autora sempre foi efectuada naquela sociedade, FF & Filhos, Limitada, por pessoas da confiança dos réus e que obedeciam às instruções destes.

 

7. (G) - Os restantes sócios da sociedade solicitaram aos réus, por cartas, datadas de 26 de Abril de 2005, que estes receberam, a entrega da documentação relativa à escrita da sociedade autora (cfr. doc. de fls. 83/90, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

       

8. (H) - Os réus BB e DD não deram qualquer resposta aos pedidos feitos nas cartas.

    

9. (I) - No dia 31 de Maio de 2005 teve lugar uma assembleia-geral e, com o voto favorável dos restantes sócios e os votos contra dos réus, foi deliberado o seguinte:

       

A - (…);

           B - Deliberado instaurar uma acção contra os sócios gerentes, BB e DD, destinada a obrigar que os mesmos procedam à entrega de toda a documentação relativa à sociedade na sede social referida em A);

        C – (…) (cfr. certidão de fls. 1045/1050, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

        10. (J) - As deliberações tomadas na assembleia-geral referida em 9. foram objecto de impugnação, pelos réus, a qual foi julgada improcedente por sentença transitada em julgado (cfr. certidão de fls. 1051/1065).

        11. (L) - LL e MM convocaram, por cartas registadas com aviso de recepção, expedidas em 9 de Novembro de 2005, uma assembleia-geral da sociedade autora, para o dia 26 de Novembro de 2005, com a seguinte Ordem do Dia:

        1. Deliberar destituir, com justa causa, de gerentes da sociedade os sócios BB e DD que, de facto, têm sido quem tem gerido a sociedade, sem darem qualquer satisfação aos restantes gerentes, em face de se ter descoberto que as receitas sociais têm vindo a ser afectas a fins e à satisfação de custos estranhos à sociedade e em virtude destes não procederem ao depósito/entrega de toda a documentação e demais elementos relativos à escrituração social na sede social nos termos deliberados na assembleia-geral da sociedade realizada no dia 30 de Maio de 2005;

        2. Discussão das medidas tendentes a regularizar a situação do capital social através da divisão, em partes iguais, por todos os herdeiros, das quotas que pertenciam aos falecidos sócios FF e II, divisão a ser efectuada em simultâneo com o aumento do capital social para €5.000 Euros, por subscrição em dinheiro de todos os sócios da quantia global de €1.508,41, a realizar até 30 de Novembro de 2005, de modo a que o capital passe a ser de €5.000 (cinco mil Euros) dividido em cinco quotas no valor nominal de € 1000 Euros cada uma.

        3. Deliberar dar a seguinte nova redacção ao artigo relativo à composição do contrato de sociedade: o capital social é de 5.000 Euros repartido por cinco quotas iguais, no valor de 1.000 Euros cada uma, de que são titulares os sócios LL, MM, JJ, BB e DD (cfr. documentos de fls. 114/119, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

        12. (M) - Os réus BB e DD, apesar de terem recebido a convocatória, não compareceram à reunião da assembleia-geral.

        13. (N) - Na referida assembleia-geral foi aprovada a deliberação de destituição, com justa causa, de gerentes dos réus, não tendo sido tomada qualquer deliberação relativamente aos restantes pontos da ordem do dia pois a divisão das quotas dos falecidos sócios, FF e II, só seria possível mediante a presença e a manifestação de um acto de vontade dos réus.

        14. (O) - No que respeita ao primeiro ponto da Ordem do Dia da assembleia-geral de 26 de Novembro de 2005 – a destituição dos réus BB e DD, com justa causa, de gerentes da sociedade – foi votada a seguinte proposta:

        “1. Considerando que os sócios gerentes BB e DD têm, desde sempre, os únicos gerentes de facto da sociedade, apesar de esta possuir formalmente outros gerentes a quem são sonegados todos os elementos de informação sobre a vida da sociedade;

         2. Considerando que os referidos BB e DD sempre recusaram o acesso a toda a documentação relativa à escrita da sociedade apesar de tal ter sido solicitado por carta de 26 de Abril de 2005 e objecto de deliberação na assembleia-geral de 31 de Maio de 2005;

         3. Considerando que os referidos gerentes se recusam a entregar a documentação;

         4. Considerando que o acesso à escrita é absolutamente fundamental para que os demais sócios e gerentes possam comprovar a existência das graves suspeitas sobre as irregularidades praticadas pelos sócios gerentes BB e DD já denunciados na carta datada de 26 de Abril de 2005 e a que não foi dada qualquer resposta;

         5. Considerando que os referidos gerentes são os únicos que movimentam os cheques da sociedade e que se veio a verificar recentemente que foram transferidas, antes do início de 2005, em data concreta, que se ignora por não se ter acesso à escrita, para a sociedade HH – .... & ... & Filhos, Limitada a quantia de €200.000 (duzentos mil Euros), sociedade de que os sócios gerentes BB e DD são gerentes;

         6. Considerando que a sociedade tem, pelo menos, cerca de 100.000 Euros de rendas por ano e que a sociedade tem despesas insignificantes, pelo que não há qualquer razão para a sociedade não possuir qualquer quantia significativa em bancos, nem em caixa;

         7. Considerando que, em 28 de Fevereiro de 2005, foram transferidas, por ordens dos sócios gerentes BB e DD, para a sociedade ... & Filhos, Limitada a quantia de €75.000 (setenta e cinco mil Euros) e em 4 de Agosto de 2005 mais a quantia de €40.000 (quarenta mil Euros);

         8. Considerando que, desde 1989, a sociedade nunca distribuiu dividendos, sendo certo que a mesma se tem dedicado à mera administração de bens e as rendas recebidas totalizaram cerca €950.000 (novecentos e cinquenta mil Euros).

         9. Considerando que existem suspeitas fundadas – que só a análise da documentação e escrita da sociedade poderá permitir confirmar – que houve outras receitas e proveitos da sociedade que não foram utilizados para custear actividades desta.

         Propõe-se

         A destituição, com justa causa, de gerentes da sociedade dos sócios BB e DD (cfr. certidão de fls. 1066/1078, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

         15. (P) - A proposta referida em 14. foi aprovada.

         16. (Q) - Os réus BB e DD impugnaram as deliberações tomadas na assembleia-geral de 26 de Novembro de 2005 e suscitaram o incidente da suspensão das mesmas.

         17. (R) - Incidente que foi julgado improcedente, por sentença judicial de 7 de Julho de 2006, que transitou em julgado em virtude de não ter sido impugnada pelos réus BB e DD (cfr. certidão de fls. 1324/1356, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

         18. (S) - A assembleia-geral de 26 de Novembro de 2005 havia sido precedida de uma outra assembleia-geral, realizada em 1 de Outubro de 2005, cuja convocação foi da iniciativa dos réus BB e DD.

         19. (T) - Os restantes sócios da sociedade autora receberam dos réus, na segunda quinzena de Setembro de 2005, a convocatória para a realização, no dia 1 de Outubro de 2005, de uma assembleia-geral, cujo único ponto da ordem de trabalhos era o seguinte:

         Aumento do capital social para o mínimo legal e consequente alteração do contrato de sociedade no que respeita aos artigos relativos ao capital social, sócios e quotas.

         Os réus BB e DD convocaram esta assembleia-geral porque tinham recebido, em 7 de Julho de 2005, um ofício da Conservatória do Registo Comercial de Santa Maria da Feira onde era comunicado que o capital social da autora deveria ser redenominado e aumentado para o mínimo legal de €5.000,00 (cinco mil euros).

         Mas na convocatória não se aludia à modalidade do aumento (cfr. docs. de fls. 163 e de fls. 570, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

         20. (U) - Num dos últimos dias do mês de Setembro de 2005, em dia que não é possível precisar, mas, necessariamente após ter sido recebida a convocatória, o sócio MM, acompanhado do filho, NN, dirigiu-se às instalações da sociedade FF & Filhos, Limitada, e pediu para ver a documentação relativa à escrita da autora desse exercício (2005).

         21. (V) - Os restantes sócios da autora opuseram-se nos seguintes termos:

         “a) votam contra qualquer deliberação de aumento de capital, enquanto não for reposta a situação de legalidade no interior da sociedade;

          b) tal reposição da legalidade passa pelo reconhecimento de que a sede da sociedade fica localizada na Avenida Principal n.ºs ... e ... e ainda pela permissão do acesso à escrita e demais documentos relativos às operações sociais, acesso que tem vindo a ser negado pelos sócios gerentes BB e DD;

          c) o acesso à escrita é absolutamente fundamental para que os demais sócios e gerentes possam comprovar a existência das graves suspeitas sobre as irregularidades praticadas pelos sócios gerentes BB e DD já denunciados na carta datada de 26 de Abril de 2005 e a que não foi dada qualquer resposta.

          d) já após aquela carta de 26 de Abril de 2005, descobriu-se que existem provas documentais de desvios de avultadas quantias de dinheiro pelos sócios gerentes BB e DD para a sociedade FF & Filhos, Limitada, existindo suspeitas fundadas que todas as receitas da sociedade foram e estão a ser afectas a fins e custos estranhos à sociedade;

          e) a sociedade não exerce qualquer actividade, a não ser o mero recebimento de rendas, desde há muitos anos, devido ao modo como tem sido gerida pelos sócios BB e DD;

          f) em face de toda a situação descrita, a dissolução da sociedade será um mal menor, já que a liquidação judicial permitirá apurar todas as apontadas ilegalidades e responsabilizar os seus requerentes” (cfr. certidão de fls. 1074/1076, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

          22. (X) - Em 9 de Outubro de 2001, o falecido pai dos réus, que já então tinha quase 90 anos de idade, assinou uma convocatória para a realização de uma assembleia-geral, onde na ordem de trabalhos constava a aprovação das contas referentes ao exercício de 2000 e o aumento do capital social por incorporação de reservas de 700.000$00 para 1.002.410$00 (cfr. documento de fls. 165, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

          23. (Z) - A referida assembleia-geral que estava marcada para o dia 29 de Outubro de 2001, foi desconvocada por carta datada de 26 de Outubro de 2001, onde se informava que a Assembleia se iria realizar em dia a determinar (cfr. documento de fls. 167, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

          24. (AA) - Entre Maio e Setembro de 2006, os primeiro e segundo réus procederam à entrega da documentação contabilística relativa aos anos de 1996 a 2000; em 15 de Setembro de 2006 entregaram a documentação contabilística relativa ao ano de 2001; em 30 de Setembro de 2006 entregaram a documentação relativa aos anos de 2002 e 2003 e, em 15 de Outubro de 2006, entregaram a documentação relativa aos anos de 2004, 2005 e parte da referente ao ano de 2006.

          25. (AB) - Com o intuito de aumentarem o capital social da autora, foi convocada, em 15 de Maio de 2006, por outros dos gerentes da autora, uma assembleia-geral, com a seguinte ordem do dia:

          1. Deliberar o aumento do capital social por incorporação de reservas livres e de reavaliação, de 700.000$00, ou seja, 3.491,59€, para 5.005,00€, elevando-se o valor de cada quota, no montante de 100.000$00 (cem mil escudos), a que correspondem 498,80€, para o valor de 715,00€.

          2. Caso os sócios da sociedade, BB e DD, não procedam à entrega dos elementos de escrituração da sociedade, a fim de serem encerradas as contas e, consequentemente, aprovado o balanço a que se refere o n.º 2 do artigo 91.º do Código das Sociedades Comerciais, conforme carta que hoje lhes foi enviada e que se anexa à presente convocatória, deliberar o aumento do capital social, em dinheiro de 700.000$00 (setecentos mil Escudos) até 15.000 Euros, reservado aos actuais sócios (cfr. doc. de fls. 238 e 239, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

          26. (AC) - Os primeiro e segundo réus maridos instauraram uma providência cautelar de suspensão de deliberações sociais que correu termos pelo 2.º Juízo Cível deste Tribunal, sob o n.º 4.936/06.7TBVFR-A. Na petição inicial apresentada, escreveram os aí requerentes:

          “71.º

            Os autores não compareceram na reunião da assembleia-geral da sociedade ré, nem se fizeram representar, dado estarem convencidos que o melhor caminho é a dissolução da sociedade.

            72.º

            E assim, não lhes interessa a viabilização da sociedade através do aumento do capital, que nos termos da lei apenas é possível pela concorrência dos seus votos (cfr. certidão de fls. 1232/1263 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

            27. (AD) - Porque na impugnação da assembleia-geral de 30 de Maio de 2006, os primeiro e segundo réus maridos invocaram vários vícios de procedimento, entre os quais a inobservância do prazo legal de convocação da referida assembleia, os gerentes da sociedade autora, MM e LL, convocaram, em 21 de Junho de 2006, uma nova assembleia-geral, para ser realizada em 7 de Julho de 2006, com a seguinte ordem do dia:

            Deliberar renovar, com efeito retroactivo, todas as deliberações tomadas na reunião da assembleia geral realizada no passado dia 30 de Maio de 2006, a fim de sanar o putativo vício de procedimento, traduzido na não convocação da reunião com a antecedência prevista no artigo 248.º n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais (cfr. doc. de fls. 250 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

            28. (AE) - Os primeiro e segundo réus maridos não compareceram à assembleia onde foi deliberado renovar a deliberação tomada na assembleia de 30 de Maio de 2006 – aumentar o capital social da autora para os €15.000,00 (quinze mil euros) (cfr. certidão de fls. 1152/1154, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

            29. (AF) - Apesar de não terem comparecido na aludida assembleia, os primeiro e segundo réus maridos suscitaram, uma vez mais, o incidente da suspensão das deliberações sociais tomadas e instauraram a respectiva acção de anulação, processos que correm termos pelo 2.º Juízo Cível deste Tribunal, sob o n.º 6.090/06.5TBVFR, e respectivo apenso A (cfr. certidão de fls. 883/888, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

            30. (AG) - Na petição da acção de anulação referida em 2.1.29), os primeiro e segundo réus maridos voltaram a afirmar, nos números 71.º e 72.º daquele articulado:

            “71.º

              Os autores não compareceram na reunião da assembleia-geral da sociedade ré, nem se fizeram representar, dado estarem convencidos que o melhor caminho é a dissolução da sociedade.

              72.º

              E assim, não lhes interessa a viabilização da sociedade através do aumento do capital, que nos termos da lei apenas é possível pela concorrência dos seus votos” (cfr. certidão de fls. 883/888 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

            31. (AH) - Os primeiro e segundo réus maridos instauraram, em Maio de 2006, uma acção que corre termos pelo 3.º Juízo Cível deste Tribunal sob o processo n.º 3.575/06.7TBVFR, onde peticionam a dissolução da autora (cfr. documento de fls. 266/276, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e certidão de fls. 891).

            32. (AI) - A sociedade “FF & Filhos, Limitada”, aqui terceira ré, tem o capital social de 350.000 Euros e nele os primeiro e segundo réus maridos, além de gerentes, são titulares das seguintes quotas:

            a) BB é titular de três quotas no valor nominal, cada uma, de 50.000 Euros;

            b) DD é titular de uma quota no valor nominal de 50.000 Euros, ou seja detêm a maioria do capital social (cfr. doc. de fls. 282/287).

            A terceira ré, “FF & Filhos, Limitada” sempre apresentou lucros e nomeadamente nos exercícios de 2001, 2002, 2003 e 2004 - documentos n.ºs 51 e 52.

            33. (AJ) - O valor dos seus capitais próprios foi, em 2004 e 2005, de €2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros) (cfr. documentos de fls. 288/319, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

            34. (AL) - Tal sociedade tem tido um “cash flow” largamente positivo, no valor de centenas de milhares de euros por ano.

            35. (AM) - Os primeiro e segundo réus maridos justificaram que aquela transferência correspondia a um “empréstimo” que a sociedade autora tinha feito à terceira ré, “FF & Filhos, Limitada”.

            36. (AN) - A sociedade autora suportou as despesas com o pagamento do prémio de seguro de incêndio de um edifício de restaurante que pertence ao réu BB, desde 24 de Maio de 1994, data em que, por escritura notarial celebrada no Cartório Notarial de Ovar, o mesmo foi doado, e que atingiram o montante global de €1.037,00 (mil e trinta e sete euros) durante os exercícios de 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005 (cfr. certidões de fls. 1155/1177, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

            37. (AO) - A sociedade autora suportou várias despesas efectuadas pelos réus BB, DD e CC referentes a bens e serviços adquiridos ou em benefício destes réus e seus cônjuges ou descendentes, e que totalizaram a quantia de 33.735$00, ou seja, €168,26 (cento e sessenta e oito euros e vinte e seis cêntimos), cujas facturas se encontram emitidas em nome da primeira ré mulher, CC – (cfr. certidões de fls. 1178/1197, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

            38. (AP) - A sociedade autora é dona de um prédio sito na Rua Principal de ..., s/ número, no centro de ..., prédio esse composto por um rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, que tinha sido ocupado, desde há anos, pela Comissão de Melhoramentos de ..., aqui quarta ré.

            39. (AQ) - A Comissão de Melhoramentos de ... está inactiva desde o início da década de noventa (cfr. documento de fls. 352, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

            40. (AR) - Por documento datado de 1 de Fevereiro de 2000, os réus BB e DD declararam dar de arrendamento o prédio id. em 38), à Comissão de Melhoramentos de ..., e esta declarou, que tomava o prédio de arrendamento, tendo sido estabelecida a renda mensal de cinco euros.

            41. (AS) - Por carta datada de 29 de Dezembro de 2005, assinada por BB, este solicitou à Comissão de Melhoramentos de ... o pagamento das rendas desde o início do contrato referido em 40) (cfr. doc. de fls. 357, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

            42. (AT) - Com data de 31 de Dezembro de 2005, foi lançado a crédito, o valor das rendas dos cinco anos, ou seja, €355,00 (trezentos e cinquenta e cinco euros) (cfr. doc. de fls. 359, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

            43. (AU) - No âmbito da HH, em 19/12/1997, escreveu o falecido FF aos seus filhos, LL, JJ e MM, após renúncia destes à gerência, acto que não repetiram em relação à autora, o seguinte (o teor varia apenas

para se adaptar a missiva ao facto de ser um destinatário ou uma destinatária):

            “Acusamos a recepção da missiva de V. Exa., datada de 04 de Dezembro de 1997. No que ao seu conteúdo respeita, cumpre-nos comentar:

              1. O “incidente desagradável” de que bem nos recordamos consistiu no súbito e inexplicado abandono, por parte de V. Exa., das responsabilidades que nesta empresa lhe advinham da qualidade de sócio e gerente.

              2. Nunca foi V. Exa. marginalizado – simplesmente, alheou-se voluntária e completamente das suas responsabilidades enquanto sócio e gerente.

              3. Só agora V. Exa. se digna contactar os seus co-gerentes, sendo certo que nunca lhe foram negados os seus direitos enquanto sócio e gerente, designadamente o direito à informação.

              4. Diga-se, aliás, em abono da verdade, que o único elo que V. Exa. tem perseverado em manter com a sociedade, é aquele que se renova a cada fim do mês, quando recebe a respectiva remuneração – e esperamos que nos faça a justiça de não afirmar que tem sido “compulsivamente” obrigado a aceitá-la.

              5. Acrescente-se ainda que a conduta de V. Exa. de completa omissão do cumprimento das obrigações legais e estatutárias de gerente constituía fundamento de destituição com justa causa, destituição que nunca se promoveu em homenagem aos valores familiares que, apesar de todas as ocorrências, ainda teimamos em defender e cuja preservação parece ser indiferente para V. Exa., como se comprova uma vez mais.

              6. No que à sua renúncia à gerência respeita, cumpre-nos informar que a mesma se efectivará assim que se ache decorrido o prazo de oito dias, contado a partir da recepção da missiva de V. Exa., datada de 04 de Dezembro de 1997.”.

            44. (AV) - Os sócios da autora, LL, JJ e MM intentaram, em 02/12/2002, neste tribunal, a acção especial de inquérito judicial à sociedade autora que correu termos com o n.º 1497/2002, do 2.º Juízo Cível, tendo a respectiva sentença, que considerou a acção improcedente, transitado em julgado.

            45. (AX) - A Comissão de Melhoramentos de ... – CML – foi constituída por escritura pública de 12 de Abril de 1990 e é nesse local que desde a sua constituição tem a sua sede (cfr. doc. de fls. 689/703 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

            46. (AZ) – A instauração da presente acção contra os primeiro e segundo réus maridos resultou da deliberação tomada em assembleia-geral realizada no dia 05/12/2006 (cfr. documento – acta – de fls. 361/365, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

            47. (1º) - Apesar de ter o objecto indicado em 1., a Autora, desde a sua constituição, em 21 de Maio de 1973, sempre se dedicou exclusivamente apenas à compra, construção e subsequente administração de bens próprios.

            48. (2.º, 22.º e 47.º) - Não obstante o indicado em 4., a sociedade autora era, de facto, exclusivamente administrada pelos primeiro e segundo réus maridos, bem assim pelo pai de ambos, FF, até ao seu falecimento, ocorrido no dia 28 de Abril de 2003, que eram quem recebia as receitas da sociedade, compostas exclusivamente por rendas, e ainda quem dava destino e aplicação aos proveitos.

            “Provado apenas que os restantes sócios e gerentes desde o ano de 1999 até Maio de 2006 não tiveram acesso à documentação relativa às operações sociais da sociedade autora.” – resposta ao quesito 3º[2] - alterado a fls. 2051 do Acórdão.

            49. (4.º, 30.º, 31.º, 32.º e 33.º) – Desde pelo menos 18 de Abril de 2006, os restantes sócios da sociedade autora solicitaram novamente aos réus BB e DD, por diversas vezes, por escrito, o acesso à escrita e demais documentação da sociedade autora, sendo que tal pretensão foi parcialmente satisfeita no dia 25 de Maio de 2006, no respeitante à documentação de suporte e lançamentos contabilísticos do exercício de 1996, e apenas foi integralmente satisfeita pelos referidos réus, designadamente no que se refere aos elementos contabilísticos relativos aos anos de 2001 a 2006, após a formalização de transacção judicial no âmbito do processo de Procedimento Cautelar n.º 3575/06.7TBVFR-A, que correu termos pelo 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, formalização aquela que aconteceu no dia 4 de Setembro de 2006, conforme documento de fls. 232 a 236, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, tendo sempre os referidos réus exigido que os restantes sócios da autora assinassem, uma a uma, fotocópias dos documentos entregues, a título de recibo, e onde eram obrigados a apor declaração de recebimento, procedimento que demorou horas em número não exactamente apurado.

            50. (5.º) – Os primeiro e segundo réus maridos, desde pelo menos o exercício de 2000, nunca convocaram qualquer assembleia-geral para aprovação das contas da sociedade autora. – alterada no Acórdão – fls. 2052.

            51. (6.º) - Por causa da factualidade referida em 7. e 8., foi convocada, por dois dos gerentes da autora, JJ e MM, uma assembleia-geral, para o dia 31 de Maio de 2005, de cujos pontos da ordem do dia fazia parte:

            1. (…);

            2. (…);

            3. Deliberar instaurar acção contra os sócios gerentes, BB e DD destinada a obrigar que os mesmos procedam a entrega de toda a documentação relativa à sociedade na sede social referida em 2) (documento de fls. 91/94, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

            52. (7.º) - A assembleia-geral foi convocada para a sede da autora com a antecedência de 30 dias, justamente para permitir que os réus depositassem, na sede social, a documentação relativa às operações sociais, conforme lhes tinha sido solicitado através das cartas referidas em 7.

            53. (8.º) - No momento referido em 20. não foram entregues os documentos de suporte dos lançamentos contabilísticos, mas apresentada uma pasta com balancetes e algumas contas-correntes, entre as quais a conta-corrente com a FF & Filhos, Limitada onde a mesma figura como devedora à autora da importância de €315.000,00.

           54. (9.º) - Foi deste modo que os restantes sócios da autora descobriram que o primeiro e segundo réus maridos transferiram €315.000,00 de fundos para a sociedade ré “FF & Filhos, Limitada”.

           55. (10.º) - Transferência efectuada sem que os réus tivessem dado qualquer conhecimento ou satisfação aos restantes sócios gerentes da autora.

           56. (15.º) – A acta respeitante à assembleia-geral realizada no dia 1 de Outubro de 2005 foi redigida a partir de um apontamento ditado por um dos filhos dos réus, que é advogado.

           57. (20.º) - Os restantes sócios gerentes da sociedade aguardaram, durante mais de um mês, após a assembleia-geral de 1 de Outubro de 2005, que o primeiro e segundo réus maridos entregassem a documentação de suporte de todos os lançamentos contabilísticos realizados na sociedade autora.

           58. (21.º) – Continuando a verificar-se a falta de entrega pelos primeiro e segundo réus maridos de toda a documentação aludida em 57., os sócios gerentes da autora, LL e MM, convocaram a assembleia-geral identificada em 11.

           59. (23.º) - Apesar do teor da carta de 26/10 referida em 2.1.23), a assembleia-geral para o aumento de capital nunca mais foi convocada, apesar de os restantes sócios da autora terem dirigido a esta carta datada de 13 de Fevereiro de 2002, correspondente ao documento de fls. 169, na qual, para além que aqui se dá por reproduzido, se dizia “Até ao presente momento ainda não recebemos nada, o que nos surpreende”.

           60. (26.º) - Por cartas registadas com aviso de recepção, datadas de 18 de Abril de 2006, solicitaram, de novo, aos réus BB e DD, o envio urgente da escrita da sociedade autora (cfr. docs. de fls. 170/175, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

           61. (27.º) - Cartas a que os réus não deram qualquer resposta.

           62. (28.º) - Idêntica solicitação foi feita ao contabilista da sociedade por carta datada de 19 de Abril de 2005, que também não respondeu nem entregou a escrita (cfr. doc. de fls. 177, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

           63. (29.º) - Por carta datada de 15 de Maio de 2006, foram, de novo, solicitadas

aos primeiro e segundo réus maridos, os elementos de escrita indispensáveis à aprovação das contas para ser aprovado o aumento de capital social da sociedade autora (cfr. doc. de fls. 179 e 181, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

           64. (36.º) - Porque quando a assembleia-geral referida em 25. foi convocada, os primeiro e segundo réus maridos ainda não tinham entregue a documentação contabilística da sociedade autora, o aumento do capital social teve de ser deliberado por subscrição e realização em dinheiro.

           65. (37.º) - Mas foi expressamente previsto que o direito de preferência dos primeiro e segundo réus maridos seria salvaguardado, já que se manteriam idênticas as posições relativas na participação do capital social da autora (cfr. certidão de fls. 1146/1149, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

           66. (38.º) - Os primeiro e segundo réus maridos, durante os anos de 2004 e 2005, transferiram o montante global de €315.000,00, pertencente à sociedade autora, para a sociedade ré “FF & Filhos, Limitada”, que fizeram constar na conta-corrente respeitante àquela sociedade, nos seguintes termos:

           a) empréstimo de €200.000,00, reportado a Dezembro de 2004;

           b) depósito de €75.000,00, reportado a Fevereiro de 2005;

           c) empréstimo de €40.000,00 reportado a Setembro de 2005.

           67. (40.º) - Da factualidade referida em 36. e 37., a Autora só teve conhecimento após o referido em 24.

           68. (43.º) - Desde o momento referido em 24. que os actuais gerentes da A. têm vindo a tentar reconstituir a contabilidade da autora, começando pelo ano de 1996 até ao ano de 2005, relativamente ao qual os documentos apenas foram entregues em 15 de Outubro de 2006.

           69. (44.º) - Foi indispensável fazer uma análise rigorosa dos milhares de documentos entregues, tendo-se optado pela solução de submeter, numa única assembleia-geral, a aprovação da rectificação às contas dos exercícios de 2003 a 2005 (contas organizadas pelos réus BB e DD), em conjunto com a apreciação do relatório de gestão e das contas referentes ao exercício de 2006.

           70. (45.º e 46.º) – Em data não exactamente apurada do ano de 1989, os sócios LL, JJ e MM incompatibilizaram-se com os seus pais e com os réus BB e DD.

           71. (48.º) - Entre 1973, data da constituição, e 1988/89, os sócios LL, JJ e MM participavam, activa, regular e normalmente na gestão da sociedade autora, por si, ou por delegação de poderes nos seus cônjuges.

           72. (49.º) - Regularmente, a sócia LL delegava esses poderes no marido, Bernardino Ferreira da Silva Lamas, e a sócia JJ, da mesma forma regular, delegava esses poderes no marido, Carlos Augusto Correia Dias.

           73. (50.º) – Os sócios referidos em 71., em 18 de Outubro de 2001, procederam à análise dos documentos de prestação de contas do exercício de 2000, respeitantes à sociedade autora.

           74. (54.º) - Os RR. BB e DD convenceram-se que, dado o longo historial de conflitos que existia entre os dois grupos de sócios, seria mais seguro, quer no processo de dissolução judicial, quer noutro anunciado na deliberação da Assembleia Geral de 31/05/2005, para a preservação do seu bom nome e dignidade, entregar a vasta documentação referida em 24. apenas em tribunal.

           75. (56.º) - A transferência de € 315.000,00 mencionada em 53. a 55. e 66. visou a satisfação de encargos diversos da sociedade ré “José de Almeida & Filhos, Lda.”, nomeadamente com fornecedores e salários dos seus trabalhadores.

           76. (57.º) - O logradouro do prédio id. em 38. tem cerca de 300 metros quadrados e encontra-se no estado retratado pela fotografia de fls. 710, cujo teor se dá por reproduzido.

           77. (58.º) - E o rés-do-chão desse prédio está arrendado a inquilino que ali exerce, há dezenas de anos, o comércio de drogaria e utilidades diversas.

           78. (59.º) - O primeiro andar do referido prédio encontra-se no estado documentado pelas fotografias de fls. 711 a 715, cujo teor se dá por reproduzido.

           79. (61.º e 62.º) - A Comissão de Melhoramentos de ... participou activamente no processo de promoção de ... que culminou na sua elevação a cidade.

           80. (63.º) – Durante período de tempo não concretamente apurado, a Comissão de Melhoramentos de ... utilizou a sua sede para reuniões de Direcção e outras actividades esporádicas.

           81. (64.º) - O documento referido em 40. foi redigido e assinado em data não exactamente apurada, embora ulterior à data que ostenta (1 de Fevereiro de 2000), sendo que as diversas cláusulas que nele constam correspondem à manifestação da vontade real das partes contratantes.

           82. (69º) – A Comissão de Melhoramentos de ... não cobra jóias nem quotas desde há vários anos e não apresenta contas nas finanças.

           83. – Na assembleia-geral da autora, de 5 de Dezembro de 2006, foi deliberado instaurar acção judicial destinada a excluir os sócios BB e DD (cfr. documento de fls. 361 a 365, cujo teor se dá por reproduzido).

                                                           

            Fundamentação:

            Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

            - se os 1ºs e 2ºs RR. não agiram de modo culposo, nem prejudicaram a Autora, uma vez que, sendo a Autora e a 3ª Ré (entretanto declarada insolvente) empresas familiares, a actuação da Autora e a deles próprios,  foi sempre norteada pelo objectivo de obviar à  difícil situação económica da 3ª Ré – questão de fundo comum aos dois recursos;

             - quanto ao Réu/recorrente AA: se ocorre nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, por o Acórdão ter considerado que os empréstimos feitos pela Autora, através dos 1ºs e 2ºs RR., se destinaram a fazer face aos problemas de tesouraria da 3ª Ré (“HH”) e depois veio a considerar que a actuação daqueles sócios e gerentes foi lesiva da Autora importando a condenação de que foram alvo.

            - quanto ao recurso subordinado, importa saber se o contrato denominado de arrendamento, celebrado entre a Autora e a 4ª  Ré, foi simulado.

            Vejamos:

            Como referimos, o recurso do recorrente DD será apreciado quanto à questão de fundo conjuntamente com a coincidente argumentação do co-recorrente AA.

Antes de mais importa dizer que o Tribunal não tem que apreciar argumentos mas questões; as extensas e prolixas conclusões do recorrente AA envolvem muitos argumentos, mas apenas uma questão processual e uma questão de fundo.

Nos termos do nº2 do art. 660º do Código de Processo Civil, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e só elas, a menos que a lei lhe imponha o conhecimento oficioso de outras.

A propósito do significado da proposição conceitual “resolver todas as questões” – Lebre de Freitas/ Montalvão Machado/Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol.2ª, pág. 646 ponderam:

 “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (art. 511-1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 664) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas (Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado” cit., V, p. 143)”.

            Quanto à questão da nulidade por alegada contradição entre fundamentos e decisão.

            Nos termos do art. 668º, nº1, c) do Código de Processo Civil, a que corresponde o art. 615º do Novo Código de Processo Civil, existe tal contradição quando os argumentos factuais e jurídicos, onde assenta a fundamentação, apontam num sentido que é contrariado, em termos de lógica e razoabilidade, pela decisão que, por isso, com ela não se harmoniza.

            Salvo o devido respeito, o Acórdão não enferma de tal vício.

A afirmação em causa, sendo um dado de facto, não foi sequer o único fundamento invocado como causa de pedir da acção de onde promana o recurso. Muitos outros factos foram alegados e provados e na sua lógica concatenação conduziram ao julgamento.

 A acusada contradição é um vício processual da sentença (também dos acórdãos) que a proceder implica nulidade; realidade diferente será o erro de julgamento. O recorrente, como evidenciam as suas extensas alegações, discorda veementemente do julgamento. Nessa perspectiva poderia considerar ter ocorrido erro de julgamento. Não existe nulidade porquanto o raciocínio lógico-argumentativo da decisão não encerra contradição; os comportamentos imputados ao recorrente, no julgamento das instâncias, conduziriam “harmoniosamente” à decisão tomada que com ela não colide.

            Apreciando a questão de fundo:

            - se os factos revelam que os 1ºs e 2ºs RR., enquanto sócios-gerentes da Autora, praticaram actos de gestão, lesivos da sociedade, a justificar a sua exclusão de sócios da Autora e a pagar as quantias em que foram condenados:

            - quanto ao recurso subordinando, se os factos demonstram que o negócio de arrendamento celebrado entre a Autora e a 4ª Ré foi um negócio simulado.

            Importa, de modo sucinto, convocar a factualidade provada em que assentou a decisão das instâncias no que respeita à imputação aos RR./recorrentes de actuação  lesiva dos interesses da sociedade Autora de que eram sócios e gerentes e favorecimento da sociedade 3ª Ré (designada repetidamente no processo por “HH”) da qual eram sócios maioritários.

            Os réus BB e DD eram sócios e gerentes da autora “Sociedade Predial AA & Filhos, Lda.”, tal como eram sócios e gerentes da sociedade “FF & Filhos, Lda,”, entretanto declarada insolvente.

Estes dois réus, durante os anos de 2004 e 2005, transferiram o montante global  € 315.000,00, pertencente à sociedade autora, para a sociedade “FF & Filhos, Limitada”, que fizeram constar na conta-corrente respeitante àquela sociedade, nos seguintes termos:

a) empréstimo de € 200.000,00, reportado a Dezembro de 2004;

b) depósito de € 75.000,00, reportado a Fevereiro de 2005;

c) empréstimo de € 40.000,00 reportado a Setembro de 2005 – cfr. n° 66.

Esta transferência visou a satisfação de encargos diversos da sociedade “... & Filhos, Lda.”, nomeadamente com fornecedores e salários dos seus trabalhadores, mas da mesma os réus não deram, na altura, qualquer conhecimento ou informação aos restantes sócios-gerentes da autora. Estes só dela vieram a ter conhecimento no seguimento da análise que fizeram da documentação da Autora – cfr. nºs 53, 54, 55 e 75.

Decorre ainda dos factos provados, que a sociedade Autora suportou despesas com o pagamento do prémio de seguro de incêndio de um edifício de restaurante que pertence ao réu BB, desde 24 de Maio de 1994, que atingiram o montante global de € 1.037,00 durante os exercícios de 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005.

Tal como suportou várias despesas efectuadas pelos Réus BB, DD e CC referentes a bens e serviços adquiridos em benefício destes Réus e seus cônjuges ou descendentes, e que totalizaram a quantia de 33.735$40, ou seja, € 168,26.

            Pese embora as extensas alegações do co-réu AA (119) a questão fulcral que suscita é que não praticou actos ilícitos de gestão tendo em conta que a Autora e a 3ª Ré eram sociedades familiares e que as transferências de verbas da Autora para esta (que veio a ser declarada insolvente), apenas visava a sua recuperação financeira, adiantando mesmo que a Autora não era mais que um veículo destinado a centrar operações cujo núcleo e centro de decisão das sociedades em “grupo familiar” competia à 3ª Ré; os RR., ora acenam com o carácter familiar da Autora e da terceira Ré para justificarem os seus actos de gestão, ora esgrimem com as tensas relações entre eles e os seus familiares e consequentes repercussões na vida da duas sociedades.

            Brandem, ainda, com o argumento de que os demais RR. se demitiram  de gerir os destinos desta 3ª sociedade dando assim uma presunção de consentimento aos demais sócios, pelo que excluída está qualquer ilicitude da sua actuação - cfr. conclusão CCCC das alegações.

            Por via de tal demissão, aduzem, nem sequer estavam obrigados a informar os demais sócios-gerentes, sobretudo a partir do que apelidam “cisma” familiar de 1989.

            A apreciação das imputações feitas pela Autora aos 1º e 2ªs RR. – convoca, além das regras da responsabilidade civil, as normas dos arts. 64º, (antes da alteração introduzida pelo DL. nº76-A/2006, de 29.3 - Reforma de 2006 – atenta  a data dos factos), 72º, e 242º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

 

            O art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, na redacção aplicável, estatuía:

 “Os gerentes, administradores ou directores de uma sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores”.

            Após a Reforma de 2006 o preceito passou a ter a seguinte redacção:

“1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:

a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado;

 b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.

Já na vigência desta redacção, Menezes Cordeiro, in “Código das Sociedades Comerciais” – 2009 – págs. 243 e 244 – em comentário àquele normativo, escreveu:

“Os administradores das sociedades têm, no essencial, dois deveres ou poderes-deveres: o de gestão e o de representação.

O 64.° reporta-se, antes, ao modo de concretização desses dois deveres e, ainda, de todas as restantes obrigações que lhes advenham da lei ou dos estatutos. […].

Na tradição nacional, a diligência traduz a medida de esforço exigível ao devedor, no cumprimento das obrigações.

Tal medida pode ser determinada em concreto ou em abstracto, remetendo para um bom cidadão comum (bonus pater famílias) ou para critérios mais exigentes. […]. O gestor criterioso e ordenado surge como uma bitola mais exigente do que a comum: requer um esforço acrescido, por se dirigir a especialistas fiduciários, que gerem bens alheios.

 Apesar de inserida no final do 64.°/1, a), a diligência dá corpo a todos os deveres dos administradores, explicando a intensidade requerida na sua execução. […].

No Direito das sociedades, a lealdade exprime o conjunto dos valores básicos do sistema que, em cada situação concreta, devam ser acatados pelos diversos intervenientes.

 Equivale, de certo modo, à ideia civil de boa fé.

 A lealdade aplica-se: (a) nas relações dos sócios com a sociedade e entre si, integrando a ideia básica de status do sócio; (b) nas relações da sociedade para com os sócios, implicando um alargamento ex bona fide da competência da assembleia geral; (c) nas relações dos administradores com a sociedade e com os próprios sócios, as quais estão, agora, em causa.

 Pela positiva, a lealdade obriga a seguir as regras do bom governo das sociedades (corporate governance).

A lei portuguesa, objectivamente tomada, remeteu essa matéria para os deveres de cuidado.

 No Direito português, os deveres de cuidado devem ser tomados como normas de conduta que densificam, à luz dos ditames do bom governo das sociedades, os deveres gerais de gestão.

 Afastam-se dos duties of care, próprios do negligence law, de onde foram retirados, em 2006, configurando-se como normas de procedimento.

 Modalidades. A lei especifica: (a) disponibilidade; (b) competência técnica; (c) conhecimento da actividade da sociedade: outros tantos deveres, não-taxativos, que dão um colorido geral a toda a actuação, essencialmente fiduciária, dos administradores.

Opera caso a caso: “adequados às suas funções”. Relevam a dimensão da sociedade, a actividade social, o pelouro, os objectivos fixados e os condicionamentos externos, jurídicos, económicos e sociais”.

Não obstante a primitiva redacção não enunciar de forma clara o princípio da “corporate govenance[3] ele estava contido na regra do “dever de cuidado e de diligência” imposta ao gerente a quem incumbe actuar segundo o padrão do “gestor criterioso e ordenado”, pautando a sua actuação pelos critérios da isenção e do agir de boa fé em vista da salvaguarda dos interesses da sociedade, “tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores”; de notar que nas als. a) e b) da redacção agora vigente do citado preceito se alude, de igual modo, a “diligência de um gestor criterioso e ordenado” e nos deveres de lealdade se apontam os interesses dos sócios, da sustentabilidade da sociedadetais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.

Antes, o art. 64º tinha como epígrafe “Dever de diligência”, após Reforma aparece como “Deveres fundamentais”, um plus de expressa maior exigência.

            Mantém-se actual o ensino de Raul Ventura e Brito Correia, in “Responsabilidade Civil dos Administradores”, pág. 118 e segs., quando escrevem:

 “Os deveres característicos do administrador, por cuja violação ele, como administrador, se constitui em responsabilidade civil para com a sociedade, vinculam-no em última análise por força dos actos de nomeação e aceitação para tal função, que integram o chamado contrato de administração. Trata-se, em regra, de relações obrigacionais entre a sociedade e o administrador que preexistem à violação. …A qualificação como obrigacional da responsabilidade civil do administrador para com a sociedade não obsta a que este, no exercício das suas funções, possa praticar actos que, segundo as normas do direito civil, constituam delitos civis em prejuízo da sociedade, sujeitos ao regime comum da responsabilidade delitual. E, em certos casos, é concebível que o mesmo facto possa ser qualificado como violação de obrigação e como delito civil, surgindo então o problema de saber qual a qualificação que deve prevalecer e qual consequentemente o regime de responsabilidade a aplicar.”

            O art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, antes e depois da Reforma de 2006, impõe a observância de deveres de cuidado, verdadeiros poderes-deveres dos gerentes ou administradores baseados numa relação de confiança (fiducia) que se estabelece entre a sociedade e quem a gere, seja no círculo das suas relações internas, seja nas relações externas com terceiros, sejam eles credores, entidades administrativas, trabalhadores ou quaisquer outros interessados. O dever de cuidado – duty of care – está ínsito na actuação do “gestor criterioso e ordenado” e no grau de diligência que esse standard postula.

            Comentando a formulação do art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, antes da Reforma, Fátima Gomes, in “Reflexões Em Torno dos Deveres Fundamentais dos Membros dos Órgãos de Gestão (e Fiscalização) das Sociedades Comerciais à Luz da Nova Redacção do artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais”, na obra “20 Anos de Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier”, volume II, Vária, escreve – pág. 551:

 “O art. 64.° do Código das Sociedades Comerciais tem sido entendido, pela doutrina nacional, como a norma jurídica que fundamenta a existência do dever de prosseguir o “interesse social”, na condução dos negócios societários, interesse esse que não se esgota na mera recondução ao interesse da sociedade, dos sócios e/ou dos trabalhadores.

Nesse sentido o conceito de interesse social tem sido utilizado de uma forma mais abrangente, que engloba em si a potencialidade de conciliação dos referidos interesses considerados numa perspectiva não meramente isolada face aos demais”.

            Referindo-se ao art. 64º, na redacção anterior à Reforma de 2006, Gabriela Figueiredo Dias, in “Código das Sociedades Comerciais Em Comentário”, Nº1, pág. 734 escreve:

 “Na anterior formulação do art. 64º, o critério do “gestor criterioso e ordenado” surgia, parece, como uma bitola objectiva de esforço e diligência sobre como fazer na execução (ou omissão) de tarefas concretas de administração. Assim continuará para a medida de exigência no cumprimento dos deveres gerais impostos ao administrador e, se for o caso, de uma corresponde ilicitude por incumprimento do dever.

Simultaneamente, fornecia o padrão geral para ajuizar da culpa (em abstracto) relativa ao comportamento do administrador, imputando censura ou reprovação à possibilidade de poder ter actuado de maneira diferente, de acordo com circunstâncias concretas e em função desse critério mais exigente do “gestor criterioso e ordenado”.

Mais exigente porque, em vez do critério comum civilístico da diligência de “um bom pai de família”, homem normal e medianamente cuidadoso e prudente, temos no art. 64º - agora: 1, a) quanto à imputação subjectiva do acto ao agente, uma bitola que nos remete para, nas palavras de Raul Ventura, “um gestor dotado de certas qualidades”. (destaque nosso)

A violação do dever contemplado no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais tem como sanção a responsabilidade civil dos gerentes para com a sociedade e a sua destituição com justa causa, verificados os requisitos da responsabilidade civil contratual já que, por força do art. 72º, nº 1, do referido Código, a sua culpa se  presume.

“Ora, importa sublinhar aqui que o art. 64.°, 1, desempenha no campo da responsabilidade uma dupla função: prevê deveres de cuidado e de lealdade que se traduzem em vários deveres objectivos de conduta cuja violação significa ilicitude; e circunscreve o critério da culpa: a “diligência de um gestor criterioso e ordenado”. Consequentemente, a norma do art. 64.° é fundamento autónomo de responsabilidade” - Coutinho de Abreu, in IDET Instituto das Empresas e do Trabalho, Colóquios, nº3, pág.30, “Deveres de Cuidado e de Lealdade dos Administradores e Interesse Social.

Com base nos comportamentos imputados aos 1ºs e 2ºs RR., a Autora peticionou, ao abrigo do art. 242º do Código das Sociedades Comerciais, além do mais, que fossem excluídos de seus sócios.

O nº1 do citado preceito estatui – “Pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes.”

Se antes citámos textos que se referem ao art. 64º do Código das Sociedades Comerciais é porque os Recorrentes, além de sócios, eram gerentes da Autora, e da 3ª Ré, actuando com incontrolados poderes; primeiro, fruto da confiança dos seus familiares; depois, por se negarem a fornecer a informação que lhes foi solicitada e deu origem a múltiplos litígios.

Os RR. geriram durante anos a Autora sem prestarem quaisquer informações, só o vindo a fazer em 2005, mau grado as repetidas diligências judiciais e extrajudiciais dos demais sócios e gerentes. A contabilidade da Autora até 15.10 2006 foi efectuada pela 3ª Ré, e por pessoa da sua confiança que era dominada por aqueles comuns gerentes da Autora.

Em Assembleia-geral de 26.11.2005, foram eles destituídos com justa causa de gerentes, sendo um dos fundamentos dessa destituição: a sonegação de elementos de informação sobre a vida da sociedade destituinte, nomeadamente, por continuada violação de deveres de informação, sobretudo, pela omissão de apresentação do relatório e contas dos anos de 2001 a 2006 que só em 25 de Maio desse ano foi parcialmente satisfeita.

Os 1ºs e 2ºs RR., desde pelo menos o exercício de 2000, nunca convocaram qualquer assembleia-geral para aprovação de contas da sociedade Autora.

Só depois dessa apresentação, em Maio de 2006, os demais sócios da Autora tomaram conhecimento que os 1º e 2ºs RR. maridos, enquanto gerentes da Autora e da 3ª Ré, transferiram, para esta fundos no valor € 315 000,00 a título de empréstimos e depósitos, sem que, como resulta da omissão reiterada de informação, tal decisão tivesse sido informada aos demais sócios e gerentes.

Para avaliar do dever de actuação criteriosa e ordenada no interesse da sociedade é, no caso, incindível a actuação dos 1ºs e 2ºs RR. quer enquanto gerentes da Autora, quer enquanto gerentes da 3ª Ré. Com efeito, os factos são eloquentes quanto à demonstração de que actuaram sem qualquer objectivo de salvaguardar, quer os interesses da Autora, quer os da 3ª Ré que foi declarada insolvente.

Assim sendo, os actos praticados de transferência de fundos da Autora para a 3ª Ré, além da desvalorização patrimonial da Autora, enquanto mutuante [de realçar que os RR. não alegaram sequer em que termos foram negociados esses empréstimos, prazo de reembolso, garantias, taxa de juros, etc.] agiram a seu bel prazer e fora de qualquer critério de gestão criterioso segundo o padrão do gestor prudente face às circunstâncias concretas em que agiram.

Por outro lado os referidos RR., bem sabendo da obrigação legal de recapitalizarem a 1ª Ré após a morte dos seus pais (também sócios da demandante) e mal grado ter sido convocada AG para deliberar o aumento de capital, sempre se negaram, afirmando que o “melhor caminho” seria a dissolução da sociedade Autora.

Afirmam os RR./recorrentes que a transferência dos fundos da Autora para a 3ª Ré se deveu a necessidade desta para acudir a necessidades de financiamento para saldar dívidas a terceiros, facto que se provou.

Não menos certo é que a 3ª Ré beneficiou da transferência de € 315 000,00, decidida pelos 1ºs e 2ºs RR. enquanto gerentes da Autora, ao tempo tinha capitais próprios de € 2 500 000,00 em 2004 e 2005 e um cash flow largamente positivo no valor de centenas de milhares de euros por ano. Não obstante este quadro financeiro, a 3ª Ré foi declarada insolvente como se acha provado.

Por outro lado, como facto revelador da confusão entre o ente societário e os seus gerentes e decisores avultam os factos descritos em 36) e 37) dos factos provados. A Autora, em claro desvio do seu objecto e violando o princípio da especialidade – art. 6º do Código das Sociedades Comerciais – suportou despesas alheias ao seu objecto social, que redundaram em benefício de outrem e não em vantagem (lucro) para si.

O fundamento legal invocado para a exclusão peticionada pela Autora radica no art.  242, nº1,  do Código das Sociedades Comerciais  nos seguintes termos: “Pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos graves”.

Os factos praticados pelos 1ºs e 2ºs RR, enquanto sócios e gerentes da Autora, causaram dano objectivo e grave aos interesses sociais desta, na medida em que os seus fautores, sendo além de gerentes, sócios não podiam ignorar que actuaram de forma a descapitalizar a Autora em beneficio da 3ª Ré, agindo sempre à margem dos procedimentos que lhes impunham deveres de cuidado na gestão do ente societário. A gravidade das suas condutas além de causar prejuízo relevante, revelou deslealdade, pôs em causa de modo grave a fiducia com que deveriam ter agido em ordem a salvaguardar os interesses da sociedade Autora, dos demais sócios e de terceiros.

Afirmam os Recorrentes que a situação da 3ª Ré, que dizem ser a verdadeira sociedade no confronto com a Autora, (insinuando que a Autora era mera sociedade de fachada, o que poderia apontar a via da desconsideração da personalidade jurídica), ambas com comuns elementos familiares, foi sempre aquela onde eram centralizados os negócios e que a Autora nunca se dedicou ao seu objecto social.

Pretendem, assim, invocar uma circunstância dirimente da sua actuação, visando ilidir a presunção de culpa do art. 72º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais.

Salvo melhor opinião, este argumento não é, de modo algum, causa dirimente da sua actuação culposa; se, afinal, a terceira Ré era a sociedade realmente querida para os negócios de todos e a 1ª Ré era uma espécie de testa de ferro, não podem os Recorrentes escudar-se numa pretensa irregularidade da qual beneficiaram, para agora, depois de terem gerido ambas sem controle societário, se prevalecerem da situação de facto que construíram ao longo de muitos anos. Procedimento que o Direito e a ética negocial repudiam e que exprime claro abuso do direito – art. 334º do Código Civil – na modalidade de venire contra factum proprium.

Como se pode ler no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15.5.2005, Proc. 04A4369, in www.dgsi.pt:  

“O instituto da exclusão de sócio encontra fundamento na protecção do fim do contrato de sociedade, traduzido no interesse social, “enquanto elemento comum aos interesses dos sócios contratantes e meio contratual de satisfação dos seus interesses distintos”. Assim, a exclusão justifica-se quando o interesse social é posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social.

Daí que a sociedade só possa resolver o contrato em relação a determinado sócio, mediante a exclusão, quando este ponha em causa, não em função dos seus incumprimentos, mas dos seus efeitos, o interesse social (vide Luís Menezes Leitão, “Pressupostos da Exclusão de Sócio nas Sociedades Comerciais”, A.A.F.D.L., 1988, p. 41 e ss). O sócio está, pois, obrigado a não violar deveres de conduta que possam causar prejuízos à sociedade.

Entre estes deveres acessórios apontam-se os de esclarecimento, de colaboração e de lealdade, deveres que fazem parte do conteúdo das obrigações, como exigências gerais do sistema jurídico - cfr. Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, I, 1994, 149.”

No caso em apreço é claro o desvalor da conduta dos sócios recorrentes que, instrumentalizando a sociedade Autora; querendo, inclusivamente, a sua dissolução  actuaram com propósitos egoístas, logo desleais em relação à Sociedade que lhes competia gerir criteriosamente e com zelo, descapitalizando-a através de transferência de quantias avultadas para a 3ª Ré de quem eram gerentes. 

O prejuízo actual da sua conduta merece a sanção da destituição, tal como foi deliberada em assembleia geral.

            No Estudo “A Exclusão de Sócios (Em Particular nas Sociedades por Quotas”)”, de Carolina Cunha, in “Problemas do Direito das Sociedades”, IDET, 2002, págs. 211-212, pode ler-se:

“O art. 242º, n.°1, recorre a uma formulação abrangente para recortar o universo de eventos susceptíveis de conduzir à exclusão do sócio, em vez de proceder a uma tipificação baseada em múltiplas hipóteses normativas, como acontecia no art. 186°, n.°1. Mas, se procedermos à análise da cláusula geral contida na norma, lograremos isolar as características-chave dos factos potencialmente relevantes.

Em primeiro lugar, deverá tratar-se de um comportamento do sócio, não atribuindo a lei qualquer eficácia constitutiva a factos que o atinjam na sua situação.

Será, ainda, necessário que o comportamento adoptado pelo sócio apresente uma de duas características – que seja desleal ou que seja gravemente perturbador do funcionamento da sociedade.

Todavia, isto não basta para determinar a exclusão. É imprescindível que esse comportamento do sócio tenha causado ou possa vir a causar a sociedade prejuízos relevantes. Aqui reside, quanto a nós, s, o fulcro nevrálgico do instituto da exclusão de sócios na sociedade por quotas: a avaliação da prejudicialidade para o ente societário da superveniência de um facto relativo à pessoa do sócio.

Na dinâmica da cláusula geral do art. 242°, n.° 1, os factos relevantes restringem-se a certas condutas dos sócios – condutas em si mesmas já passíveis de um juízo de desvalor, quer por violarem princípios de lealdade, quer por entravarem o funcionamento da sociedade. Mas somos de opinião que a nota essencial, aquela que, no seio do tipo sociedade por quotas, confere sentido à opção legislativa pela prevalência do interesse da sociedade e que alicerça a concomitante inexigibilidade da permanência do sócio, reside no prejuízo, actual ou potencial, que tais condutas provocam. Na ausência de prejuízo, o desvalor contido nos comportamentos dos sócios não bastará para fundar a respectiva exclusão.”

A actuação dos 1ºs e 2ºs RR., enquanto sócios da Autora e dela gerentes, ao não prestarem contas aos demais sócios durante anos, fazendo negócios com a 3ª Ré de quem eram sócios e gerentes maioritários, cedendo-lhe a quantia € 315 000,00, descapitalizando a Autora, entre Dezembro de 2004  e Dezembro de 2005, sem demonstrarem ter informado os demais sócios gerentes, exprime potencial de causação de danos futuros e revela deslealdade grave em relação à Autora, conduta censurável do ponto em que, como sócios, deveriam zelar pela sustentabilidade da empresa, que com tal conduta sabiam lesar.

Destarte, a pretensão recursiva dos Recorrentes soçobra.

Do recurso subordinado:

Pretende a Autora que este Tribunal decrete a nulidade por simulação do contrato de arrendamento celebrado pelos 1ºs e 2ºs RR., enquanto gerentes da Autora, com a 4ª Ré – “Comissão de Melhoramentos de ...”.

Relevam os seguintes factos:

            38. (AP) - A sociedade autora é dona de um prédio sito na Rua Principal de ..., s/ número, no centro de ..., prédio esse composto por um rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, que tinha sido ocupado, desde há anos, pela Comissão de Melhoramentos de ..., aqui quarta ré.

            39. (AQ) - A Comissão de Melhoramentos de ... está inactiva desde o início da década de noventa (cfr. documento de fls. 352, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

            40. (AR) - Por documento datado de 1 de Fevereiro de 2000, os réus BB e DD declararam dar de arrendamento o prédio id. em 38), à Comissão de Melhoramentos de ..., e esta declarou, que tomava o prédio de arrendamento, tendo sido estabelecida a renda mensal de cinco euros.

            41. (AS) - Por carta datada de 29 de Dezembro de 2005, assinada por BB, este solicitou à Comissão de Melhoramentos de ... o pagamento das rendas desde o início do contrato referido em 40) (cfr. doc. de fls. 357, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

            42. (AT) - Com data de 31 de Dezembro de 2005, foi lançado a crédito, o valor das rendas dos cinco anos, ou seja, €355,00 (trezentos e cinquenta e cinco euros) (cfr. doc. de fls. 359, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

76. (57.º) - O logradouro do prédio id. em 38. tem cerca de 300 metros quadrados e encontra-se no estado retratado pela fotografia de fls. 710, cujo teor se dá por reproduzido.

           77. (58.º) - E o rés-do-chão desse prédio está arrendado a inquilino que ali exerce, há dezenas de anos, o comércio de drogaria e utilidades diversas.

           78. (59.º) - O primeiro andar do referido prédio encontra-se no estado documentado pelas fotografias de fls. 711 a 715, cujo teor se dá por reproduzido.

           79. (61.º e 62.º) - A Comissão de Melhoramentos de ... participou activamente no processo de promoção de ... que culminou na sua elevação a cidade.

           80. (63.º) – Durante período de tempo não concretamente apurado, a Comissão de Melhoramentos de ... utilizou a sua sede para reuniões de Direcção e outras actividades esporádicas.

           81. (64.º) - O documento referido em 40. foi redigido e assinado em data não exactamente apurada, embora ulterior à data que ostenta (1 de Fevereiro de 2000), sendo que as diversas cláusulas que nele constam correspondem à manifestação da vontade real das partes contratantes.

           82. (69º) – A Comissão de Melhoramentos de ... não cobra jóias nem quotas desde há vários anos e não apresenta contas nas finanças.

A pretensão da Autora foi julgada improcedente na sentença apelada, tendo a Relação confirmado a decisão.

Como decorre de fls. 2069 a 2071, considerou-se que não se provaram os requisitos da simulação do ponto em que as cláusulas do contrato “correspondem à vontade real das partes contratantes.

   

Dispõe o art. 240º do Código Civil:                                                           

1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
            2. O negócio simulado é nulo.

O desvalor jurídico do negócio simulado é a nulidade. Trata-se de uma nulidade atípica (neste sentido, Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil” cit., pág. 845).

A atipicidade deriva do facto dos simuladores não poderem invocar a simulação contra terceiro de boa fé (art. 243º, nº1, do Código Civil). A simulação negocial evidencia uma divergência intencional entre o sentido da declaração das partes e os efeitos que elas visam prosseguir com a celebração do negócio jurídico.

Pode ser subjectiva ou objectiva, consoante diga respeito às partes do negócio jurídico ou ao objecto e conteúdo do mesmo.

O art. 240°, nºl, estabelece três requisitos para a simulação: — o pacto simulatório entre o declarante e o declaratário; a divergência intencional entre o sentido da declaração e os efeitos do negócio jurídico — simuladamente — celebrado; o intuito de enganar terceiros.

Segundo Mota Pinto – “Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto – Coimbra Editora – Maio 2005 – 413:

“A vontade negocial, vontade do conteúdo da declaração ou intenção do resultado (Geschäftswille) — consiste na vontade de celebrar um negócio jurídico de conteúdo coincidente com o significado exterior da declaração. É uma vontade efectiva correspondente ao negócio concreto que apareceu exteriormente declarado”.

Acerca da formação do negócio jurídico e das modalidades de declaração negocial e seus elementos, Heinrich Ewald Hörster, in “A Parte Geral do Código Civil Português-Teoria Geral do Direito Civil” – págs. 433 e segs. ensina:

“…O primeiro passo para o negócio jurídico consiste numa declaração de vontade…Para declarar a sua vontade, o declarante dispõe, em princípio, de todos os meios que lhe servem para se fazer entender. Nesta ordem de ideias o Código Civil parte do princípio da liberdade declarativa e distingue, em função disso, três modalidades em que a vontade pode ser revelada, parte objectiva da “declaração da vontade…”.

Ao invés do que sustenta a Recorrente, os três requisitos que consubstanciam a simulação absoluta não estão provados. Não se provou a insinceridade das declarações de vontade dos sujeitos contratantes.

 A recorrente alega que, ao tempo em que foi celebrado o contrato, nem sequer era o euro a moeda com curso legal no país, que a renda é ridiculamente baixa e que a arrendatária não tem actividade – ” a Comissão de Melhoramentos de ... não cobra jóias nem quotas desde há vários anos e não apresenta contas nas finanças” – são, aduz, elementos claros no sentido da simulação negocial.

            Diremos que, sendo a intenção matéria de facto, não pode este tribunal sindicar o julgamento das instâncias que consideraram que as declarações de vontade dos outorgantes correspondem à sua vontade real.

Este Supremo Tribunal só poderia sindicar o julgamento da matéria de facto nos estritos limites dos arts. 722º, nº2, e 729º, nº2, do Código de Processo Civil, que aqui não estão em causa.

 A questão que tanto impressiona a recorrente do valor da renda ter sido fixada em euros está explicada pelo facto de ter-se provado que o documento foi redigido e assinado em data não apurada, embora ulterior à data que ostenta – 1.2.2001. Seja como for, relevante é considerar que não se provou existir divergência entre a vontade real e a declarada, pelo que, sem esse requisito, não se pode afirmar a simulação.

            Improcede, pois, o recurso subordinado.

            Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

1. Não obstante a primitiva redacção do art. 64º do Código das Sociedades Comerciais (antes da Reforma de 2006) não enunciar de forma clara o princípio da “corporate govenance”, ele estava contido na regra do “dever de cuidado e de diligência” imposta ao gerente a quem incumbe actuar segundo o padrão do “gestor criterioso e ordenado”, pautando a sua actuação pelos critérios da isenção e do agir de boa fé em vista da salvaguarda dos interesses da sociedade, “tendo em conta os interesses dos sócios de dos trabalhadores”; de notar que nas als. a) e b) da redacção, agora vigente, do citado preceito se alude de igual modo a “diligência de um gestor criterioso e ordenado” e nos deveres de lealdade se apontam os interesses dos sócios, da sustentabilidade da sociedadetais como os seus trabalhadores, clientes e credores”. Antes o art. 64º tinha como epígrafe “Dever de diligência”, após a Reforma aparece como “Deveres fundamentais”, um plus de expressa maior exigência.

                2. O art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, antes e depois da Reforma de 2006, impõe a observância de deveres de cuidado, verdadeiros poderes-deveres dos gerentes ou administradores baseados numa relação de confiança (fiducia) que se estabelece entre a sociedade e quem a gere, seja no círculo das suas relações internas, seja nas relações externas com terceiros, sejam eles credores, entidades administrativas, trabalhadores ou quaisquer outros interessados. O dever de cuidado – duty of care – está ínsito na actuação do “gestor criterioso e ordenado” e no grau de diligência que esse standard postula.

3. A violação do dever contemplado no art. 64º do Código das Sociedades Comerciais tem como sanção a responsabilidade civil dos gerentes para com a sociedade e a sua destituição com justa causa, verificados os requisitos da responsabilidade civil contratual, já que por força do art. 72º, nº 1, do referido Código, a sua culpa se presume.

4. A actuação dos 1ºs e 2ºs RR., enquanto sócios da Autora e dela gerentes, ao não prestarem contas aos demais sócios durante anos, fazendo negócios com a 3ª Ré de quem eram sócios e gerentes maioritários, cedendo-lhe a quantia de € 315 000,00 descapitalizando a Autora entre Dezembro de 2004 e Dezembro de 2005, sem demonstrarem ter informado os demais sócios e gerentes, exprime potencial de causação de danos futuros e revela deslealdade grave em relação à Autora, conduta censurável do ponto em que, como sócios, deveriam zelar pela sustentabilidade da empresa, que com tal conduta sabiam lesar.

5. A simulação absoluta importa a verificação cumulativa dos três requisitos previstos no art. 240°, nºl, do Código Civil: — o pacto simulatório entre o declarante e o declaratário; a divergência intencional entre o sentido da declaração e os efeitos do negócio jurídico simuladamente celebrado e o intuito de enganar terceiros. Não se provando um deles, não pode considerar-se ter sido simulado o negócio jurídico.

            Decisão:

            Negam-se as revistas dos 1ºs e 2ºs RR. – – e da Autora – .

            As custas dos recursos principais serão suportadas pelos RR/recorrentes, as do recurso subordinado são da responsabilidade da Autora.

                                      

       Supremo Tribunal de Justiça, 1 de Abril de 2014

           

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[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.

[2] Ponto 3º da B.I - “O que faziam sem dar qualquer satisfação aos restantes sócios e gerentes que, desde o ano de 1999 até 15 de Outubro de 2006, se viram impedidos de ter acesso a toda a documentação relativa às operações sociais, pois os réus BB e DD sempre impediram, na prática, o exercício desse direito?” Tal quesito relaciona-se com o 2º assim formulado – “Não obstante o indicado em D), a sociedade autora era, de facto, administrada exclusivamente pelos primeiro e segundo réus maridos que eram quem recebia as receitas da sociedade, compostas exclusivamente por rendas, e ainda quem dava destino e aplicação aos proveitos?
[3] “Designamos por corporate governance o complexo das regras (legais, estatutárias, jurisprudenciais, deontológicas), instrumentos e questões respeitantes à administração e ao controlo (ou fiscalização) das sociedades”- Coutinho de Abreu, in IDET Instituto das Empresas e do Trabalho, Miscelâneas, nº6, Estudo “Corporate Governance em Portugal”, pág.9.