Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
876/12.9TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: CONTRATO DE PERMUTA DE TAXAS DE JURO (SWAP)
CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO
JOGO E APOSTA
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
ABUSO DO DIREITO
Data do Acordão: 01/26/2016
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - DIREITO INSTITUCIONAL / SISTEMA FINANCEIRO EUROPEU / INSTRUMENTOS FINANCEIROS.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS.
Doutrina:
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- Yanis Varoufakis, Minotauro Global – Os Estados Unidos, a Europa e o Futuro da Economia Global, Bertrand Editora (especialmente pp. 47 a 69).
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º1, 237.º, 334.º, 437.º.
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, 608.º, N.º 2, 615.º, N.º1, AL. D), 659.º, 661.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 01-06-1973, B.M.J. 228, P. 136;
-DE 06-01-1977, B.M.J. 263, P. 187;
-DE 09-07-1982: B.M.J. 319, P. 199;
-DE 20-11-1995;
-DE 16-12-2010, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 20-09-2011, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 877/12.7TVLSB.L1-A.S1, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 309/11.8TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Jurisprudência Estrangeira:
JURISPRUDÊNCIA ESPANHOLA

SENTENÇA DA AUDIÊNCIA PROVINCIAL DE ÁLAVA:
-DA 1.ª SECÇÃO, DE 18 DE JANEIRO DE 2011.
*
SENTENÇAS DO TRIBUNAL SUPREMO:
-DE 30 DE JUNHO DE 2014, PUBLICADA NO SITIO DO CONSEJO GENERAL DEL PODER JUDICIAL, E DE 15 DE OUTUBRO DE 2014.
Sumário :

I – Os swap constituem uma família de contratos que comporta entre as partes uma obrigação de pagamento – segundo as modalidades previstas pelo contrato- de umas importâncias calculadas; os contratos referem-se a produtos ou câmbios conexos a activos e a passivos financeiros. As modalidades previstas no contrato fixam os vencimentos dos pagamentos, a realização do pagamento integral das cargas ou dos produtos objecto da transferência ou o pagamento de um diferencial quando exista.” (…) “O swap começa com a vontade de uma transferência de um produto entre os contraentes. Os pagamentos realizados entre as partes nem sempre correspondem aos produtos. Tudo é causa de uma confusão. Em muitos casos o pagamento reduz-se ao simples diferencial entre o saldo dos produtos sejam actividades ou passividades transferidas; noutros casos, o útil ou a economia realizada pelas partes estão divididas entre si mesmas. (…) “a intenção das partes num contrato de swap é unir-se reciprocamente mediante obrigações de pagamento. O swap é mais que um simples intercâmbio de fluxos financeiros conexo aos respectivos endividamentos das partes, tem além disso com fim o benefício de aforro.”                            

II. - Os autores soem indicar como características do contrato o este ser: i) um contrato principal e típico. É um contrato principal porque os pactos das partes do Swap não modificam o conteúdo do contrato a que o swap serve de cobertura. Não existe subordinação entre o swap e a operação de financiamento a que serve de cobertura, mas tão só uma vinculação económica; ii) é um contrato consensual, iii) sinalagmático, iv) de relevância pessoal; v) oneroso vi) comutativo, se bem com grandes doses de aleatoriedade

III - O contrato de swap configura um contrato típico e normativamente organizado e estruturado, validamente aceite e consagrado nas ordens jurídicas internacionais, nomeadamente no direito comunitário, e não um contrato meramente especulativo, como aderga de ser o jogo e aposta.

IV. - A alteração da taxa de juro, na medida em se integra na alea típica e assumida pelos contraentes, no momento da formação do contrato e da respectiva celebração, não consubstancia uma alteração anormal de circunstâncias (art. 437.º do CC) fundadora da anulação de um contrato de swap.

V - A execução desfavorável a uma das partes do contrato de swap, sendo que qualquer delas tinha uma alea desfavorável, ou favorável, conforme as oscilações do índice das taxas de juros, não justifica a qualificação da conduta de um dos contraentes como ervada de má fé e violadora das regras de conformidade com o direito, legitimadora da invocação do abuso do direito (art. 334.º do CC).

Decisão Texto Integral:

I. – Relatório.

“AA, Lda.”, antes denominada “BB, Lda.”, com sede em ..., intentou, no dia 23 de Abril de 2012, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra o “Banco CC, S. A.”, com sede em Lisboa, pedindo a resolução do contrato de permuta de taxa de juro celebrado entre Autora e Ré, em 17 de Abril de 2008, por virtude da alteração anormal das circunstâncias.

Para o pedido que impetra, a Autora alega:

- No dia 17 de Abril de 2008, celebrou com a sociedade bancária demandada, um contrato de permuta de taxa de juros, pelo período de cinco (5) anos – data de início do contrato em 28/07/2008 e data de vencimento em 28/07/2013;

- O contrato em apreço não representa qualquer possibilidade de ganho para a Autora, ao invés propina avultados e imanes ganhos para a demandada, tendo, na altura da propositura da acção gerado um prejuízo de € 218.042,02 e a manter-se o estado de coisas perdurarão, até final da execução do contrato, os prejuízos até ao montante de € 320.000,00;

- A situação de prejuízos decorre, no entendimento da Autora, da crise económica e financeira internacionais e da descida abrupta, inesperada, anormal e imprevisível da taxa Euribor a 3 meses que se verificou no último trimestre do ano de 2008;

- As partes, no momento da celebração do contrato, não representaram a situação que veio a ser gerada pelas convulsões económico-financeiras referidas e que veio a originar “um desequilíbrio brutal” no contrato, o que é passível de ofender os lídimos princípios da boa-fé contratual, por virtude de “uma drástica e anormal alteração das circunstâncias”;

- No contrato ajuizado, a Autora comprometeu-se a pagar, trimestralmente, uma taxa de juros sobre a quantia de € 2.000.000,00: a) a taxa fixa de 4,66% caso a Euribor a 3 meses (fixada no segundo dia útil anterior ao inicio do respectivo trimestre) fosse i) inferior a 4,15% ou ii) simultaneamente igual ou superior a 4,66% e igual ou inferior a 5,30%; b) a taxa variável de juros “Euribor a 3 meses” (fixada no segundo dia útil anterior ao inicio do respectivo trimestre) caso essa taxa seja i) simultaneamente ao igual ou superior a 4,15% ou ii) superior a 5,30%;      

- Por seu turno o banco obrigava-se a pagar, trimestralmente, a taxa de juro variável “Euribor a 3 meses” calculada sobre a importância nominal acordada fixada no segundo dia útil anterior ao início do respectivo trimestre;

- O colapso bancário (Lehman Brothers) decorrente de empréstimos à habitação ancorados em obrigações classificadas pelas agências de rating com triplo A, a que se convencionou apodar de “subprime” desencadeou uma crise económico-financeira e, concomitantemente, uma descida acentuada da taxa de juro de referência para as operações bancárias, denominada “Euribor”;

- Os pressupostos em que assentou o negócio sofreram, no prazo de dois anos (2008-2009), uma variação nominal de 4,85% para 0,07%, o que induz uma alteração da base do negócio e um ratio negativo entre Abril de 2008 e Dezembro de 2010 de 80,54%, o que se repercutiria em 2011;

- A autora teve perdas, nos quatro trimestres do ano de 2009 de cerca de € 54.000,00; no ano de 2010 uma perda global de € 79.195,17; no ano de 2011 uma perda de € 68.804,18; e no primeiro trimestre do ano de 2012, uma perda de € 16.042,67, no total de € 218.042,02.  

- A iniciativa da celebração do contrato partiu da entidade demandada, ainda que esta nunca tivesse subordinado a aprovação de linhas de crédito da outorga de contratos swap.

Na contestação que apresentou a entidade demandada, depois de um enquadramento da figura do swap – cfr. artigos 13 a 54 – refere que a demandante procurou limitar os custos de financiamento, pela fixação de uma taxa de juro referenciável que vigoraria durante o período de vigência do financiamento “passou a saber qual o custo máximo desse financiamento, uma vez que, independentemente, das variações da taxa de juro indexadas à “Euribor” esse custo nunca poderia ultrapassar a taxa de 4,66%” – artigo 59 da contestação. 

Na réplica – cfr. fls. 89 a 93 – a demandante manteve a posição evidenciada supra.  

No despacho saneador – cfr. fls. 103 a 123 – o tribunal de primeira instância decidiu “julgar improcedente, por não provada, a presente acção e, por via disso, absolver a Ré do pedido”.

Interposto recurso de apelação – cfr. fls. 209 a 235 – o tribunal de recurso, em decisão de, 15 de Janeiro de 2015 – cfr. fls. 547 a 573 – viria a “(..) negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Na manutenção da discordância com as decisões das instâncias, foi interposto recurso de revista (excepcional) que viria a ser inadmitido por douta decisão de fls. 1252 a 1256, por estimar não se verificar o requisito invadeável da “dupla conformidade” entre a fundamentação das decisões.

Para a revista que almejam, impõe a recorrente o quadro conclusivo que queda extractado, infra.

I.a. – Quadro Conclusivo.

“1. Contraposto o Acórdão cuja revista se pede com os Acórdãos Fundamento tirados pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do proc. n.º 1387/11.5TBBCL.G1.S1, de 10/10/2013 (junto como doc. 1) e pelo Tribunal da Relação de Lisboa proferido no proc. n.º 2587/10.0 TVLSB.L1-6 (cuja cópia se juntou como doc. 2) constata-se a existência da contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito a que alude o artigo 672.º do Código de Processo Civil que possibilita a chamada revista excepcional no caso de "dupla conforme".

2. As questões jurídicas com solução jurisprudencialmente controvertida que justificam a admissibilidade da presente revista excepcional, subsumem-se a saber se um determinado contrato, pelas partes denominado de permuta de taxa de juros (contrato de swap); i) pode ser declarado objecto do instituto da alteração superveniente das circunstâncias prevista no artigo 437.º do Código Civil (conforme se defende no Acórdão fundamento do STJ); ii) e se o mesmo, quando meramente especulativo, pode ser declarado nulo, nomeadamente por se degradar num contrato de jogo e aposta, nos termos do artigo 1245.º do Código Civil (conforme se preconiza no Acórdão fundamento do TRL).

3. É convicção da Recorrente que o Acórdão recorrido andou mal ao não declarar a nulidade do contrato que está na génese dos presentes autos ou a sua resolução, mal se percebendo que, tendo o Tribunal a quo conhecimento da existência dos arestos que aqui se apresentam como "acórdãos fundamento", não tenha empreendido um esforço argumentativo numa lógica dialéctica quanto aos mesmos.

4. Antes dessa questão de fundo, a Recorrente assaca ao Acórdão recorrido o vício de nulidade por omissão de pronúncia (nulidade hoje prevista na alínea d) do artigo 615.º do CPC ex vi artigo 666.º do mesmo CPC) na medida em que deixou de apreciar o pedido ínsito nas conclusões 19, 20, 21, 22 e 26 das alegações de Apelação, no sentido de que fosse aditasse um conjunto de facto ao probatório que, no seu entendimento, que mantém, deveriam ter sido levados aos factos assentes por alegados pela Autora e não impugnados pelo Réu.

5. O Tribunal recorrido entendeu desnecessário proceder a tal ampliação sendo porém certo que os factos cuja adição ao probatório se pretende têm total e óbvia ligação às questões decididas: as conclusões 19, 20, 21 e 22 têm total e precedente relevância para a decisão da questão relativa à alteração superveniente das circunstâncias, sendo que o facto mencionado na conclusão 26 releva para a apreciação sobre a questão da natureza especulativa do contrato e a inerente nulidade que se pediu.

6. Com efeito, foi alegado e aceite nos articulados que os prejuízos sofridos pela Autora no âmbito do contrato dos autos resultam da crise económica internacional, concretamente da descida abrupta, inesperada, anormal e imprevisível da Taxa Euribor a 3 meses que se verificou no último trimestre de 2008 e a sua manutenção em níveis extremamente baixos. (vide artigos 15.º, 16.º, 18.º e 19.º da p.i.), sem que as decisões a quo os tenham inseridos no probatório apesar de plenamente provado por acordo.

7. Foi igualmente alegado e aceite que a conjuntura de 2007 (em que a taxa Euribor 3 meses oscilou entre os 3,89 % e os 4,81 %) presidiu ao espírito da celebração do contrato dos autos (vide artigos 31.º a 37.º da p.i.)

8. Foi igualmente também alegado e aceite que em 2008 a Autora teve ganhos sem qualquer expressão (vide artigo 77.º da p.i.). Neste particular, o Tribunal a quo decidiu plasmar no ponto 20 que "a autora teve ganhos em valor não apurado". Por não corresponder ao posicionamento das partes nos articulados, deverá ser revogado o ponto 20 do probatório e corrigido em conformidade com o alegado em 47 da p.i. e aceite pelo Banco Réu.

9. Igualmente omitiu o Tribunal, apesar de aceite pelas partes, que, tal como alegado em 13.º e 61.º da p.i. e aceite pelo Réu que - a Autora registou até ao primeiro trimestre de 2012 uma perda com o contrato que ascende a 218.042,02 €.

10. Como se disse, todos os pontos de facto salientados deveriam ter sido levados aos factos assentes, e, não o tendo feito, a primeira instância havia violado o n.º 2 do artigo 490.º do C.P.C. (hoje n.º 2 do artigo 574.º do NCPC) - norma que, de resto, igualmente foi violada pelo tribunal recorrido.

11. No que contende com o facto inserto na conclusão 26 da apelação, e que se pretendia, e pretende, ver aditado, que o swap dos autos não tinha a função que o Banco Réu alegou como sua razão de ser, deve dar-se como provado que: ... contrato dos autos não visava convencionar sobre o risco da taxa de juro inerente a operações de financiamento celebrados entre a Autora e o Réu, antes se concluindo que o contrato celebrado entre as partes é meramente especulativo.

12. Radica tal pedido de ampliação na medida em que, tendo o Banco Recorrido, na sua contestação, excepcionado que o contrato dos autos visava garantir a taxa de juro de um financiamento que concedera à autora Apelante - vide, entre outros, os artigos 55.º, 57.º, 58.º, 59.º, 60.º, 62.º, 69.º, 71.º, 72.º, 73.º, 77.º, 78.º, 81.º, 83.º, 96.º, 97.º, 112.º, 130.º, 137.º,139.º da Contestação, o que foi impugnado no artigo 29.º da Réplica - não o logrou provar, sem que tenha junto sequer um documento a comprovar tal alegação, cujo ónus lhe incumbia, e sendo ademais certo que tal prova só se poderia fazer por via documental por força do artigo 394.º e 351.º do Código Civil.

13. É por isso assente que o contrato dos autos não tinha associado qualquer financiamento, tendo as partes ficcionado um valor nominal (2.000.000,00€) que não correspondia a qualquer quantia real, não tendo o banco Réu oferecido qualquer meio de prova (necessariamente documental ou, como coloca em hipótese académica o Prof. Lebre de Freitas no Parecer junto aos autos com a Apelação e que se tem como integrante das presentes alegações, através do pedido de depoimento de depoimento de parte) para ilidir a presunção ínsita no n.º 1 do artigo 235.º do mesmo CC que determina "podem as partes estipular uma forma especial para a declaração; presume-se, neste caso, que as partes se não querem vincular senão pela forma convencionada."

14. No caso vertente, e como resulta evidente, todos factos invocados e que se pretendiam que fossem acolhidos pelo probatório têm relação com as questões decididas, pelo que não se pode aceitar que o seu "não conhecimento" seja justificado pela solução da questão de direito que o Tribunal entendeu ajustada em face dos factos transitados da primeira instância já que estes, os factos, são necessariamente questão a resolver precedentemente à questão de direito.

15. Em face do descrito no capítulo precedente, caberia ao Tribunal ad quem, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º do CPC ordenar que o processo baixe à Relação a fim de que a mesma seja reformada e ampliada em conformidade.

16. Todavia a questão da fixação da matéria de facto - quer proceda ou não a invocada nulidade - pode e deve ser vista de outro prisma, avocando o Supremo Tribunal de Justiça o poder de considerar, sem mais, a factualidade adquirida pelo processo à luz das regras processuais e de aquisição da prova na medida em que os fundamentos subjacentes à pretendida ampliação da matéria de facto que foi desatendida pelo tribunal recorrido não se circunscrevia a um erro de julgamento da apreciação da prova - no sentido de censura à análise crítica dos elementos de prova - mas sim à incorrecta aplicação (ou não aplicação) dos artigos 490.º (574.º, n.º 2 do CPC) e 235.º, 391.º e 394.º do Código Civil - neste sentido os Acórdãos do STJ citados no corpo das alegações (proc. 1727107.1TBSTS-L.P1.81, de 04/07/2013, proc. 886/2001.C2.S1, de 12101/2011, 1038/08.TBAVR.C2.S1, de 16/11/2011, 04S4094, de 15/02/2005, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

17. Devem pois ser tomados em consideração para posterior subsunção jurídica os factos acima sublinhados por terem sido admitidos por acordo e/ou, sendo factos exceptivos, devidamente impugnados na réplica sem que houvesse sido produzida prova em sentido contrário

18. No que contende com o cerne da questão o Tribunal recorrido andou mal ao não considerar nulo o contrato dos autos, desde logo pelas razões que enformaram o Acórdão fundamento do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de Março de 2013, segundo o qual o contrato de swap só o será verdadeiramente se o risco e o objectivo da sua cobertura existir. Inexistindo cobertura de risco (porque não existe nenhum financiamento subjacente cujo risco se pretenda - ("gerir”), conclui-se que foi contratada outra coisa que não um swap.

No caso do swap de taxa de juro que não vise cobrir um risco de variação de valor respeitante a determinada ou determinadas operações, económicas ou puramente financeiras, que pura e simplesmente não existem, há um contrato meramente especulativo, em que a troca mais não serve do que uma finalidade de jogo ou aposta ilícito, devendo ser declarado nulo quer por força do art. 1245.º do Código Civil quer por aplicação directa dos artigos 280.º e 281.º do Código Civil (ilicitude por falta de causa/objecto e por contrariedade à ordem pública).

20. Da análise do clausulado de um contrato de swap de taxa de juro, terá que resultar que a transferência ou imputação do risco que por via dele se opera é funcionalmente orientada para a cobertura de um risco. O swap de taxa de juro tem que ser construído como instrumento de cobertura de risco, para ser válido. Se assim não for, caímos inexoravelmente na constatação de que se trata de pura e dura especulação

21. Ora, atento o contrato dos autos (e no sentido defendido pelo Acórdão fundamento da Relação de Lisboa tal é quanto baste): conclui-se que o mesmo não contém qualquer referência expressa à realidade económica subjacente, ou seja, à realidade de que derivam os contratos, seja tal realidade financeira referenciada ao banco contraparte ou a terceiras entidades.

22. Efectivamente, embora se diga no contrato que serve um objectivo de gestão de risco de taxa de juro, sob a epígrafe "racional do contrato" (facto 4), não se dilucida dos contratos e respectivos termos que risco em concreto se pretende "gerir", ou seja, por via de que realidade financeira/operação financeira subjacente as partes celebram o contrato.

23. A mera referência a esse racional do contrato não se mostra integrada em concreto, sendo impossível de se integrar por apelo a elementos constantes dos contratos (v.g. existência de financiamentos ou quaisquer contratos com componente sujeita a variação por via da oscilação da taxa de juro) e por isso situa-se no plano da abstracção.

24. Ou seja, a gestão de risco de taxa de juro que é mencionada no contrato é insusceptível de verificação/comprovação porque é afirmada num "vácuo financeiro" em que, por referência ao concreto contrato celebrado, inexiste a situação económica/financeira subjacente cujo risco se visaria supostamente cobrir.

25. Assim, e no sentido propugnado pelo Acórdão fundamento, do conteúdo contratual resulta a criação de um risco endógeno, pelo que o contrato dos autos não é um swaps de taxa de juros, mas sim um contrato de aposta, devendo ser proferido acórdão que decida pela respectiva nulidade à luz do regime do artigo 1245.º do Código Civil.

26. Acresce que a circunstância de o contrato dos autos não visar a gestão de risco mas criar, ele próprio, o risco, pode e deve ser perspectivado por outros ângulos que igualmente acarretam a sua nulidade.

27. Ele será também nulo como ensina Lebre de Freitas em excerto supra citado porque sendo puramente especulativo se queda "desviado da função que lhe deu origem para constituir um contrato de puro risco, o contrato de swap, por não haver norma específica que neste caso o permita, é nulo (fim contrário à lei: art. 281.º do Código Civil), sem que lhe aproveite o princípio da liberdade de negociar e estipular ".

28. Nulidade que se divisa também por contrariedade à ordem pública, nos termos da argumentação do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça tirado no processo 531/11.7TVLSB.L 1.S1 de 29/01/2015 (que por não se encontrar ainda publicado se juntou como doc. n.º 3).

29. Como se diz nesse douto aresto: "A tolerância da ordem jurídica à especulação não é irrestrita e importa distinguir entre a especulação tida como proveitosa ao correcto funcionamento da economia e eticamente aceitável e a busca da álea em si mesma e independente de qualquer outro motivo que a sustente ou explique (i.e. com especulação hasardeuse) e a que se reconduz, no fundo, a correspondente geração de proveitos a partir da simples aplicação de uma determinada taxa vigente num certo momento a um mero valor nocional, não se vislumbrando qualquer razão que legitime uma equivalência entre a finalidade de imunização de um risco pré-existente ao swap ou seu contemporâneo e a tomada independente de um risco gerado por este, tanto mais que tal cor responderia a assumir como aceitáveis e toleráveis, pela sociedade, os enormes riscos sociais e económicos associados a essa prática.”

30. Continuando: "Não se demonstrando que as partes - e, em particular, a autora ­procuraram acautelar qualquer risco, fica por comprovar a existência de um " casamento" entre um hedger (que visa, por meio de um swap, prevenir um cenário de risco desfavorável) e um especulador (que formula previsões de sinal contrário e se dispõe a aceitar esse risco mediante o pagamento de uma compensação financeira), o que tornaria economicamente virtuosa (ou, por outras palavras, séria) e, nessa medida, aceitável e legitima especulação. "

31. Para concluir: "Confrontando a pura especulação viabilizada pelos contratos dos autos com os princípios e valores prevalentes na nossa sociedade (ainda que interpretados actualistícamente), ponderando as desutilidades sociais e económicas que aqueles são aptos a gerar e rememorando o que evola do artigo 99.º, al. c) da Constituição da República Portuguesa, facilmente se alcança a sua desvalia face a esses valores cogentes e ao bem comum, o que autoriza que se conclua pela sua contrariedade à ordem publica e, consequentemente, pela sua nulidade.".

32. O contrato dos autos é também nulo por n.º 2, art. 280.º CC) e abuso de direito (334.º CC) conquanto que se perceba a relevantíssima dicotomia criação vs cobertura de risco.

33. Tal dicotomia tem reflexos tanto para a circunstância de o contrato de swap não ter verdadeiramente inerente realidade financeira, como nas situações em que, independentemente dessa existência ou não, o risco resulta do próprio c1ausulado, i.e., das fórmulas encontradas pelas partes para dividir o risco da operação contratada.

34. De tal forma que, quando como no caso dos autos, o ganho previsto no contrato para uma das partes é infinitamente inferior ao ganho da outra, não se está a cobrir risco, está-se a criar risco, i.e., independentemente do cariz meramente especulativo ou não do contrato dos autos, é forçoso reconhecer-se que a arquitectura do contrato é de tal forma desequilibrada que não prossegue qualquer objectivo de cobertura de risco.

35. Trata-se do caso dos autos, como resulta do teor do contrato transcrito no facto 4. segundo o qual o máximo que a Recorrente poderia "ganhar" era o correspondente a 0,64% apenas quando e se a taxa de juro Euribor estivesse no intervalo entre 4,66 % e os 5,30 % nas exactas "Datas de Pagamento da Taxa" (termo utilizado no contrato), sendo que na Recorrente necessitaria efectivamente de uma cobertura de um hipotético risco - quando a Euribor a 3 meses fosse superior a 5,3 %, não existia qualquer protecção da subida da taxa de juros.

36. Em face deste programa negocial, o risco máximo que emerge para o banco Réu era de 0.64 % e apenas nos casos que a Euribor a 3 meses se situasse entre 4,66% e 5,30%, enquanto que, por seu turno, o risco máximo da Recorrente no contrato de era de 4.66 %, isto por trimestre e sobre um valor global de 2.000.000,00 €.

37. E não se diga, como o afirma o Acórdão Recorrido, que tal variação de taxa não é expressiva ("em não mais de 4%"), pois trata-se de uma desproporção, entre os riscos assumidos, na ordem dos 720%, donde se constata um óbvio desequilibro na permuta das taxas que foi contratado, valendo aqui por inteiro as considerações tecidas pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão datado de 31 de Janeiro de 2013 supra citado sobre a imparidade das regras contratuais.

38. Ora, a desproporção enorme entre as margens de risco que cada uma das partes assumiu com a outorga do contrato, para além de violar o principio da boa fé e da equivalência que subjaz ao direito das obrigações e, em especial, aos contratos de "troca", é em si mesma ilustrativa de que muito dificilmente o dito objectivo de cobertura de risco seria alcançado.

39. Daí que se conclua que a probabilidade exponencialmente maior de um contraente sair beneficiado com o contrato revela que, verdadeiramente, não se procurou com o contrato cobrir qualquer risco, antes sim, especular.

40. E Sempre se diga, porém, que mesmo que fosse permitido o contrato de swap meramente especulativo, ele teria de se apresentar como tal e não como um produto cujo racional, de acordo com o que se no contrato expressamente "um objectivo de gestão de risco de taxa" - tal contradição implica um desvio funcional ou de causa que sempre configura causa autónoma de nulidade.

41. Subsidiariamente, sempre se poderá perspectivar a situação à luz do abuso de direito na modalidade do "desequilíbrio no exercício jurídico", em cuja categoria se integra "a desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem" a que alude Menezes Cordeiro, em manifesta desconformidade com os princípios da boa fé objectiva e da justiça contratual e susceptível, de acordo com esse Autor, de integrar a previsão do art. 334º do CC na medida em que há um exercício que manifestamente ultrapassa os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

42. O efeito do abuso de direito é a declaração da anti-juridicidade do mesmo, pelo que a sua consequência deverá ser a nulidade do contrato dos autos com todos os seus legais efeitos.

43. Para o caso, que não se concede, de o contrato não ser considerado nulo, não se vêem razões para que, no presente recurso, este Supremo Tribunal decida de forma divergente do plasmado no proc. n.º 1387/11.5TBBCL.G1.S1, a cuja fundamentação se adere inteiramente e que aqui se convoca sendo, pois, aplicável à situação dos autos o regime da alteração das circunstâncias.

44. O facto de as taxas terem descido tão drástica e brutalmente não resultou de um comportamento normal, ou natural, da taxa Euribor, mas, como é sabido, da intervenção estatal, à escala Europeia, nomeadamente através das políticas de correcção monetária tomadas em reacção à crise consubstanciada na descida, igualmente "drástica e brutal" das taxas de referência do Banco Central Europeu que optou, para salvar os Bancos, como o recorrente, por "embaratecer' o dinheiro que emprestam aos bancos dele necessitados, e, consequentemente, o preço que o dinheiro que os bancos cobram uns aos outros (expresso precisamente pela na Euribor) igualmente desceu.

45. Com efeito, a alteração das circunstâncias de que tratam os presentes autos foi fruto de uma intervenção externa à composição da Euribor, que por sua vez foi motivada por uma crise económica e financeira que, por só, e dada a sua gravidade, nada teve de normal nem, muito menos, era esperada ou expectável pelas partes. Era, portanto, duplamente imprevisível e anormal.

46. O Acórdão recorrido confunde a aleatoriedade com o risco próprio do contrato, sendo que, como ensina - entre outras avisadas vozes da doutrina e jurisprudência que se deixaram citadas nas alegações - Oliveira Ascensão “ ... o facto de se recorrer à previsão legal do risco para caracterizar a alteração anormal não deve levar a concluir que o instituto não pode ser aplicado no domínio dos contratos aleatórios. É verdade que se o contrato é aleatório a parte aceitou o risco. Mas a alteração das circunstâncias funciona mesmo no domínio dos contratos aleatórios, porque o que estiver para lá do risco tipicamente implicado no contrato pode ser relevante. O que interessa é que a equação económica do negócio, tal como foi querida pelas partes, seja quebrada. "

47. Ao contrário do que resulta da decisão em recurso, é firme convicção da alegante que o ordenamento jurídico dá resposta à questão do óbvio e iníquo desequilíbrio contratual que os autos atestam, sendo que atento o quadro fáctico que consta do probatório [especialmente os pontos 13 a 24] bem como os factos que supra se impetrou fossem considerados provados por aceites, evidenciam a total e absoluta desproporção que fere de morte o equilíbrio mínimo que se deve exigir em qualquer contrato, mesmo naqueles em que se reconhece a existência de um elemento aleatório subjacente à sua celebração.

48. Como resulta dos factos provados, quando as partes formaram a convicção de contratar o elemento central da permuta andava na ordem média 4,5%.

49. Por essa razão, o contrato significava perdas para a Autora sempre que (mas apenas quando) a taxa de juro Euribor a 3 meses fosse inferior a 4,15%, e ganhos apenas quando (mas sempre que) a mesma taxa de juro de referência se situasse no intervalo entre os 4,55% e os 5,30%.

50. Todavia, resultando provado que essa taxa, que aquando da celebração do contrato ascendia a 4,85%, constata-se que a mesma desceu, por razões exógenas e inesperadas, para valores inferiores a 1 %!

51. Mais decorre dos pontos 21 a 24 que, a execução do contrato dos autos, a Autora, aqui Apelante teve um prejuízo que ascendeu, até à data da propositura da acção (Abril 2012) a 218.042,03 €;

52. Ora, considerando que o cenário em que o contrato foi celebrado é absolutamente distinto daquele que veio a ocorrer com a excepcional alteração das circunstâncias económicas e financeiras e ponderando que tal alteração gera obrigações excessivas, onerosas, imprevisíveis e unilaterais para a Apelante torna-se claro que a concreta situação contratual que os autos relatam redundou num grave e acentuado prejuízo, inquinando o contrato a ponto de se poder ter por certo que a sua manutenção viola o princípio da boa fé.

53. A crise económica internacional que teve origem na insolvência do Lehman Brothers (facto 15) trata-se de um acontecimento superveniente que feriu de morte o equilíbrio inicialmente fixado pelo contrato, sendo legítimo concluir, à luz da lógica e da boa fé, que as partes jamais contratariam nos termos em que contrataram se pudessem antever sequer a possibilidade de ocorrência dessa alteração.

54. As partes obrigam-se tendo em vista o quadro da realidade, que envolve o presente e suas perspectivas, pelo que se factos novos e imprevisíveis alteram, completa e irrecuperavelmente, as condições do contrato, impondo ónus excessivos somente a uma das partes, deve o poder Judicial, através dos mecanismos previstos na Lei, obstar à injustiça que se narrou na petição, e não, como o fez a Sentença que está na mira do presente recurso, quedar-se imóvel ao apelo do pacta sunt servanda.

55. E a este propósito, escreveu José de Oliveira Ascensão, no artigo supra citado que "Não matámos o pacta sunt servandi., conjugámo-lo com o rebus sic stantibus. Os pactos devem ser observados (princípio fundamental da autonomia) rebus sic stantibus (princípio fundamental de justiça e de respeito da vinculação realmente assumida)".

56. De acordo com a teoria do sinalagma contratual, a perda de um contratante equivalerá tendencialmente o ganho do outro, donde se constata um óbvio desequilibro na permuta das taxas que foi contratado, pelo que tal desproporção das prestações não pode ter sido representado pela parte "beneficiada" (o Banco), a menos que usasse de dolo, nem, muito menos, pela Recorrida (pois, como consta do Parecer do Prof. Lebre de Freitas junto aos autos de apelação e que se invoca em beneficio da presente revista se o tivesse feito, teria ideações suicidas...). 

57. Vale por dizer que as partes não representaram, à data da assinatura do contrato, e não obstante o que do seu clausulado resulta, que se pudesse verificar tamanha desproporção na troca das taxas acordada. E não representaram porque o histórico da Euribor - desde o seu início até à data da contratação, bem como a forma como essas taxas são normalmente determinadas não fazia supor, muito menos prever, o descalabro a que se assistiu: a crise económica e financeira, não previram a insolvência do Lehman  Brothers, a intervenção europeia, nomeadamente do BCE na diminuição da taxa de referência, não previram que tudo isso acontecesse e que a Euribor descesse para os níveis que desceu.

58. Não previram porque não o podiam prever. Não o podiam prever porque se tratou de uma situação anormal que alterou o background do contrato e feriu de morte o equilíbrio sinalagmático. O que as partes previram ou poderiam prever era que, de acordo com as regras da normalidade do acontecer, a taxa Euribor, poderia ter ligeiras flutuações, para cima ou para baixo, como ao longo da sua história se vinha verificando.

59. E o Banco Recorrido previu até o contrário, i. e., o Banco Recorrido admitiu como provável que a Euribor subiria acima de 5,3% (tanto assim que disso se protegeu!!!), não conferindo o contrato qualquer ganho à Autora caso tal viesse a suceder.

60. A acentuadíssima e abrupta queda da Euribor é uma circunstância anormal e que não era sequer hipotizada pelas partes. E o Recorrente sabe isso. Tanto sabe que na já aludida Comissão Parlamentar de Inquérito à Celebração de Contratos de Gestão de Risco Financeiro por Empresas do Sector Público, o Presidente da Comissão Executiva do Banco CC, SA, Sr. Dr. DD afirmou que as "probabilidades de alguma vez vir a acontecer aquilo que aconteceu eram, na altura, ínfimas".

61. Perante este circunstancialismo, manter o contrato na ordem jurídica redunda num enriquecimento anormal, em benefício do credor, determinando um empobrecimento da mesma natureza anormal, em relação ao devedor, claramente ofensivo da boa fé.

62. Como concluiu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 10/10/2013, "perante o desequilíbrio supervenientemente ocorrido, a exigência do cumprimento contrato revelar-se-ia manifestamente abusiva, pela desconsideração da alteração anormal entretanto ocorrida, afectando o princípio da igualdade, imposto pela exigência da boa - fé, na execução contratual'.

63. O Acórdão recorrido violou, eventualmente entre outras normas, os artigos 574.º, 615.º e 666.º do CPC, os artigos 235.º, 280.º,281.º, 334.º, 391.º, 394.º, 437.º e 1245.º do Código Civil e a al. c) do artigo 99.º da CRP.”

Revidou o recorrido – em alegações inanes e de evidente indigência jurídica – tendo rematado a descomunal e imane “narrativa”, com o epítome que a seguir queda extractado

Da alegada omissão de pronúncia...

2. Inexiste qualquer omissão de pronúncia porque o acórdão recorrido considerou que as partes aceitaram o risco de perda da Euribor, mesmo para além dos seus limites médios de oscilação, pelo que era irrelevante para a decisão saber se a crise foi inesperada ou anormal, se a conjuntura de 2007 presidiu ao espírito da celebração dos autos, ou quais os prejuízos da Autora.

3. Por outro lado, também não faria sentido que o tribunal se pronunciasse sobre o ponto 26 das conclusões de recurso, isto é, sobre se o contrato visava ou não convencionar sobre o risco da taxa de juro, pois a nulidade do swap por excepção de jogo e aposta não fazia parte do pedido ou da causa de pedir (pelo que não faria sentido que o tribunal ampliasse a matéria de facto para apreciar uma questão que estava fora do pedido ou da causa de pedir).

Dos factos alegadamente assentes ...

4. Os factos que a Recorrente pretende estarem assentes são conclusivos e, de resto, estão em oposição com a defesa considerada no seu conjunto pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 574.º do CPC, não poderiam ser considerados admitidos por acordo.

Em especial, do facto relativo à existência de financiamento subjacente ...

5. A finalidade de um contrato não se confunde com os termos (cláusulas) do contrato.

6. O facto de no clausulado do contrato de swap não se dizer que ele visa cobrir ou gerir risco de um financiamento também não significa que a finalidade não seja essa.

7. É evidente que o facto de no contrato de swap não se ter feito referência a um determinado financiamento cujo risco se visa cobrir não quer dizer que ele não exista, do mesmo modo que o facto de se dizer num contrato de swap que ele visa cobrir um determinado financiamento também não quer dizer que ele exista. O subjacente (seja ele um financiamento ou qualquer outra posição que implique exposição ao risco) não existe ou deixa de existir por estar ou não estar referido no contrato.

8. Se alguma conclusão se poderia retirar do clausulado do contrato é de que a finalidade era a de gerir o risco da taxa de juro. Com efeito, conforme consta do ponto 4 da matéria assente, o racional do contrato era o de gestão de risco de taxa de juro, e não a especulação.

9. Não existe qualquer fundamento para se dizer que o objectivo das partes era especular ou que o contrato não tinha por finalidade ou objectivo cobrir o risco de qualquer contrato de financiamento. Quanto muito poder-se-ia concluir exactamente o oposto: que o objectivo do contrato de swap era gerir o risco de taxa de juro.

Alteração anormal das circunstâncias ...

Sobre a normalidade da alteração...

10. Ainda que a crise financeira iniciada com a queda da Lehman Brothers tenha algumas características inéditas, a descida acentuada das taxas de juro que se verificou na sua sequência enquadra-se nas variações normais, cíclicas e recorrentes, das taxas de juro.

11. Em todo o caso, a normalidade ou anormalidade de um determinado fenómeno - como é o caso da variação das taxas de juro - é essencialmente uma conclusão de facto que se terá de basear em factos provados.

12. No caso dos autos inexiste qualquer matéria de facto que possa suportar a conclusão de que a descida das taxas de juro que se verificou após Outubro de 2008 foi anormal, inédita, excepcional ou extraordinária.

Sobre o putativo prejuízo da Autora...

13. A descida (ainda que acentuada) das taxas de juro nunca provocaria uma lesão grave à Autora, mas apenas e tão-só um custo de oportunidade - de resto semelhante ao que incorrem todos aqueles que, antes de 2008, celebraram contratos de financiamento a taxa fixa.

14. De resto, não está provado que a Autora tenha tido qualquer prejuízo.

15. Mesmo os valores pagos pela Autora à Ré (€ 218.042,02) são muito semelhantes ao valor pelo qual a Autora autorizou o Banco CC a preencher a livrança (€ 200.000).

Sobre a aplicabilidade do artigo 437.º do Código Civil a contratos aleatórios...

16. Os contratos de swap são contratos aleatórios.

17. A variação - maior ou menor, mais ou menos acentuada - das taxas de juro é, precisamente, o objecto e a causa dos contratos de swap.

18. Resolver os contratos de swap com base em variações do objecto que os mesmos pretendiam regular - a taxa de juro - é uma contradição nos termos.

19. O instituto da resolução por alteração anormal das circunstâncias não se aplica às variações das taxas de juros em contratos de swap, uma vez que essas variações se encontram - precisamente - abrangi das pela finalidade dos contratos de swap, pela sua álea.

Sobre a base negocial objectiva...

20. Inexiste qualquer alteração à base negocial objectiva subjacente aos contratos de swap em causa nos autos.

21. O cenário da descida das taxas de juro foi expressamente previsto e regulado nos contratos de swap.

22. Nada na matéria de facto provada indica que a descida das taxas de juro que efectivamente se verificou não se enquadrava na divisão de riscos que as partes acordaram.

23. O risco de a taxa de juro descer para níveis muito baixos tinha ademais uma expressa contrapartida financeira: o pagamento pela Autora de uma taxa fixa inferior.

Sobre os riscos próprios do contrato...

24. A descida das taxas de juro está contemplada nos riscos próprios dos contratos em causa nos autos.

25. Riscos próprios dos contratos não são os riscos típicos ou usuais dos contratos; são os riscos cuja distribuição foi acordada pelas partes, afastando o regime supletivo do artigo 437.º do Código Civil.

26. O Banco CC e a Autora estipularam que o risco da taxa Euribor descer abaixo da taxa fixa contratada correria por conta do Autora.

27. Aliás, caso a Autora não tivesse assumido este risco de descida da Euribor para níveis inferiores à taxa fixa contratada, estes seriam, sem dúvida, contratos de swap únicos no mundo, na medida em que a Autora não teria assumido qualquer risco: uma situação em que, independentemente do que viesse a acontecer, a Autora ganharia sempre e o Banco CC perderia sempre.

28. O facto de a Autora ter assumido que pagaria sempre uma determinada taxa fixa, mesmo que a Euribor descesse abaixo de uma determinada barreira, permitiu que fosse fixada aquela taxa fixa em concreto, e não outra.

29. Com efeito, caso tivesse sido contratualizado umfloor, isto é, uma barreira abaixo da qual os contratos deixariam de ter efeito, a taxa fixa acordada nos swaps em causa nos autos teria sido fixada num valor superior.

30. A descida acentuada das taxas de juro não era intolerável ou desrazoável para a Autora: a taxa que a Autora pagava pelos swaps e respectivos subjacentes, antes e depois da descida das taxas de juro, é a mesma, independentemente de a descida ser muito ou pouco acentuada.

31. A descida abaixo ou "muito abaixo" da barreira contratualmente fixada é um risco assumido pela Autora que tem uma contrapartida económica no âmbito do equilíbrio próprio do contrato e da respectiva distribuição de riscos.

32. Por exemplo, se Autora quisesse correr o risco de descida da Euribor até 2%, mas já não abaixo de 2%, teria de negociar um floor de 2%; mas esse floor teria um custo, uma contrapartida económica.

33. A tese da Recorrente equivaleria, afinal, a conceder gratuitamente um floor a favor da Autora, isto é, uma barreira abaixo da qual o contrato fica sem efeito, o que contraria a distribuição de riscos que foi querida e desejada pelas partes e desfaz o equilíbrio económico do contrato.

34. A descida da taxa de juro para níveis próximos do zero é um risco assumido pela Autora que tem, como equivalente económico, uma protecção que é concedida a quem é materialmente contraparte no swap: quem seja contraparte material no swap pretende precisamente, entre outras coisas, cobrir o risco de a taxa de juro descer para níveis muito baixos.

35. Resolver um contrato de swap devido à descida acentuada das taxas de juro frustraria os objectivos de cobertura integral do risco de variação das taxas de juro da contraparte material (contraparte essa que - ao invés de correr o risco de subida da taxa de juro - corre o risco de descida das taxas de juro).

Sobre como a resolução afectaria os princípios da boa fé...

36. A manutenção dos contratos de swap não afecta gravemente os princípios da boa fé, pois apenas se exige à Autora que pague - pelo conjunto dos swaps e respectivos subjacentes - apenas e tão só aquilo que já pagava antes da descida das taxas de juro.

37. Pelo contrário, a resolução dos contratos de swap afectaria gravemente os princípios da boa fé, pois faria com que todo o custo de oportunidade que foi assumido pela Autora fosse transformado num prejuízo efectivo a ser suportado pelo Banco CC, em contradição com as regras de distribuição de risco acordadas pelas partes.

38. Com a resolução, o Banco CC seria forçado a assumir um prejuízo que é consequência de um risco assumido pela Autora, precisamente aquilo que o que o Banco CC pretendia evitar ao agir como mero intermediário.

A jurisprudência mais recente sobre alteração anormal das circunstâncias...

39. A jurisprudência mais recente sobre alteração anormal das circunstâncias afasta a sua aplicação a contratos de swap:

a)      O mesmo relator do referido processo 1387/11.5TBBCL.G1.S1 (caso da fábrica de peúgas de Barcelos) considerou, 4 meses depois, que "Nas situações de crise, a alteração relevante carece ainda de ser anormal, requisito ligado à imprevisibilidade, pois que, sendo a alteração normal, as partes poderiam tê-la previsto e acautelado, na conclusão do contrato, as suas consequências, pelo que as alterações da taxa de juro e de esforço na concessão de empréstimo bancário para pagamento do preço do contrato prometido, o desemprego e a desvalorização da moeda são insusceptíveis e preencher ta requisito;

No recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, considerou-se que "a descida (ainda que acentuada) das taxas de juro faz parte do risco próprio do negócio, pois é, precisamente, essa eventualidade que leva à celebração deste tipo de contratos. Este risco constitui a álea normal do contrato que lhe é intrínseco";

A Relação de Coimbra considerou que "só por si as crises financeiras não podem ser consideradas circunstâncias anormais, que escapam à regra, totalmente imprevisíveis, mas antes situações cíclicas e repetidas no tempo”

 Nos presentes autos, a Relação de Lisboa considerou que "do clausulado do contrato [de swap] em apreciação deriva, a nosso ver sem dúvida, que as partes, para além de estarem conscientes do risco envolvido na operação, embora esperando que tal não se verificasse, aceitaram esclarecidamente o risco de perda, caso a dita taxa Euribor a três meses oscilasse para além do que vinha sendo os seus limites médios de oscilação". Considerou ainda que "a oscilação verificada, para baixo, da taxa se situar em não mais de 4%, leva a concluir que a alteração verificada, nem subjectiva, nem objectivamente, se reveste da gravidade, imprevisibilidade e, sobretudo onerosidade, justificativa do recurso ao instituto especial/excepcional da resolução do negócio por alteração anormal e superveniente das circunstâncias"

(Subsidiariamente) Sobre os efeitos retroactivos da resolução...

40. Os contratos de swap são contratos duradouros de execução periódica ou sucessiva e não de execução instantânea.

41. A resolução de contratos de execução continuada ou periódica não tem efeitos retroactivos, tendo, portanto, apenas efeitos ex nunc, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 434.º do Código Civil.

Jogo e aposta

42. O swap em causa nos autos não é especulativo.

43. A finalidade (especulativa ou não) do swap é uma questão de facto que não consta da matéria de facto provada.

44. O mais recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.02.2015, 309/ll.8TVLSB.L1.S 1 considera que o contrato de swap "Não se trata de jogo ou aposta não estando, em consequência sujeito ao disposto no artigo 1245.º do Código Civil e que "Os contratos de "swap" de taxa de juro, que não têm o propósito directo de cobertura de risco, não são proibidos por lei, tal como o não são aqueles cujo valor nocional não corresponde a um passivo real”.

45. Os swaps são autónomos, independentes e definidos por referência a um capital hipotético, conforme aliás expressamente reconhece o Regulamento (DE) n.º 549/2013.

46. Mesmo os contratos de swap abstractos, de capital nacional ou hipotético são contratos expressamente reconhecidos e acolhidos pela lei nacional, designadamente pelo Regulamento da CMVM n.º 2/2002 e pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007 (transposição da DMIF), e pelo direito Europeu, nomeadamente pelo Regulamento n.º 549/2013.

47. O Regulamento n.º 549/2013 inclusivamente admite a especulação como finalidade dos swaps.

48. A validade dos swaps especulativos é uma decorrência de um mercado financeiro europeu integrado, em que os investidores, mesmo que especuladores, beneficiam de uma protecção eficaz.

49. A qualificação de contratos de swap de taxas de juros celebrados por instituições financeiras, quer como contrapartes, quer como intermediárias, com contratos de jogo e aposta, com a consequente negação de eficácia vinculativa aos seus efeitos, limitaria a possibilidade de recurso a tais contratos na nossa ordem jurídica e pelas empresas portuguesas, também para finalidades com a gestão de riscos de balanço, colocando-as em desvantagem perante a generalidade das ordens jurídicas, onde tais contratos são admitidos, além de constituir uma restrição injustificada à actividade de intermediação financeira".

50. A especulação, num contexto de mercado, é uma finalidade legítima e relevante para a liquidez do mercado, sem a qual era impossível contrariar os ciclos de baixa, que não merece censura do direito e que é aliás típica dos contratos comerciais.

51. A especulação é inerente ao comércio e precisamente uma característica típica dos actos e contratos comerciais.

52. Mesmo que a intenção da Recorrente fosse a de especular (que não é), o Banco CC prossegue apenas a finalidade legítima de intermediação financeira.

53. Estando previsto não só na legislação comunitária como no artigo 2.º, n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários, os swaps estão reconhecidos por legislação especial o que, desde logo, afastaria o regime do artigo 1245.º do Código Civil, "ex vi" do artigo 1247.º.

Desequilíbrio do contrato...

54. De resto, o desequilíbrio dos contratos não é - por si só - causa de nulidade.

55. O facto de uma parte poder ganhar mais do que outra, nada diz sobre o equilíbrio do contrato.

56. Nenhum desequilíbrio ficou provado nos autos.”

I.b: - Questões a merecer apreciação no recurso.

As conclusões comportam a evicção cognoscente das sequentes questões:

a) – Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (não atendibilidade de factualidade que deveria ter sido admitida, por acordo, e atendida pelo tribunal de apelação – cfr. artigo 615.º, alínea d) do Código Processo Civil;

b) – Nulidade do contrato de permuta de taxas de juro (swap), por alteração anormal das circunstâncias (cfr. artigo 437.º do Código Civil e artigos 280.º e 281.º do Código Civil);

c) – Nulidade do contrato por dever ser considerado um contrato especulativo (jogo e aposta) – cfr. artigos 1245.º, ex vi dos artigos 280.º e 281.º, do Código Civil);

d) – Nulidade do contrato por violação do instituto de abuso de direito – cfr. artigo 334.º do Código Civil.   

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

Vem adquirida das instâncias a factualidade que a seguir se deixa transcrita.

“1 - A Autora dedica-se ao fabrico de produtos de papel e alimentares.

2 - O Réu dedica-se à actividade bancária e, além do mais, à comercialização de produtos financeiros.

3 - A Autora é cliente, há vários anos - e já o era antes de 17 de Abril de 2008 - da Ré, o mesmo sucedendo com outras empresas do grupo empresarial em que a Autora se integra.

4 - Autora e Ré, por acordo reduzido a escrito, datado de 17 de Abril de 2008 e denominado contrato de permuta de taxa de juro, celebraram entre si um acordo com o seguinte teor:

“Contrato de Permuta de taxa de juro”

Banco: Banco CC, S. A.

Cliente: BB, Lda.

Importância nominal: Eur. 2.000.000,00

Cauções/Garantias: Livrança Avalizada

Data de início: 28 de Julho de 2008

Data de vencimento: 28 de Julho de 2013 (5 anos)

“Pelo presente nós (o Banco e o Cliente) comprovamos a celebração de um contrato de permuta de taxa de juro, que será objecto de confirmação incorporando todos os seus termos e condições particulares, cujas características essenciais se reproduzem no presente documento:

Termos do contrato

• O Banco paga ao cliente no final de cada período trimestral entre a data de início e a data de vencimento, a taxa de juro Euribor 3 Meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), calculada sobre a importância nominal.

• Em contrapartida, o Cliente paga ao Banco no final de cada período trimestral entre a data de início e a data de vencimento, a seguinte taxa de juro (calculada sobre a importância nominal):

- 4,66%, caso a Euribor 3 Meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre) seja (i) inferior a 4,15% ou caso seja (ii) simultaneamente (a) igual ou superior a 4,66% e (b) igual ou inferior a 5,30%; ou

- a taxa de juro Euribor 3 Meses (fixada no 2º dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), caso essa taxa de juro Euribor 3 Meses seja (i) simultaneamente (a) igual ou superior a 4.15% e (b) inferior a 4,66% ou caso seja (ii) superior a 5,30%.

Racional do contrato

O contrato serve um objectivo de gestão de risco de taxa de juro, em que o cliente paga trimestralmente uma taxa de juro fixa de 4,66% desde que a Euribor 3 Meses não supere 5,30%.

Adicionalmente, o cliente beneficia de poder pagar a taxa de juro Euribor 3 meses nos trimestres em que essa mesma taxa seja inferior a 4,66% mas sujeito a que não seja inferior a 4,15%.

Assim, o cliente registará uma perda com o contrato nos trimestres em que a Euribor 3 Meses seja inferior a 4,15%, mas registará um ganho com o contrato nos trimestres em que a Euribor seja, simultaneamente superior a 4,66% e inferior a 5,30%. Nos restantes casos, o cliente não registará qualquer ganho ou perda com o contrato nos respectivos trimestres.

O Banco enviará brevemente a Confirmação relativamente à presente operação contendo todas as suas condições (e solicitando as garantias, quando aplicáveis), assim como o contrato quadro para operações financeiras (se ainda não assinado), para vossa assinatura e devolução ao banco.

Declaramos a compreensão e aceitação integral da presente operação, bem como dos respectivos riscos e a vinculação nos termos acima constantes, correspondendo o negócio ao que por nós é efectivamente pretendido.

O Cliente O Banco “ (acordo e por documento constante de fls. 27 dos autos).

5 - Autora e Ré, por escrito datado de 23 de Julho de 2008, assinaram um documento que intitularam de “Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juro”, cujo teor, incluindo os respectivos anexos, é o seguinte:

CONFIRMAÇÃO DE CONTRATO DE PERMUTA DE TAXA DE JURO

                                                         (Interest Rate Swap)

“BB - …, LDA.”

ESTR …. ARMZ E…

… ZONA IND. CAPA ROTA - ….

… de Julho de …

Exmos Senhores,

O objectivo desta carta ("Confirmação”) é confirmar os termos e condições particulares do Contrato de Permuta de Taxa de Juro (Interest Rate SWap), acordado entre o Banco CC, S.A. (o "Banco) e BB - …, LDA, com sede em …, …. ZONA IND. CAPA ROTA - …, capital social de 500,000.00 euros, matriculado na Conservatória do Registo Comercial de …. sob o n.º …., pessoa colectiva n.º …. (o "Cliente) na Data da Operação abaixo Indicada (a "Operação).

Esta carta constitui uma Confirmação nos termos estabelecidos no Contrato Quadro para Operações Financeiras ("Contrato Quadro mais recente assinado entre as Partes. No caso de divergência entre o disposto no Contrato Quadro e o estabelecido nesta Confirmação, prevalecerá esta última.

Salvo se da presente Confirmação resultar o contrário, as Partes acordam em que o significado das expressões referenciadas no Anexo 1 será o que consta do mesmo, que desta faz parte integrante.

1. Os termos da Operação a que se refere esta Confirmação são os seguintes:

Condições Gerais Nossa Referência:

Nossa Referência: 6929.001

Data da Operação: 23 de Julho de 2008

Divisa e Importância Nominal: EUR 2,000,000.00

Data de Início: 28 de Julho de 2008

Data de Vencimento: 29 de Julho de 2013, sujeito à Convenção de Dia Útil Seguinte Modificado

Dias úteis: Dia útil TARGET

Taxa a ser paga pelo Cliente

Pagador da Taxa: Cliente

Datas de Pagamento da Taxa: As datas Indicadas no Anexo 2, sujeito à Convenção de Dia útil I

Pagamento da Taxa: Em cada Data de Pagamento da Taxa e relativamente ao Período de Cálculo relevante, o Pagador da Taxa pagará à outra Parte da Operação um montante, expresso na Divisa estabelecida acima, calculado da seguinte forma: Importância Nominal x Taxa x Fracção Contagem Dias Significa, relativamente ao Período de Cálculo e à Data de Pagamento relevantes:

Taxa: (i) a Taxa Fixa, caso a Taxa Variável I seja (a) inferior à Barreira I, ou caso seja (b), simultaneamente, (1) igualou superior à Barreira 11 e (2) igualou Inferior à Barreira III; e (ii) a Taxa Variável I adicionada do Spread I, caso a Taxa Variável I seja (a) simultaneamente, (1) igualou superior à Barreira I e (2) inferior à Barreira II, ou caso seja (b)

superior à Barreira III.

Taxa Fixa: Significa, relativamente ao Período de Cálculo e à Data Pagamento relevantes, a taxa fixa respectiva, conforme Indicada no Anexo 2

Barreira I: Significa, relativamente ao Período de Cálculo e à Data de Pagamento relevantes, a barreira respectiva, conforme Indicada no Anexo 2.

Barreira II: Significa, relativamente ao Período de Cálculo e à Data de Pagamento relevantes, a barreira respectiva, conforme Indicada no Anexo 2.

Barreira III: Significa, relativamente ao Período de Cálculo e à Data de Pagamento relevantes, a barreira respectiva, conforme indicada no Anexo 2.

Taxa Variável I: Significa, relativamente ao Período de Cálculo e à Data de Pagamento relevantes, a Taxa de Referência I para o Prazo Relevante I com respeito à Data de Fixação I respectiva.

Taxa de Referência I: EUR-EURIBOR-Telerate

Prazo Relevante I: 3 Meses

Datas de Fixação I: Significa, relativamente a cada Período de Cálculo, o primeiro dia desse Período de Cálculo.

Spread I: Significa, relativamente ao Período de Cálculo e à Data de Pagamento relevantes, o Spread I respectivo, conforme indicado no Anexo 2.

Base de Contagem Número Dias I: Actual/360

Convenção de Dia útil I: Dia útil Seguinte Modificado

Taxa Variável a ser paga pelo Banco CC, S.A.

Pagador da Taxa Variável: Banco CC, S.A.

Datas de Pagamento da Taxa Variável: As Datas de Pagamento da Taxa Variável indicadas no Anexo 3, sujeito à Convenção de Dia útil II.

Pagamento da Taxa Variável: Em cada Data de Pagamento da Taxa Variável e relativamente ao Período de Cálculo relevante, o Pagador da Taxa Variável pagará à outra Parte da Operação um montante, expresso na Divisa estabelecida acima, calculado da seguinte forma: Importância Nominal x [ Taxa Variável II + Spread II ] x Fracção Contagem Dias

Taxa Variável II: Significa, relativamente ao Período de Cálculo e à Data de Pagamento relevantes, a Taxa de Referência II para o Prazo Relevante II, com respeito à Data de Fixação II respectiva.

Taxa de Referência II: EUR-EURlBOR-Telerate

Prazo Relevante II: 3 Meses

Datas de Fixação II: Significa, relativamente a cada Período de Cálculo, o primeiro dia desse Período de Cálculo.

Spread II: 0.0000%

Base de Contagem Número Dias II: Actual/360

Convenção de Dia útil II: Dia Útil Seguinte Modificado

2. Titulação/Garantia:

3. Resolução Antecipada: Nos termos previstos no Contrato Quadro

4. Retenção na Fonte (IRC/IRS):

Livrança subscrita em branco com aval, com título de autorização

De acordo com o disposto no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) e no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), encontram-se sujeitos a retenção na fonte à taxa de 20% os rendimentos de capitais obtidos pelo alente decorrentes de operações de swap de taxa de juro, com natureza de mero pagamento por conta no caso de IRC. Neste contexto, o Banco considerará que o rendimento tributável passível de retenção na fonte em cada data de vencimento de juros a pagar ao cliente, corresponderá ao diferencial, se positivo, entre (I) os juros a pagar ao cliente e (II) os juros que sejam recebidos do alente ou que se considerem vencidos naquela data, ou os que seriam recebidos do alente caso os mesmos se considerassem vencidos naquela data, conforme o caso (pelo que, caso só sejam determinados em data futura, serão determinados com base nas taxas de juro de referência em vigor na respectiva data de vencimento dos juros a pagar ao Cliente).

Na eventualidade da administração fiscal expressar um entendimento distinto quanto à forma de apuramento do rendimento tributável passível de retenção na fonte, o Cliente é o responsável único pelo pagamento Integral do Imposto devido, devendo, se for caso disso, ressarcir o Banco de quaisquer montantes pagos pelo Banco por conta do Cliente, a título de IRS ou IRC por retenção na fonte, que não tenham sido retidos quando, no entendimento da Administração fiscal, o deveriam ter sido, bem como de quaisquer juros compensatórios e de mora, ou outras quantias, Incorridos por força daquele entendimento distinto.

Instruções de Pagamento

Instruções de Pagamento para Banco CC, S.A.: …

Instruções de Pagamento para cliente: …

6. Estabelecimentos das Partes para esta operação

(a) Banco CC, S.A.

Rua …, n,º …, … Lisboa

(b) BB - …, LDA

ESTR … ARMZ … ZONA IND. CAPA ROTA - …

7. Agente Calculador: CC - …, S.A.

8. Moeda de Pagamento: EUR 

 CC                                                                                                                                              

9. O Cliente expressamente declara que:

- Tem capacidade para entender (por si, ou através de aconselhamento profissional independente), e entende e aceita na íntegra o funcionamento, os objectivos, o conteúdo e os riscos da Operação; e tem ainda capacidade para assumir, e assume, todos os riscos da Operação.

- Está a actuar por sua conta e interesse, e tomou as suas decisões de forma Independente, informada e consciente relativamente à celebração da presente Operação, bem como quanto à adequação e apropriação da Operação para si e para os seus objectivos e interesses, baseado no seu próprio juízo e com base nos aconselhamentos e/ou nas recomendações das entidades que considerou necessárias consultar.

- O Banco apresentou atempadamente e explicou de forma detalhada os objectivos, o funcionamento e todos os riscos da Operação, em particular o risco do Cliente registar uma perda financeira com a Operação, e prestou todas as Informações e esclarecimentos solicitados pelo Cliente.

- O Banco não emitiu qualquer conselho ou recomendação, sob nenhuma forma ou via (escrita, oral ou outra), relativamente à presente Operação, estando o Cliente totalmente consciente que quaisquer apresentações, Informações ou explanações prestadas pelo Banco, em qualquer momento, e relacionadas com a presente Operação não constituem nem foram Interpretadas, de forma alguma, como aconselhamento ou recomendação para o Cliente celebrar ou não a presente Operação.

- Tem perfeito entendimento que nenhuma comunicação, explicação ou apresentação efectuada pelo Banco constitui, de forma alguma, garantia quanto aos resultados que o alente espera ou esperou obter com a Operação.

- Tem conhecimento, entende e está perfeitamente consciente que as operações de derivados, como é o caso da presente Operação, implicam um conjunto de riscos financeiros, nomeadamente a possibilidade de registar perdas financeiras em função da evolução das condições de mercado. O risco de cada operação depende necessariamente dos respectivos termos e condições, bem como das próprias circunstâncias do cliente. Em particular, operações de derivados mais complexas e/ou com maior grau de alavancagem podem Implicar um aumento significativo do risco do Cliente, podendo daí resultar ganhos ou perdas elevadas.

Tem total e expresso conhecimento do enquadramento fiscal expresso no ponto 4 da presente Confirmação.” – cfr. fls. 1269 a 1272;

Logo que recebido por qualquer meio, designadamente por correto electrónico ou fax, solicitamos que nos devolvam, também designadamente por fax, cópia deste documento devidamente assinado (com todas as páginas rubricadas), com identificação dos outorgantes e Indicação da respectiva qualidade, para que a mesma chegue ao nosso conhecimento no prazo de 24 horas.

Caso tenha sido acordada, a prestação de qualquer garantia ou fiança ou deva ser entregue ao Banco qualquer outra documentação, relacionadas com o presente Contrato, deverá a mesma ser recepcionada no Banco no prazo de três dias úteis após o envio desta Confirmação.

Na eventualidade de, nos termos e prazo referidos nos parágrafos anteriores não ser recepcionada no Banco a cópia desta Confirmação ou os documentos acordados, o Banco poderá, se assim o entender, promover o termo da Operação (por recurso ao Método do Valor de Mercado), ficando o alente destinatário Impedido de fazer qualquer uso ou divulgação da presente Confirmação.

Declaramos a aceitação Integral da presente operação e a vinculação nos precisos termos dela constantes, correspondendo o negócio nela titulado ao que por nós, efectivamente pretendido, nos termos exactos da nossa declaração do ponto 9 da presente Confirmação.

Novamente declaramos estar plenamente conhecedores do conteúdo e do risco da operação, tendo-nos sido prestadas pelo Banco todas as informações e esclarecimentos solicitados, nomeadamente sobre o facto de podermos, no caso da evolução das c:ondições de mercado não serem favoráveis, registar uma perda financeira com a operação.

Em 23 de Julho de 2008,

BB - …, LDA

BB, Lda.

A Gerência

(Assinaturas)”

Anexo I

As Partes acordam que as seguintes expressões utilizadas na Confirmação das condições particulares da operação acordada terão o significado a seguir enunciado:

Agente calculador: Entidade responsável pelo cálculo de quaisquer montantes ou Importâncias  a pagar ou a receber na presente Operação:

“AUD”, "CAD”, "CHF”, “DKK”, “EUR” (ou "Euro”, “euro” ou "€”), "GBP" (ou £ ou "Libra Inglesa" "JPY, "NOK”, “SEK”, “USD” (ou “US$”. ou “Dólar norte-americano”, e “ZAR”: A moeda com curso legal respectivamente na Austrália, no Canadá, na Suíça, na Dinamarca, nos Estados-Membros da União Europeia que adoptaram a moeda única de acordo com o Tratado da Comunidade Europeia, no Reino Unido, no Japão, na Noruega, na Suécia, nos Estados Unidos da América, e na África do Sul;

Base de Contagem Número Dias: Método para determinar a forma de cálculo da Fracção de contagem de Dias;

Convenção de Dia Útil: Método usado para determinar o ajustamento a aplicar a qualquer data relevante quando essa data não corresponda a um dia útil. Se estiver definido: (a) "Dia Útil Seguinte", considerar-se-á, em substituição, o dia útil seguinte; (b) "Dia útil Seguinte Modificado” considerar-se-á, em substituição, o dia útil seguinte, excepto se esse dia for um dia do mês de calendário seguinte, caso em que será considerado o dia útil imediatamente anterior; (c) Dia útil Precedente” considerar-se-á, em substituição, o dia útil imediatamente anterior;

Datas de Fim de Período: Relativamente a cada Parte, as datas explicitamente definidas na Operação, ou, não estando definidas, as que correspondem, para essa Parte, às datas de Pagamento respectivas. As Datas de Fim de Período serão ajustadas de acordo com a Convenção de Dia Útil explicitamente definida para as mesmas ou, se não definida, de acordo com a Convenção de Dia Útil Seguinte Modificado. No caso de ser explicitamente definido 'Nenhum Ajustamento', não será efectuado qualquer ajustamento a qualquer Data de Fim de Período, independentemente de se tratar, ou não, de um Dia útil;

Data da Operação: Data em que a operação acordada pelas Partes;

Datas de Pagamento: Relativamente cada Parte, as datas assim explicitamente definidas na Confirmação da 0peração (seja de Taxa Fixa, de Taxa Variável ou outra), em que as Importâncias, apuradas devem ser pagas por essa Parte à outra Parte. As Datas de Pagamento serão ajustadas de acordo com a Convenção de Dia útil explicitamente definida para as mesmas ou, se não definida, de acordo com a Convenção de Dia Útil Seguinte Modificado;

Data de início: Data a partir da qual a operação pode implicar fluxos financeiros ou apuramento dos mesmos;

Data de Vencimento: Data do termo da operação;

Dia útil BANCO: Qualquer dia de funcionamento do Banco em simultâneo na praça de Lisboa e na praça em que está domiciliada a conta do Cliente. Apenas se considera o período decorrente até às 16h 30m (dezasseis horas e trinta minutos);

Dia útil de TARGET: Qualquer dia em que o sistema TARGET (sistema de Transferências Automáticas Trans-europeias de Liquidações pelos Valores Brutos em Tempo Real) não esteja encerrado (www.ech.int);

Divisa: Unidade monetária de referência;

Entidades de Referência: Cinco (5) instituições financeiras designadas pelo Agente Calculador em nome da Parte que deva determinar o Valor de Mercado, escolhidas atendendo ao seu volume de negócios em operações semelhantes aquela que está em avaliação;

Entidades do Grupo CC: Sociedades que se encontrem em relação, directa ou indirecta, de domínio ou de grupo, nos termos definidos no art. 486.º do Código das Sociedades Comerciais com o Banco CC, S.A., com a CC, SGPS, S.A. ou com o Banco CC S.A.;

EUR-EURIBOR-Telerate: Relativamente a qualquer Data de Fixação relevante, a taxa, para depósitos em Euros para o prazo correspondente ao Prazo Relevante, que é divulgada na página Reuters 'EURIBOR', ou noutra que a substitua, aproximadamente às 11:00 am, hora de Bruxelas, no 2.º Dia útil TARGET anterior a essa Data de Fixação;

Fracção Contagem Dias: A Fracção Contagem de Dias é calculada com base no que estiver definido para a Base de Contagem Número Dias: (a) Se estiver definido "Actual/ 365”, corresponde ao número efectivo de dias de calendário no Período de Cálculo a que respeita o pagamento relevante, a dividir por 365, ou, no caso de qualquer parte do Período de cálculo respeitar a um ano bissexto, corresponde à soma de (I) o número efectivo de dias de calendário do Período de Cálculo que pertence ao ano bissexto, a dividir por 366 e (ii) o número efectivo de dias de calendário do Período de Cálculo que não pertence ao ano bissexto, a dividir por 365; (b) Se estiver definido “Actual/360”, corresponde ao número efectivo de dias de Calendário no Período de Cálculo a que respeita o pagamento relevante, a dividir por 360; (c) Se estiver definido "30/360", corresponde ao número de dias no Período de Cálculo a que respeita o pagamento relevante, a dividir por 360 (em que o número de dias deve ser calculado assumindo um ano de 360 dias com 12 meses de 30 dias cada (excepto quando (I) o último dia do Período de Cálculo relevante é o dia 31 de um mês e o primeiro dia do Período de Cálculo é um dia que não o dia 30 ou 31 de um mês, caso em que o mês que inclui o último dia não deve ser considerado encurtado para um mês de 30 dias, ou quando (ii) o último dia do Período de Cálculo, é o último dia do mês de Fevereiro, caso em que o mês de Fevereiro não deve ser considerado alongado para um mês de 30 dias»;

Importância Nominal: Montante ou montantes base da transacção sobre o qual ou quais incidem os cálculos decorrentes da operação;

Método do Valor de Mercado: Método de cálculo pelo qual se determina em relação a uma, ou mais, operações cujo vencimento se tenha antecipado, uma quantia (na Moeda de Pagamento) apurada pelo Agente Calculador, nos termos deste Contrato, tendo como base Cotações solicitadas a Entidades de Referência. Cada cotação expressará a quantidade que uma Parte receberia (caso em que esta quantia deverá expressar-se com sinal positivo) ou pagaria (caso em que esta quantia deverá expressar-se com sinal negativo) por contratar uma Operação com a Entidade de Referência, que tivesse o efeito de manter para essa Parte, o valor económico da 0peração ou o conjunto da Operação cujo vencimento foi antecipado, considerando pagamentos e recebimentos que deveriam ter-se realizado após a data de Vencimento Antecipado. O Agente Calculador, responsável por determinar a quantia, solicitará cotações às Entidades de Referência, na medida do possível, no mesmo dia e hora, da data de Vencimento Antecipado ou, o mais breve possível depois dessa data. No caso de se obter mais de três cotações, calcular-se-á a média aritmética de todas elas, desprezando as cotações que tenham o maior e o menor valor. 0btendo-se apenas três cotações, e sendo diferentes, o Valor de Mercado será o valor intermediário. Se forem obtidas unicamente três cotações e duas delas forem iguais, o Valor de Mercado será a média aritmética das três cotações. Se forem obtidas menos de três cotações, considerar-se-á que a determinação do Valor de Mercado não é possível;

Moeda de pagamento: Moeda designada pelas partes nas condições particulares de cada Operação, para utilização em caso de liquidação de operações por qualquer causa de vencimento antecipado, que caso não seja designada será o Euro;

Partes: O Banco e o Cliente;

Períodos de Cálculo: Relativamente a cada Parte na Operação, os períodos conforme explicitamente definidos na Operação, ou, se não definidos, cada período desde, e incluindo, uma Data de Fim de Período até, e excluindo, a Data de Fim de Período imediatamente posterior, durante o período de vida da Operação, excepto quanto a (a) o primeiro Período de Cálculo que começa, e inclui, a Data de Inicio e (b) o último Período de Cálculo que termina em, e exclui, a Data de Vencimento. Para os Períodos de Cálculo explicitamente definidos na Operação, as respectivas datas iniciais e finais serão ajustadas de acordo com a Convenção de Dia Útil explicitamente definida para as mesmas ou, se não definida, de acordo com a convenção de Dia Útil Seguinte Modificado. No caso de ser explicitamente definido “Nenhum Ajustamento”, não será efectuado qualquer ajustamento a qualquer uma dessas datas, independentemente de se tratar, ou não, de um Dia Útil;

USD-LIBOR-BBA: Relativamente a qualquer Data de fixação relevante, a taxa, para depósitos em USD para o prazo correspondente ao Prazo Relevante, que é divulgada na página Reuters “LIBOR01”, ou noutra que a substitua, aproximadamente as 11:00 am, hora de Londres, no 2.º dia útil, em Londres, anterior a essa Data de Fixação.” – cfr. fls. 1274.

“Anexo 2

As Datas de Fim de Período da Taxa e as respectivas Datas de Pagamento da Taxa, Taxas Fixas, Barreiras I, Barreiras II, Barreiras III e Spreads I são os indicados na tabela seguinte, para efeitos de cálculo dos pagamentos devidos pelo Cliente: (fls. 1275)

Datas de Fim de Datas de pagamentos da Taxas Barreira Barreira Barreiras Spreads
Período da Taxa Taxa Fixas (%) I (%) II (%) III (%) I (%}
28 de Outubro de 2008 28 de Outubro de 2008 4.6600 4.1500 4.6600 S.3OOO O
28 de Janeiro de 2009 28 de Janeiro de 2009 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
28 de Abril de 2009 28 de Abril de 2009 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
28 de Julho de 2009 28 de Julho de 2009 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
28 de Outubro de 2009 28 de Outubro de 2009 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
28 de Janeiro de 2010 28 de Janeiro de 2010 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
28 de Abril de 2010 28 de Abril de 2010 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
28 de Julho de 2010 28 de Julho de 2010 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
28 de Outubro de 2010 28 de Outubro de 2010 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
28 de Janeiro de 2011 28 de Janeiro de 2011 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
28 de Abril de 2011 28 de Abril de 2011 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
28 de Julho de 2011 28 de Julho de 2011 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
28 de Outubro de 2011 28 de Outubro de 2011 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
30 de Janeiro de 2012 30 de Janeiro de 2012 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
30 de Abril de 2012 30 de Abril de 2012 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
30 de Julho de 2012 30 de Julho de 2012 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
29 de Outubro de 2012 29 de Outubro de 2012 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
28 de janeiro de 2013 28 de Janeiro de 2013 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
29 de Abril de 2013 29 de Abril de 2013 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O
29 de Julho de 2013 29 de Julho de 2013 4.6600 4.1500 4.6600 5.3000 O

“Anexo 3 – (cfr. fls. 1276).

As Datas de Pagamento da Taxa Variável são as indicadas na tabela seguinte, para efeitos de cálculo dos pagamentos devidos pelo Banco CC, S.A.:

Datas de Pagamento de Taxa Variável

28 de Outubro de 2008

28 de Janeiro de 2009

28 de Abril de 2009

28 de Julho de 2009

28 de Outubro de 2009

28 de Janeiro de 2010

28 de Abril de 2010

28 de Julho de 2010

28 de Outubro de 2010

28 de Janeiro de 2011

28 de Abril de 2011

28 de Julho de 2011

28 de Outubro de 2011

30 de Janeiro de 2012

30 de Abril de 2012

30 de Julho de 2012

29 de Outubro de 2012

28 de Janeiro de 2013

29 de Abril de 2013

29 de Julho de 2013”

TÍTULO DE Autorização DE PREENCHIMENTO DE UVRANÇA-CAUÇÃO PARA RESPONSABIUDADES ESPECIFICAS COM AVAL

Ao Banco CC, S.A.

Rua …, n. º BB, … Lisboa

Exmos Senhores,

De acordo com as negociações havidas com V. Exas., junto remetemos uma Livrança em branco, datada de 17 de Abril de 2ooB, subscrita por nós, BB - …, LDA, com sede em R. …, …, …. …, pessoa colectiva n.º …, com o capital social de E 500,000.00 e matriculado na Conservatória do Registo Comercial de Cascais sob o n. ° …., e avalizada por:

EE, titular do bilhete ele Identidade n.º ... emitido em 17 de Julho de 2007 pelo arquivo de Identificação de Lisboa e residente na Av. …, e

FF, titular do bilhete de Identidade n.º … emitido em 24 de Fevereiro de 2003 pelo arquivo de Identificação de Lisboa e residente na Av. ….

A livrança remetida destina-se a titular todas e quaisquer responsabilidades emergentes da Operação Financeira por nós acordada em 23 de Junho de 2008 e cujos termos e condições particulares foram confirmadas por Contrato Confirmação com a referência n.º …, bem como de quaisquer alterações subsequentes acordadas entre nós e o Banco que modifiquem de alguma forma os termos ou condições desta Operação e ainda da resolução antecipada da Operação, até ao limite de EUR 200,000.00, incluindo o reembolso de capital, pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões e demais encargos devidos.

Em caso de incumprimento da nossa parte de qualquer das obrigações emergentes do contrato acima referido, fica o Banco autorizado a preencher a referida livrança pelo montante que se encontrar em dívida, fixando-lhe vencimento em qualquer das modalidades legalmente admitidas, podendo Igualmente proceder ao desconto da mesma, se assim o entender.

Para qualquer acção relacionada com a emissão desta livrança, ou a instaurar em consequência dela, são competentes os Foros de Lisboa, Porto e do nosso domicílio à escolha do autor.

Todos os outros intervenientes concordam com a remessa desta livrança, nos termos e condições em que ela é feita, aceitam as estipulações nela contidas e assumem a responsabilidade pelo respectivo pagamento pelo valor que dela venha a constar, anuindo a que o Título nos seja devolvido contra recibo uma vez cumpridas todas as nossas obrigações perante o Banco, assinando também esta carta em confirmação da concordância manifestada.

S. …, 23 de Junho de 2008

O Subscritor: “BB – …. LDA.”

O(s) avalista(s): EE, FF

Assinatura(s)”  - cfr. fls. 1277 e 1278.

6 - Na sequência do acordo referido em 4. e 5., a Autora remeteu ao Réu um documento intitulado “ Título de Autorização de Preenchimento de Livrança-Caução Para Responsabilidades Específicas com Aval “, documento assinado pela Autora - na qualidade de subscritora da livrança - e por EE e de FF - na qualidade de avalistas -, documento esse com o seguinte teor:

“TÍTULO DE AUTORIZAÇÃO DE PREENCHIMENTO DE LIVRANÇA-CAUÇÃO PARA RESPONSABILIDADES ESPECÍFICAS COM AVAL.”

Ao Banco CC S.A.

Rua …, no …, … Lisboa

Exmos. Senhores,

De acordo com as negociações havidas com V.Exas, junto remetemos uma livrança em branco, datada de 17 de Abril de 2008, subscrita por nós, BB, LDA, com sede em R. …, …., …. …. pessoa colectiva n° … (….) e avalizado por:

EE, titular do bilhete de identidade n° (….), e

FF, titular do bilhete de identidade nº (….),

A livrança remetida destina-se a titular todas e quaisquer responsabilidades emergentes da Operação Financeira por nós acordada em 23 de Junho de 2008 e cujos termos e condições particulares foram confirmadas por Contrato Confirmação com a referência nº …, bem como quaisquer alterações subsequentes acordadas entre nós e o Banco que modifiquem de alguma forma os termos ou condições desta Operação e ainda da resolução antecipada da Operação, até ao limite de EUR 200,000.00, incluindo o reembolso de capital, pagamento de juros remuneratórios e moratórias, comissões e demais encargos devidos.

Em caso de incumprimento da nossa parte de qualquer das obrigações emergentes do contrato acima referido, fica o Banco autorizado a preencher a referida livrança peio montante que se encontrar em dívida, fixando-lhe vencimento em qualquer das modalidades legalmente admitidas, podendo igualmente proceder ao desconto da mesma, se assim o entender.

Para qualquer acção relacionada com a emissão desta livrança, ou a instaurar em consequência dela, são competentes os Foros de Lisboa, Porto e do nosso domicílio à escolha do autor.

Todos os outros intervenientes concordam com a remessa desta livrança, nos termos e condições em que ela é feita, aceitam as estipulações nela contidas e assumem a responsabilidade pelo respectivo pagamento pelo valor que dela venha a constar, anuindo a que o Título nos seja devolvido contra recibo uma vez cumpridas todas as nossas obrigações perante o Banco, assinando também esta carta em confirmação da concordância manifestada.

S. …, …. de Junho de 2008

O subscritor: BB …, LDA

Assinatura(s) do(s) representante(s) BB, Lda.

O(s) avalistas: EE, FF “ (tudo seguidos das respectivas assinaturas e de carimbos com os dizeres do reconhecimento das mesmas por semelhanças com as existentes nos arquivos do Banco CC e a data de 5.08.2008) (doc. junto a fls.75 e 76)

7 - O acordo referido em 4 - e 5 - assentava na taxa Euribor a 3 Meses.

8 - Na sequência do acordo aludido em 4 - e 5 - a Autora vinculou-se a pagar ao Réu, trimestralmente, a seguinte taxa de juro calculada sobre a importância nominal acordada de 2.000.000,00 Euros:

a) a taxa fixa de 4,66% caso a Euribor a 3 Meses (fixada no segundo dia útil anterior ao início do respectivo trimestre ) fosse:

1 - inferior a 4,15% ou

2 - simultaneamente igual ou superior a 4,66% e igual ou inferior a 5,30% ou

b) a taxa variável de juros Euribor 3 Meses ( fixada no segundo dia útil anterior ao início do respectivo trimestre ) caso essa taxa fosse:

1 - simultaneamente igual ou superior a 4,15% e inferior a 4,66% ou

2 - superior a 5,30% ( por acordo ).

9 - Por seu turno, o Réu obrigou-se a pagar à Autora, trimestralmente, a taxa de juro variável Euribor 3 Meses calculada sobre a importância nominal acordada (2.000.000,00 Euros) fixada no segundo dia útil anterior ao início do respectivo trimestre.

10 - Tendo em conta o teor do acordo referido em 4 - e 5 - a Autora registava, ao longo do tempo de vigência do mesmo, ganhos nos trimestres em que a taxa variável Euribor a 3 Meses fosse, cumulativamente, superior a 4,55% e não superior a 5.30% e registava perdas em todos os trimestres em que o valor da taxa variável Euribor a 3 Meses fosse inferior a 4,15%.

11 - A Autora não registava perdas nem ganhos em consequência do acordo aludido em 4 e 5 - nos demais casos e a Autora sabia-o.

12 - O funcionamento do acordo aludido em 4 - e 5 - implicava o pagamento apenas por uma das partes (Autora e ou Ré) à outra da percentagem decorrente da diferença entre as taxas previstas deverem ser satisfeitas por cada uma delas, atenta a circunstância de a quantia correspondente à diferença entre as obrigações de pagamento de taxas incidente sobre cada uma delas ser exigível.

13 - No ano de 2007 a taxa Euribor 3 Meses registou um crescimento constante, com uma variação entre os 3,89% e os 4,81%.

14 - No ano de 2008 e mais concretamente em Julho de 2008, a taxa de juro Euribor 3 Meses cifrava-se em cerca de 4,85%, tendo a mesma, nesse ano, variado entre 4,665% em Janeiro de 2008 e 3,816% em Dezembro do mesmo ano, descida essa que se iniciou em Novembro de tal ano.

15 - No ano de 2008 ocorreu a falência da instituição bancária Lheman Brothers e a falada crise do subprime.

16 - No ano de 2009 a taxa de juro Euribor 3 Meses teve uma variação que se situou entre 2,859% (em Janeiro) e 0,720% em Dezembro do mesmo ano.

17 - No ano de 2010 a taxa de juro Euribor 3 Meses variou entre 0,700% ( em Janeiro desse ano ) e 1,026% em Dezembro do mesmo ano..

18 - No ano de 2011 a taxa de juro Euribor 3 Meses variou entre 1,001% ( em Janeiro de 2011 ) e 1,459% ( em Dezembro desse ano ).

19 - No ano de 2012 e entre Janeiro e Abril de 2012 a taxa de juro Euribor 3 Meses variou entre 1,343% (em Janeiro de 2012) e 0,771% (em Abril do mesmo ano).

20 - No ano de 2008 e na sequência do acordo aludido em 4 - e 5 - a Autora teve ganhos em valor não apurado.

21 - Na sequência do acordo aludido em 4 - e 5 - a Autora pagou à Ré, no ano de 2009, a quantia de cerca de 54.000 Euros.

22 - Na sequência do acordo aludido em 4 - e 5 - a Autora pagou à Ré, no ano de 2010, a quantia de 79.195,17 Euros.

23 - Na sequência do acordo aludido em 4 - e 5 - a Autora pagou à Ré, no ano de 2011, a quantia de 68.804,18 Euros.

24 - Na sequência do acordo aludido em 4 - e 5 - a Autora pagou à Ré, no primeiro trimestre de 2012, a quantia de 16.042,67 Euros.

25 - Em complemento do teor do documento referido em 4 - constava um outro documento, intitulado “ Resolução de Contrato de Permuta de Taxa de Juro”, com o seguinte teor:

“ Banco: Banco CC, S. A.

Cliente: BB, Lda.

“Pela presente nós (o cliente e o banco) comprovamos a resolução do contrato de permuta de taxa de juro com a referência 6086.001, acordado em 17 de Abril de 2008 entre o cliente e o banco, resolução essa que será objecto de confirmação incorporando todos os seus termos e condições particulares, cujas características essenciais se reproduzem no presente documento.

A presente resolução do contrato produz efeitos desde e incluindo, a Data de Liquidação, pelo que a partir dessa data, inclusive, considera-se a operação total e definitivamente terminada.

Como contrapartida da resolução, o Banco CC, S. A. pagará em 25 de Julho de 2008 (“Data de Liquidação”) à outra parte do contrato Eur 0 (“Montante de Liquidação”). Desde que efectuado o pagamento do Montante de Liquidação o Banco e o Cliente ficam desonerados de todas e quaisquer obrigações emergentes da operação.

O Banco enviará brevemente a Confirmação relativamente à presente operação contendo todas as suas condições para vossa assinatura e devolução ao banco.

Declaramos a compreensão e aceitação integral da presente operação e a vinculação nos termos acima constantes, correspondendo o negócio ao que por nós é efectivamente pretendido.

O Cliente O Banco. (documento constante de fls. 28 dos autos ).

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – Nulidade por omissão de pronúncia (alínea d) do artigo 615.º, ex vi dos artigos 679.º e 666.º, do Código Processo Civil. [[1]]

A recorrente “(…) assaca ao Acórdão recorrido o vício de nulidade por omissão de pronúncia (nulidade hoje prevista na alínea d) do artigo 615.º do CPC, ex vi artigo 666.º do mesmo CPC) na medida em que deixou de apreciar o pedido ínsito nas conclusões 19, 20, 21, 22 e 26 das alegações de Apelação, no sentido de que fosse aditasse um conjunto de facto ao probatório que, no seu entendimento, que mantém, deveriam ter sido levados aos factos assentes por alegados pela Autora e não impugnados pelo Réu.

As “(…) as conclusões 19, 20, 21 e 22 têm total e precedente relevância para a decisão da questão relativa à alteração superveniente das circunstâncias, sendo que o facto mencionado na conclusão 26 releva para a apreciação sobre a questão da natureza especulativa do contrato e a inerente nulidade que se pediu.

Na perspectiva da recorrente os factos por cuja inserção na factualidade pugna revelam-se axiais para a apreciação da questão solvenda, nomeadamente, os que atinam com as sequentes circunstâncias: i) prejuízos suportados pela autora advenientes da crise internacional, concretamente da crise económico-financeira internacional, traduzida numa descida abrupta, inesperada, anormal e imprevisível da Taxa Euribor a 3 meses que se verificou no último trimestre de 2008 e a sua manutenção em níveis extremamente baixos; ii) os ganhos obtidos pela autora (no âmbito do contrato) terão sido inexpressivos; iii) as condições que determinaram a celebração do contrato eram totalmente diversas das que vieram a surgir em 2008; iv) o contrato não tinha como causa, ou razão de ser, um financiamento concedido à autora (o montante indicado é meramente ficcionado).  

A omissão de pronúncia configura-se e perfila-se como um vício de cognoscência interna de acto ditado pelo órgão jurisdicional susceptível de afectar, ou ervar, o princípio da plenitude de conhecimento da causa, tal como ela é desenhada pelas partes na sua demanda/pretensão estruturante-performativa. 
De uma forma genérica, os actos judiciais cumprem no processo uma função pré-estabelecida e vão preordenados à consecução de um determinado resultado, qual seja a emissão de pronúncia por parte de um órgão jurisdicional substanciada numa decisão que se possa impor na ordem jurídica com a força e autoridade a todos os que estejam envolvidos no dissídio de direito levado a tribunal para solução. Esta decisão deve conter-se dentro dos limites do direito rogado e em congruência com os factos alegados e as provas aportadas pelas partes. [[2]]

A congruência de uma decisão – princípio adoptado de forma expressa no ordenamento jurídico processual espanhol (cfr. artigo 218.º da Lei de Enjuiciamento Civil) – enquanto princípio referente ao desenvolvimento do processo, expressa os limites do juízo jurisdicional, isto é, o âmbito que se deve alcançar e que a sentença não deve ultrapassar, fundamentalmente no aspecto do pronunciamento do veredicto, mas também no intelectual e lógico (fundamentos da decisão). O mencionado principio, que no ordenamento jurídico processual indígena colhe assento nos artigos 264.º e 661.º do Código Processo Civil, desdobra-se em três vertentes ou assume-se como polarizador de três proposições paradigmáticas, a saber: adequação da sentença às pretensões das partes, de maneira que aquela dê arrimada resposta a todas estas; correlação entre as petições de tutela e os pronunciamentos da decisão; harmonia entre o solicitado e o decidido.

A congruência de uma sentença atina com uma qualidade que se refere, não à relação entre si das distintas partes e elementos da sentença, mas sim à relação da sentença com a pretensão dos litigantes. Uma sentença é congruente na medida em que decide na coerência interna do processo e é incongruente, ainda que revelando coerência na sua argumentação lógico-racional, se se afasta da estrutura performativa que resulta ou decorre da composição de interesses postos em tela de juízo na causa.

Podem ocorrer incongruências quando na sentença deixam de se fazer declarações que as pretensões exigem ou omitem declarações ou decisões sobre pontos litigiosos. A doutrina alemã e austríaca falam, neste caso, no chamado “instituto do procedimento da integração”. Neste caso, se ocorre omissão de pronúncia não existe violação do princípio da congruência ou seja que a sentença não deve taxar-se de incongruente. Do que se trata é de uma sentença incompleta e o que haverá é que completá-la, mediante petição da parte. Segundo uma corrente chamar-se-ia a este vício “incongruência omissiva”, em violação do que se chama princípio da exaustividade.       

A regra ou princípio da incongruência, ou incoerência, que, itera-se, deve cumprir-se entre as alegações de facto, não se aplica relativamente às alegações de direito da acção ou da contestação, já que pode ocorrer divergência e desconformidade entre estas alegações e a decisão, por o tribunal não estar sujeito e vinculado às alegações jurídicas ou indicações normativas que as partes forneçam. Na verdade o tribunal está vinculado ao fundamento, não pela fundamentação, e a fundamentação inclui não só a forma de apresentar os argumentos, mas também os concretos elementos jurídicos aduzidos: os preceitos legais e os princípios jurídicos citados e o entendimento que deles as partes fazem. Consubstancia-se neste procedimento a regra “iura novit curia” – o tribunal conhece do direito e isto porque o direito não tem que ser provado; o tribunal pode e deve aplicar o direito que conhece como estime mais acertado, desde que se atenha á causa de pedir, que dizer, ao genuíno fundamento – não à fundamentação – da pretensão. O pressuposto da correcta aplicação da regra “iura novit curia” é dupla: 1.º que o tribunal respeite, na sua essência a causa petendi da pretensão do litigante; 2.º que os demais litigantes tenham podido, do mesmo passo que o tribunal, conhecer e afrontar esse genuíno fundamento da pretensão, o que equivale à observância dos princípios da igualdade das partes e da audiência ou do contraditório.      
A lei delineia e modela a estrutura da sentença – cfr. artigo 659.º do Código Processo Civil - pontuando as partes em que se estrutura e as questões que deve apreciar e decidir. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de ervar o acto de nulidade.
Concretamente apela a recorrente para os vícios contidos na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código Processo Civil (pretérito 668.º) que, preceitua é nula a decisão: “d) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).”
Esta nulidade está directamente relacionada com o comando previsto no art. 608º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil (antecedente 660.º), e serve de cominação para o seu desrespeito [[3]]. O dever imposto no art. 608º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado [[4]]. E para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo juiz, identificada por estes mesmos elementos. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito [[5]]. E é por isto mesmo, que já não o são os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos [[6]] – embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes [[7]] –, de que as razões (argumentos/fundamentos) de que as partes se socorrem quando se apresentam a demandar ou a contradizer, são objecto de uma actividade cognitiva e discursiva que intervém na razoar judicativo assumido para resolução da questão concreta posta sob jurisdição.
É de salientar, ainda, que, de entre a questões essenciais a resolver, não constitui nulidade o não conhecimento daquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela decisão de outra.

Revertendo ao tema sob apreciação, pontua-se que a recorrente, nas conclusões que alinhou no recurso para o tribunal de apelação, terá colocado a questão da reapreciação da decisão de facto em via subsidiária, ou seja (sic) “(…)SEM PRESCINDIR

- Na hipótese, que se coloca por dever de patrocínio, de V. Exas. entenderem que o Tribunal da Relação pode substituir-se ao Tribunal a quo proferindo desde já decisão que resolva o contrato dos autos por insuficiência da matéria de facto, então será conveniente observar as deficiências na fixação da matéria de facto em que incorre a Sentença em crise.

- Com efeito, foi alegado e aceite nos articulados que: os prejuízos sofridos pela Autora no âmbito do contrato dos autos resultam da crise económica internacional, concretamente da descida abrupta, inesperada, anormal e imprevisível da Taxa Euribor a 3 meses que se verificou no último trimestre de 2008 e a sua manutenção em níveis extremamente baixos. (vide artigos 15º, 16º, 18º e 19º da p.i.), sem que a Sentença a quo a tenha dado como provada por acordo.

- Foi igualmente alegado e aceite que a conjuntura de 2007 (em que a taxa Euribor 3 meses oscilou entre os 3,89 % e os 4,81 %) presidiu ao espírito da celebração do contrato dos autos (vide artigos 31º a 37º da p.i.)

- Foi igualmente alegado e aceite que, em 2008 a Autora teve ganhos sem qualquer expressão (vide artigo 77º da p.i.). Neste particular, o Tribunal a quo decidiu plasmar no ponto 20 que “a autora teve ganhos em valor não apurado”. Por não corresponder ao posicionamento das partes nos articulados, deverá ser revogado o ponto 20 do probatório e corrigido em conformidade com o alegado em 47 da p.i. e aceite pelo Banco Réu.

- Igualmente omitiu o Tribunal, apesar de aceite pelas partes, que, tal como alegado em 13º e 61º da p.i. e aceite pelo Réu que - a Autora registou até ao primeiro trimestre de 2012 uma perda com o contrato que ascende a 218.042,02 €.

- Todos os pontos salientados deveriam ter sido levados aos factos assentes, e, não o tendo feito, o Tribunal recorrido violou o nº 2 do artigo 490º do C.P.C.

- Por último e também subsidiariamente, o Banco Apelado, na sua contestação, excepcionou que o contrato dos autos visava garantir a taxa de juro de um financiamento que concedera à autora Apelante – vide, entre outros, os artigos 55º, 57º, 58º, 59º, 60º, 62º, 69º, 71º, 72º, 73º, 77º, 78º, 81º, 83º, 96º, 97º, 112º, 130º, 137º, 139º da Contestação – sem que tenha junto sequer um documento a comprovar tal alegação, cujo ónus lhe incumbia.

- Tal foi impugnado no artigo 29º da Réplica, na medida em que o contrato estabelecido não tinha associado qualquer financiamento, tendo as partes ficcionado um valor nominal (2.000.000,00€) que não correspondia a qualquer quantia real.
- Neste enfoque, e determinando-se, eventualmente e se necessário for, através da reapreciação da matéria de facto, que o swap dos autos não tinha a função que o Banco Réu alegou como sua razão de ser, deve dar-se como provado que o contrato dos autos não visava convencionar sobre o risco da taxa de juro inerente a operações de financiamento celebrados entre a Autora e o Réu, antes se concluindo que o contrato celebrado entre as partes se reconduz à figura do jogo e da aposta.”     
De forma que nos parece taxante, a recorrente, deslocou a questão da reapreciação/impugnação da decisão de facto, que baseou a decisão sob apelação, para um plano de subsidiariedade, ou seja, para que o mesmo fosse ponderado se decaísse, ou não obtivesse sucesso, a questão elementar ou axial em que fundeou o recurso, a saber a resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias – cfr. pontos 1 a 17 das conclusões.
O tribunal de apelação estimou, em face da solução conferida ao caso – apreciação da questão axial do recurso (alteração anormal das circunstâncias) – que (sic) “como tal irreleva, por desnecessidade de apreciação, o pedido subsidiariamente formulado de ampliação da matéria de facto, constante das conclusões finais da alegação da recorrente.” – cfr. fls. 573.
Ao invés do que a recorrente pretende inculcar e/ou acoimar à decisão em escrutínio, não ocorreu uma omissão de pronúncia (voluntariamente assumida e em deliberação assumida) mas uma prejudicialidade do tema, em função, i) da subsidiariedade que lhe havia sido colocada/imputada, ii) pela desnecessidade com que se apresentava, em face da plenitude factual (adquirida na decisão sob impugnação) para a questão principal que era colocada na apelação.     
Não ocorre, nesta acepção, uma nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia de uma questão que haja sido planteada pelo recorrente, mas sim uma pronúncia de prejudicialidade (assumida) em face da solução ditada para a questão axial que estava colocada no recurso.
Nesta senda, e tal como percepcionamos a questão, tendo o tribunal de apelação estimado ser a facticidade adquirida para decisão suficiente para a solução do thema que lhe era colocado, a pretensão esgrimida – desta feita em primeira e recta linha – da necessidade de ampliação da matéria de facto só procederia se este tribunal quadrasse, ou viesse a reputar, como indispensável, para a decisão do recurso, a necessidade de ampliação da decisão de facto.
Os factos, ou situações factuais, ou sequer alusões circunstanciais a ocorrências coenvolventes ao acto voluntarístico que determinou a razão de contratar aquele concreto e especifico “produto de gestão financeira”, a fraca ou débil expressão de ganho pecuniário propinado pelo contrato, para a autora, a ficção do montante sobre que assentou o cálculo do “produto financeiro” e demais circunstancialismos e ambiente contratual que pervagaram pela conclusão do contrato são factores conceptuais insusceptíveis de afectar a resolução do caso, numa perspectiva de análise jurídica do caso. Assim, não deixa de ser do conhecimento de um homem medianamente informado – e presume-se que um empresário que se adentra numa operação financeira deste jaez o seja, se não por si, pelo menos através de assessoria competente – a crise (cíclica) do sistema capitalista originada pela venda de obrigações cotadas com triple A (AAA+) – Collateralized Debt Obligation (CDO) – pelas agências de rating e que se desdobraram as hipotecas, em diversos estados da pátria do capital [[8]], tal como não será uma novidade que diversos bancos e instituições – a Fannie Mae e Freddie Mac – que tinham investido nesse “produto” viram os seus activos serem depreciados quando as hipotecas (desdobradas e inflacionadas) deixaram de ser pagas. Também não constituirá uma novidade que diversos bancos da chamada União Europeia, com predominância para abanca irlandesa, escocesa, espanhola, portuguesa, francesa, holandesa e tutti quanti, tinham uma grande parte de reservas financeiras investidas nos títulos, ou obrigações garantidas com o triple A, e que a incapacidade de solvência cascateou um deficit de reservas dos bancos envolvidos (que os contribuintes forma chamados a pagar através por necessidade de provisão desses bancos por banda dos Estados e, concomitante ou necessariamente, com os impostos dos cidadãos. (A crise da indigência estrutural e endémica de um sistema dava origem, mais uma vez – já tinha sido assim em 1929, depois da segunda guerra, em 1979, 1982, 2000 e mais recentemente a crise da bolsa do “comunismo capitalista” chinês – ao sacrifício do cidadão comum.)
Se assim relativamente ao conspecto influenciador da crise – que, como se disse, não pode constituir uma “anormalidade”, antes um ciclo em que o sistema refocila, de tempos a tempos, com as correlatas consequências para a vida social e pessoal – já os demais aportes factuais que a recorrente pretende fazer incluir na facticidade se perfilam desinteressantes, ou porque são conclusivos – é o caso de “fracos ou ganhos sem expressão, para a autora” a que alude – ou porque resultam de documentos e, pour cause, o tribunal sempre terá de os ter em consideração, como será o caso referente ao montante sobre que assentou o cálculo da permuta de juros.   
Em boa e recta razão as situações factológicas que a recorrente pretende ver incluídas evidenciam inanidade, ou inocuidade, para a resolução da questão que vem colocada no recuso, pelo que se manifesta desnecessário o reenvio do processo para o tribunal de apelação para ampliação da matéria de facto.
Do que resulta do supra exposto – subsidiariedade da questão de reapreciação da decisão de facto, que não constitui, como se procurou evidenciar omissão de pronúncia, mas sim prejudicialidade de pronúncia – e do que vem de ser justificado – quanto à desnecessidade de ampliar, por conformação do quadro factual adquirido pelas instâncias para a decisão – reputa-se: a) não ter ocorrido a nulidade de omissão de pronúncia, com que a recorrente acoimava a decisão recorrida; b) a prejudicialidade do conhecimento da questão subsidiária não determina, nesta sede recursiva, a sua censura, por se reputar que a factualidade adquirida é suficiente e bastante para o conhecimento da questão, ou questões, que se prefiguram como elementares questões a decidir.                             
Desatende-se, por esta forma, a esgrimida nulidade da decisão sob sindicância.

II.B.2. – Nulidade do contrato de permuta de taxas de juro, por alteração das circunstâncias.

II.B.2.a. – Conceito e estrutura do contrato (derivado) de “swap”.

Preambularmente à apreciação das questões solvenda, não se tornará despicienda uma incursão pelo conceito de swap. [[9]]

O contrato derivado de “permuta de tipo de interés”, na terminologia jurídica do país vizinho, ou contrato de swap, configura-se com um «instrumento financeiro», que pode ser definido “(…) como aqueles instrumentos que permitem negócios jurídicos independentes, que utilizando como referência o valor de mercado de outros instrumentos, se destinam a cobrir (persiguen a cubirse) os riscos produzidos pelas variações dos mesmos ou dos seus preços, instrumentando (bien) ou a compra e venda do denominado activo subjacente, (bien) ou um acordo de pagamento da diferença entre dois preços (preço pactuado no contrato e o preço de liquidação em vencimento.” [[10]]

O autor, Amedeo Ferri-Ricchi, que iremos seguir de perto, distingue os swap em duas categorias, atribuindo a essa divisão, razões históricas e razões técnicas financeiras: swap de divisas [[11]] e swap de “tipo de interés” (juros).

Descartado o primeiro tipo de swap – swap de divisas –, e ainda antes de se adentrar e vessar pela natureza jurídica do contrato de swap, procurando recortar-lhe os sinais distintivos e os respectivos contornos, o autor incoa por ressaltar a utilidade do “Preâmbulo”. Refere que o “Preâmbulo” se constitui como uma utilidade, ou pode ser prefigurado como vantagem, por dois motivos, um primeiro porque permite ilustrar as motivações das partes e descartar riscos de ver o contrato qualificado “a la par”, e um segundo porque permite uma melhor execução de algumas disposições do contrato.

Ainda que não tenha obtido consagração jurídica (positiva) – à excepção da legislação francesa (Lei de 11 de Julho de 1985) – a sua utilidade e consistência, no plano da interpretação da vontade dos contraentes, não deixa de ser atendido pela doutrina que lhe confere um papel na medida em que “descreve e confirma um certo número de factos jurídicos que podem ter um peso na interpretação do contrato e na busca da responsabilidade das partes. O preâmbulo dá umas regras gerais, as cláusulas, as regras particulares.” [[12]]   

No contrato de swap geram-se as prestações principais que soem ser caracterizadoras de um contrato típico ou seja, mais concretamente obrigação de pagamento recíproco que advém do compromisso assumido pela relação de compensação das diferenças que venham a ser apuradas ao longo da vigência do contrato, no dizer ao autor que vimos citando “o intercâmbio entre as partes demais de dois pagamentos cuja importância se cifra na relação ao respectivo capital de referência. O cálculo do pagamento será realizado conforme aos parâmetros de referência que as partes estabelecem nas confirmações que se devem intercambiar no marco de um contrato normativo de swap.” [[13]]     

Em especial no que atina com o contrato de swap, soem elencar-se, para a formação do contrato e para a respectiva execução, obrigações circunstanciais e/ou complementares, mas que assumem, na economia da relação contratual, uma relevância sobressaliente e performativa do desenho conceptual que se quis conferir ao contrato celebrado. Para além destas que se prefiguram como ancilares aos termos formativos, performativos e intencionais do contrato outras são apontadas que colimam com a execução e decessão do contrato querido e assumido.

A jurisprudência do país vizinho tem procurado traçar uma linha definidora do contrato de “permuta de tipo de interés” que colima no sequente cadinho conceptual “se lo conceptua como un contrato por cuya virtud las partes acuerdan pagarse reciprocamente determinados interesses aplicados a una cifra nominal, asumiendo una parte un pago a un tipo variable y la otra a un tipo fijo, produciéndose liquidaciones periódicas por compensación según lo que resulte para una y otra en función de la evolución real de los tipos de interés.” [[14]]

No que respeita aos seus traços definidores refere-se que devem ser destacados os seguintes: “i) constitui um instrumento financeiro; ii) tem um caracter de produto complexo. Esta característica é apreciada de forma unânime pelas SAP (Sentencias de Audiência Provincial) que declaram a nulidade dos contratos impugnados (e inclusivamente algumas delas a “excusibilidad” do erro invalidante. A complexidade concorre – no conceito que da mesma mantêm as Sentenças da Audiência Provincial – tanto no que concerne stricto sensu aos termos e condições dos contratos subscritos pelas partes, como no que atina à dificuldade aos encargos (“hacerse cargo”) das múltiplas (possibilidades que encerra a sua dinâmica económica (possibilidade que avultadas [“cuantiosas”] liquidações a cargo do cliente, dificuldade de compreensão das regras de cálculo do custo da cancelação antecipada, etc.); é um contrato principal e autónomo, na medida em que não precisa de estar vinculado a outra operação, ainda que, nos supostos que aqui nos interessam, o habitual haja sido precisamente a sua conexão com uma transacção financeira (empréstimo, etc.) celebrada entre a EC (Entidade de Crédito) e o próprio cliente; iv) é um contrato de adesão às condições impostas pela EC; v) é um contrato de aleatório, o que exige alguma aclaração. A referência à aleatoriedade e ao carácter especulativo do contrato fica a dever-se, na generalidade das SAP (Sentencias de Audiência Provincial) estudadas, à circunstância de que, em função de como terminem os “tipo de interés” (Juros) e de quais sejam exactamente os termos da cobertura contratada, os resultados económicos do cliente podem ser beneficiados ou prejudicados se se proceder à comparação entre a situação final resultante da aplicação do derivado e aquela que se tivera produzido se não o contrato não tivesse ocorrido (“si se comparan la situación finalmente resultante aplicando el derivado y aquella que se hubiera producido de no haberlo contratado”). Ao eito (“al hilo”) desta questão, as sentenças, ao examinar os respectivos contratos. Soem constatar a frequente falta de simetria entre as posições atribuídas (“asignadas”) a ambas as partes segundo os “tipos de interés” evoluam num ou noutro sentido, sendo frequente que as vantagens obtidas pelo cliente quando os “tipos de interés” sobem sejam muito menores que as desvantagens assumidas quando baixam em razão do que é frequente que se aluda ao produto de que vimos falando como um de alto risco. Adicionalmente, várias resoluções reparam que o desequilíbrio entre as EC e os clientes se vê agudizado pela assimetria informativa relativamente à previsão da baixa dos “tipos de interés”, que conheciam, ou deviam ter obrigação de conhecer, assim como a contratação por parte destas (EC) como uma terceira entidade em ordem à protecção da sua posição (“contrato espejo”); vi) deve distinguir-se de um contrato de seguro.” [[15]/[16]]              

Na doutrina francesa o contrato de swap surgiu, inicialmente, definido como “um contrato de compra e venda recíproco de divisas que tem como particularidade o inserção de uma cláusula que prevê uma obrigação de recompra a prazo, de ambas as moedas vendidas. Trata-se de duas vendas ligadas uma com a outra, mas inversas.” [[17]]  

Na literatura jurídica anglo-saxónica (Law and West’s Commercial Dictionary, in five languages”, o contrato de swap é definido como «a transaction in which one piece of property, usually something other than money or its equivalent, is given in return for another piece property. A simultaneous exchange of one thing for another, as in a purchase or sale of foragein exchange at the same time as a covering transaction by the sale purchase of spot currency”.

Em Itália, o contrato de swap é definido como “una operazione di natura creditizia attraverso la quale i contraenti si impegnano a scambiarsi, lungo un arco di tempo di durata pluriennale, due serie di pagamenti periodici. L’ operazione è dedfinita «Swap dei tassi di interesse» se i contraenti assumuno l’impegno di scambiarsi due serie di pagamenti i cui rispettivi termini, denminati in una medesima unità monetaria, sono qualificati calcolando gli interessi che – attraverso l’applicazione di due diversi tassi o, che dir si voglia, attraverso due diversi metodi di calcolo - periodicamente maturerebbero su di un capitale figurativo di riferimento che non forma giammai oggetto di scambio tra i contraenti.” [[18]]

Intentando uma definição arrimada ao estado actual da evolução conceptual que este tipo de contrato tem vindo a sofrer, Amedeo Ferri-Ricchi propõe, apoiando-se na chamada «teoria da intenção dos contratantes» que rege, no direito espanhol, para a interpretação dos contratos (artigo 1255 do Código Civil) [[19]] a seguinte definição: “Os swap constituem uma família de contratos que comporta entre as partes uma obrigação de pagamento – segundo as modalidades previstas pelo contrato- de umas importâncias calculadas; os contratos referem-se a produtos ou câmbios conexos a activos e a passivos financeiros. As modalidades previstas no contrato fixam os vencimentos dos pagamentos, a realização do pagamento integral das cargas ou dos produtos  objecto da transferência ou o pagamento de um diferencial quando exista.” (…) “O swap começa com a vontade de uma transferência de um produto entre os contraentes. Os pagamentos realizados entre as partes nem sempre correspondem aos produtos. Tudo é causa de uma confusão. Em muitos casos o pagamento reduz-se ao simples diferencial entre o saldo dos produtos sejam actividades ou passividades transferidas; noutros casos, o útil ou a economia realizada pelas partes estão divididas entre si mesmas. (…) “a intenção das partes num contrato de swap é unir-se reciprocamente mediante obrigações de pagamento. O swap é mais que um simples intercâmbio de fluxos financeiros conexo aos respectivos endividamentos das partes, tem além disso com fim o benefício de aforro.” [[20]]                             

Os autores soem indicar como características do contrato o este ser: i) um contrato principal e típico. É um contrato principal porque os pactos das partes do Swap não modificam o conteúdo do contrato a que o swap serve de cobertura. Não existe subordinação entre o swap e a operação de financiamento a que serve de cobertura, mas tão só uma vinculação económica; ii) é um contrato consensual [[21]], sinalagmático, [[22]] de relevância pessoal [[23]] oneroso [[24]] e comutativo [[25]], se bem com grandes doses de aleatoriedade [[26]]. 

O contrato de swap é tido como  um contrato diferencial simples, quando se desenha como “um acordo pelo qual as partes convêm, com uma só manifestação de vontade e no momento de conclusão do contrato, liquidar as obrigações mediante o pagamento das diferenças”, é complexo “quando existem contratos a prazo, consecutivos e inversos.” Esta última categoria desdobra-se em próprios e impróprios, sendo os primeiros aqueles mediante os quais o especulador conclui duas compras e vendas independentes e sucessivas com a mesma contrapartida. Há dois contratos juridicamente autónomos. Os impróprios são aqueles que têm a intenção de liquidar só a diferença, conclui uma serie de operações com contraentes diferentes em momentos distintos.” [[27]

O contrato de swap é ainda um contrato de duração contínua, dado que as permutas financeiras não costumam originar obrigações de trato único. Mas sim sucessivo, que se materializam nas distintas liquidações que, mediante compensação, as partes vão realizando. [[28]]     

Para uma recensão (útil) da doutrina portuguesa relativa a este tipo de contrato transcreve-se data vénia um troço do douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Fevereiro de 2015, relatado pelo Conselheiro Gregório de Jesus, e em que interviemos na posição de 2.º adjunto.

Os swap são um tipo de instrumento financeiro derivado [[29]], também designado por contrato “de balcão” ou de negociação OTC (Over The Couter) [[30]], nominado, previsto no art. 2º, nº 1, al. e) do Código de Valores Mobiliários (CVM), sem que o defina.

O swap, literalmente troca de uma coisa por outra, no âmbito contratual, nasceu como forma de responder à instabilidade dos mercados de câmbios e de taxas de juro, como um modo de aproveitamento recíproco da acessibilidade ou das vantagens de duas empresas que actuam em mercados financeiros diferentes, aproveitando o desenvolvimento tecnológico, e, num momento inicial, traduzia o contrato pelo qual as partes se vinculavam reciprocamente a pagar, em datas futuras, o montante das obrigações devidas pela contraparte perante terceiros, por efeitos de contratos de mútuo (ou de outros contratos financeiros) expressos em divisas diferentes (currency swap) ou com modalidades diferenciadas de cálculo das taxas de juro – v.g., taxa de juro fixa e taxa de juro variável (interest rate swap) –, sendo o cumprimento das obrigações emergentes do contrato swap autónomas relativamente aos contratos com terceiros. [[31]]

Distinguem-se, assim, quanto ao seu objecto, duas modalidades principais: os swaps de divisas e de juros. No caso em apreço, estamos perante o denominado swap de taxas de juro. [[32]]

A estrutura básica de um swap de taxas de juro abrange três corpos: 1) O ISDA Master Agreement, acordo base idêntico em todos eles, correspondente a um esquema internacional estandardizado; 2) O Master Agreement Schedule, anexo ao acordo base que confere uma certa personalização ao ISDA, fixando deste as cláusulas aplicáveis em cada caso; 3) A Confirmation, fixa os pontos concretos de cada contrato.

A negociação dos contratos de swap é feita tipicamente através do uso de documentação estandardizada. [[33]]

Se inicialmente as instituições financeiras começaram a mediar a relação entre as partes do swap, com a função de angariadora e de as colocar em contacto, proporcionando o chamado “match” ou “acasalamento”, posteriormente acabaram por nele intervir tornando-se contraparte de cada uma das partes (intermediary), assumindo o risco de crédito conduzindo à celebração de dois contratos de swap, juridicamente independentes, mas economicamente ligados, ou contraparte pura em swap não simétrico (counterparty). [[34]]

No processo de formação do contrato de swap, usualmente, as partes iniciam um contacto por via telefónica, em que estabelecem as principais cláusulas do contrato a celebrar [[35]]; de seguida, trocam faxes de confirmação do contrato, com expressa alusão às cláusulas verbalmente ajustadas e remetendo nos pontos omissos para os códigos e documentos-tipo, elaborados por determinados agrupamentos profissionais; e, por fim, algum tempo após, reduzem a escrito (particular) o respectivo convénio. Determinadas vezes, quando as partes prevêem celebrar, entre si, no futuro, vários contratos de swap, concluem previamente um contrato quadro – master agreement –, em que instituem um conjunto de cláusulas destinadas a regulamentar cada um dos contratos individuais de swap. [[36]]

Com maior detalhe, a utilização, no âmbito dos contratos de swap, de um tipo de contrato – master agreement –, traduz-se na definição de um regime geral para as sucessivas transacções acordadas, mediante a documentação global adequada dos actos praticados, assinando as partes o master agreement onde ficam coligidas as condições gerais das operações de swap que ocorram, previsivelmente, no futuro. Esse documento inicia-se com um preâmbulo, em que são descritas as motivações das partes, a que se segue a compilação de um conjunto de definições e, subsequentemente, todo o clausulado do contrato. [[37]]

Como diz Calvão da Silva: “No fundo, a confirmação escrita, contendo os termos e condições do contrato (de swap) antes concluído e a que as partes se quiseram vincular desde logo, tem em vista apenas a consolidação (e não substituição) desse contrato anterior ou contemporâneo validamente celebrado, sendo formalidade ad probationem (e não ad substantiam) importantíssima em caso de o contrato ter sido oralmente concluído. Numa palavra: na arquitectura da ISDA, sob o mesmo “Master Agreement” a que as partes aderem podem concluir-se várias transacções, cada uma documentada em “Confirmação” distinta”. [[38]]

De entre os vários master agreement existentes destaca-se o ISDA Code que serviu para coligir as práticas mais generalizadas do mercado financeiro, bem como a interpretação a dar a uma série de termos difundidos entre os operadores, e que – pese embora não possuir força de lei ou de regulamento (trata-se de lex mercatoria) –, destina-se a regular o conjunto de relações estabelecidas entre partes signatárias, no domínio dos swaps, sendo à sua imagem e semelhança elaborados os contratos-tipo usados pelos bancos nacionais nas operações a realizar com o s seus clientes.” [[39]/[40]]                  

II.B.2.b) - Alteração anormal das circunstâncias (cfr. artigo 437.º do Código Civil e artigos 280.º e 281.º do Código Civil).

Nas conclusões que dessumiu – cfr. conclusões 43 a 61 “Para o caso, que não se concede, de o contrato não ser considerado nulo, não se vêem razões para que, no presente recurso, este Supremo Tribunal decida de forma divergente do plasmado no proc. n.º 1387/11.5TBBCL.G1.S1, a cuja fundamentação se adere inteiramente e que aqui se convoca sendo, pois, aplicável à situação dos autos o regime da alteração das circunstâncias.” – a recorrente apela à anulação do contrato por adveniência de circunstâncias que não estavam presentes no momento em que as partes tomaram a decisão de celebrar o contrato de permuta de taxas de juro.

As situações ocorridas no âmbito da economia capitalista, mormente nos Estados Unidos e que se percutiram nas economias dos demais países capitalistas – crise do banco Lehman Brothers com o sequente arrastamento a outros bancos que tinham ficado expostos ao capitalismo de casino praticado nos Estados Unidos, mormente no espaço europeu – originou a uma intervenção de salvamento do sistema bancário por parte da entidade bancária europeia que redundou numa expressiva baixa da taxa de juro. Essa situação não era previsível no momento em que a recorrente tomou a decisão de contratar o swap, pelo que, pela superveniência dessa anormal circunstância deve ser declarada a extinção do contrato e a consequente exoneração de cumprimento pelas partes. “As partes obrigam-se tendo em vista o quadro da realidade, que envolve o presente e suas perspectivas, pelo que se factos novos e imprevisíveis alteram, completa e irrecuperavelmente, as condições do contrato, impondo ónus excessivos somente a uma das partes, deve o poder Judicial, através dos mecanismos previstos na Lei, obstar à injustiça que se narrou na petição, e não, como o fez a Sentença que está na mira do presente recurso, quedar-se imóvel ao apelo do pacta sunt servanda.

55. E a este propósito, escreveu José de Oliveira Ascensão, no artigo supra citado que "Não matámos o pacta sunt servandi., conjugámo-lo com o rebus sic stantibus. Os pactos devem ser observados (princípio fundamental da autonomia) rebus sic stantibus (princípio fundamental de justiça e de respeito da vinculação realmente assumida)".”

No direito inglês a questão da alteração, ou impossibilidade, das circunstâncias supervenientes ou a excessiva onerosidade “tem o mesmo tratamento doutrinal e jurisprudencial: são simplesmente distintas intensidades no razoamento que de forma excepcional faz retroceder ao pacta sunt servanda. A diferença da impossibilidade de cumprimento (impossibility), em que o cumprimento em forma específica é materialmente impossível, na frustation no cumprimento em forma especifica é teoricamente possível mas desnaturaliza o sentido do contrato, aparta-se do sentido último da vontade das partes (non haec foedere veni), e produz um desequilíbrio económico que se reputa injusto. Por isso na jurisprudência anglo-saxónica existe uma linha difusa entre as teorias da força maior (force majeure) e caso fortuito (misfortune) e a alteração das circunstâncias, entre a impossibility of perfomence e a frustation.” [[41]/[42]]     

Na doutrina francesa vale para apreciação uma eventual extinção ou exoneração do cumprimento das prestações correspectivas advenientes de uma relação contratual, a “teoria da imprevisão”, segundo a qual “a imprevisão resulta aplicável a aqueles casos em que a execução de um contrato de trato sucessivo se transforme (devenga) mais onerosa do que o previsto inicialmente, como consequência de circunstâncias sobrevindas que não constituem, sem embargo, caso fortuito ou de força maior.” A teoria adoptada pelo Direito e doutrina francesa deriva da crença ancorada desde a Ilustração de que “(…) só aquilo a que se haja prestado consentimento uma pessoa pode resultar obrigada. Daí resulte que essencial determinar se o evento sobrevindo estava incluído no consentimento inicial das partes.” [[43]]   

A teoria da imprevisão requer a existência de uma mudança imprevisível de circunstâncias, exterior e independente da vontade e do comportamento das partes, quer dizer completamente alheio a suas esfera de controle, que provoque um desequilíbrio profundo do sinalagma interno do mesmo. De forma paralela ao instituto de força maior, imprevisão francesa exige quatro requisitos básicos, na sua máxima intensidade: a) caracter superveniente do evento; b) imprevisibilidade; c) irresistibilidade; d) exterioridade.” [[44]]    

A doutrina italiana, por seu turno, consagrou a denominada teoria da excessiva onerosidade, que se poderá definir “como a regra juris que permite a uma das partes num contrato bilateral de trato sucessivo resolvê-lo quando a sua prestação se tenha tornado excessivamente gravosa como consequência de eventos sobrevindos extraordinários e imprevisíveis.” [[45]]      

Serão pressupostos da teoria da onerosità eccessiva: a) a natureza sinalagmática do contrato; b) a ocorrência de eventos sobrevindos extraordinários e imprevisíveis; c) a alteração do equilíbrio entre as prestações; d) a modificação do contrato. [[46]]

No âmbito da teoria alemã a teoria que supre a possibilidade de extinção/resolução de uma relação contratual sinalagmática é a teoria da desaparição da base do negócio (Die Störung der Geschäftsgrundlage).

A base do negócio constitui-se “como o conjunto de representações comuns a ambas as partes, ou próprias de uma delas mas conhecidas pela outra e às que não se opõe, que se referem à existência ou a superveniência de determinadas circunstâncias que constituem o fundamento da vontade negocial. Diz Oertmann que se trata, na essência, do que uma das partes pensa a respeito de certas circunstâncias, e sobre as quais descansa a sua vontade em concluir o negócio, sempre que isso se revele de algum modo à parte contrária no momento da conclusão, sem que esta tenha nada que objectar. Flume, posteriormente, define-a como a representação de uma das partes, manifestada ao concluir o negócio, reconhecida e não rechaçada no seu significado pela outra, ou a representação comum das diversas partes sobre a existência ou a realização de certas circunstâncias sobre cuja base se constrói a vontade negocial.” [[47]]            

A regra rebus sic stantibus significa que os contratos de execução continuada desprendem a sua eficácia vinculativa sempre que se mantenham estáveis as circunstâncias existentes ao tempo de celebrar o contrato. “Segundo a formulação tradicional, em todo o contrato de trato sucessivo ou de execução continuada e periódica entende-se implícita uma cláusula segundo a qual, as partes teriam querido obrigar-se e manter-se obrigadas estando assim as coisas, quer dizer, sempre que não mudem as circunstâncias. Porque, se mudam, se sobreentende que a sua vontade de vincular-se teria perdido a sua base, teria perdido a sua razão de ser, e que, se sobreentendia, era o contexto necessário para a dita vinculação.” [[48]]     

Arranca esta teoria dos seguintes fundamentos: a) a ficção jurídica da vontade implícita; b) o princípio da boa fé; c) a equidade; d) a desaparição sobrevinda da causa.

Feito este excurso pelas diversas teorias que enformam a figura da alteração anormal das circunstâncias, voltemos ao caso.

A douta decisão recorrida, que julgou insubsistente a tese da alteração anormal das circunstâncias, cevou na sequente argumentação: “Resta, então, saber se, face aos factos apurados, se verificou a alteração anormal das circunstâncias invocadas pelo recorrente e, sobretudo se, as mesmas faziam ou não parte dos riscos próprios do contrato.

A resposta a esta segunda questão não pode deixar de ser, a nosso ver, afirmativa.

Como afirma o Prof. Oliveira Ascensão num artigo denominado “Onerosidade excessiva por “alteração das circunstâncias”, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Dezembro de 2005, Doutrina, “Todo o negócio é uma entidade histórica. O negócio celebra-se por ser aquela a realidade envolvente. (…).A realidade histórica que explica o negócio é deste modo intrinsecamente constitutiva da vinculatividade. Não é conteúdo do negócio, porque não pertence ao seu clausulado. Mas é nela e por ela que se negoceia. (…) Falava-se tradicionalmente em vinculação rebus sic stantibus. Contratamos porque as circunstâncias são assim. Daí que a variação destas, nos termos que precisaremos, se repercuta sobre o vínculo assumido.”.

E reportando-se a uma realidade posterior – sec. XVIII/XIX - continua: “O fundamento da vinculatividade jurídica é encontrado na vontade, portanto em critérios individualistas e subjectivos. Pacta sunt servanda passa a ser a chave da validade e eficácia dos contratos” para, chegado ao século XX, reconhecer que aquele primado devia ser afastado por serem então “evidentes, em numerosos sectores da ordem jurídica distorções que se traduziam na injustiça das situações jurídicas criadas”.

Daí o aparecimento, relevância e disciplina especial de institutos como o das cláusulas contratuais gerais, contratos de adesão, cláusulas abusivas, usura, etc., sendo neste panorama que se insere a resolução ou modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias.

No regime jurídico português sobre esta matéria, regula expressamente o art. 437º do C. Civil, em cujo nº 1, se dispõe: “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que as exigências das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato” (sublinhado nosso).

O preceito exige, portanto, que a alteração relevante para justificar a modificação ou resolução do contratado se reporte a acontecimentos que, para além de supervenientes, sejam extraordinários, graves e imprevisíveis. E mais: que não estejam cobertos pelos riscos próprios do contrato.

Todavia, a verificação de riscos inerentes ao contrato não basta para justificar a resolução ou modificação por onerosidade excessiva. É necessário que a alteração desequilibre com intensidade a relação. Só a onerosidade excessiva, susceptível de afectar gravemente os princípios da boa-fé, pode justificar a resolução/modificação excepcional do acordado, mesmo em negócios de cuja índole derive um risco próprio.

Daí que, como diversos autores, (v.g., o próprio Prof. Oliveira Ascensão, na obra citada) entendamos que o instituto da alteração anormal das circunstâncias, contemplado no dito art. 437º do C. Civil, possa ter aplicação mesmo no domínio de contratos ditos “aleatórios” como o presente (já que o seu desenvolvimento dependente da verificação de um acontecimento incerto e de modo nenhum influenciável pelas partes – a variação da taxa Euribor).

Só que, contrariamente ao que defende a recorrente - no sentido de que, “os factos 13 a 24 do probatório, evidenciam a total e absoluta desproporção que fere de morte o equilíbrio mínimo que se deve exigir em qualquer contrato, mesmo naqueles em que se reconhece a existência de um elemento aleatório subjacente à sua celebração - do clausulado do contrato em apreciação deriva, a nosso ver sem dúvida, que as partes, para além de estarem conscientes do risco envolvido na operação, embora esperando que tal não se verificasse, aceitaram esclarecidamente o risco de perda, caso a dita taxa Euribor a três meses oscilasse para além do que vinha sendo os seus limites médios de oscilação.

Aliás declararam-no, confirmaram-no e reconfirmaram-no, tudo no âmbito de uma operação financeira estruturada que, se por um lado envolve uma instituição bancária, pelo outro envolve uma pessoa colectiva (e não um qualquer ignaro “consumidor”), o que aliado ao facto de as partes terem acordado negociar sobre um valor nocional de € 2.000 000,00 e a oscilação verificada, para baixo, da taxa se situar em não mais de 4%, leva a concluir que a alteração verificada, nem subjectiva, nem objectivamente, se reveste da gravidade, imprevisibilidade e, sobretudo onerosidade, justificativa do recurso ao instituto especial/excepcional da resolução do negócio por alteração anormal e superveniente das circunstâncias.

Aqui chegados, reconhecida a validade do contrato em análise, porque integrado num conjunto de operações financeiras nacional e internacionalmente tuteladas e juridicamente aceites, como se deixou dito, e não afectada de um desequilíbrio prestacional atentatório da boa fé negocial, afastada fica a possibilidade do contrato integrar a categoria dos denominados contratos de jogo e aposta, genericamente regulado nos artigos 1245º a 1247º do C. Civil, ainda que na sua vertente lícita, até por não vir provado o propósito das partes quererem o negócio como tal.

Representaram-no e quiseram-no como instrumento financeiro transaccionado no mercado interbancário e regulado por cláusulas propostas e livremente aceite, o que o afasta indubitavelmente do conceito de jogo ou aposta.”

A acção proposta pela recorrente constitui um evidente aproveitamento de circunstâncias alinhadas com uma “onda” que perpassou pela sociedade relativamente a alguma incomodidade e desdouro ético-social com que se apostrofaram este tipo de contratos, procurando colocar no pódio dos vilões as instituições de crédito que tinham efectuado este tipo de contratos, demonizando, do mesmo passo, o próprio contrato.

A recorrente cumpriu todo percurso que as regras internacionais impõem para a realização de um contrato de swap. Sabia que o contrato celebrado se reportava a um capital nocional e não de cobertura. Deu o seu consentimento aos termos do contrato, nos termos em que a instituição de crédito e os seus representantes estipularam. Permitiu a vigência do contrato enquanto obteve vantagens económicas. A partir do momento em que as taxas de juro baixaram i) execra e exproba um contrato que aceitou consentiu, segundo regras internacionais (conversações preliminares, «swifts» e aceitação dos termos do contrato; ii) usufruiu das vantagens que um contrato ervado de nulidade enquanto esse contrato lhe foi favorável; iii) permitiu a vigência do contrato sem quaisquer sinais de contrapoder, e quando as taxas de juro baixam para níveis mais baixos coloca em crise tudo o que até esse momento tinha usufruído e do que tinha colhido benefícios.

A recorrente é uma empresa que deve estar assessorada económico-financeiramente e juridicamente (talvez não muito competentemente) e por isso deveria saber quais os critérios que de um ponto de vista económico são referenciados economias internacionais para que um contrato desta natureza possa ser abalroado pelo Direito. Os parâmetros internacionais para um «debacle» dos factores económicos susceptíveis de derruir um contrato desta natureza atinam, normalmente, com crises económicas em que os valores dos indicadores por que se afere um adequado funcionamento da economia e das regras de consumo são de tal modo negativos que a sua manutenção acarreta um desequilíbrio notório e flagrante na economia de qualquer contrato que haja sido celebrado em condições anteriores.

Bastará dizer que alguns autores indicam como factor ponderável para efeito de colocação em crise dos termos de um contrato desta natureza que os indicadores da inflação tenham atingido níveis iguais ou superiores a 50% aquele que estava vigente ao tempo em que o contrato foi celebrado.

No caso presente a descida das taxas de juro não foi algo que um contratante abispado, prevenido e conhecedor dos mecanismos e funcionamento de um sistema proclive a crises e achacado por maleitas endémicas – basta uma economia espirrar para o sistema se constipar (veja-se o recente caso da economia chinesa com as repercussões nas bolsas de todos os países) – não tivesse competência para prever. Tanto assim que a baixa das taxas de juro, como deve ser do conhecimento de qualquer mediano economista, são um instrumento utilizado pelos bancos centrais para relançar a economia, por exemplo, para atracção de capitais estrangeiros necessários para investimentos no tecido económico – de cada vez que o banco central europeu ou o FED reúnem os observadores económicos ficam suspensos para saber qual irá ser a sua atitude relativamente às taxas de juro que terão efeito, notadamente na prestação das bolsas. Daí que a volatilidade das taxas de juro não possa ser tido como um elemento ou indicador válido para efeitos de aferição de alteração das circunstâncias de um contrato.

Ainda que se haja de concordar que depois de 2010 houve uma baixa mais acentuada das taxas de juro indicadoras e referenciadoras  para efeitos de contratos comerciais, o facto é que as taxas de juro não baixaram de forma abrupta e a sua descida não foi tão desconforme que qualquer (bom) economista não pudesse ter previsto.

Acresce que o contrato foi celebrado em 23 de Julho de 2008, momento em que os mercados – ou pelo menos o que se convencionou apodar “operadores ou agentes económicos” – já sabiam que existia uma bolha de construção que tinha repercussões nas emissões de obrigações tituladas pelos bancos e que afectaria, em cascata, todo o regime de hipotecas – por vezes mais do que uma – que existiam para garantia de casas vendidas pelos agentes imobiliários.   

O que aconteceu com a recorrente é que na sua desmedida e insaciável sede de ganho – o capital nocional convencionado e pactuado foi de € 2.000.000,00 – que com a baixa – previsível e perfeitamente cognoscível de um razoável agente económico – da taxa de juro os prejuízos foram igualmente razoáveis. No entanto, não se poderá colar à «crise dos subprimes» uma baixa da taxa de juros. A bolha da construção – por exemplo no país vizinho, em que pessoas com rendimento médio tinham logrado obter três casas (habitação, praia e montanha) – era tão previsível que só alguém com reduzida aptidão de previsibilidade e assumptor de um risco deslassado poderia não ter previsto que, mais cedo ou mais tarde, ocorreria uma crise que arrastaria a economia e os mercados financeiros, e com eles taxas de juro.

A título meramente exemplificativo, e para demonstrar o quanto os mercados e os denominados “operadores” podem prever, com algum grau de cautela e precato, a respectiva evolução, veja-se a recente previsão do Royal Bank os Scotland, do JPMorgan e Société Generale quanto às previsões económicas para o ano de 2016, baseadas na queda do petróleo, na desaceleração da economia chinesa e consequente diminuição do comércio mundial. Referem estas instituições bancárias que os investidores devem vender as acções e guardar o dinheiro, porque o ano de 2016 irá ser mais desastroso do que 2008. Não deixa de ser verdade que, em sentido diametralmente oposto, se encontram as previsões do Bank of America, da Goldaman Sachs – a mesma que na semana em que o Lehman Brothers ruiu atribuía a notação de tríplice A (AAA+) a esta instituição bancária – do Citibank, que pugnam pela previsão adversa. De qualquer modo e face a posições tão contrapostas e antinómicas com as que são aventadas pelas citadas instituições de crédito será avisado para quem quer que pretenda fazer negócios em que o grau ou nível de aleatoriedade não é de somenos, que se abispe e modere o ímpeto de realizar negócios em que níveis de risco dependem de factores incontroláveis e se encontram fora do domínio da sua «alea».           

Seja, porém, como for, falece, em nosso juízo, para que a requesta da recorrente pudesse ter sucesso, a superveniência do factor indicado deveria, segundo a teoria da imprevisão – que nos termos gerais se acomoda a outras, como a eccessiva onerosità – que: i) tivesse sobrevindo um evento superveniente; ii) que esse evento surdisse de forma que não fosse razoavelmente previsível no quadro sistémico em que o contrato foi realizado; iii) que esse evento pudesse ter sido sustido pelos factores que influenciam e intervêm nos vectores de injunção das crises económicas; iv) que esse factor fosse exterior ao desenvolvimento do programa corrente e normal da relação contratual estabelecida. Quanto à superveniência do evento – que a recorrente nucleariza na queda do Lehman Brothers – ele só não era previsível para aqueles que incensam e turificam os dados de empresas que são pagas para fornecer elementos dos bancos que as sustentam. Falamos das empresas de rating que, como se sabe, até ao momento em que o Lehman Brothers entrou em defunção classificaram obrigações de subprime com AAA+ e de alguns próceres da escola de Chicago, que como se sabe, não prima pela objectividade quando se trata de santificar os factores do sistema. Os demais economistas (sérios e não adormecidos, alguns deles com um Nobel na carteira, por exemplo Paul Krugman e Josefh Stiglitz) há muito que anunciavam a crise das empresas e bancos que tinham introduzido os instrumentos de crédito que se sabia não serem compatíveis com uma economia saudável (mesmo num sistema insano e descompensado). A crise estava anunciada e só quem andou distraído ou se deixou embair nos enlevos de entes que não são credíveis ou então quis aproveitar – enquanto o sistema funcionou, ainda que os mais capacitados anunciassem a impérvia dos factores que estavam presentes no tecido económico – os benefícios enquanto eles lhe fossem favoráveis.

Quanto à imprevisibilidade, penso que deixamos dito que, para pessoas que estão imbricadas no sistema e que tivessem o mínimo conhecimento de como um sistema não pode funcionar de forma correcta e sã, a crise dos subprimes não poderia ser senão previsível. (Tal como deveriam ter sido previsíveis outras patologias que entretanto deflagraram neste mesmo país). 

Quanto à irresistibilidade, penso que teríamos que fazer um excurso desde a Carta de Washington, do comemorado Bill Clinton ou da politica de total liberdade de capitais desencadeado, em 1997, com o primeiro governo de Margaret Tatchter, que introduziram regras de desregulação total do mercado para explicar o porquê da falha dos reguladores e a inércia dos órgãos de controle (?) das entidades bancárias para dar uma explicação cabal e atinada à não previsibilidade da crise. Resultaria deslocado de uma resolução judicial proceder a uma exegese de todas as razões, mas um repasso (ainda que perfunctório) pelas obras indicadas na nota 8 poderão fornecer elementos capazes e válidos para inculcar a ideia de que as crises são inerentes ao sistema capitalistas e só situações de gravidade extrema como uma guerra um colapso induzido por factores naturais e incontrolados pela natureza (humana ou natural) pode conferir uma referente de exterioridade a uma crise do sistema.

Naturalmente que os contratos – notadamente aqueles em que sobressaem as características do que vem ajuizado – que são realizados, e são para ser executados, no interior de um sistema que funciona de forma desconforme e prenhe de riscos, solavancos e barganha devem estar sujeitos aos factores divertidos, ainda que previsíveis, por quem possua um razoável nível de inteligibilidade dos fenómenos económicos e abispo na gestão dos negócios.     

A recorrente correu um risco e não soube antever aquilo que com algum grau de probabilidade estava anunciado por estudiosos do sistema e que com prudência poderia ter obtemperado.

Falece a causa que alentou uma parte da fundamentação da recorrente.        

II.B.3. – Nulidade do contrato por dever ser considerado um contrato especulativo (jogo e aposta) – cfr. artigos 1245.º, ex vi dos artigos 280.º e 281.º, do Código Civil);

II.B.3.a) - Contrato de jogo e aposta.

Um segundo fundamento encontrado para a tese da recorrente atina com a nulidade do contrato por ter que se considerar o contrato de sswap como um jogo de fortuna e azar.

O contrato civil francês considera como contratos aleatórios, o contrato de seguro, o empréstimo de risco, o jogo e as apostas. “Estão sustentados quando o seu fim é o de garantir ou limitar o risco do imprevisível (por exemplo no contrato de seguro); estão criticados quando se dirigem a especular sobre a incerteza (como os pacto de sucessão futura estão proibidos).” [[49]]   

Em Itália, a doutrina define a aposta como o negócio pelo qual uma das partes, assumindo reciprocamente o risco do êxito de um jogo ou da exactidão de uma opinião, se obriga, relativamente à outra, a pagar a quantia pactuada, no caso de que o êxito do jogo se verifique de modo desfavorável, ou a opinião equivocada; por meio da aposta verifica-se uma transmissão de riqueza inútil.” [[50]]     

Mesmo a doutrina que estima dever considerar-se o contrato de swap como um contrato aleatório, descarta a possibilidade de equiparação ou de assimilação conceptual deste tipo de contrato com a aposta, na medida em que “não existe o elemento lúdico: a utilidade da função do swap e a riqueza que origina, para além dos motivos das partes, afasta o contrato de um esquema contratual no qual se cria exclusivamente o risco de um ganho ou de uma perda.” [[51]]    

Segundo a teoria da intenção das partes, mesmo no caso de swap de especulação – descartando, portanto dos de cobertura e arbitragem – “o critério que permite distinguir o jogo e a aposta da especulação está localizada somente na intenção das partes. O jogador cria um risco, o especulador utiliza o risco com fins uteis ou intenta prevenir-se dele. Os swap são manifestamente uns instrumentos fundados na aleatoriedade, no entanto, tentam utilizar esta característica para obter uma maior prudência financeira.” [[52]]     

Quanto ao entendimento, na doutrina e jurisprudência portuguesas, acompanhamos, data vénia, o expendido no douto acórdão desta secção supra citado, que extractamos, na parte pertinente.   

“Este preceito (artigo 1245.º do Código Civil) faz o “distinguo” entre jogo e aposta sendo comum a ambos a natureza aleatória – possibilidade de ganhar ou perder por factores em absoluto alheios à intervenção do jogador/apostador.

Mas, enquanto no jogo existe um acordo segundo o qual uma das partes se obriga a pagar à outra certa quantia, sendo que o vencedor participou, teve intervenção na lide; na aposta há um desacordo inicial relativamente à verificação de um evento (passado ou futuro) e o apostador investe determinada quantia, ou valor, no sentido de que se o evento em que apostou se verificar (ou tiver ocorrido) auferir uma vantagem económica.

O jogo é lícito se, além da sorte, depender da perícia do jogador; será ilícito (jogo de fortuna ou azar) se a “ars” do jogador não interfere no resultado final.

O citado artigo 1245.º do Código Civil considera nulos, o jogo e a aposta, sendo que não constituem fonte de obrigações civis.

Porém, se lícitos, ou seja, se legalmente autorizados e regulamentados, são fonte de obrigações naturais.

Com a regulamentação do jogo e aposta (cfr. o último Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 268/92, de 28 de Novembro) surgem dúvidas sobre a plena vigência do artigo 1245.º do diploma civil.

Aliás, os Prof.s Pires de Lima e A. Varela – “Código Civil Anotado” II, 3.ª ed. 852 suscitaram-nas; cfr. também os Prof.s Carlos Mota Pinto, António Pinto Monteiro e Calvão da Silva – “Jogo e Aposta – Subsídios de Fundamentação Histórico-Jurídica” – e o Acórdão do STJ de 17 de Junho de 2010 – 3262/07.9TVLSB.L1.S1 que considerou que “o jogo de fortuna e azar, quando lícito nos termos da Lei do Jogo encerra um contrato válido gerador de obrigações jurídicas e não naturais”, (cfr. ainda, em sentido contrário o Dr. Rui Pinto Duarte “O Jogo e o Direito”, in “Themis”, 3, 75 e 76).

Do que acima se expôs quanto aos “swaps” resulta não ser possível considerá-los contratos de jogo ou de aposta.

E nem se diga que se trata de mera especulação e, portanto um ilícito.

A especulação é uma finalidade legítima que, só por si, não se confunde com a finalidade típica dos jogadores ou dos apostadores.

O especulador actua com o objectivo de lucrar enquanto o apostador busca um fim lúdico; o especulador faz uma previsão racional da evolução das variáveis e o apostador não; aquele exerce a sua actividade no contexto de um mercado com relevante função económica e social.

A cobertura de risco e a especulação “são duas faces da mesma moeda” (cfr. Dr. Engrácia Antunes – Instrumentos Financeiros, 125, nota).

Aquela traz liquidez ao mercado e permite ao comprador encontrar rapidamente um vendedor.

“Os especuladores são cruciais para os mercados; são os tomadores de risco que permitem os “garantes” (hedgers) baixar os seus riscos. E a prova evidente é que abertamente se admitem na lei instrumentos derivados de activos meramente nocionais, por definição baseados em valores fictícios ou hipotéticos e por definição independentes, autónomos ou abstractos … do nada de que derivam: nestes casos, os swaps utilizam-se para tomar posição de risco independente de qualquer outra posição (em risco) inexistente – “Prof. Calvão da Silva in “Swap de taxa de juro: a sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo e aposta”, apud R.L.J n.º 3979 – Maio-Abril 2013, 262, 263.

Em sintonia, o processo julgado no Reino Unido (“Hazel V. Hammersmith and Fuham Boraugh”) – 1992 – decidiu, quanto aos swaps meramente especulativos, que embora “no other interest than seeking to profit from interest rate fluctuations (…) prima facies they are legitimate and enforceable comercial contracts” (…) “The mere fact that there is a provision for the payment of diferences does not mean that the contract must be a wagering contract» (Alistair Hudson, apud «Swaps and Wagering Contracts», in «The Kings College Law Journal», 6.º – 1995-1996, 129 ss).

Mais, como refere David Megle, ISDA Head of Research – “Economic Role of Speculation” – apud ISDA, Research Notes, 2.º, 2010: “Although speculation is often blamed for causing problems in markets, the economic evidence shows that it is in fact a necessary activity that makes markets more liquid and efficient, which in turn benefits hedgers, investors, and other market participants.

Speculation increases market liquidity by reducing bid-offer spreads, by making it possible to transact more quickly at a given size, and by making markets more resilient.

Speculators make markets more efficient by helping move prices closer to fundamental values: short sellers, for example, provide discipline against overpricing while speculative buyers counteract unjustified drops in price. Without speculation, markets would be less complete in that there would be fewer opportunities for other market participants, especially hedgers, wishing to manage the risks they encounter in their financial activities. »

Além do exposto, as taxas de juro, reportadas à Euribor são fortemente condicionadas pelas políticas financeiras – taxa de referência fixada pelo Banco Central Europeu – e, no País, pelas políticas do Governo e do Banco de Portugal só com base nesses elementos é que será possível fazer uma previsão racional e científica da evolução daquelas taxas ao que é alheia a vocação especulativa dos jogadores e apostadores.

Por isso é que os gestores de activos e de carteiras, são profissionais preparados e vocacionados, para aplicarem os fundos dos clientes, em produtos financeiros, tendo certa capacidade de previsão, sendo supervisionados mas não especulando levianamente em termos de arriscada álea, traçando até um perfil daqueles e dando-lhes conhecimento dos riscos envolvidos.

Eticamente cumpre-lhes assegurar o equilíbrio negocial.

Finalmente, e como se o já referido não bastasse para descaracterizar o jogo e aposta sempre tal seria afastado já que nesta modalidade ressalta, como se disse, uma componente lúdica – embora não essencial – mas que está, de todo arredada dos contratos financeiros (cfr. o Prof. Menezes Cordeiro – ob. cit. 886.º que enfatiza tal componente de distracção, prazer ou entretenimento).

Na desinência do exposto, considerar o contrato de swap como um contrato de fortuna e azar, ou como aposta, constitui a negação de um instrumento internacionalmente reconhecido e regulado que a recorrente reconheceu no momento da celebração do contrato, não questionando os seus termos e sendo-lhe exigível que, face às tendências denotadas no mercado de capitais, previsse uma merma dos efeitos positivos que se planteavam no momento em que concluiu o contrato.

A aleatoriedade inerente ao contrato de swap (especulativo) – que a recorrente sabia configurar o contrato celebrado – não depende da sorte ou de um acaso imprevisto e imprevisível, antes dele se desprendem um rol de prestações pré-estabelecidas e solenemente assumidas pela carta ou programa de execução do contrato e que as partes sabem poder cumprir. A «alea» inerente ao contrato depende de factores económicos que uma antevisão aperrada aos sinais macroeconómicos e que são susceptíveis de ser detectados na evolução dos agentes em segmentos do mercado, nomeadamente, nos mercados de aplicação de capitais, e que devem estar presentes quando quem quer se predispõe a formar um plano de concretização de um contrato deste tipo.

Enquanto que numa aposta o factor risco não está presente, ou está presente na sua plenitude aleatória, imprevista e indeterminável, por a concretização do evento objecto da «alea» depender de factores que,  a maior parte das vezes não é dominável, nem apreensível pelos apostadores e a sua eclosão depender de circunstâncias a mais das vezes imponderáveis e fruto de factores exteriores à vontade dos sujeitos envolvidos na obtenção do evento favorável, no contrato de swap (especulativo) os sujeitos envolvidos têm perante si um quadro macroeconómico donde podem exumar sinais evolutivos e de compreensão económico-financeira mínima (lembre-se que todos os investimentos são efectuados tendo presentes factores económico-financeiros que os investidores estimam poder vir a evoluir num determinado sentido – normalmente no sentido favorável à sua posição) – e que, esse sim, está previsível no risco que cada contraente assume para a realização do programa contratual que conchava.

A imprevisibilidade total, dependente de factores incontroláveis, externos, de acaso (fortuito, a mais das vezes) não é concernente e compatível com um contrato de swap, ao invés do que se passa com a aposta.  

O contrato ajuizado não se compadece com a classificação com que a recorrente o pretende crismar, antes, como se disse supra, é um contrato típico e normativamente organizado e estruturado, validamente aceite e consagrado nas ordens jurídicas internacionais, nomeadamente no direito comunitário, que temos que aceitar no ordenamento interno.               

II.B.4. – Nulidade do contrato por violação do instituto de abuso de direito – cfr. artigo 334.º do Código Civil.  
Em derradeiro transe, importa enfrentar, para conhecimento (cabal) dos fundamentos do recurso, a nulidade do contrato de swap, por violação das regras da boa-fé e, mais concretamente, por incursão do comportamento do recorrido em aras de abuso do direito – cfr. conclusões 32 a 42. 
A propósito da boa-fé e das diversas formas que pode revestir o instituto jurídico do abuso de direito, tivemos ocasião de escrever em acórdão por nós proferido, [[53]] que: “Nas relações jurídicas estabelecidas entre os sujeitos jurídicos rege como principio invadeável aquele de que, tanto na formação, como na execução dos contratos e das relações jurídicas relevantes para a ordem jurídica, se devem usar valores de boa-fé e de correcção. No dizer da sentença do tribunal da cassação (italiano), de 18 de Setembro de 2009 “como critérios de reciprocidade, finalizados, substancialmente, em manter uma relação jurídica num binário do equilíbrio e da proporcionalidade”. “Na aplicação prática a cláusula geral de correcção e boa-fé fornecem critérios de orientação teleológico de conduta nas relações de direito privado, consignando ao intérprete a ideia de obrigação e realizando nesta perspectiva, o que soe chamar-se “fecho ”do sistema legislativo”. [[54]]
“Ideia e critério fundante da teoria dos contratos, a cláusula geral de boa-fé permanece ínsita em todas as áreas do direito em que os sujeitos jurídicos devam assumir obrigações e direitos de reciprocidade e de comutatividade. Os comportamentos assumidos nas relações que se estabelecem devem pautar-se por regras de ética e de empenho pessoal no cumprimento dos deveres assumidos de modo a que se torne previsível, um são e salutar desenvolvimento do relacionamento contratual estabelecido.
A inferência/ilação das regras de comportamento de correcção relacional só são passíveis de apreciação no que é designado “direito vivente”, no sentido de que é a neste que se verte e exprime a conduta dos agentes sociais e é deste que se induz o particular-concreto para aferição dos parâmetros gerais estabelecidos como regras orientadoras do direito. [[55]]
Daí que “o Juiz, ainda que, “não invente direito novo, mas descobre ou revela direitos e deveres através de um proceder que se pode exemplificar tendo em conta algumas premissas de método”. “Entre estas premissas, os princípios gerais (sobretudo se dotados de cobertura constitucional) desenvolvem uma função fundamental de “directiva” para o Juiz na sua actividade de correcta “concretização” da indeterminação própria do dever geral de boa fé”. [[56]]
Corolário da cláusula geral ou princípio de boa-fé é o exercício dos respectivos direitos ao eito de escopos éticos e sociais “pelo qual o próprio direito vem reconhecido e concedido pelo ordenamento jurídico positivo, o uso anormal do direito pode conduzir o comportamento do particular (no caso concreto) fora da esfera do direito subjectivo, tornando-o, por conseguinte, ilícito, segundo as normas gerais do direito material” [[57]/[58]]
“A esta nova luz, o abuso do direito é concebido - na teorização feita pela mais recente jurisprudência da Corte Suprema - como uma alteração juridicamente relevante do factor causal no exercício de um direito. O abuso do direito longe de pressupor uma violação no sentido formal delineia, pois, uma utilização alterada do esquema formal do direito, finalizada pelo conseguimento de objectivos ulteriores e diversos aos que estavam indicados pelo legislador”. [[59]]
Na estatuição do artigo 334.º do Código Civil “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
A ordem jurídica não protege de forma indelegável e absoluta um direito subjectivo e o interesse que lhe vai adstrito, no plano de um interesse positivo e funcionalmente tutelado. No desenvolvimento da equação ou tensão entre existência e alcance de interesse e reconhecimento e exercício do direito subjectivo “a ordem jurídica não aceita uma funcionalização geral do reconhecimento da titularidade (ou só do exercício) do direito subjectivo à existência de um interesse digno de protecção legal, objectivamente apreciado, e que tenha de justificar o exercício do direito nas circunstâncias em causa. Antes o direito subjectivo (distinto, pois, por esta nota, dos poderes-deveres ou poderes funcionais) comporta um poder não estritamente funcionalizado, ainda que não necessariamente arbitrário – o que é diverso da imposição de qualquer dever ou ónus de fundamentação teleológica, mesmo apenas em termos de “razoabilidade”. A regra, no direito privado (e correspondentemente com o sentido do modelo jurídico-privado de ordenação e afectação de recursos, terá, aliás, de ser sempre a de que, pelo menos no domínio do direito subjectivo, a definição e interpretação dos interesses para que se exerce o direito subjectivo apenas cabe ao seu titular, podendo, até, incluir, como via para sua satisfação, o próprio não exercício ou a destruição do respectivo objecto (salvo no caso de direitos indisponíveis). E em termos tais que o “substrato teleológico” do exercício da posição apenas relevará quando, além do prejuízo causado a terceiros, for radicalmente dissonante, ou contrário, em relação ao que pode justificar o reconhecimento do direito subjectivo e a colocação ao seu serviço do aparelho sancionatório estadual – em termos, portanto, de a movimentação deste aparelho se revelar inexigível in casu”. [[60]]
Na acepção de Orlando de Carvalho, versado pelo Autor citado, “O abuso de direito existe quando há um exercício do direito fora do âmbito do exercício do poder de autodeterminação que é próprio fundamento do reconhecimento de direitos subjectivos, propondo, como critério para o apurar a falta de interesse no exercício do direito a apreciar em abstracto ou concreto, e a transcendência do prejuízo em relação ao agente. Esta concepção implica, pois, uma distinção em relação à boa fé entendida enquanto norma de conduta: enquanto nesta está em causa uma regulamentação da conduta dos particulares, um problema de actuação contra legem, no abuso de direito o que é relevante não é a violação do direito objectivo, e sim a falta de interesse conjugada com a “transcendência do prejuízo”.” [[61]]
O abuso de direito enquanto forma desviada e jurídico-socialmente reprovável de um direito subjectivo constitui-se como paralisador do exercício do direito na medida em que o interesse (positivo) prosseguido pelo respectivo titular se coloca numa posição de defraudação da expectativa jurídica expressa na estabilização jurídico-material da normação adrede. Vale por dizer que a ordem jurídica ao estabelecer consagrar as regras de accionamento e exercício dos direitos conleva um feixe de interesses que na sua tensão e conflitualidade podem obnubilar o interesse positivo associado ao direito subjectivo desde que o prejuízo que desse exercício advenha sobreleve na sua extensão e alcance. [[62]]
“Como consequência de uma eventual abuso do direito, o ordenamento põe uma regra geral, no sentido de recusar a tutela aos poderes, direitos e interesses exercitados em violação das correctas regras do exercício, posto serem mediante comportamentos contrários à boa fé. Nesta forma de “mancanza di tutela” está a finalidade de impedir que possam ser conseguidos ou conservadas vantagens – e direitos conexos – através de actos em si estruturalmente idóneos, mas exercitados de modo a alterar-lhe a função, “violando la normativa di correttezza”. [[63]]
Manuel de Andrade qualificava a figura de abuso de direito como o exercício incorrecto e desviado do sentido que a lei e o Direito pretenderam fixar o direito subjectivo que o respectivo titular pode exercitar sem ofensa às regras de boa-fé, confiança jurídica e relacional que queda estabelecida entre os protagonistas de um contrato ou de uma relação jurídica tutelada pela ordem jurídica. [[64]] O acto de exercício ou pretensão de tutela do direito assume-se assim como contrário à consciência jurídica dominante ou prevalente numa determinada comunidade.
Para A. Varela, "para que haja lugar ao abuso do direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito” [[65]
Ocorre abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante. Há neste exercício um desvio flagrante e ostentatório entre a dimensão do direito tutelado e compressão de um outro estado ou situação jurídica, que não estando salvaguardado pela ordem jurídica, terá obtido pela permanência na esfera jurídica de um outro sujeito, um estádio de quase direito que a consciência jurídica, numa assumpção de pré-juridicidade ou juridicidade fáctica, deve tutelar, ou pelo menos, obstar que seja torpedeado pelo direito validamente constituído.   
Os autores soem assimilar ao instituto do abuso do direito o facto de alguém adoptar um comportamento que tipicamente se dirige em determinado sentido e que, extravagantemente, de forma inusitada e perversa, adquire novo rumo ao arrepio do que já estava sedimentado numa determinada relação jurídica, substantiva ou processual.
Na doutrina do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 20-11-1995: “A locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. Tal exercício é tido por parte da doutrina que o conhece como inadmissível. Como expressão da confiança, o venire contra factum proprium situa-se já numa linha de concretização da boa fé. É o que acontece com a recondução do "venire" à doutrina da confiança, que revela um estádio elevado nessa tarefa da concretização da boa fé. A confiança dá um critério para a proibição de venire contra factum proprium.
 Os princípios que, à face do Direito civil português, permitem detectar a presença de um facto gerador de confiança podem ser induzidos das regras referentes às declarações de vontade, com relevância para a normalidade – art. 236º, nº 1 – e o equilíbrio – art. 237º. Significa isto que o quantum relevante de credibilidade para integrar uma previsão de confiança, por parte do factum proprium, é, assim, função do necessário para convencer uma pessoa normal, colocada na posição do confiante e razoável, tendo em conta o esforço realizado pelo mesmo confiante na obtenção do factor a que se entrega. Assim se obtém o enquadramento objectivo da situação de confiança. Requer-se, porém ainda um elemento subjectivo: o de que o confiante adira realmente ao facto gerador de confiança.
É que bem pode acontecer que, não obstante a presença de elementos objectivos suficientes para justificar a protecção da confiança, o beneficiário em potência, por razões específicas, não tenha de facto confiado na situação que se lhe oferecia. Não cabe então oferecer-lhe a protecção jurídica. Ou que, tendo confiado, tenha desacatado (ou descurado) a observância de deveres de indagação que ao caso deviam caber. O que significaria que, apesar da verificação de tais elementos objectivos geradores da confiança, a mesma não "resistiria" aos cuidados de diligência resultantes do cumprimento do dever de indagação.”

A expressão "venire contra factum proprium" significa, portanto, uma proibição jurídico-factual da assumpção de um comportamento contraditório, postulando dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo.

O venire contra factum proprium encontra respaldo nas situações em que uma pessoa, por um certo período de tempo, se comporta de determinada maneira, gerando expectativas na outra de que o seu comportamento permanecerá inalterado.

Em vista desse comportamento, existe um investimento, a confiança de que a conduta será a adoptada anteriormente, mas depois de referido lapso temporal, é alterada por comportamento contrário ao inicial, quebrando dessa forma a boa-fé objectiva (confiança).

Na escalpelização ou escrutínio recenseador dos autores evidenciam-se quatro elementos para a caracterização do venire: comportamento, geração de expectativa, investimento na expectativa gerada e comportamento contraditório.

A tutela da confiança atribui ao venire um conteúdo substancial, no sentido de que deixa de se tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se tornar um princípio de proibição à ruptura da confiança, por meio da incoerência. O fundamento da proibição do comportamento contraditório é, justamente, a tutela da confiança, que mantém relação íntima com a boa-fé objectiva.
Verifica-se que na sua estrutura, o “venire contra factum proprium” pressupõe a existência de duas condutas contrapostas da mesma pessoa, que arrancando da sua licitude intrínseca, se revelam, no arco do tempo, distintas e contraditórias. Assim a primeira (o “factum proprium”) revela-se antinómica e contraditória da segunda, a acção desencadeada para contraminar o statuo quo estabelecido, de forma a que essa relação oposicional justifica a emergência da figura proibitiva e vedante em que se constitui o princípio do abuso do direito. Este princípio arranca da necessidade da confiança enquanto valor e exigência ético-axiológica conducente a uma estabilidade sócio-pessoal e jurídica das pessoas no conspecto das relações societárias que se vão sedimentando na prática inter-relacional. Pela reiteração e aquisição de um estado fáctico-jurídico devem merecer protecção da ordem jurídica, em homenagem à manutenção e tutela de determinados comportamentos da comunidade jurídico-social. É que estando a sociedade organizada na base de relacionamentos tendencialmente estáveis, exige que cada sujeito assuma perante os demais um comportamento congruente e minimamente estável de modo a permitir um desenvolvimento harmonioso e previsível das respectivas condutas interpessoais e institucionais. A ruptura de códigos e comportamentos assumidos conduz a frustrações de perspectivas e de projectos que podem tornar-se incomportáveis no tráfego comercial e no inter-relacionamento dos sujeitos que o convalidam.   

A relação contratual ajuizada conforma-se com regras contratuais pré-estabelecidas e que as partes quiseram e mantiveram durante o período de tempo que para uma das partes foi conveniente e vantajoso. Não pode ofender o Direito um comportamento que se pauta pelo cumprimento da normação que ambas as partes aceitam, acolhem e prosseguem, tão só porque no decurso da execução contratual uma das partes – que tinha consciência do carácter aleatório do contrato que tinha concluído – constata que o risco em que aceitou embarcar lhe foi desfavorável.

O contrato foi cumprido de acordo com as regras que tinham sido estabelecidas e observando o risco que nele estava contido. A execução desfavorável a uma das partes, sendo que qualquer delas tinha uma «alea» desfavorável, ou favorável, conforme as oscilações do índice das taxas de juro, não pode justificar a qualificação da conduta de um dos contraentes como ervadas de má-fé e violadores das regras de conformidade com o Direito.

Falece, por fim, este fundamento do recurso.  

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar a revista;

- Condenar a recorrente nas custas.

                                               Lisboa, 26 de Janeiro de 2016

Gabriel Catarino – (Relator)

Maria Clara Sottomayor (voto de vencida)

Alves Velho


_____________

Voto de vencida:


1. O contrato descrito na matéria de facto é um contrato de swap de taxas de juro. Designa-se por swap (troca ou permuta) de juros, o contrato, nos termos do qual as partes acordam trocar entre si quantias pecuniárias expressas numa mesma moeda, representativas de juros vencidos sobre um determinado capital hipotético, calculados por referência a determinadas taxas de juros fixas e/ou variáveis. Estes contratos caraterizam-se por uma enorme flexibilidade estrutural, o que conduziu a uma multiplicação na prática financeira de modalidades especiais, resultantes da criação de variantes negociais (swaps complexos) ou da combinação com outros instrumentos derivados ou até financeiros (swaps híbridos). Trata-se de uma figura que foi primeiro criada pelos agentes económicos, na praxis financeira e bancária, e que só posteriormente aparece prevista na lei. O direito português refere-se ao contrato de swap de taxa de juro no art. 2.º, n.º 1, al. e) do CVM, mas não o define nem descreve as respetivas modalidades. Trata-se portanto de um contrato nominado, mas que a maioria da doutrina considera ter natureza atípica (cf. Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, Almedina, Coimbra, 2009, p. 172, nota 363).

2. O facto de o contrato de swap de taxa de juro ser reconhecido na lei nacional (art. 2.º, al. e) do CVM) e regulado por normas comunitárias (Diretiva 2004/39/CE e Regulamento n.º 549/2013) não afasta a hipótese de a sua concreta conformação acordada entre as partes ser contrária à ordem pública e violar princípios e normas internas de direito dos contratos, conforme já se entendeu neste Supremo Tribunal no acórdão de 29-01-2015 (proc. n.º 531/11.7TVLSB.L1.S1), relatado pelo Conselheiro Bettencourt de Faria.
A diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21-04-2004 não afirma que os Estados fiquem vinculados a reconhecer na sua ordem jurídica todos os instrumentos financeiros referidos no anexo I. Apenas se reconhece a existência do contrato de swap na prática financeira e se sujeita as entidades financeiras a determinados requisitos, e a sua atuação a normas procedimentais comuns, respeitando o princípio da subsidiariedade. O regulamento comunitário prevê a figura dos swaps de taxas de juros com capital hipotético, que não chega a ser trocado. Prevê-a para a regulamentar, evitando assim o mal maior da total desregulação. Mas não está excluído que o legislador comunitário deixe margem de autonomia às ordens jurídicas internas para regularem os contratos de swap, de acordo com a realidade económico-social de cada país. Do reconhecimento da figura no direito comunitário e no direito português não decorre, pois, a impossibilidade de lhe aplicar as regras gerais dos contratos e de considerar o contrato de swap anulável por erro sobre o objeto (art. 251.º do CC), negócio usurário (art. 282.º do CC) ou dolo (art. 253.º do CC) ou de declarar a sua nulidade pelo facto de o seu conteúdo ou fim ser contrário à ordem pública ou aos bons costumes (art. 280.º, n.º 2 e 281.º do CC), no quadro da realidade económico-social dos Estados Membros, nomeadamente o caso português, caraterizado por um tecido empresarial composto maioritariamente por pequenas e médias empresas, sem profissionais especializados em questões financeiras e que baseiam os seus investimentos no aconselhamento resultante da relação de confiança que têm com os funcionários dos bancos de que são clientes.
Nada impede, portanto, que se possa declarar, em determinados contextos fácticos, a nulidade de determinadas modalidades de swap, por exemplo, os puramente especulativos, aos quais não subjaz qualquer operação económica ou financeira. Choca o interesse público e os princípios fundamentais da ordem jurídica que a especulação seja o único objetivo do contrato. Os contratos de swap de taxas de juro podem ter utilidade económico-social enquanto servirem de contraponto à cobertura de risco, por exemplo, quando lhe subjaz um negócio de mútuo, em que o mutuário tem por objetivo proteger-se contra o risco da subida das taxas de juro.

3. O contrato discutido no presente processo, nos termos da matéria de facto fixada, não faz qualquer referência a operações de financiamento, concedidas pelo banco ou por terceiro, de que a empresa, autora desta ação, fosse beneficiária. Constitui, assim, um contrato puramente especulativo, ao qual não subjaz qualquer negócio de base ou causa económico-social. Tem por referência um capital nocional ou hipotético de valor muito elevado no contexto económico do nosso país (2 milhões de euros) e as partes com este contrato visam qualquer cobertura de risco ou de garantia para taxas de juro excessivas. Pelo contrário, foram elas que criaram o risco. O risco pretendido pelas partes é endógeno. Não lhe corresponde qualquer operação financeira ligada a uma atividade económica. Trata-se, portanto, de um negócio reprovado por uma ordem jurídica baseada na dignidade da pessoa humana (art. 1.º da CRP) e que visa o combate às atividades especulativas (art. 99.º, al c) da CRP), valores que densificam os conceitos civilísticos de ordem pública e de bons costumes (artigos 280.º, n.º 2 e 281.º do Código Civil), um fenómeno que a doutrina nacional e europeia tem descrito como «constitucionalização do direito civil» (Sousa Ribeiro, «Constitucionalização do direito civil», in Direito dos Contratos, Estudos, Coimbra, 2007, pp. 28-29). O conceito de ordem pública, segundo a doutrina, é definido como “o complexo dos princípios e dos valores que informam a organização política, económica e social da Sociedade e que são, por isso e como tal, tidos como imanentes ao respectivo ordenamento jurídico. Constitui expressão e instrumento do interesse público, do bem comum, tal como é definido naquela colectividade e corresponde geralmente aos grandes princípios consagrados na parte programática da respectiva constituição política.” (Cf. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, Almedina, p. 429).
O conceito de bons costumes, outrora aplicado a questões relacionadas como conduta sexual e moral social, assume novos sentidos de acordo com a evolução da sociedade e adquiriu hoje, na jurisprudência europeia, nomeadamente a alemã, uma multiplicidade de significados que abrangem a ética nos negócios, os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana e outros princípios e valores constitucionais, verificando-se uma sobreposição com o conceito de ordem pública, evolução que abre possibilidades interpretativas à jurisprudência portuguesa (Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 1212-1223). A noção moderna de bons costumes assume uma vertente idealista, virada para a transformação da sociedade, e visando reagir sobre as práticas (cf. Coutinho de Abreu, Do abuso de direito, Almedina, Coimbra, 1999, pp. 63-66).
A doutrina italiana designa a invalidade negocial por contrariedade à ordem pública, em que os negócios não padecem dos tradicionais vícios de formação ou de formulação da vontade, por nulidade axiológica, a qual está relacionada com uma ética nova no direito dos contratos caraterizada pela cooperação e pela solidariedade contratual (Cf. Angelo Barba, «Libertà e Giustizia Contrattuale», in Studi in onore di Pietro Rescigno, III, Diritto Privato, 2. Obbligazioni e contratti, Milano, 1998, p. 18).
O Direito Privado tende a evoluir no sentido de uma crescente eticização, fazendo apelo à responsabilidade social das empresas e a uma revalorização dos conceitos de ordem pública e bons costumes enquanto ética nos negócios, o que alarga necessariamente as causas de nulidade por violação dos artigos 280.º, n.º 2 e 281.º do Código Civil. A crise global e a identificação das suas causas no comportamento humano e em questões éticas (o culto do dinheiro e a desumanização inerente) conduzem a um controlo judicial do conteúdo dos contratos através da invalidade negocial e da resolução por alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, de que é paradigma a jurisprudência nacional dos países da União Europeia, da qual destacamos a italiana (entre outras, vide Tribunal di Monza, Sez. I, 17 luglio 2012, in Diritto Bancario Giurisprudenza, que declarou a nulidade por falta de causa concreta de um contrato de swap de taxa de juro, disponível para consulta in http://www.dirittobancario.it/rivista/finanza/derivati/causa-contratto-interest-rate-swap-costi-impliciti).

4. Contudo, em face do reconhecimento da figura dos swaps especulativos pelo legislador comunitário e da falta de elementos factuais que acresçam à natureza especulativa e fundamentem a declaração de nulidade com base nos arts 280.º, n.º 2 e 281.º do CC, sempre o contrato dos autos seria resolúvel ou modificável por aplicação do art. 437.º do Código Civil.

O respeito pelo princípio da autonomia privada exige que sejam analisadas as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar e que se afira da imprevisibilidade e anormalidade da alteração dessas circunstâncias, bem como da sua integração ou não nos riscos próprios do contrato.

O facto de o contrato de swap de taxa de juro ser um contrato aleatório não afasta a aplicação do regime da alteração de circunstâncias. A norma do art. 437.º, de acordo com a doutrina, aplica-se também aos contratos aleatórios, sempre que se considere que os riscos verificados são estranhos à álea estipulada ou excedem a margem razoável de risco do próprio contrato, não foram representados pelas partes e põem gravemente em causa o equilíbrio contratual (cf. Lebre de Freitas, «Contrato de swap Meramente Especulativo - Regimes de validade e de alteração de circunstâncias», disponível para consulta in www.oa.pt/upl/%7B24d07a7e-a1e3-4f43-b06a-300e112c9896%7D.pdf, p. 962 e demais doutrina que admite a aplicação do art. 437.º do CC aos contratos aleatórios: Oliveira Ascensão, Direito Civil. Teoria Geral, Coimbra, 1999, p. 418; Carvalho Fernandes, A teoria da imprevisão no Direito Civil Português, Quid Iuris, Lisboa, 2001, p. 269; Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, Coimbra, 2002, p. 347; Carneiro da Frada, «Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito vs. Contratos de Gestão de Carteiras», ROA, Ano 69).

5. As alterações de circunstâncias suscetíveis de gerar a aplicação do art. 437.º não são apenas as guerras ou as calamidades naturais, mas também causas de natureza política, social ou económica (vide, por todos, Carneiro da Frada, «Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito vs. Contratos de Gestão de Carteiras», ROA, Ano 69, p. 682), que introduzem variações acentuadas e imprevisíveis em valores como os preços, a inflação, as taxas de juros. O facto de o capitalismo apresentar crises cíclicas não significa que seja previsível para os agentes económicos a possibilidade de alterações drásticas destes valores ou que tenham que contar sempre com elas, por tal ser alegadamente inerente ao capitalismo, pois tal equivaleria a anular a priori a aplicação do instituto da alteração das circunstâncias.
Devem incluir-se neste conceito de alterações anormais e imprevisíveis das circunstâncias aquelas «alterações globais dos parâmetros fundamentais da coexistência social», que são na realidade «um risco de todos, a que todos estão sujeitos, a cujos danos ninguém pode pretender eximir-se à custa de outrem e que não devem conduzir a permitir benefícios integrais a uma das partes com prejuízo da outra» (Carneiro da Frada, ob. cit., ROA, Ano 69, p. 683).
Nada fazia prever, até Setembro de 2008, com a insolvência do Lehman Brothers, a dimensão da crise desencadeada em Nova Iorque e espalhada por todo o mundo, nem a queda vertiginosa das taxas de juro a partir de fevereiro de 2009 e a permanência numa baixa acentuada (até valores correspondentes a 1/10 do mínimo atingido até então). Esta crise não é uma mera crise cíclica do capitalismo, mas pela sua dimensão e caráter global só é comparável à crise de 1929. As suas causas e efeitos globais transcenderam a esfera de atuação e de controlo dos agentes económicos.
As circunstâncias que presidiram à celebração do contrato dos autos foram marcadas por um período de estabilidade das taxa de juro Euribor durante cerca 15 anos, o que permitia presumir que os agentes económicos que celebraram com os bancos estes contratos de swap de taxas de juro, o fizeram, representando a oscilação da taxa de juro para baixo como um risco remoto e que implicaria diferenças mínimas em relação ao que tinha sido até então a taxa média. A doutrina que se tem pronunciado, com base na ciência económica, sobre a natureza destas alterações para o efeito da aplicação do art. 437.º do Código Civil, tem entendido que a descida da taxa de juros assume uma natureza anormal e imprevisível para os agentes económicos. Carneiro da Frada (ob. cit., ROA, Ano 69, p. 683), a propósito da questão de saber se a atual crise financeira representa uma “grande” alteração das circunstâncias, afirma que aponta nesse sentido “a forma inopinada e profunda como a actual crise eclodiu, com a surpresa de muitos ou de quase todos, mesmo especialistas”. Prossegue o autor, ponderando que se deve considerar “a dimensão da sua ocorrência, a sua não antecipabilidade generalizada e o facto de radicar em causas interdependentes múltiplas que ultrapassam o poder de actuação e influência dos actores económicos singulares e se projectam mesmo, como crise global, para além dos limites dos países e de várias zonas económicas do planeta” (ob. cit., p. 683). Refere também o autor que “é já opinião comum, largamente difundida em diversíssimos meios, que a crise económica e financeira que actualmente se vive constitui um acidente anormal, estrutural e grave na evolução que a economia mundial vinha experimentando. Por outro lado, essa crise surgiu surpreendendo tudo e todos. Mesmo os mais reputados estudiosos da área não puderam, não conseguiram ou não souberam prevê-la” (ob. cit., pp. 683-684).

6. O facto de o contrato dos autos ter sido assinado em Abril de 2008 e confirmado em Julho de 2008, e de nestas datas haver já alguns sinais de instabilidade das instituições financeiras, não significa que fosse previsível a dimensão da crise e o seu impacto global, que muitos autores identificam com a falência do Lehman Brothers, em Setembro de 2008. Deve ainda ter-se em conta, no contexto económico-social português, que os empresários não dispõem, nos seus quadros, de profissionais especializados em questões financeiras, tal como dispõem os bancos, e portanto, de acordo com regras de experiência, não é razoável nem justo imputar-lhes auto-responsabilidade na previsão da crise e do seu impacto nas taxas de juro, a qual, mesmo para muitos especialistas foi imprevisível. A ser previsível a crise para estes pequenos empresários, então teria, por maioria de razão, de ser previsível para os bancos, o que dada a enorme assimetria informativa e o facto de estes contratos serem redigidos unilateralmente pelo Banco, através da técnica do contrato de adesão, teria que ser considerado dolo ou má fé do Banco…
Julgamos, no entanto, que antes de Setembro de 2008, mesmo para muitos especialistas, não foi previsível esta crise com a dimensão e o impacto global que veio a ter, pelo que estão preenchidos os requisitos do art. 437.º: a alteração diz respeito às circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar; essas circunstâncias sofreram uma alteração anormal; a manutenção do contrato afeta gravemente o princípio da boa fé e provoca um desequilíbrio agravado entre as prestações das partes; esta situação não está abrangida pelos riscos próprios do contrato.

7. Pelo que a consequência seria a resolução do contrato, considerando-se abrangidas pela eficácia resolutiva as prestações realizadas pela autora depois de janeiro de 2009, pois entre estas e a causa de resolução existe um vínculo que legitima, nos termos do art. 434.º, n.º 2, 2.ª parte do CC (com a obrigação de a autora devolver ao banco os ganhos que teve antes desta data, por razões de equilíbrio do contrato).

Teria, portanto, concedido a revista e revogado o acórdão recorrido.


Lisboa, 26 de janeiro de 2016

Maria Clara Sottomayor

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[1] “(…) vício de nulidade por omissão de pronúncia (nulidade hoje prevista na alínea d) do artigo 615.º do CPC ex vi artigo 666.º do mesmo CPC) na medida em que deixou de apreciar o pedido ínsito nas conclusões 19, 20, 21, 22 e 26 das alegações de Apelação, no sentido de que fosse aditasse um conjunto de facto ao probatório que, no seu entendimento, que mantém, deveriam ter sido levados aos factos assentes por alegados pela Autora e não impugnados pelo Réu.
[2] Cfr. Para maiores desenvolvimentos, de la Oliva Santos, Andrés e Diez-Picazo Giménez, Ignacio, in “Derecho Procesal Civil - El proceso de declaración”, Editorial Universitária Ramón Areces, 3.ª edición. 2008, págs. 445-466
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, págs. 142-143 nota 5 e 53 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 247 nota 5 e 228 nota 2.
[4] J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.
[5] Vd. Ac. do STJ de 09-07-1982: B.M.J. 319 pág. 199.
[6] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, págs. 49 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.; J. Lebre de Freitas e outros, Cód. Proc. Civil Anot, Vol. 2, Coimbra Editora – 2001, págs. 645-646 nota 2. No sentido de que os motivos, argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos não figuram entre as questões a apreciar no art.º 660º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, como jurisprudência unânime, pode ver-se, de entre muitos exemplos, p. ex., RT 61º-134, 68º-190, 77º-147, 78º-172, 89º-456, 90º-219 citados apud Abílio Neto Cód. Proc. Civil Anot. 8.ª Ed. (1987), págs. 514-515 nota 5, em anotação ao art.º 668º. Vd. ainda, v. g., Ac. do STJ de 01-06-1973: B.M.J. 228 pág. 136; Ac. do STJ de 06-01-1977: B.M.J. 263 pág. 187. 
[7] Vd. . Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.
[8] Veja-se, para uma compreensão e dimensão do fenómeno nas suas implicações e incidências sistémicas Chris Freeman e Francisco Louça, “Ciclos e Crises no Capitalismo Global – Das Revoluções Industriais à Revolução da Informação”, edições Afrontamento, Biblioteca das Ciências Sociais; Mark Blyth, “Austeridade – A História de uma Ideia Perigosa”, Quetzal, (especialmente ps. 43 a 84); Paul Krugman, “Acabem com esta Crise Já”, Editorial Presença (Este autor estima que a teoria dos “ciclos económicos reais”, “que diz que as recessões são a resposta racional, e eficiente, aos adversos choques tecnológicos, que por seu turno nunca chegam a ser explicados (…)”, soa a absurdo – p. 114); Yanis Varoufakis, “Minotauro Global – Os Estados Unidos, a Europa e o Futuro da Economia Global” Bertrand Editora (especialmente ps. 47 a 69). Simbolicamente elucidativa das aventuras do capital, ou de quem se aventura por elas, é a asserção colhida em Keynes, citada por Paul Krugman, op. loc. cit. p. 108, ao dizer: “Quando o desenvolvimento do capital se transforma num subproduto das actividades de um casino, é provável que esse trabalho seja mal feito.”    
[9] Cfr. Acórdão de 11 de Fevereiro de 2015, proferido no Processo n.º 309/11.8TVLSB.L1.S1., cujo sumário se deixa aqui extractado. “1) No direito financeiro designam-se instrumentos derivados, ou simplesmente derivados, os instrumentos financeiros resultantes de contratos a prazo cujo valor resulta de outros valores: os valores de base. 2) “Swap” é um acordo contratual entre duas partes que aceitam trocar, ao longo do tempo e segundo regras predeterminadas uma série de pagamentos correspondentes a um valor nocional (hipotético) de capital entre elas negociado. 3) O conceito de “swap” é de origem anglo-saxónica, depois acolhido no direito europeu: Directivas 88/361/CEE, de 24 de Junho, a dar execução aos artigos 67.º e 56.º n.º 1 do TUE [livre circulação de capitais e não restrição a essa livre circulação e respectivos pagamentos]; 93/22/CEE, de 10 de Maio [Investimentos no domínio dos valores mobiliários]; 2003/6/CE, de 28 de Janeiro [Abuso de informação privilegiada e manipulação do mercado]. 4) A Directiva 2004/39/CE de 21 de Abril (DMIF) fixou o conceito de instrumento financeiro e previu os “swaps” na alínea 4.ª do Anexo I, Secção C. 5) O artigo 2.º n.º 1, alínea c) a f) do Código de Valores Mobiliários reconheceu, expressamente, a figura do “swap”. 6) São negociados “over the counter” (em mercados de balcão, ou não organizados) sem intermediários sendo formatados casuisticamente (“tailor made”); 7) Há “hedging” quando o agente económico lançou mão do “swap” para diminuir a sua exposição à basculação de uma taxa de juro à qual já estava exposto numa outra relação jurídica, pretendendo minorar eventuais perdas; 8) No “swap” simples (“plain vanilla swap”) as partes acordam trocar o produto das taxas de juro previamente ordenados, mediante o prévio pagamento ao Banco de um preço pela operação e pelo risco que o banqueiro vai suportar; 9) As taxas de juro incidem sobre um capital meramente hipotético (nominal ou nocional) mas o “swap” pode ser utilizado sem ligação a qualquer outro contrato (contrato subjacente); 10) Basta-se a si próprio, tendo natureza financeira e não é complementar de outro (como v.g. mútuo ou algum financiamento) gozando de abstracção pura e absoluta; 11) Não se trata de jogo ou aposta não estando, em consequência sujeito ao disposto no artigo 1245.º do Código Civil; 12) Os contratos de “swap” de taxa de juro, que não têm o propósito directo de cobertura de risco, não são proibidos por lei, tal como o não são aqueles cujo valor nocional não corresponde a um passivo real; 13) O desequilíbrio negocial não é, só por si, gerador da nulidade do contrato, antes, se verificados os pressupostos e se tal for pedido, da respectiva resolução.”
[10] Cfr. Amedeo Ferri-Ricchi, “El Contrato de Swap como Tipo derivado”, Civitas/Thomson Reuters, Editorial Aranzadi, Cizur Menor (Navarra), 2014, pág. 30. Para este este autor o mercado de swap de “tipo de interés” (juros) está presente tanto no mercado primário como no mercado secundário, assumindo escalões distintos conforme as fontes de financiamento, que especifica a págs. 47 a 51).
[11] “Um swap de divisas é um contrato financeiro entre duas partes que desejam intercambiar os seus “principales” de igual quantia e divisas distintas, por um período de tempo acordado. Ditos “principales” estão baseados em empréstimos obtidos nos respectivos mercados e comportam um pagamento recíproco dos “interesses” que venham a ocorrer (se devenguen). No vencimento, os “principales” são novamente intercambiados ao preço do “contado” do dia inicial da operação principal. Cada (prestatario) conserva perante o seu prestamista respectivo as obrigações do empréstimo inicial.” – op. loc. cit. pág. 54. 
[12] Amedeo Ferri.Ricchi, op. loc, cit. pág.98. Especificando o autor indica como, diacronicamente, soem decorrer as conversações preliminares para a realização de um contrato de swap: “o acordo verbal; o acordo sobre as disposições essenciais; as dúvidas de formalização do swap; e o contrato final, a «Supersending Documentation».” – op. loc. cit. pág. 99.
Muito resumidamente, mas porque se nos afigura importante para a percepção da forma e percurso, mais ou menos estandardizado, que é prosseguido pelas instituições de crédito para a realização de um contrato de swap, referiremos que; i) no «acordo verbal» soe incluir conversações telefónicas, em que se estabelecem as modalidades económicas essenciais do swap assim como as garantias que querem aportar à sua contraparte (aval, letra de crédito ou garantia; ii) geralmente as instituições de crédito – para satisfazer as disposições do «Statute of Fraude», de Nova Iorque ou para constituir um meio de prova mais fácil, com é o caso da França – soem enviar uma carta de confirmação, ou «Swifts» em que se resumem os elementos essenciais que hajam ficado estabelecidos na fase do «acordo verbal, notadamente a data de entrada em vigor e vencimento, a data de pagamento, importância, tipo de interesse (juros) fixo ou variável, os dias uteis para a execução, a lei aplicável, a cláusula fiscal e as garantias; iii) a terceira fase «dúvidas na formação do contrato» transcorrem depois ad fase de confirmação por carta e destinar-se-á a dissipar as dúvidas que ainda possam subsistir quanto aos termos do contrato a formalizar, contrato definitivo que é, de ordinário, um documento com conteúdo predisposto pelo banco e que pelo seu tecnicismo pode suscitar dúvidas na sua compreensibilidade; iv) finalmente, será o momento de formalização/concretização do contrato, a «Supersending documentation». – cfr. op. loc. cit. págs. 97 a 104.              
[13] Cfr. Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. pág. 105. Trata-se de um contrato de natureza sinalagmática, como adiante melhor vincaremos, pelo que do sinalagma resultarão, reciprocamente, para ambos os contraentes obrigações próprias do contrato concluído. A doutrina distingue entre «sinalagma genético», em que a assumpção de uma obrigação, por parte de um dos contraentes, condiciona necessariamente a contraprestação do outro – v. g. no contrato de compra e venda, em que a obrigação consistente no «dever de vender» é a génese ou a causa da obrigação do «dever de pagar» da contraparte, do «sinalagma funcional», que está implícito em toda e qualquer obrigação recíproca, ou seja em que o «dever de vender» e o «dever de pagar», o preço, se devem realizar ao mesmo tempo.     
[14] Cfr. Francisco Mercadel Vidal e Gabriel Hernández Paulsen, in “La Comercialización de Swaps de Tipo de Interés por las Entidades de Crédito – Estudio sobre la jurisprudencia de las Audiencias Provinciales”, Editorial Bosch, Barcelona, 2012, pág. 21-22 e 36.
[15] Cfr. Francisco Mercadel Vidal e Gabriel Hernández Paulsen, in op. loc. cit. pág. 22.
[16] Tanto na obra a que se alude na nota anterior, como em outras, se faz ampla alusão a uma Sentença da Audiência Provincial de Álava, 1.ª secção, de 18 de Janeiro de 2011, em que a questão debatida atinava com a nulidade adveniente da deficiente e insidiosa informação (“maquinaciones insidiosas por parte de un de los contratantes”), da Entidade de Crédito na formação do contrato (“error del consentimiento del art.1.266 del CC) consistente no facto de se ter assegurado ao cliente que o contrato poderia cobrir uma eventual subida de “tipo de interés” – “un error de caracter esencial e invencible que no les permitia compreender el alcance, funcionamiento y riesgos de estos contratos”  . A questão, ao que tivemos oportunidade de averiguar, terá sido a que foi suscitada e debatida numa cópia de decisões prolatadas pelos tribunais do país vizinho e que na maioria dos casos terão sido acolhidas pelos tribunais de Audiência Provincial. Esta decisão (Sentencia de 11 de Janeiro de 2011, da Audiência Provincial de Álava turifica, ou acendra, a definição que as audiências provinciais do país vizinho têm adoptado para o “Operación de permuta financiera de tipos de interés com tipo fijo cresciente y convertible a tipo variable”. 
A especifica alusão que o autor refere entre o contrato de swap e o contrato de seguro – tal como o fazem outros autores e jurisprudência do país vizinho (especialmente esta)  – radica no facto de uma grande parte das situações de pedidos de anulação dos contratos que forma objecto de análise e decisão nos tribunais de Espanha advirem do facto de as instituições de crédito terem vendido este tipo de produto financeiro como seguro que serviria para cobrir eventuais altas das taxas de juro. Daí o pedido que vem formulado na decisão referida de anulação do contrato por erro no consentimento inicial (ou durante a formação do contrato). Na verdade, em muitas das decisões que vêm referidas pelos autores a causa das acções intentadas tem como base este modo de vender swaps o que conduziu a que a jurisprudência espanhola tenha formada uma vasta e contundente jurisprudência no sentido de anular os contratos por erro na formação do consentimento inicial.      
[17] Cfr. Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. pág. 187. Em Espanha consideram o contrato de swap como uma permuta de tipo financeiro “Um swap, ou permuta financeira, é um contrato pelo qual duas partes se comprometem a intercambiar uma série de quantidades de dinheiro em datas futuras. Normalmente os intercâmbios de dinheiro futuros estão referenciados a tipos de interés, chamando-se IRS (Interest Rate Swap) ainda que de uma forma mais genérica se possa considerar um swap qualquer intercâmbio futuro de bens ou serviços (entre eles dinheiro) referenciado a qualquer varável observável”. Ou anda segundo Sergio Zamorano Roldan “o swap é um contrato bilateral em virtude do qual cada uma das partes se obriga a entregar à outra, nos termos acordados, somas de dinheiro determinadas ou determináveis segundo parâmetros objectivos, e calculadas sobre um capital de referência invariável.”   [18] Cfr. Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. pág. 194. Para uma variegada gama e tonalidade de definições deste tipo de contrato veja-se este autor (págs. 186 a 195.
[19] Reza assim o artigo 1255 do Código Civil espanhol: “os contratantes pueden establecer los pactos, clausulas y condiciones que tengan por conveniente, siempre que no sean contrarios a las leys, a la moral ni al orden público.”     
[20] Cfr. Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. pág. 207.
[21]A conclusão do contrato perfecciona-se no momento de intercâmbio de consentimento mediante a redacção de um documento escrito - daí que se diga que o contrato de swap é também um contrato solene – e o intercâmbio de «swift» de confirmação, seguido pela transacção concluída pelo telefone, que serve para facilitar a prova” - Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. pág. 215.   
[22] A reciprocidade das obrigações não é suficiente para um contrato sinalagmático. A interdependência das obrigações é necessária. Cada parte deve obrigar-se dependendo da obrigação tomada pela parte relativamente á primeira. No contrato de swap (por aplicação da teoria da causa) haverá que considerar, por separado, “os swap que criam obrigações bilaterais de pagamento ou os que comportam o pagamento de um só diferencial”. “Em relação aos swap que implicam um pagamento bilateral, as obrigações são interdependentes. A causa da obrigação de pagamento das partes é a transferência da obrigação ou do produto de actividades ou passividades financeiras, que têm por objecto a cobertura,  arbitragem, a especulação. No caso do swap que comportam o pagamento diferencial, causa final a causa final é a mesma, mas a causa eficiente é diferente. De facto, não consiste numa realização material de um pagamento, mas sim de uma aceitação de um pagamento potencial, e de um quantitativo do diferencial. O risco de pagamento é a contrapartida, por cada contraente, da possibilidade de receber um benefício. O risco potencial é real e dividido de maneira equivalente pelas partes; pesa sobre as duas partes de mesma maneira exactamente simétrica. Então a existência da causa está verificada, algo que permite iludir o risco de anulação do contrato pela ausência da causa, e a interdependência das obrigações está confirmada.” -  Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. pág. 221.   
[23] Cfr. Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. págs. 223. “Em definitivo, o contrato intuiti personae não pode ser confundido com o contrato de relevância pessoal, quer dizer, o contrato em que a pessoa do contraente interessa relativamente à exactidão e pontualidade no cumprimento dependem da «seriedade» e dos meios materiais e económicos da partes contratante.”   
[24] Cfr. Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. págs. 233 a 235. “Os contratos que comportam um pagamento bilateral deixam aparecer claramente a reciprocidade das vantagens, este é o critério de distinção dos actos a título oneroso relativamente aos de título gratuito, por oposição à reciprocidade das obrigações que permitem separar contratos sinalagmáticos unilaterais que consistem em pagamentos devidos por cada parte ou na aceitação do risco de dever pagar segundo a evolução dos tipos.”  
[25] Cfr. Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. págs. 236 a 251. O artigo 1964 do Código Civil francês define que “O contrato aleatório é um pacto recíproco de onde os efeitos, as vantagens e as perdas, são para ambos os contraentes ou somente para um deles, que depende de um evento incerto.”  
[26] Em matéria de contratos aleatórios torna-se essencial determinar o que é a «alea» e «risco», ou ainda mais distinguir «alea convencional» e «alea normal», ou seja aquilo que pode ser considerado como risco derivado das oscilações do mercado, que a partir de determinado momento se torna «alea convencional». “O risco tem sido entendido como juízo (resultado de uma actividade lógica fundada sobre a previsão de um evento), como situação (posição que assume um sujeito ou uma coisa relativamente a alguns parâmetros de referência) ou como evento (do que faz depender a perda ou o ganho).” Os artigos 1467, 1468 e 1469 do Código Civil italiano, que predispõem para as situações económicas que seguem os vínculos jurídicos, permitem estimar que, nos contratos de trato sucessivo o risco económico geral sobre as prestações pode ser considerado, de igual modo, como risco jurídico, fazendo-se, doutrinalmente, a distinção entre risco e «alea» com a afirmação de que o risco económico, no sentido estrito da palavra, é o que incide sobre o valor económico de uma prestação determinada, ao passo que «alea jurídica» faz referência à própria existência da prestação. “O risco económico seria a variação do valor da prestação; a «alea contratual» a determinação daquela.” O contrato de swap não deverá ser considerado um contrato aleatório na medida em que este deriva de um evento externo não controlável pela vontade das partes, extraordinário e imprevisível. Esta incerteza, imprevisibilidade e ocasionalidade não está presente no momento que o contrato de swap é realizado pelo que o contrato não poderá ser considerado como aleatório, na medida em que “o que rende no contrato, aleatório, não é a incerteza sobre o valor económico das prestações, mas sim a incerteza sobre a existência ou sobre a entidade (ou sobre ambas) de um ou de todas as prestações.” – Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. pág. 248   
[27] Cfr. Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. pág. 274.
[28] Cfr. Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. pág. 299.
[29] Porque deriva de outro, estando o valor do primeiro relacionado com o valor do segundo. “Por exemplo, um swap de taxa de juro deriva de um mútuo que lhe é subjacente” (Hélder Mourato, “O Contrato de Swap de Taxa de Juro”, 2014, Almedina, pág. 18).
[30] Por negociado fora da Bolsa
[31] Cf. Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II – Conteúdo. Contratos de Troca, 2012, 3.ª ed., págs. 134/135. Segundo este autor, pode-se definir esta modalidade contratual da seguinte forma: “Swap é o contrato pelo qual as partes se obrigam reciprocamente a pagar, em data futura ou em sucessivas datas, o montante das obrigações da outra parte ou o produto da cobrança dos seus próprios créditos, tomando como referência passivos ou activos, reais ou nocionais, assim como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a pagar à outra a diferença em seu desfavor apurada pelo cálculo dos valores daquelas obrigações ou daqueles créditos”.
[32] Hélder Mourato caracteriza o swap de taxas de juro como um “contrato a prazo, oneroso, consensual e meramente obrigacional, sinalagmático (“em sentido amplo”), em princípio não intuitu personae, e, por certo, aleatório” (ob. cit. págs. 49/64).
[33] Cf., entre outros, Pedro Boullosa Gonzales, “Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica, e João Cantiga Esteves, “Contratos de Swap Revisitados”, in “Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários” , n.º 44, Abril de 2013, respectivamente, págs. 10/28 e 71/84, disponíveis para consulta em http://www.cmvm.pt/CMVM/Publicacoes/Cadernos/Pages/N%C2%BA44-Abril2013.aspx.
[34] Cfr. Helder Mourato, ob. cit., págs. 85/88.
[35] Designadamente, prazo de duração do contrato, datas de liquidação de cada uma das prestações a efectuar, valor do capital base convencional e taxas de juro a aplicar a cada uma das prestações.
[36] Para uma análise mais exaustiva do negócio jurídico em apreço, de que aqui prescindimos por o presente litígio não incidir sobre o seu conceito e modalidade, vide José Engrácia Antunes, “Os Instrumentos Financeiros”, Almedina, 2009, pág. 167 e segs., e “Os Derivados”, in Cadernos do Mercado de Valores Imobiliário, nº 30, págs. 118/119; Menezes Cordeiro, “Direito Bancário”, 2014, Almedina, págs. 877 e segs.; Helder Mourato , ob. cit; Maria Clara Calheiros, O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global, in Cadernos de Direito Privado, nº 42 (Abril /Junho 2013), págs. 3/13, e in O Contrato de Swap”, Coimbra Editora, 2000, págs. 78 e segs.. Segundo esta autora, nesta obra, pág. 143, o contrato quadro trata-se “de um contrato pelo qual as partes visam regular uma corrente de negócios a estabelecer entre ambas, simplificando desta forma o desenvolvimento ulterior das suas relações. Por outro lado, desse contrato quadro surge “a criação de uma relação jurídica que perdura no tempo, isto é, um laço obrigacional que não se esgota numa só prestação; a detenção de um certo carácter normativo, na medida em que se destina a regular antecipada e obrigatoriamente as estipulações dos contratos a serem celebrados, no futuro, entre as mesmas partes (…)” (idem, pág. 147).
[37] Novamente, Maria Clara Calheiros, op. cit., pág. 148 e segs. Porém, só com a conclusão ulterior de contratos de aplicação ou executórios relativamente a cada operação individual de swap se criará um vínculo contratual pleno (idem, pág. 149).
[38] In Anotação ao Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Março de 2013 (Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo e aposta), na RLJ, Ano 142.º, 2013, pág. 257.
[39] A ISDA – inicialmente, International Swaps Dealers Association, depois International Swaps and Derivates Association é uma associação internacional, sedeada em Nova Iorque, desde 1985, que tem por objectivo a uniformização da documentação dos swaps e das regras contabilísticas, bem como a representação dos seus associados perante as autoridades de supervisão e autoridades fiscais, que criou modelos-padrão de contratação swap, adoptáveis por operadores em todo o mundo: em 1987, criou os modelos de contrato-tipo Interest Rate Swap Agreement – destinado aos swaps de taxa de juros, em dólares, e submetido à lei do Estado de Nova Iorque – e o Interest Rate Currency Exchange Agreement – concebido para os swaps combinados de divisas e taxas de juro (e swaps de divisa simples), podendo ser submetido àquela lei ou à lei inglesa, de acordo com a vontade das partes -, a que se seguiram em 1992, 2002 e 2006 novas versões do Master Agreement (cf. Maria Clara Calheiros, op. cit., pág. 155 e segs., e Calvão da Silva, op. cit., pág. 238 e segs. (em especial, págs. 254/258)).
[40] Nas palavras de Calvão da Silva: “A ISDA preenche com o seu “Master Agreement” o espaço que os legisladores internacionais, supranacionais e nacionais deliberadamente deixam à autonomia privada e liberdade contratual das partes neste campo de inovação financeira que pululou a partir dos anos 80 do século passado, com especial destaque para os instrumentos financeiros derivados (de primitivas, ditas activos subjacentes, como créditos, valores mobiliários, divisas, taxas de juro, índices financeiros, mercadorias, tarifas de fretes, etc, etc).”. Por outro lado, “O “Master Agreement” desempenha (mais) a função de “contrato – normativo”: estabelece as normas destinadas a disciplinar os contratos que ao abrigo dele e sucessivamente as partes queiram celebrar” (op. cit., págs. 255 e 256).
[41] Cfr. Manuel García Caracuel, “La Alteración Sobrevenida de las Circunstancias Contractuales” – Colección de Monografias de Dedrecho Civil. Obligaciones y Contratos. Dykinson, Madrid, págs. 63-64. “A frustation define-se como o modo de extinção das obrigações nascidas de um contrato, que exime o devedor do cumprimento quando, depois de celebrado o contrato, sobrevém um evento imprevisto e imprevisível que, alterando substancialmente a economia do contrato, converte a prestação inexigível. Sob o conceito de frustation, o direito inglês engloba supostos tão distintos como a impossibilidade sobrevinda, a excessiva onerosidade da prestação ou  a frustação do fim do contrato. Existe frustation quando o direito reconhece que, não havendo incumprimento de nenhuma das partes, uma obrigação contratual se converte (deviene) de impossível cumprimento por causa de que as circunstâncias em que o dito cumprimento está previsto a converteria em algo radicalmente diferente do compromisso assumido no contrato. Non haec in foedere veni. Não é isto o que prometi cumprir.” De outra forma, segundo Lord Simon of Glaisdale, “existe frustation quando sobrevém um evento (sem que haja cumprimento das partes e para o qual o contrato não tem previsão alguma) que muda de forma tão substancial a natureza dos direitos e obrigações contratuais (um mero incremento de custo ou da dificuldade) relativamente (con respecto) ao que as partes podiam razoavelmente ter contemplado ao tempo da sua celebração que seria injusto mantê-las vinculadas ao sentido literal das suas estipulações nas novas circunstâncias; em tal caso o Direito declara a ambas as partes eximidas da sua obrigação de cumprimento.” – apud op. loc. cit. p. 66.              
[42] Sobre as diversas teorias da doutrina da frustation: “A implied term or implied condition theory, ou teoria da cláusula implícita; a total failure of consideratin theory, ou a teoria da desaparição sobrevinda da causa; a just and reasonable solution theory, ou a teoria da solução justa e razoável; a foudantion of contract theory, ou a teoria da desaparição da base do contrato; e a construction theory, ou teoria da interpretação fiel do contrato.” Veja-se Manuel García Caracuel, in op. loc. cit. págs. 75 a 86.
Exemplos da frustation seriam: a destruição do objecto do contrato; a morte, a enfermidade ou a incapacidade da pessoa especifica obrigada a executar a prestação; a impossibilidade temporal de uso de um elemento essencial; desaparição sobrevinda da causa objectiva do  contrato; ilegalidade sobrevinda da prestação principal por uma norma proibitiva; acto de interferência da autoridade administrativa; declaração de guerra.
Pelo contrário, na lista das situações causais ou inidóneas ou não habilitantes a justificar uma extinção do contrato pela frustation, a título de exemplo, encontrar-se-iam: o incremento do custo ouda dificuldade na execução da prestação; a impossibilidade causada por uma das partes; previsão do evento pelas partes ou inclusão de cláusula de força maior; obrigação das partes de prever o evento. – apud. págs. 87-89.              
[43] Cfr. Manuel García Caracuel, in op. loc. cit. pág. 178. Pothier, no seu Traité des  Obligations”, refere que “o principio sobre que se funda esta decisão é que as obrigações que nascem dos contratos não podem estar fundadas mais do que no consentimento e na vontade das partes. Portanto, o devedor, ao obrigar-se a ressarcir danos e prejuízos que resultarem do cumprimento da sua obrigação, entende-se que não terá querido obrigar-se senão atá à soma que ele pode verosimilmente prever, mas não mais.” Do mesmo passo Carbonier explica que “podemos perguntar-nos se a lei resulta abrogada pela desaparição da ratio legis que a inspirou, e a resposta deverá ser necessariamente negativa: igualmente podemos perguntar-nos se a lei contratual resulta revogada pela alteração (cambio) das circunstâncias que a motivaram. É necessário ter em conta que um contrato de execução sucessiva está chamado a durar no tempo. As obrigações das partes, sobretudo aquelas que se expressam em dinheiro, sob a forma de um preço, seguramente foram fixadas em consideração às circunstâncias económicas que existiam ao tempo da conclusão do contrato. A hipótese que analisamos é pois que, durante o contrato as circunstâncias mudem substancialmente, como consequência de sucessos imprevistos (tais como guerras, crises, inflação, etc.). Em tais casos, as mercadorias escasseiam, os preços sobem, a execução do contrato torna-se muito mais onerosa para um dos contratantes. A pergunta é, pois, Estar-lhe-á permitido a este pedir a revisão do contrato para reestabelecer o reequilíbrio? A resposta é em geral negativa.” – apud. Pág. 179.               
[44] Manuel García Caracuel,  in op. loc. cit. pág. 189.
[45] Manuel García Caracuel, in op. loc. cit. pág. 207. “A maioria da doutrina italiana define-a como o efeito que produzem sobre o contrato determinados acontecimentos ocorridos entre a sua celebração e a sua execução, que uma das partes, ainda que com a diligência devida, não possa ter previsto. A nova situação incide sobre uma das prestações, tornando-a mais onerosa, em comparação com a sua contraprestação, e o ordenamento outorga-lhe a «potestad» de solicitar a resolução do contrato. (…) La sopravvenienza è un fenómeno diverso dalla patologia del contrato in senso técnico. La patologia investe l’atto e non può non riguardare situazioni esistenti al momento della stipulazione contratuale. La sopravevvenienza invece riguarda l’attuazione del contratto, incide quindi sulla possibilità che il contrato, perfettamente valido in via originaria, possa continuare a produrre i suoi effetti. Riguarda portanto il rapporto contartuale.”          
[46] A jurisprudência do país vizinho em duas sentenças de 30 de Junho de 2014, ditada pelo Juiz do Tribunal Supremo, D. Francisco Javier Orduña, publicada no sitio do Consejo General del Poder Judicial, e, de 15 de Outubro de 2014, operou uma reconfiguração da cláusula rebus sic stantibus no sentido de considerar que a crise económica pode, em determinadas circunstâncias justificar uma modificação dos termos dos contratos firmados. No primeiro caso a situação configurada no recurso derivava de um pedido de modificação, por redução, do pagamento das prestações atinentes a um contrato de exploração de publicidade firmado entre uma empresa de publicidade e uma empresa municipal de transportes, e, no segundo, de redução do quantitativo da renda entre uma cadeia de hotéis e um hotel com quem aquela mantinha um contrato de arrendamento. As decisões ditadas foram objecto de análise e comentário na revista InDret, a primeira por Jorge Castiñeira Jerez, (“Hacia una configuración de la doctrina rebus sic stantibus; a propósito de la Sentencia del Tribunal Supremo de 30 de junio de 2014”), Barcelona, Outubro de 2014, e, a segunda, por Maria Ángeles Parra Lucán, Barcelona, (“Riesgo Imprevisible y modificación de los contratos”), Outubro de 2015. 
De interessante, na primeira das decisões “falladas”, colhe-se a dimensão ou compreensão teleológica e conceptual-objectiva do conceito de excesiva onerosidad que, para o autor da decisão se deve ater aos seguintes lindes: i) “a base económica do contrato, como parâmetro da relevância do cambio, isto é, da excessiva onerosidade, permite que no tratamento da relação de equivalência seja tida em conta a actividade económica ou de exploração da sociedade ou empresário que deva realizar a prestação comprometida; ii) desde essa perspectiva parece razoável apreciar a excessiva onerosidade pelo incremento dos custos de preparação e execução da prestação naquelas situações (en aquellos supuestos) donde a actividade económica ou de exploração, pelo cambio operado das circunstâncias, leve a um resultado reiterado de perdas (impossibilidade económica) ou à completa desaparição da qualquer margem de benefício (falta do caracter retributivo da prestação); iii) em ambos os casos, por mor da tipicidade contratual da figura, o resultado negativo deve depreender-se da relação económica que se derive do contrato em questão, sem que deixe a sua configuração relativamente a outros parâmetros mais amplos de valoração económica: balanço geral ou encerramento de cada exercício da empresa, relação de grupos económicos, actividades económicas diversas, etc.” (tradução nossa) 
Esta decisão colheu, ainda que com algumas aporias, aceitação e aplauso pelo carácter inovador e superador que encerrava relativamente à concepção vigente na jurisprudência espanhola, como se denota das conclusões dessumidas no artigo do Professor Jorge Castiñeira Jerez, quando refere que: “A STS (Sentencia del Tribunal Supremo), de 30 de Junho de 2014, supõe um avanço na configuração da alteração sobrevinda das circunstâncias no direito espanhol. Esse avanço justifica-se principalmente pelo intento de normalizar a doutrina no marco do nosso direito através da redefinição dos seus requisitos de aplicação e, em particular, os requisitos da imprevisibilidade e da assumpção do risco. A declarada intenção do TS para superar a concepção tradicional da doutrina rebus sic stantibus e objectivar a aplicação da excessiva onerosidade vê-se, sem embargo, deslustrada pelo facto de recorrer a doutrinas e teorias estrangeiras (de duvidosa aplicabilidade no nosso direito) ou pela insuficiente justificação da solução baseada na adaptação do contrato.
A verdadeira superação da doutrina tradicional exige (e exigirá) que se relacione o fundamento ou fundamentos da excessiva onerosidade (causa e boa fé contratual) com a sua possível solução (renegociação, resolução ou adaptação do contrato) e que se termine por concretizar qual o alcance dos novos requisitos apontados pelo TS (imprevisibilidade e assumpção dos riscos) perante os requisitos tradicionais (imprevisibilidade absoluta e extraordinariedade do cambio das circunstâncias).”                         
[47] Cfr. Manuel García Caracuel, in op. loc. cit. pág. 229 e 230.
[48] Cfr. Manuel García Caracuel, in op. loc. cit. pág. 272.
[49] Cfr. Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. pág. 252.
[50] Cfr. Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. pág. 253. “Alguns defendem a doutrina da «meritevolezaa» del swap (o que impede que se considere em tal caso aplicável o artigo 1933 do Código Civil); outros qualificam o swap especulativo contrario ao ordenamento e, por isso, não justificável legalmente enquanto submetido ao juízo da «meritevolozza» do artigo 1933 do Código Civil italiano.” – passim pág. 253. 
[51] Cfr. Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. pág. 253. Este autor rechaça e rebate a ideia que se formou nalguma jurisprudência de que o swap de especulação poderia ser assimilado a uma aposta, sendo-lhe aplicável o artigo 1933 do Código Civil (italiano) – cfr. op. loc. cit. pág. 254 e 255.
[52] Cfr. Amedeo Ferri-Ricchi, op. loc. cit. pág. 258.
[53] Cfr. Ac. de 20-09-2011, in www.stj.pt
[54] Extraída de “La Buona Fede e L’ Abuso del Diritto. Principii, fattispecie e cauistica”, de Gianluca Falco, Giuffrè Editore, Milano, 2010, pág. 4 e 6.
[55] Cfr. Gianluca Falco, op. loc. cit. pág. 20 (Cassação de 13 de abril de 1999, in Foro It., 1999, 12,I,358.
[56] Vetorri, in “Il diritto dei contratti fra Constituzione, códice civile e códice di settore”, in Riv. Trim. Dir, proc. civ., 2008,3, 751, citado em Gianluca Falco, op. loc. cit. pág. 21 e 22. “Questa operazione vaIutativa compiuta daI giudice di merito nell’ applicare clausole generali non sfugge ad una verifica in sede di giudizio di legittimità, Sotto iI profilo della correttezza dei metodo seguito nell’ applicazione della clausola generale, proprio perché l’ operatività, in concreto di norme di tale tipo deve rispettare criteri e principii desumibili dall’ordinamento general (a cominciare dai principi costituzionali) e dalla disciplina particolare in cui la concreta fattispecie si colloca.
Lo stesso giudice di legittimità, (cui spetta, quindi, iI giudizio sulle opzioni di valori dei giudice dii merito), e, d’altra parte, anche giudice della logjcità delle decisioni” dello stesso (art. 360 n. 5 c.p.c.), in quanto anche ancorata a standards che possono definirsi sociali: per esser la stessa società iI punto di riferimento paramétrico dei processo lógico; ne consegue che iI controllo esercitato dalla Suprema corte, ai sensi dell’art. 360, n. 3, c.p.c., comprenderà non solo l’erronea interpretazione, e dunque iI fraintendimento, del significato del concetto indeterminato o elástico, ma anche l’erronea applicazione dello stesso com riferimento ai caso di specie e, dunque, l’erronea. sussunzione della fatlispecie materiale concreta nella fattlspecie legale astratta delineata dal legislatore com l’utilizzazione di quel concetto.”
[57] Gianluca Falco, in op. loc. cit. pág. 23. “Qggi, l’abuso deI diritto viene, dunque, individuate nel comportamento di un soggetto che esercita i diritti che gli derivano dana legge o dal contratto per realizzare uno scopo diverso da qüello cui questi diritti sono preordinati: la figura concerne, cioè, le ipotesi nelle quali un comportamento, che formalente integra gli estremi dell’ esercizio del diritto soggettivo, deve ritenersi illecito sulla base di alcuni criteri di valutazione.”
[58] No direito português e com interesse veja-se o que a propósito foi escrito por Rui Alarcão, in “Direito das Obrigações”, Coimbra 1983 (texto elaborado por Sousa Ribeiro, Sinde Monteiro, Almeno e Sá e J.C. Proença) com base nas lições do citado Professor ao 3.º ano Jurídico, se escreveu que: “O princípio da boa fé significa que todos devem guardar “fidelidade” à palavra dada e não frustrar ou abusar daquela confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas, sendo, pois, mister que procedam tal como deve esperar-se que o faça qualquer pessoa que participe honesta e correctamente no tráfico jurídico, no quadro de uma vinculação jurídica especial.” - pág. 110. (Veja-se ainda neste autor a distinção entre boa-fé objectiva e subjectiva - págs. 107-109)  
[59] Gianluca Falco, in op. loc. cit. pág. 381. Na sentença (cassação) de 18 de Setembro de 2009, definiram-se os elementos constitutivos do abuso de direito pela forma seguinte:”1) a titularidade de um direito atribuído a um sujeito;2) a possibilidade que o concreto exercício do referido direito possa ser efectuado segundo uma pluralidade de modalidade não rigidamente predeterminada; 3) a circunstância que tal exercício concreto, ainda que se formalmente respeitador da moldura atributiva do referido direito, seja desenvolvido segundo uma modalidade censurável com respeito a um critério de valoração jurídico ou extra jurídico; 4) a circunstância que, devido a uma tal modalidade de exercício, se verifique uma desproporção injustificada entre o beneficio do titular do direito e o sacrifício daquele que è constrito à contraparte”. 
[60] Mota Pinto, Paulo, in “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Vol., Coimbra Editora, 2008, pag. 485.
[61] Op. loc. cit. pag. 485 que cita Orlando de Carvalho in “Teoria Geral do Direito Civil”, 1981, págs. 45.
[62] Cfr. A este propósito o acórdão deste supremo Tribunal de 16-12-2010, relatado pelo Conselheiro Alves Velho onde se escreveu a propósito do instituto do abuso de direito: “O instituto do abuso de direito, como princípio geral moderador dominante na globalidade do sistema jurídico, apresenta-se como verdadeira «válvula de segurança» vocacionada para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, de tal forma que se reveste, ele mesmo, de uma forma de antijuridicidade cujas consequências devem ser as mesmas de qualquer acto ilícito.

Quando tal sucede, isto é, quando o direito que se exerce não passa de uma aparência de direito, desligado da satisfação dos interesses de que é instrumento, e se traduz «na negação de interesses sensíveis de outrem» (COUTINHO DE ABREU, “Do Abuso de Direito”, pp. 43), então haverá que afastar as normas que formalmente concedem ou legitimam o poder exercido.

No caso, a norma a afastar será, como do anteriormente expendido resulta, a do citado n.º 2 do art. 1137º C. Civil, que defere aos Réus a faculdade de, a todo o tempo, denunciarem a relação de comodato.

Importa, pois, determinar se os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes saem ofendidos, designadamente de forma clamorosa, face às concepções ético-jurídicas dominantes, pois que é no âmbito da conduta tida por contrária à boa fé que há-de emergir o “venire”.

A boa fé, como princípio normativo de actuação – que é o conceito em que aqui releva (art. 762º-2 CCiv.) -, encerra o entendimento de que as pessoas devem ter um comportamento honesto, leal, diligente, zeloso, tudo em termos de não frustrar o fim prosseguido pelo contrato e defraudar os legítimos interesses ou expectativa da outra parte.

Circunscrevendo mais o problema, dir-se-á que se trata de saber se a conduta passada dos Réus, servindo de referência à conduta actual e sob valoração negativa, deslegitima esta última, ofendendo de tal modo aqueles valores que o direito de denúncia deve ter-se como perdido ou precludido. Como pressupostos da imputação da consequência jurídica do venire contra factum proprium, o Prof. Baptista Machado (“Obra Dispersa, I, 416) enuncia: - (i) uma situação objectiva de confiança (uma conduta que possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação ao desenvolvimento futuro de certa situação); - (ii) investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento (que o facto gerador da confiança se apresente como o determinante, em termos de causalidade, a influenciar as decisões da contraparte); - (iii) boa fé da contraparte que confiou (a confiança da contraparte só merecerá protecção jurídica quando esta esteja de boa fé e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico)

No caso, não estando, em boa verdade, em apreciação uma declaração dos Réus no sentido de actuarem de determinada forma ou uma manifestação de intenção de não praticar certo acto agindo depois em termos contrários ao declarado ou manifestado, só em sentido amplo se estará perante a figura do “venire” (cfr. MENEZES CORDEIRO, “A Boa Fé no Direito Civil”, II, 742 e ss).

Aqui estar-se-á, crê-se, mais próximo da subespécie denominada “supressio”, quando admitida, pois que a invocada conduta contraditória assenta apenas no longo período em que os RR. não reclamaram a retirada da urna e franquearam a entrada no jazigo aos AA., que dispunham da respectiva chave.
Assim, não tendo os RR. posto termo à situação iniciada com o empréstimo do gavetão durante 25 anos, o exercício do seu direito de lhe pôr termo decorrido tão longo lapso de tempo contrariaria as regras da boa fé, pelo que não poderia mais sê-lo, ficando precludido.
Mas, também, a propósito desta figura, quando autonomizada em relação ao “venire”, se exigem requisitos ou condições para além do decurso do tempo, bem próximas das acima enunciadas. Assim: - (i) o titular deve comportar-se como se não tivesse o direito ou não mais quisesse exercê-lo; - (ii) deve haver previsão ou investimento na confiança (a contraparte deve confiar em que o direito não mais será feito valer); - (iii) Deve ocorrer uma desvantagem injusta (o exercício do direito acarretaria, para a contraparte, uma desvantagem iníqua) – ac. STJ, de 19/10/2000, CJ VIII-III-82).
[63] Gianluca Falco, op. loc. cit. pág. 387.
[64] Cfr. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral das Obrigações”, pág. 63-63 “Há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual.” No mesmo sentido Vaz Serra, in “Abuso do Direito”, BMJ, n.º 85, pág, 253.    
[65] Cfr. Antunes Varela, João, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, Almedina, 6.ª ed., pág. 516