Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5189/17.7T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE
LEGALIDADE
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA – PROCESSOS ESPECIAIS / PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / LOCAÇÃO / ARRENDAMENTO DE PRÉDIOS URBANOS / DISPOSIÇÕES ESPECIAIS DO ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO / TRANSMISSÃO – DIREITO DA FAMÍLIA / CASAMENTO / DIVORCIO E SEPARAÇÃO JUDICIAL DE PESSOAS E BENS / DIVORCIO / EFEITOS DO DIVÓRCIO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º E 988.º, N.º 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1105.º, N.ºS 1 E 2 E 1793.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 20-01-2010, PROCESSO N.º 701/06.0TBETR.P1.S1;
- DE 02-06-2016, PROCESSO N.º 1233/14.8TBGMR.G1.S1, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Nos processos de jurisdição voluntária, o predomínio da oficiosidade do juiz sobre a atividade dispositiva das partes, norteado por critérios de conveniência e oportunidade em função das especificidades de cada caso, sobrepondo-se aos critérios de legalidade estrita, justifica a supressão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça estabelecida no artigo 988.º, n.º 2, do CPC, vocacionado como está, essencialmente, para a sindicância da violação da lei substantiva ou processual, nos termos do artigo 674.º do CPC.

II. No entanto, na interpretação daquela restrição de recorribilidade, importa ter em linha de conta que, em muitos casos, a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza tal decisão.

III. Assim, haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito da revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respetivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata de “resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade”.       

IV. Num caso, como o dos autos, de processo de jurisdição voluntária para atribuição da casa de morada da família, em que o Recorrente impugna o acórdão da Relação com fundamento em que nele foi cometido erro de aplicação dos critérios constantes dos artigos 1105.º, n.º 2, e 1793.º, n.º 1, do CC mediante incorreta análise dos factos dados como provados, sustentando que a correta aplicação daqueles normativos levaria a que, atentas as situações económicas do requerente e da requerida, bem como o interesse da filha de ambos, a casa fosse antes atribuída àquele, conforme se decidiu na 1.ª instância, a revista mostra-se admissível para conhecer da alegada violação de tais parâmetros legais.    

V. Embora não caiba no âmbito da presente revista sindicar, intrinsecamente, os juízos de conveniência e oportunidade formulados pela Relação, impõe-se ainda assim concluir que a decisão recorrida não respeitou o consignado pelo requerente e requerida quanto às respetivas residências no quadro do acordo definitivo de regulação das responsabilidades parentais relativas à sua filha menor, homologado por sentença, nem atentou, nessa medida, como devia, no interesse da menor resultante do assim acordado, violando, desse modo, o preceituado no artigo 1105.º, n.ºs 1 e 2, do CC.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (requerente) instaurou, em 27/09/2017, contra BB (requerida) uma ação especial, sob a forma de processo de jurisdição voluntária para atribuição da casa de morada de família, ao abrigo do disposto no artigo 990.º do CPC conjugado com o disposto nos artigos 1105.º e 1793.º do CC, aqui aplicáveis por força do 4.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05, na redação dada pela Lei n.º 23/2010, de 30-08, alegando, em resumo, o seguinte:    

. Requerente e requerida viveram em união de facto durante sete anos entre 2007 e dezembro de 2014, altura em que se separaram;  

. Dessa união nasceu, em …/…/2009, a sua filha CC cujas responsabilidades parentais se encontram atribuídas em conjunto a ambos os progenitores;

. Após a separação, o requerente ficou a residir na casa que fora morada da família com a sua nova companheira e com a filha CC nos períodos em que esta está com ele;

. A referida casa está arrendada em nome da requerida, como arrendatária, a qual se tem recusado a alterar o arrendamento para o nome do requerente, apesar das insistências deste;

. A requerida, quando saiu de casa em meados de dezembro de 2014, foi viver para o … com o novo companheiro e reside atualmente com a mãe;

. O requerente tem várias dificuldades económicas, sendo ele quem suporta a totalidade das despesas com a filha CC, assim como a renda mensal da habitação, no valor de € 22,97. 

Concluiu o requerente a pedir que lhe fosse atribuída a casa de morada da família e, por consequência, transmitido o direito ao respetivo arrendamento.


2. Frustrada a tentativa de conciliação, a requerida apresentou contestação a sustentar, no essencial, que:

. A requerida tem a seu cargo a filha CC, no regime de guarda partilhada com o requerente, e uma filha menor fruto de outro relacionamento;

. Até fevereiro de 2018, esteve empregada numa fábrica de … em … que dista 1 quilómetro da casa de morada da família;

  . Quando terminou o contrato, a entidade empregadora comunicou-lhe a pretensão de contratá-la, sendo que, não tendo carta de condução automóvel, pode fazer aquele percurso a pé; 

 . Atualmente encontra-se desempregada, sem auferir qualquer rendimento, tendo a seu cargo, além da CC, outra filha menor;

. A requerida está a residir com a mãe, na casa desta, por não ter outra casa onde morar;

 . Na semana em que a sua filha CC está à sua guarda, a requerida poderá levá-la à escola a pé, sem necessidade de utilizar os transportes públicos, já que a escola fica a cerca de 200 metros da casa de morada da família em causa;

 . Por sua vez, o requerente trabalha por conta própria, dedicando-se à organização e animação de eventos, auferindo, nos meses de julho e agosto, em média, € 650,00 por mês, fora os restantes eventos que tem ao longo do ano.

        Concluiu a requerida que tem uma necessidade da casa de morada da família superior à do requerente, pelo que tal casa lhe deve ser atribuída.

  3. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 72 a 84, datada de 08/10/2018, a julgar a ação procedente, decidindo-se:

a) – Declarar dissolvida a união de facto entre o requerente e a requerida;

b) – Atribuir a casa de morada da família exclusivamente ao requerente;

c) – Determinar que, após o trânsito em julgado da decisão, esta fosse comunicada ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana – IHRU, IP, na qualidade de senhorio, nos termos e para os efeitos do artigo 1105.º, n.º 3, do CC, aplicável por força do disposto no art.º 4.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05, na redação dada pela Lei n.º 23/2010, de 30-08.

4. Inconformada, a requerida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do qual foi proferido o acórdão de fls. 109 a 119, datado de 31/01/2019, a julgar a apelação procedente, alterando a sentença recorrida no sentido de conceder à requerida o direito a habitar a casa que fora morada da família, conforme o contrato de arrendamento em vigor em nome dela.

   5. Desta feita, vem agora o requerente pedir revista, formulando, no que aqui mais releva, as seguintes conclusões:

1.ª – O acórdão recorrido incorreu em erro de avaliação dos critérios constantes dos artigos 1105.º, n.º 2, e 1793.º, n.º 1, do CC, procedendo a uma incorreta análise dos fatos dados como provados em conjugação com aqueles normativos;

2.ª - Começando pela análise do contrato de arrendamento junto aos autos, decidindo-se no acórdão recorrido que:

«logo de concluir, ainda que de forma indiciária, que sendo a Requerida operária. fabril e mãe de duas menores, esse fator terá sido já determinante na atribuição a si pelo IHUR IP, do arrendamento em causa, sobretudo do valor da renda apoiada acima referida.".

3.ª - A mencionada análise indiciária está completamente incorreta, assentando numa mera presunção, pois no ano de 2013 a Requerida apenas tinha uma filha a menor CC, nascida a …/ …/2009, filha do ora Recorrente, até porque a segunda filha da Requerida nasceu posteriormente, fruto de outra relação.

4.ª - Além do mais, o arrendamento foi atribuído aos dois, outorgado por ambos, conforme resulta do ponto 23 dos factos dados como provados para a decisão da causa em 1.ª Instância, razão pela qual o arrendamento se mantêm até à atual data, encontrando-se o nome de ambos conforme descrição a negrito que consta do referido contrato.

5.ª - Em caso de incumprimento contratual, o Recorrente é também ele responsável pelo pagamento da respetiva renda.

6.ª - Quanto à matéria dada como provada no que concerne à situação de carência económica da Requerida que, segundo o tribunal recorrido afirma, se mantém atualmente, ainda mais agravada, pois ela continua com as duas filhas menores a cargo, desempregada e a viver em casa da mãe", convém analisar corretamente esta matéria dada como provada, já que a realidade económica da Requerida está bem longe daquela que foi dada como provada, como se demonstrará adiante.

7.ª - Facto que só é possível comprovar e impugnar à luz da análise e conjugação da presente ação com o Proc. n.º 981/16.2T8 GMR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Família e Menores de … - Juiz …, e com o Apenso A do mesmo processo, pois a Requerida avança uma versão sócio-económica diferente nos referidos processos de modo a obter o resultado pretendido em cada um deles.

8.ª - Nos presentes autos, a Requerida alegou que estava desempregada, numa situação de carência, omitiu, por completo, os rendimentos do agregado familiar, pois o mesmo é composto pela Requerida e pela mãe e pai desta, dado que é com eles que reside, conforme Relatório Social junto ao Apenso A, do Proc. n.º 981/16. 2T8GMR;

9.ª - Consta do referido Relatório que a Requerida trabalha na empresa DD, Lda,, auferindo um vencimento base de € 605,00, recebendo a título de prestações sociais o valor de € 141,22, € 100,00 - pensão de alimentos da filha EE, auferindo o valor total mensal de € 846,22, auferindo anualmente o valor total de € 11.847,08, não se encontrando, portanto, desempregada como alega na presente ação.

10.ª - Acresce que a Requerida reside com os seus pais cujo rendimento consta do referido Relatório Social, auferindo o pai dela uma pensão de invalidez no valor de € 1.026,26 mensal (€ 14.367,64, anuais), sendo a mãe da Requerida trabalhadora independente; ou seja, anualmente o agregado familiar da Requerida aufere no total € 26.214,72;

11.ª - Enquanto que foi dado como provado pela 1.ª Instância que o agregado familiar do Recorrente apenas possui a título de rendimentos, o rendimento anual no valor de € 2.000,00, auferido pelo Recorrente - cfr. ponto 13 da matéria dada como provada - para a decisão da causa em 1.ª Instância, a companheira do Recorrente trabalha e aufere o salário mensal de cerca de € 580,00 - ponto 14.º da referida fundamentação: ou seja, anualmente auferem o total de € 10.120,00.

12.ª - Confrontando os valores não restam dúvidas que o Recorrente possui uma maior carência económica do que a Requerida, pois o valor total dos rendimentos anuais do Recorrente correspondem a um terço dos rendimentos anuais do agregado familiar da Requerida, rendimentos esses omitidos por esta nos presentes autos, de modo a obter vantagem em relação ao Recorrente.

13.ª - No entanto, as incongruências no alegado pela Requerida não ficam por aqui, conjugando os presentes autos com o proc. n.º 981/16.2T8GMR, e com o apenso A do mesmo processo, consta outra versão dos factos, pois o Apenso A, conforme o teor da ata de conferência de pais de 07-04-2016, a Requerida naquela data não reunia “as necessárias condições para assumir integralmente a guarda e cuidados da sua filha CC, pretendendo assim que a menor seja entregue à guarda e cuidados dos avós maternos...”, mais alegou que “reside e trabalha no …, designadamente na área da restauração...”.

14.ª - Não restam dúvidas de que a Requerida saiu da casa de morada de família em dezembro de 2014, foi para a cidade do … viver com o companheiro que possuía na época, do qual tem uma filha, deixou a menor CC a cargo do Recorrente e pediu a guarda para os avós matemos no âmbito do Proc. n.º 981/16.2 T8GMR, nunca quis a guarda para si, nunca desde então até á presente data solicitou a casa de morada de família, só o fez porque, aquando da propositura da presente ação, o Recorrente propôs ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais, correspondendo ao Apenso A do 981/16.2T8GMR.

15.ª – Na análise do Relatório Social, verifica-se na descrição do quotidiano da menor CC que, na semana que passa com a mãe/Requerida, quem efetivamente cuida e possui a guarda da menor de facto na semana da mãe, desde então até à atualidade, são os avós matemos, e não a Requerida.

16.ª - Tal como já foi exposto e resulta dos pontos 20 e 21 da Fundamentação da sentença da 1.ª Instância: “Por sentença proferida no dia 22-03-2017, no processo n.º 981/16.2T8GMR, que correu termos neste Juízo de Família e Menores de …, transitada em julgado a 16-04-2017, foi homologado o regime de exercício das responsabilidades parentais atinentes a CC, nascida a …-…-2009 filha do Requerente e Requerida...", "nos termos do aludido acordo, a guarda da referida menor ficou atribuída, alternadamente, a ambos os progenitores...”.

17.ª - Resulta que ambos partilham a guarda de CC, permanecendo esta com cada um deles por períodos semanais, sendo que, dado o conhecimento que o Recorrente tem de que no período da Requerida quem exerce de facto a guarda sobre a menor são os avós maternos.

18.ª – Convém não descurar que a menor CC reside na casa de morada de família desde o ano de 2013, sendo que apenas residiu com a mãe na referida habitação cerca de um ano, desde final de 2014 até à atualidade, cerca de cinco anos que reside na referida habitação com o pai Recorrente e a sua companheira, onde possui um verdadeiro lar familiar, tendo a estabilidade emocional que necessita, associando a casa de morada de família à casa do pai, onde tem um ambiente saudável, com as rotinas normais de uma criança da sua idade, convivendo com o pai/Recorrente e a sua companheira, que a auxiliam nos deveres da escola, na alimentação, na higiene, ou seja, esta vivência, durante cerca de 5 anos, da menor com o pai na residência disputada aconselha que tal situação não seja modificada, assim se protegendo tal estabilidade na vida da mesma bem como na vida do próprio Recorrente.

19.ª - Quanto ao presente requisito, dúvidas não restam que é do interesse da menor CC que a casa de morada de família seja atribuída ao Recorrente.

20.ª - Quanto ás razões atendíveis, mais precisamente à distância da casa de morada de família ao local de trabalho dos intervenientes, convém referir que a Requerida trabalha na empresa DD, Ldaª, a referida empresa tem a sua sede na R. do …, …, na freguesia de …, concelho de …, a pouco mais de 400 metros da casa onde a Recorrida reside atualmente com os seus pais, encontrando-se a sua outra filha menor a frequentar o Centro Infantil de …, sito na Rua … n.º …, freguesia de …, concelho de …, a cerca de um quilómetro de distância da casa da Recorrida, todos estes locais distam cerca de 10 quilómetros da casa de morada de família.

21.ª - Pelo que, face a esta realidade, omitida pela Requerida nos presentes autos, não faria qualquer sentido atribuir a referida habitação à Recorrida através do presente requisito.

22.ª - Enquanto que o Recorrente, embora trabalhe como animador, desloca-se em transportes públicos ou a pé, dado que, a grande maioria dos seus trabalhos são realizados em lojas e centros comerciais, no centro da cidade, trabalhando a sua companheira também ela a cerca de 200 metros da casa de morada de família, e a escola da menor CC dista 200 metros da casa de morada de família, o que reforça a atribuição da casa de morada de família ao ora Recorrente.

23.ª - Mesmo que assim não fosse, no acórdão recorrido dá-se importância e relevo ao facto de a Requerida não ter carta de condução, mas o certo é que a vida profissional e pessoal dela encontra-se sediada na freguesia de … onde reside atualmente, caso esta residisse na casa de morada de família iria colocar-se a 10 quilómetros de distância dessa realidade o que causaria sérios transtornos a esta, para se deslocar para o trabalho e para a creche da outra filha menor, uma vez que, apenas a escola da menor CC ficaria perto da casa de morada de família, o que não faria qualquer sentido.

24.ª - Em suma, resulta quer da análise da sentença da 1.ª Instância quer do acórdão recorrido, conjugado com o teor do presente recurso e documentos anexos, que a Requerida nunca pretendeu ou solicitou a casa de morada de família desde dezembro de 2014 até 27-09-2017, quando o podia ter feito.

25.ª - Apenas resolveu solicitar e reivindicar a mesma porque na mesma data, em que deu entrada a presente ação, em 27-09-2017, o Recorrente deu entrada da petição inicial a solicitar a alteração da regulação das responsabilidades parentais, correspondente ao Apenso A do Proc. n.º 981/16.2T8GMR, no qual peticiona a guarda total da menor CC.

26.ª - O presente litígio prolongado pela Requerida mais não é do que uma vingança por este facto; aliás, na audiência de discussão e julgamento da presente ação não foram provadas as necessidades da Requerida quanto à atribuição da referida habitação, pois o discurso das testemunhas da Requerida, nomeadamente, da sua mãe e irmã, resumiram-se a denegrir a imagem e o nome do Recorrente, sendo apenas essa a preocupação destas, nenhuma destas testemunhas conseguiu provar e alegar factos que sustentassem a necessidade por parte da Requerida à referida habitação, casa de morada de família.

27.ª - Sendo importante referir que foi o Recorrente quem propôs a presente ação para regularizar o contrato de arrendamento, nunca imaginando que a Requerida iria utilizar esta ação para o retirar da casa de morada de família, até porque o Recorrente bem sabe que mesmo que este saísse da habitação a Requerida nunca iria morar para a mencionada habitação, ou a ir, iria sozinha, pois quem exerce de facto a guarda das menores é a avó materna.

28.ª - Conclui-se que a 1.ª Instância analisou, pormenorizadamente, a realidade dos factos em conjugação com os presentes artigos, inexistindo, portanto, o alegado erro de avaliação dos critérios previstos nos artigos 1105.º, n.º 2, e 1793.º, n.º 1, ambos do CC.

29.ª - Houve sim uma omissão grave no que diz respeito ao apuramento da realidade sócio-económica que compõem o agregado familiar da Requerida com clara má fé, por parte desta, de modo a obter vantagem sobre o Recorrente.

30.ª - Considerando as alegações do Recorrente, deverá a casa de morada de família ser atribuída a este, revogando-se o acórdão recorrido, mantendo-se a decisão proferida pela 1.ª Instância.

 6. A Recorrida apresentou contra-alegações em que sustenta:

- Em primeira linha, a inadmissibilidade da revista por incidir sobre erro na apreciação das provas e na fixação de factos materiais, o que está vedado ao tribunal de revista nos termos dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do CPC;

- A inadmissibilidade dos documentos ora juntos pelo Recorrente;

- Subsidiariamente, o não provimento da revista e confirmação do julgado.   


II – Quanto à admissibilidade da revista e delimitação do seu objeto  


Começa a Recorrida por arguir a inadmissibilidade da presente revista por considerar que a mesma incide sobre a apreciação das provas e a fixação de factos materiais, questões que estão vedadas ao conhecimento deste Supremo Tribunal nos termos dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do CPC.


         Vejamos.

A presente ação tem por objeto a atribuição da casa de morada da família no âmbito de uma situação de rutura de união de facto, a que é aplicável o disposto nos artigos 1105.º e 1793.º do CC por força do artigo 4.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05, na redação dada pela Lei n.º 23/2010, de 30-08. A pretensão destinada a obter essa providência segue os termos do processo especial de jurisdição voluntária previsto e regulado no artigo 990.º do CPC.    

Ora, no domínio dos processos de jurisdição voluntária, o artigo 987.º do CPC preceitua que:

Nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.

  Em sintonia com isso, o artigo 988.º, n.º 2, do mesmo Código estabelece que:

Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

 Da conjugação dessas disposições resulta que, sendo as providências de jurisdição voluntária tomadas com predominância de critérios de conveniência ou oportunidade sobre os critérios de estrita legalidade, delas não caberá também, em princípio, recurso de revista.

    Com efeito, na esfera da tutela de jurisdição voluntária, em que se protegem interesses de raiz privada mas, além disso, com relevo social e alcance de interesse público, são, por isso, conferidos ao tribunal poderes amplos de investigação de factos e de provas (art.º 986.º, n.º 2, do CPC), bem como maior latitude na determinação da medida adequada ao caso (art.º 987.º do CPC), em derrogação das barreiras limitativas do ónus alegatório e da vinculação temática ao efeito jurídico especificamente formulado, estabelecidas no âmbito dos processos de natureza contenciosa nos termos dos artigos 5.º, n.º 1, 260.º (quanto ao pedido e causa de pedir) e 609.º, n.º 1, do CPC.

   É, pois, tal predomínio de oficiosidade do juiz sobre a atividade dispositiva das partes, norteado por critérios de conveniência e oportunidade em função das especificidades de cada caso, sobrepondo-se aos critérios de legalidade estrita, que justifica a supressão de recurso para o tribunal de revista, vocacionado como está, essencialmente, para a sindicância da violação da lei substantiva ou processual, nos termos do artigo 674.º do CPC.

Foi nesse sentido que, no acórdão do STJ, de 20/01/2010, proferido no processo n.º 701/06.0TBETR.P1.S1[1], se observou o seguinte:

«Explica-se desta forma que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei, substantiva (…) ou adjectiva (…), não possa, nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade, ao abrigo do disposto no artigo 1410.º [atual 987.º] do CPC. Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação (…), a lei restringe a admissibilidade de recurso até à Relação.»

   No entanto, na interpretação daquela restrição de recorribilidade, importa ter em linha de conta que, em muitos casos, a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza tal decisão.

  Assim, quando, no âmbito das próprias decisões proferidas em processos de jurisdição voluntária, estejam em causa a interpretação e aplicação de critérios de legalidade estrita, já a sua impugnação terá cabimento em sede de revista, circunscrita ao invocado erro de direito.

   Como se ressalva no aresto do STJ de 20/01/2010 acima citado, a propósito da inadmissibilidade de revista nos referidos processos:

«A verdade, todavia, é que esta limitação não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nestes recursos; apenas a confina à apreciação das decisões recorridas enquanto aplicam a lei estrita. É nomeadamente, o que se verifica, quer quanto à verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar, quer quanto ao respeito do fim com que esse poder foi atribuído.

[…]

Tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça (…) a apreciação da respectiva verificação.»

Em conformidade com tal entendimento, quanto ao essencial, na linha da jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal[2], haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respetivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata de “resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade”.


No caso presente, o Recorrente impugna o acórdão recorrido, além do mais, com fundamento em que nele foi cometido erro de aplicação dos critérios constantes dos artigos 1105.º, n.º 2, e 1793.º, n.º 1, do CC mediante incorreta análise dos factos dados como provados, sustentando que a correta aplicação daqueles normativos levaria a que, atentas as situações económicas do requerente e da requerida, bem como o interesse da CC, filha de ambos, a casa fosse antes atribuída àquele, conforme se decidiu na 1.ª instância.   

Nesse contexto alegatório, não obstante estar vedado a este tribunal de revista ocupar-se de eventuais erros de apreciação da prova livre e de fixação dos factos materiais, nos termos conjugados dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 1 e 2, do CPC, bem como sindicar os juízos de conveniência e de oportunidade ponderados pelas instâncias (art.º 988.º, n.º 2, do CPC), cabe-lhe ainda assim ajuizar sobre os critérios de legalidade estrita seguidos nesse domínio e sobre a observância dos parâmetros legais dos poderes de cognição para tanto exercidos.

Em suma, importa saber se o tribunal a quo, na sua apreciação do caso, respeitou os critérios que decorrem dos sobreditos artigos 1105.º, n.ºs 1 e 2, e 1793.º, n.º 1, do CC e se, ao fazê-lo, teve em linha de conta toda a factualidade relevante para a decisão da causa, o que se inscreve no objeto da revista definido no artigo 674.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC.    

Dentro de tais limites, considera-se a presente revista admissível.        



III – Quanto à admissibilidade dos documentos juntos a fls. 138 a 158  


   O Recorrente veio juntar com as suas alegações de revista os documentos de fls. 138 a 158, consistentes em peças processuais respeitantes ao processo n.º 981/16.2T8GMR para regulação das responsabilidades parentais relativa à sua filha menor CC, pretendendo deste modo demonstrar um circunstancialismo relevante na ponderação da atribuição da casa de morada da família em causa.

     A Recorrida, por sua vez, opõe-se à junção dos documentos n.º 2, 3 e 4 que constituem de fls. 137-138 e 132 a 158 por considerar que não versam sobre factos para os quais a lei exija prova documental.  

        

Vejamos.


     No âmbito do recurso de revista, dispõe o artigo 680.º, n.º 1, do CPC que:

Com as alegações podem juntar-se documentos supervenientes, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 674.º e no n.º 2 do artigo 682.º

      Assim, a junção de documentos com as alegações de revista só é admissível quando, tratando-se de documentos cuja apresentação só então se tornou possível ou pertinente, nos termos preconizados nos artigos 423.º, n.º 3, e 425.º do CPC, tais documentos se circunscrevam à apreciação de violação legal do direito probatório nos termos confinados do artigo 674.º, n.º 3, do mesmo diploma.


      Sucede que os documentos de fls. 139/v.º a 140/v.º, 141 a 143 e 149 a 151/v.º constituem mera duplicação dos documentos já juntos aos autos, respetivamente, a fls. 51-53 (ata da conferência de pais de 22/03/2017 no processo n.º 981/16.2T8GMR), a fls. 46-50 (ata da conferência da pais de 17/11/2016 no mesmo processo) e a fls. 57-60 (contrato de arrendamento para fim habitacional em regime de renda apoiada).

      Não obstante isso, não se vê qualquer utilidade prática em determinar o respetivo desentranhamento.


       Só os documentos de fls. 137/v.º-138/v.º (petição inicial de alteração das responsabilidades parentais relativa à menor CC, deduzida em 27/ 09/2017), de fls. 132-159 (relatório social, de 11/02/2019) e de fls. 156 a 158/v.º (ata da conferência de pais de 07/04/2016 no processo n.º 981/16. 2T8GMR) não foram anteriormente juntos.      Destes só o relatório social de fls. 132-159, de 11/02/2019 foi produzido posteriormente à data do acórdão recorrido (31/01/2019), sendo portanto objetivamente superveniente. 

Seja como for, tais documentos poderão ainda assim interessar, caso se afigure necessário determinar a ampliação da decisão de facto ao abrigo do artigo 682.º, n.º 3, do CPC, mantendo-se a sua junção, atenta, pelo menos, essa eventualidade.


Cumpre apreciar e decidir.


  IV – Fundamentação  


1. Factualidade dada por provada pelas instâncias


Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. O requerente AA viveu com a requerida BB entre 2007 e dezembro de 2014, na habitação sita na Rua …, n.º .., 8.º andar, porta …, na Freguesia de …, Município de ….

1.2. Durante o período mencionado em 1.1, requerente e requerida dormiram juntos na habitação também aí referida.

1.3. Durante o mesmo período, requerente e requerida tomaram refeições juntos na habitação acima referida.

1.4. Durante esse período, requerente e requerida assumiram-se, entre si e perante outros, como se fossem marido e mulher.

1.5. CC nasceu no dia …-…-2009 e é filha do requerente e da requerida.

1.6. Em dezembro de 2014, requerente e requerida decidiram separar-se.

1.7. Em dezembro de 2014, a requerida saiu da habitação referida em 1.1 e passou a habitar juntamente com uma outra filha menor e a CC, quando esta está ao seu cuidado, com sua mãe, na casa desta, situada na Rua ..., entrada …, 1.º andar esquerdo, Freguesia de …, Município de ….

1.8. A partir de dezembro de 2014, o requerente e a requerida não mais dormiram nem tomaram as refeições juntos, nem se assumiram, entre si e perante terceiros, como se fossem marido e mulher.

1.9. O requerente continuou a viver na habitação mencionada em 1.1, após a altura referida em 1.7.

1.10. O requerente vive na habitação mencionada em 1.1 com a sua atual companheira, FF, desde setembro de 2015.

1.11. Quando o requerente tem a CC ao seu cuidado, esta vive com ele na habitação referida em 1.1.

1.12. O requerente trabalha por conta própria, dedicando-se à atividade de animação de eventos, designadamente, de casamentos.

1.13. O requerente, no exercício da atividade acima mencionada, obtém rendimento anual no montante de, pelo menos, € 2.000,00;

1.14. A companheira atual do requerente trabalha e aufere o salário mensal de cerca de € 580,00.

1.15. A requerida trabalhou na fábrica de … até final de fevereiro de 2018, estando, à data do julgamento, desempregada.

1.16. Da habitação referida em 1.1 à fábrica acima mencionada dista cerca de um quilómetro.

1.17. A entidade empregadora da requerida comunicou-lhe que, caso esta o pretenda, a contratará para sua trabalhadora com muita probabilidade.

1.18. A requerida não tem carta de condução.

1.19. A CC frequenta estabelecimento de ensino que dista cerca de 200 metros da habitação mencionada em 1.1.

1.20. Por sentença proferida no dia 22-03-2017, no processo n.º 981/16.2T8GMR, que correu termos no Juízo de Família e Menores de … – J…, transitada em julgado a 06-04-2017, foi homologado o regime de exercício das responsabilidades parentais atinentes a CC, nascida a …-…-2009, filha do requerente e da requerida – cfr. certidão de fls. 46 e ss..

1.21. Nos termos do aludido acordo, a guarda da referida menor ficou atribuída, alternadamente, a ambos os progenitores, cabendo a ambos, em conjunto, o exercício das respetivas responsabilidades parentais - cfr. certidão de tis. 46 e ss..

1.22. Nos termos do aludido acordo, as despesas médicas, medicamentosas e escolares da menor, não comparticipadas, bem como as despesas com atividades extracurriculares acordadas entre si, serão suportadas por ambos os progenitores, na proporção de metade, mediante a exibição do documento comprovativo da despesa efetuada - cfr. certidão de fls. 46 e ss..

1.23. Pelo documento escrito cuja cópia integral se encontra a fls. 65 a 69, datado de 22-11-2013, por ambos outorgado, o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IHRU, IP, acordou com a requerida BB em dar de arrendamento a esta a fração autónoma designada pelas letras “AL” correspondente à habitação com o n.º …, situada no 8.º andar do prédio urbano localizado na Rua …, n.º …, na Freguesia de …, no Concelho de ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o art.º 1892.º e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 972, mediante o pagamento da renda mensal apoiada de € 22,97, com início no dia 01-04-2013 e termo no dia 31-03-2014, renovável nos termos legais.


Em extensão dos factos descritos sob os pontos 120 a 122, ao abrigo disposto no artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC, tem-se por provado que:

1.24. No âmbito do acordo definitivo da regulação das responsabilidades parentais relativo à menor CC, homologado por sentença de 22/03/2017 e transitada em 06-04-2017, foi consignado entre requerente e requerida que “a residência dos progenitores se mantém, neste momento, idêntica à que já consta nos autos” – conforme consta de fls. 52;

1.25. Tais residências são as seguintes: a da aqui requerida BB, na Rua …, Entrada …, 1.º esquerdo, …; a do aqui requerente AA, na Rua Dr. …, n.º .., 8.º andar, porta .., …, … – certidão de fls. 45.

  

2. Factos dados como não provados


Vem dado como não provado que:

a) - Após ter deixado de viver na habitação mencionada em 1.1, a Requerida passou a residir na cidade do …, com o companheiro;

b) - O requerente suporta todas as despesas da CC;

c) - O requerente, nos meses de julho e agosto, realiza animações em 15 casamentos, pelo preço de € 500,00 cada;

d) - O requerente, no exercício da atividade de animação, aufere o rendimento médio mensal de € 650,00;

e) - Em novembro de 2014, a requerida tomou conhecimento de que o requerente mantinha urna relação amorosa com a melhor amiga daquela, a atual companheira dele;

f) - Na altura referida na alínea anterior, a requerida encontrava-se grávida;

g) - Na mesma altura, o requerido forçou a requerida a abortar;

h) - No dia 28-11-2014, o requerente desferiu golpes com uma navalha na face e mão da requerida, causando-lhe ferimentos;

i) – Após isso, a requerida foi conduzida ao hospital para tratamento dos ferimentos mencionados;

j) - Como apresentava um quadro clínico depressivo, a requerida decidiu passar a residir com sua mãe para poder beneficiar dos cuidados de que necessitava;

k) - A requerida, por diversas vezes, solicitou ao requerente a entrega da habitação mencionada em 1.1, de modo a passar a habitar na mesma;

l) - O requerente, em todas as ocasiões referidas na alínea anterior, bateu na requerida e recusou entregar-lhe a habitação referida em 1.1.


3. Do mérito do recurso


Como decorre do acima relatado, o presente processo especial de jurisdição voluntária previsto e regulado no artigo 990.º do CPC tem por objeto a atribuição da casa de morada da família a um dos interessados – requerente ou requerida – na decorrência da rutura da sua união de facto ocorrida em dezembro de 2014, após uma vivência comum desde 2007, no decurso da qual habitaram nessa casa.    



Na 1.ª instância, foi considerado, no que aqui releva, que: 

«No caso sub judice, verifica-se que, na altura da cessação da união de facto entre requerente e requerida, foi o primeiro quem permaneceu na habitação do casal, não obstante ser esta última quem outorgou o contrato de arrendamento respectivo, na qualidade de inquilina.  

Tal situação perdurou até à interposição da presente acção, ou seja, até 27-09-2017, sem prejuízo da sua manutenção até à presente data.

O circunstancialismo referido traduz-se numa situação consolidada de manutenção do requerente na casa de morada de família.

Na ausência de elementos de facto que a afastem, presume-se que a situação em referência tenha sido definida com, pelo menos, a anuência da requerida, nada estando demonstrado que assim se não tenha verificado.

Compulsada a matéria de facto provada, não se encontram elementos que legitimem a conclusão de a requerida ter maior necessidade da habitação em referência do que o requerente.

Na verdade, ambos partilham a guarda da menor sua filha, permanecendo esta com cada um deles por períodos semanais.

A vivência, ao longo de cerca de três anos, da menor com o pai na residência disputada aconselha que tal situação não seja modificada, assim protegendo tal estabilidade na vida da mesma bem como na vida do próprio requerente.

A matéria de facto apurada não permite concluir que a requerida tenha incómodos patrimoniais ou de outra natureza significativamente acrescidos com a não ocupação da habitação, em relação àqueles que o requerente teria, caso tivesse de cessar a ocupar da mesma.

Cumpre referir que está, apenas, demonstrada a expectativa de obtenção de trabalho pela mesma em local próximo da aludida habitação (nada permanente nem consolidado, portanto).

Importa, ainda, referir que a requerida se encontra a residir em casa de sua mãe, com uma filha e a menor CC nos períodos em que permanece consigo.

Pelo exposto, conclui-se à luz dos citados preceitos legais e da matéria de facto dada como assente, que é de toda a justiça atribuir ao requerente o direito ao arrendamento da identificada casa de morada de família.»


   Por sua vez, o Tribunal da Relação adotou entendimento diferente, considerando o seguinte:

  «Fazendo agora aplicação das considerações expostas ao caso dos autos, e cotejando as mesmas com a matéria de facto provada, não podemos acompanhar a decisão recorrida, na parte em que considerou que o requerente tem mais necessidade da casa que foi a morada de família, do que a requerida.

   Pelo contrário, consideramos, face à matéria de facto provada, que é a requerida que se encontra, de momento, em situação de mais premente necessidade da casa, considerando a sua situação sócio-económica e profissional, e a das suas filhas menores.

   Começamos por dizer que o direito ao arrendamento da habitação em causa já lhe foi atribuído a si, por contrato celebrado entre ela e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IHUR IP, em 22-11-2013, sendo ela, portanto como arrendatária da fracção, a titular da relação jurídica já constituída.

   Trata-se, como decorre do documento de fls. 65 a 69, de uma habitação de renda apoiada, pelo qual o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IHUR IP, acordou com a requerida, em "...dar-lhe de arrendamento a habitação em causa nos autos mediante o pagamento da renda mensal apoiada de € 22.97, com início no dia 01-04-2013, e termo no dia 31-03-2014. renovável nos termos legais", contrato esse celebrado nos termos e ao abrigo do DL n° 166/93, de 7 de Maio.

   Ora, como consta do citado DL 166/93, o regime da renda apoiada baseia-se na existência de um preço técnico, determinado objectivamente, tendo em conta o valor real do fogo, e de uma taxa de esforço, determinada em função do rendimento do agregado familiar. É da determinação da taxa de esforço que resulta o valor da renda apoiada.

   Estabelecem-se, assim, naquele diploma legal, os mecanismos de determinação do valor locativo do fogo - o preço técnico -, bem como do montante que o arrendatário pode efectivamente suportar - a renda apoiada cujo valor evoluirá em função e na medida do rendimento do agregado familiar do arrendatário.

   A análise do documento em causa permite-nos desde logo concluir, ainda que apenas de forma indiciária, que sendo a requerida operária fabril e mãe de duas crianças menores, esse fator terá sido já determinante na atribuição a si pelo IHUR IP, do arrendamento em causa, sobretudo do valor da renda apoiada acima referida.

   Ora, à luz da matéria de facto provada, essa situação, de carência económica da requerida, mantém-se actualmente, ainda mais agravada até, pois ela continua com as duas filhas menores a cargo (embora uma delas também a cargo do requerente), desempregada, e a viver em casa da mãe.

   Ou seja, é manifesta, perante a situação social e económica da requerida, a premência da necessidade da casa que foi a sua morada de família, casa essa que ela continua a reclamar nesta ação.

   Não acompanhamos, por isso, a argumentação defendida na decisão recorrida, de que na altura da cessação da união de facto entre os conviventes, foi o requerente quem permaneceu na habitação do casal, não obstante ser a requerida quem outorgou o contrato de arrendamento da mesma, na qualidade de inquilina, e que tal situação perdurou até à interposição da presente acção, até 27-09-2017, mantendo-se a situação até à data da decisão da la instância.

 E que o circunstancialismo referido traduz-se numa situação consolidada, de manutenção do requerente na casa de morada de família, pelo que, “na ausência de elementos de facto que a afastem, presume-se que a situação em referência tenha sido definida com, pelo menos, a anuência da requerida, nada estando demonstrado que assim se não tenha verificado”.

   Não cremos que se possa extrair essa presunção da matéria de facto provada, sobretudo à luz das respectivas alegações das partes.

   Efetivamente, alegou o requerente no art° 5° da petição inicial que a requerida quando saiu da habitação, em meados de Dezembro de 2014, foi viver para o … com o companheiro, vivendo actualmente com a mãe, deixando aquele subentendido na sua alegação que foi a requerida que deixou a casa de morada de família por sua livre iniciativa, para ir viver com outro companheiro, indo depois viver com a mãe. Ou seja, que foi a requerida que saiu livremente da casa em questão e que não mantém interesse em regressar a ela.

   A esses factos contrapôs, no entanto, a requerida (nos art°s 31° e ss. da contestação) outros bem diferentes, nomeadamente que em Novembro de 2014 tomou conhecimento que o requerente mantinha uma relação amorosa com a sua melhor amiga. a sua actual companheira; que na altura se encontrava grávida e que o requerido a forçou a abortar: que no dia 28-11-2014, o requerente lhe desferiu golpes com uma navalha na face e na mão, causando-lhe ferimentos que a levaram a ter de ir ao hospital para receber tratamento aos mencionados ferimentos: e que em face de tudo isso desenvolveu um quadro clínico depressivo que a levou a ir residir com a mãe, para poder beneficiar dos cuidados de que necessitava.

   Mais alegou que solicitou ao requerente, por diversas vezes, a entrega da habitação, de modo a poder ir nela habitar e que aquele, em todas essas ocasiões lhe bateu e se recusou a entregar-lha.

   Ora, não logrou o requerente provar o facto por si alegado no art° 5° da petição, assim como não logrou a requerida provar os factos por si alegados nos art°s 31° a 40° da contestação, ficando apenas provado, singelamente, que em Dezembro de 2014, requerente e requerida decidiram separar-se. e que nessa data a requerida saiu de casa e passou a habitar, juntamente com uma outra filha menor e a filha CC, quando esta está ao seu cuidado, com a sua mãe, na casa daquela, sita na Freguesia de …, Concelho de …. E que o requerente continuou a viver na habitação, após a requerida ter saído de casa, onde vive ainda hoje, com a sua actual companheira, desde Setembro de 2015, e com a filha CC, quando está a seu cargo.

   Nenhum desses factos nos permite, no entanto, concluir, como se faz na decisão recorrida, e salvo melhor entendimento, que a situação do requerente se tenha consolidado, no sentido de ser ele a ter direito à casa, nem que seja de presumir que o facto de ser ele a habitar a casa neste momento tenha sido com a anuência da requerida, pois nada ficou demonstrado, positivamente, nesse sentido.

   E se é certo que nos movemos, neste tipo de processos, no âmbito da jurisdição voluntária, submetida às disposições gerais dos art° 986° e ss. do CPC, entre as quais se destaca o princípio de que nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita (art° 987° do CPC), haveria o requerente de alegar (e provar) os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito que reclama (nos termos previstos no art° 990° n°1 do CPC). Ou seja, era sobre ele que recaía o ónus de alegar e provar os factos constitutivos do seu direito (art° 342° n° l do CC), nada tendo sido alegado nem provado, corno se referiu, no sentido concluído pelo tribunal – de que a sua permanência na casa teve a anuência da requerida desde que dela saiu.


*


  Sendo assim, os dados que temos como adquiridos nos autos são apenas a situação económica e financeira de ambas as partes, a demonstrar que a actual situação económica da requerida é muito mais débil do que a do requerente – desempregada e com duas filhas menores a cargo –, sendo também do interesse das filhas da requerida que a mãe ocupe a casa em questão, a qual se situa na cidade de …, e não numa freguesia do concelho, onde se situa a casa da avó, com quem vivem actualmente, mais distante das escolas e de todas as comodidades que a cidade lhes pode proporcionar (como actividades desportivas e extra curriculares, para as quais se podem deslocar facilmente a pé).

  Essa necessidade da requerida sobrepõe-se à do requerente, que trabalha, auferindo pelo menos € 2.000,00 por ano, assim como a sua companheira, que aufere o valor equivalente ao do Salário Mínimo Nacional (€ 580,00 mensais), tendo apenas a seu cargo a filha do requerente, nos períodos em que ela lhe foi atribuída, estando, assim, ambos em melhores condições do que a requerida de encontrarem uma casa para arrendar, em termos de renda normal.

  Podemos assim concluir que, em termos económicos, as necessidades da requerida são maiores que as do requerente, pelo que ela necessita mais da habitação (leia-se daquela habitação com renda bonificada) do que o requerente.

  Quanto aos interesses da menor (e também da outra filha, exclusivamente a cargo da requerida) é por demais evidente que eles ficam melhor assegurados em termos de comodidades e de conforto, se for a mãe a ficar naquela casa, pois dista da sua escola apenas 200 metros, sendo certo que a mãe não tem carta de condução para a levar á escola (nem condições económicas de ter carro), distando a casa da avó, situada na Freguesia de …, Concelho de … a cerca de 10Km de distância (de acordo com as informações do Google)

   Por outro lado, atendendo à situação em que se encontra a menor CC – cuja guarda foi atribuída, alternadamente. a ambos os pais -, ela não ficará prejudicada com a atribuição da casa de morada de família à mãe, pois ela nunca será afastada da habitação a que está habituada.

  Por isso não partilhamos, nesta parte, salvo sempre melhor entendimento, das considerações expendidas na decisão recorrida, de que a vivência ao longo de cerca de três anos da menor com o pai na residência disputada, aconselha que tal situação não seja modificada, assim se protegendo tal estabilidade na vida da mesma, bem como na vida do próprio requerente. Como se disse, o local de residência da menor, que já foi a sua antes da separação dos pais, não será alterada com a atribuição da casa à mãe.

   Além de tudo quanto se expôs, existem outros factores relevantes a considerar na vida dos ex-conviventes, nomeadamente a questão logística da residência da requerida, a qual vive actualmente em casa da mãe, em …, Concelho de … . tendo-lhe sido prometido emprego na empresa de …, que dista da casa de habitação por si reclamada cerca de 1 km (sendo certo que será sempre mais fácil para a requerida encontrar emprego na cidade de Guimarães do que numa freguesia do concelho).

   Ora, não sendo a mesma requerida possuidora de carta de condução, terá de fazer a sua deslocação, assim como a das filhas menores, de transportes públicos (que segundo a busca que fizemos no Google, apenas poderá ser feita de autocarros). Contrariamente, embora nada seja dito nos autos sobre a forma de se deslocar do requerente, será de presumir que o mesmo, como animador de eventos (designadamente de casamentos), tenha viatura própria (ou a sua companheira), não assumindo o local da sua residência, à luz das regras da experiência, tanta relevância para a sua vida profissional como a da requerida.


*


   Conclui-se assim de todo o exposto, que é de atribuir à requerida – e não ao requerente -, o direito ao arrendamento da identificada casa de morada de família, por dela carecer mais.

  Procedem, assim, as conclusões das alegações de recurso da requerida.»


Nessa base, o Tribunal da Relação revogou a sentença da 1.ª instância e atribuiu a casa de morada da família à requerida.


     Do que vem questionado pelo recorrente, como já se deixou enunciado, no âmbito da presente revista, importa saber:

i) – Se o tribunal a quo, na sua apreciação dos factos relevantes, respeitou os critérios que decorrem dos sobreditos artigos 1105.º, n.º 1 e 2, e 1793.º, n.º 1, do CC;

ii) – Ou se, ao fazê-lo, teve em linha de conta toda a factualidade pertinente para a decisão da causa.   


Estando em causa a atribuição da casa de morada de família na decorrência da rutura da união de facto que existira entre requerente e requerido, por força do artigo 7.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05, na redação dada pela Lei n.º 23/2010, de 30-08, importa ter presente o quadro normativo constante dos artigos 1105.º e 1793.º do CC.

O indicado artigo 1105.º, sob a epígrafe comunicabilidade e transmissão em vida para o cônjuge, prescreve o seguinte:

1 – Incidindo o arrendamento sobre a casa de morada de família, o seu destino é, em caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, decidido por acordo dos cônjuges, podendo estes optar pela transmissão ou pela concentração a favor de um deles.

2 – Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo em conta a necessidade de cada um, os interesses dos filhos ou outros fatores relevantes.

    Na mesma linha, o artigo 1793.º do CC, em sede dos efeitos do divórcio, prescreve que o tribunal pode dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quando esta seja bem comum ou bem próprio do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

     É pois nos mesmos termos legais que se rege a atribuição da casa de morada da família na decorrência de rutura da união de facto, como sucede no caso presente em que os então unidos de facto habitavam a casa a coberto de um contrato de arrendamento titulado em nome da requerida.

        

      No caso presente, as instâncias não dissentiram substancialmente no respeitante à definição dos parâmetros a seguir na concretização dos conceitos indeterminados de necessidade de cada um dos ex-unidos nem de interesse dos filhos a ter em conta. A sua divergência centra-se no plano da valoração e ponderação aos factos provados em vista do preenchimento de tais conceitos.

      Porém, como já foi dito, não cabe a este tribunal de revista sindicar os juízos de oportunidade e conveniência formulados nesse domínio, mas apenas verificar se tais juízos respeitam, ainda assim, os critérios legais substantivos e processuais que lhes servem de marcos balizadores.

        

      Ora, um dos pontos fundamentais da divergência das instâncias reside na ponderação sobre a situação de ocupação da casa de morada da família em causa, por parte do requerente, desde a ocorrência da rutura da união de facto, em dezembro de 2014, até à instauração da presente ação, em 27/ 09/2017, e que ainda persiste.

Nesse aspecto, a 1.ª instância considerou tratar-se duma situação “consolidada”, ao longo de cerca de três anos, presumidamente com a anuência da requerida, e que era geradora da estabilidade da vida do requerente, em especial, no quadro do exercício das suas responsabilidade parentais de guarda conjunta da filha de ambos, partilhada por semanas alternadas.

Ao invés, a Relação entendeu que o circunstancialismo apurado não se traduzia numa situação consolidada de manutenção do requerente naquela casa de morada da família e que nada fazia presumir que o facto de a habitar seja com anuência da requerida.

Em face disso, considerou a Relação que era a requerida quem, em situação de desemprego à data do julgamento e sendo titular do arrendamento que lhe fora dantes concedido sob o regime de renda apoiada, atenta a sua já precária situação económica, mais necessitava daquela casa quer para poder obter um emprego mais próximo quer para melhor poder proporcionar o acompanhamento da guarda conjunta da sua filha nas semanas que lhe couberem.


Sucede que, salvo o devido respeito, a Relação não atentou no facto de que, no âmbito do acordo definitivo da regulação das responsabilidades parentais relativo à menor CC, homologado por sentença datada de 22/03/2017 e transitada em 06-04-2017, ter sido expressamente consignado por requerente e requerida que a residência dos progenitores se mantinha idêntica à que já constava dos autos, ou seja: a do requerente, na referida casa de morada da família; a da requerida na casa de seus pais, conforme o acima aditado nos pontos 1.24 e 1.25 da factualidade provada.

Uma tal consignação em aditamento ao anterior acordo provisório de regulação das responsabilidades parentais de 17/11/2016, reproduzido a fls. 46-50, com vista à sua conversão em definitivo só pode ser considerada como elemento essencial tido em conta no quadro do regime de guarda conjunta ali estabelecido.

É certo que o requerente e a requerida não declararam formalmente a transmissão do arrendamento da casa de morada da família desta para aquele, mas não é menos certo que assentiram em consignar, no âmbito do acordo definitivo de regulação das responsabilidade parentais relativo à sua filha CC, que a residência do requerente era essa casa de morada da família e a da requerida a residência dos seus pais.

Com efeito, uma regulação dessas responsabilidades parentais em regime de guarda conjunta, partilhada em semanas alternadas, entre os dois progenitores requer, necessariamente, uma definição clara das respetivas residências, em ordem a propiciar o adequado planeamento da vida quotidiana da menor com cada um dos progenitores e a correlativa execução em condições de estabilidade.

Acresce que a requerida não logrou provar nem a alegada violência que diz ter sofrido por parte do requerido para decidir passar a residir com a sua mãe, nem tão pouco provou que tenha solicitado, por diversas vezes, ao requerente a entrega da referida habitação de modo a passar a habitar na mesma, como se alcança do facto dados como não provados nas alínea g) a l) do ponto 2.

Neste quadro, a conclusão extraída pela Relação de que a requerida não deu a sua anuência a que o requerido habitasse a referida casa de morada da família revela manifesta desconformidade com os factos dados por provados e por não provados.

E, nessas circunstâncias, não pode também deixar de se reconhecer que uma tal situação constitui um fator de estabilidade, em particular, para o desempenho conjugado da guarda conjunta da menor CC por parte de ambos os progenitores e que, por conseguinte, a sua alteração é suscetível de perturbar o regime de regulação das responsabilidades parentais nessa base estabelecido.


Todavia, provou-se que a requerida trabalhou na fábrica de … até final de fevereiro de 2018, estando, à data do julgamento, desempregada (ponto 1.15 dos factos provados), e que essa entidade empregadora lhe comunicou que, caso esta o pretenda, a contratará para sua trabalhadora com muita probabilidade (ponto 1.17). Provou-se também que a fábrica acima mencionada dista cerca de um quilómetro da casa de morada da família em causa (ponto 1.16), não constando dos factos provados quanto dista da atual residência da requerida.

Pretende esta com tais factos justificar a necessidade superveniente de habitar naquela casa.

No entanto, dessa situação de desemprego, ao que parece temporária, não resulta que esteja comprometida a residência da requerida na casa dos seus pais, tal como vem sucedendo.

Por outro lado, não se divisa que o facto de aí residir constitua obstáculo a que possa obter novo emprego nessa fábrica, como dantes não constituiu quando lá trabalhou até fevereiro de 2018.

Assim sendo, a referida situação de desemprego da requerida não configura sequer uma circunstância superveniente que se mostre suscetível de alterar as suas condições de residência em casa dos seus pais, residência esta por ela assumida no acordo definitivo de regulação das responsabilidades parentais relativo à menor CC homologado em 22/03/ 2017.  

 

Por fim, o facto de o contrato de arrendamento sob o regime de renda apoiada se encontrar em nome da requerida, na qualidade de arrendatária, e de o mesmo lhe ter sido concedido em virtude da sua situação económica não implica, sem mais, que o mesmo não possa ser transmitido ao requerente nos termos do artigo 1105.º do CC.

Com efeito, o arrendado destinou-se à habitação exclusiva permanente da arrendatária e do seu agregado familiar (cláusula 6.º, n.º 1, do referido contrato – fls. 67) e a renda apoiada foi fixada em € 22,97 mensais (cláusula 4.ª, n.º 1, do mesmo contrato – fls. 66), atendendo aos critérios constantes do artigo 5.º do Dec.-Lei n.º 166/93, de 07-05, em que se inclui, como fator de cálculo, precisamente, o rendimento mensal corrigido do agregado familiar.

De resto, o montante dessa renda pode ser atualizado ou reajustado em função da variação ou alteração do rendimento mensal do agregado familiar, nos termos do artigo 8.º, n.ºs 2 e 3, do mencionado Dec.-Lei.

Ademais, nenhuma disposição consta deste diploma que seja obstativa da transmissão do contrato de arrendamento prevista no artigo 1105.º do CC, aplicável aos casos de rutura de união de facto por força do artigo do 4.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05, na redação dada pela Lei n.º 23/2010, de 30-08.

Em suma, o tipo de arrendamento a que se encontra sujeita a casa de morada da família em causa não constitui impedimento legal à transmissão do mesmo pretendida pelo requerente.

    

Posto isto, embora não caiba no âmbito da presente revista sindicar, intrinsecamente, os juízos de conveniência e oportunidade formulados pela Relação, impõe-se ainda assim concluir que a decisão recorrida não respeitou o consignado pelo requerente e requerida quanto às respetivas residências no quadro do acordo definitivo de regulação das responsabilidades parentais relativas à sua filha menor CC, homologado por sentença datada de 22/03/2017, nem atentou, nessa medida, como devia, no interesse da menor resultante do assim acordado, violando, desse modo, o preceituado no artigo 1105.º, n.ºs 1 e 2, do CC.

Por seu turno, a sentença da 1.ª instância, ao sobrelevar o continuado uso da casa de morada da família pelo requerente, desde a rutura da união de facto, sem oposição e mesmo com a anuência da requerida, e a importância fundamental dessa situação no âmbito do regime da guarda conjunta da filha menor de ambos, estabelecido no sobredito acordo de regulação de responsabilidades parentais, em detrimento da episódica situação de desemprego da mesma requerida, pautou-se por uma ponderação dos factos provados e não provados condizente com a observância do quadro normativo constante do indicado artigo 1105.º, n.ºs 1 e 2.

Termos em que cumpre conceder a revista de modo a repor a decisão da 1.ª Instância.


V - Decisão


Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se a decisão recorrida e, em sua substituição, na linha do julgado na 1.ª instância, decide-se:

a) - Atribuir a casa que fora de morada da família em causa exclusivamente ao requerente AA mediante a transmissão para este da posição da arrendatária BB no contrato de arrendamento titulado no documento reproduzido a fls. 57-60;

b) – Determinar que, após o trânsito em julgado da presente decisão, seja esta comunicada ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana – IHRU, IP, na qualidade de senhorio, nos termos e para os efeitos do artigo 1105.º, n.º 3, do CC, aplicável por força do disposto no art.º 4.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05, na redação dada pela Lei n.º 23/2010, de 30-08.

     As custas da ação e dos recursos são a cargo da requerida, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


Lisboa, 30 de maio de 2019


Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching

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[1] Relatado pelo Juiz Cons. Lopes do Rego, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[2] A este propósito, podem consultar-se o acórdão do STJ, de 02/06/2016, relatado pelo Juiz Cons. Salazar Casanova, proferido no processo n.º 1233/14.8TBGMR.G1.S1, e os outros acórdãos do STJ ali citados, acessível na Internet, – http://www.dgsi.pt/jstj.