Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
962/09.2TBABF.E1.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARTINS DE SOUSA
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
FUNÇÃO JURISDICIONAL
PRISÃO PREVENTIVA
DETENÇÃO
PRISÃO ILEGAL
ARGUIDO AUSENTE
ESTADO ESTRANGEIRO
TRADUÇÃO
CONTUMÁCIA
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
Data do Acordão: 12/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS - TRIBUNAIS - GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO / FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO COMUNITÁRIO - COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA EM MATÉRIA PENAL - MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL.
Doutrina:
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, 2006, págs. 244/245.
- Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, 2003, p. 509.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, 2007, pp. 415 e 516.
- João Aveiro Pereira, A Responsabilidade Civil por Actos Jurisdicionais, 2001, p. 215.
- Jorge Costa, O Mandado de Detenção Europeu. Emissão e Execução Segundo a Lei Nacional, “Polícia e Justiça – Revista do ISPJCC, III Série, n.º 4, 2004, pp. 231-254 (citação extraída da p. 240).
- Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2001, pp. 359/360.
- Luís Guilherme Catarino, A Responsabilidade do Estado pela Administração da Justiça, 1999, pp. 355 e 380.
- M. José Rangel Mesquita Âmbito e Pressupostos da Responsabilidade Civil do Estado pelo Exercício da Função Jurisdicional, pp. 267-290, “Revista do CEJ”, n.º 11, 1.º Semestre de 2009, p. 275.
- Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Código de Processo Penal – Comentários e Notas Práticas, 2009, p. 583.
- Manuel Guedes Valente, Do Mandado de Detenção Europeu, 2006, pp. 112, 136, 172.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição actualizada, 2011, pp. 641/642, 698.
- Pires da Graça, A Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça na execução do regime relativo ao Mandado de Detenção Europeu, 2008, p. 57, in http://www.stj.pt/ficheiros/estudos/piresdagraca-direitoeuropeu.pdf .
- Ricardo Jorge Bragança de Matos, O Princípio do Reconhecimento Mútuo e o Mandado de Detenção Europeu, “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 14, n.º 3, 2004, pp. 327/328.
- Rui Medeiros, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, 1992, p. 105.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º1, 487.º, N.ºS 1 E 2, 563.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 158.º, N.º1, 201.º, N.º1, 508.º, 508.º-A, N.º1, 508.º-B, N.º 1, AL. B), 510.º, 511.º, N.º1, 655.º, N.º1, 659.º, N.ºS 1 A 3, 660.º, N.º 2, 668.º, N.º 1, ALS. B), D), 722.°, N.º 2, 716.º, 732.º, 729.°, N.º S 1 E 2, E 755.°, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 54.º,92.º, 99.º, 120.º, N.ºS 2, AL. C), E 3, AL. A), E 121.º, N.º 1, 196.º, 201.º, N.º1, 202.º, N.º 1, AL. A), 215.º, 220.º, N.º 1, E 222.º, N.º 2, 225.º, 254.º, N.º1, 257.º, 261.º, N.º 1, IN FINE, 336.º, 337.º, N.º1, 445.º, N.º3.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 119.º, N.º 1, ALÍNEA A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 18.º, N.ºS 2 E 3, 20.º, N.º4, 22.º, 27.º, 28.º, 29.º, N.ºS 1 E 3, 32.º, 33.º, 205.º, N.º1, 210.º, N.º5, 282.º, N.º2.
LEI N.º 48/2007, DE 29-08. – ARTIGO 7.º .
LEI N.º 65/2003: - ARTIGOS 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 18.º, N.º 3, 25.º, 26.º, 30.º, 36.º.
Legislação Comunitária:
CDFUE: - ARTIGOS 6.º, 52.º, N.º1, 53.º.
CONVENÇÃO DE APLICAÇÃO DO ACORDO DE SCHENGEN, DE 14-06-1985: - ARTIGO 52.º.
CONVENÇÃO EUROPEIA DE AUXÍLIO JUDICIÁRIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL: - ARTIGO 7.º.
DECISÃO-QUADRO N.º 2002/584/JAI, DO CONSELHO EUROPEU, DE 13-06-2002, PUBLICADA NO JORNAL OFICIAL DAS COMUNIDADES EUROPEIAS DE 18-07-2002: ARTIGOS 2.º, N.ºS1 E 2, AL. J) 15.º, 17.º, 40.º.
SEGUNDO PROTOCOLO ADICIONAL À CONVENÇÃO EUROPEIA DE AUXÍLIO JUDICIÁRIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL, ABERTO À ASSINATURA EM ESTRASBURGO EM 08-11-2001, APROVADA, PARA RATIFICAÇÃO, PELA RESOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA N.º 18/2006, DE 07-12-2005: - ARTIGOS 15.º, 16.º.
TUE: - ARTIGO 6.º, N.ºS 1 E 3.
Referências Internacionais:
CEDH: - ARTIGOS 5.º, N.ºS 1, AL. C), 5, 6.º, N.ºS 1 E 3, AL. A), 32.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 13-01-1999, PROC. N.º 98P1169; DE 21-02-2002, PROC. N.º 01P235; DE 16-05-2002, PROC. N.º 02P968; DE 22-05-2002, PROC. N.º 02P971; DE 06-06-2002, PROC. N.º 02P1774; DE 04-07-2002, PROC. N.º 02P2532 ; DE 02-10-2002, PROC. N.º 02P2556; DE 19-12-2002, PROC. N.º 02P4400; DE 30-01-2003, PROC. N.º 02P4654; DE 06-02-2003, PROC. N.º 03P239; DE 27-02-2003, PROC. N.º 03P625; DE 27-03-2003, PROC. N.º 03P845 ; DE 18-06-2003, PROC. N.º 03P382; DE 13-11-2003, PROC. N.º 03P3157; DE 11-12-2003, PROC. N.º 03P3162 ; DE 01-04-2004, PROC. N.º 04P1261; DE 26-01-2006, PROC. N.º 06P181; DE 30-03-2006, PROC. N.º 06P810; DE 19-07-2006, PROC. N.º 06P1949; DE 21-06-2007, PROC. N.º 07P2259; DE 12-07-2007, PROC. N.º 07P2573; DE 12-07-2007, PROC. N.º 07P2423; DE 08-11-2007, PROC. N.º 07P2424; DE 06-02-2008, PROC. N.º 07P2604; E DE 13-02-2008, PROC. N.º 08P409.

-DE 11-11-1999, PROC. N.º 743/1999; DE 09-12-1999, PROC. N.º 726/1999; DE 06-01-2000, PROC. N.º 1004/1999; DE 04-04-2000, PROC. N.º 104/2000; DE 20-06-2000, PROC. N.º 433/2000; DE 19-09-2002, PROC. N.º 2282/2002; DE 13-05-2003, PROC. 1018/2003; DE 27-11-2003, PROC. N.º 3341/2003; DE 01-06-2004, PROC. N.º 1572/2004; DE 19-10-2004, PROC. N.º 2543/2004; DE 20-10-2005, PROC. N.º 2490/05; DE 15-02-2007, PROC. N.º 4565/2007; DE 22-01-2008, PROC. N.º 2381/07; DE 19-06-2008, PROC. N.º 1091/2008; DE 11-09-2008, PROC. N.º 1748/2008; E DE 22-06-2010, PROC. N.º 3736/2007 (CADERNO DE SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS DO STJ).


-DE 28-02-2012 (NESSE ARESTO FAZ-SE MENÇÃO, A TÍTULO EXEMPLIFICATIVO DA JURISPRUDÊNCIA SUFRAGADA NOS SEGUINTES ARESTOS DO STJ: DE 19-02-2004, PROC. N.º 4170/03; DE 29-06-2005, PROC. N.º 1064/05; DE 20-10-2005, PROC. N.º 2490/05; DE 18-07-2006, PROC. N.º 1979/06; DE 08-09-2009, PROC. N.º 368/09.3YFLSB; E DE 23-03-2011, PROC. N.º 5715/04.1TVLSB.L1.S1).

-DE 27-02-2003, PROC.N.º03P625; DE 2-02-2005, PROC. 05P141, IN WWW.DGSI.PT; DE 02-06-2006, PROC.06P4069, IN WWW.DGSI.PT; DE 27-07-2006, PROC. N.º 06P2953, IN WWW.DGSI.PT; DE 06-06-2007, PROC. N.º 07P2182, IN WWW.DGSI.PT; DE 11-07-2007, 07P2618, IN WWW.DGSI.PT; DE 12-07-2007, PROC. 07P2712, IN WWW.DGSI.PT; DE 22-01-2008, PROC. N.º 07A2381, IN WWW.DGSI.PT; DE 12-11-2008; DE 04-03-2009, PROC. N.º 685/09; DE 04-03-2009, PROC. N.º 685/09; DE 22-03-2011, PROC. N.º 5715/04.1TVLSB.L1.S1; DE 03-08-2012, PROC. N.º 449/12.6TBMLD; DE 09-08-2013, PROC. N.º 750/13.1YRLSB.S1.
*
ASSENTO DO STJ N.º 10/2000, DE 19-10, PROC. 08P2868, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, SÉRIE I-A, N.º 260, DE 10-11.
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ N.º 5/2008, DE 09-04, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, 1.ª SÉRIE, N.º 92, DE 13-05.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 547/98, N.º 160/95, N.º 378/03, N.º 12/2005, N.º 13/2005, N.º 545/06,N.º 111/07, N.º 183/2008, N.º18/2010, N.º 185/2010, DE 12-05-2010 E 111/07; EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/TC/ACORDAOS .

Jurisprudência Internacional:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE):

ACÓRDÃO (GRANDE SECÇÃO) DE 29-01-2013 (ACÓRDÃO RADU),
ACÓRDÃO (GRANDE SALA) DE 06-10-2009 (ACÓRDÃO WOLZENBURG), E OS ACÓRDÃOS DO TJUE, REFERIDOS NESTE ARESTO, ACESSÍVEIS, EM HTTP://CURIA.EUROPA.EU/JURIS/DOCUMENTS.JSF .
-*-

TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (TEDH):

CASO KAMASINSKI, ACÓRDÃO DE 19-12-89, SÉRIE A, N.º 168; CASO COLOZZA V. ITALY, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1985; DECISÃO DO CASO T. V. ITALY, DE 12 DE OUTUBRO DE 1992; DECISÃO DO CASO SOMOGYI. V. ITALY, DE 18 DE MAIO DE 2004; DECISÃO DO CASO SEJDOVIC. V. ITALY, DE 10 DE NOVEMBRO DE 2004; DECISÃO DO CASO R. R. V. ITALY, DE 9 DE JUNHO DE 2006; DISPONÍVEIS EM WWW.ECHR.COE.INT .
Sumário :
I - O Mandado de Detenção Europeu (MDE) conforma uma decisão de natureza judiciária, emitida por uma autoridade judiciária de um Estado membro (Estado de emissão), para que uma autoridade judiciária de um outro Estado membro (Estado de execução) da União Europeia, proceda à localização e detenção de uma pessoa procurada por ser suspeita ou arguida num processo crime ou por já ter sido condenada por um tribunal do Estado membro de emissão, para posterior entrega a este Estado, dentro de determinados prazos e desde que não existam motivos que obstem à sua execução.

II - A jurisprudência largamente dominante do Supremo Tribunal de Justiça tem acentuado que não é de aceitar a imputação ao Estado, por força do art. 22.º da CRP, de uma responsabilidade objectiva geral por actos lícitos praticados no exercício da função jurisdicional, em termos de abranger, para além do clássico erro judiciário, a legítima administração da justiça, em sede de detenção e/ou de prisão preventiva legal e justificadamente efectuada e mantida.

III - Do art. 225.º do CPP, na versão operada pela Lei n.º 48/2007, emerge que a pessoa que sofreu detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação tem direito a indemnização pelos danos sofridos nos seguintes casos: 1.º - ilegalidade da privação da liberdade, nos termos dos arts. 220.º, n.º 1, e 222.º, n.º 2, do CPP; 2.º - erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto da privação de liberdade; 3.º - comprovação de que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente.

IV - O MDE não depende da admissibilidade ou inadmissibilidade de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido cuja detenção é solicitada pelo Estado de emissão ao Estado de execução, nem é sinónimo de aplicação de prisão preventiva, apenas visando apresentar o detido ao juiz competente que, procedendo à análise dos factos e respectivos pressupostos legais, depois de exercido o contraditório, decide qual ou quais as medidas de coacção adequadas e proporcionais ao caso concreto.

V - A notificação da acusação deduzida contra um arguido que desconhece a língua portuguesa não carece de tradução escrita por intérprete nomeado, não ficando lesadas, por esse facto, as suas garantias de defesa, estabelecidas nos arts. 32.º, n.º 1, da CRP, e 6.º, n.º 3, al. a), da CEDH.

VI - Os prazos definidos para cumprimento do MDE por parte do Estado de execução do mandado, não são controlados pelo Estado de emissão, que nem sequer tem legitimidade ou soberania para aí intervir. Assim, o período de detenção que a pessoa procurada sofreu no Estado de execução do mandado e o prazo previsto, no CPP, para a apresentação do arguido detido para 1.º interrogatório judicial, em Portugal (Estado de emissão), são realidades jurídicas distintas.

VII - Traduzindo-se a emissão e execução do MDE na prática de um acto lícito, ordenado e executado de acordo com a lei ordinária e constitucional do nosso ordenamento jurídico, inexiste qualquer ilicitude no cumprimento daquele mandado, improcedendo a obrigação de indemnizar por parte do Estado Português, em termos de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, não sendo de acolher a existência de responsabilidade objectiva geral do Estado por actos lícitos praticados no exercício da função jurisdicional, sem erro grosseiro.
Decisão Texto Integral:

         ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I.

AA, cidadã de nacionalidade britânica, portadora do Bilhete de Identidade n.º …, emitido, em 28-05-2003, pelas autoridades competentes do Reino Unido, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra o Estado Português, pedindo que o réu (R.) seja condenado a pagar-lhe o montante de € 75 602,94 (setenta e cinco mil seiscentos e dois euros e noventa e quatro cêntimos) a título de indemnização pelos prejuízos resultantes da sua detenção e prisão ilegal, acrescida dos juros à taxa legal que se vencerem a partir da citação e até efectivo e integral pagamento, bem como as custas, procuradoria e demais encargos legais.

Alega a A., para tanto e em síntese, que foi detida em 03-05-2008, em Munique (Alemanha), ao abrigo de um Mandado de Detenção Europeu, emitido no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 422/99.8 TBABF, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, tendo permanecido detida até 15-05-2008.

Considera que a detenção foi manifestamente ilegal porque: a) os crimes por que vinha acusada não admitiam prisão preventiva; b) mesmo que admitissem prisão preventiva, a mesma era desnecessária, desadequada e desproporcionada às finalidades processuais, tendo, aliás, sido considerada desnecessária em sede de interrogatório judicial; c) o fundamento da decisão de emissão do Mandado de Detenção Europeu era o art. 337.º, n.º 1 e o art. 336.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), que só permitia a sua detenção até 24 horas, nos termos da al. b) do n.º 1, do art. 254.º do CPP; d) o Mandado de Detenção Europeu não pode ser passado para a prestação de Termo de Identidade e Residência (TIR), sendo manifestamente desadequado, desproporcionado e desnecessário para obter o referido Termo, havendo outro que é próprio para essa finalidade – a Carta Rogatória – sendo interpretação contrária manifestamente violadora do disposto nos arts. 18.º, n.º 2, 27.º e 28.º da Constituição da República Portuguesa (CRP); e), por fim, porque o procedimento criminal por todos os crimes que fundamentou a emissão de mandado se encontrava, há mais de um ano, prescrito.

Deste modo, a A. foi detida por facto relativamente ao qual a lei não permitia a detenção, conforme dispõe o art. 192.º, n.º 2, do CPP. Mesmo seguindo o entendimento de que se trataria de uma situação de prisão preventiva e não de detenção, sempre a mesma seria manifestamente ilegal por violação dos arts. 192.º, n.º 2, 193.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, n.º 1, do CPP, e arts. 18.º, n.º 2, 27.º e 28.º da CRP, pois tratar-se-ia sempre de prisão preventiva ilegal, quer porque determinada por facto relativamente ao qual a lei não permite a aplicação de tal medida de coacção, quer porque o procedimento criminal quanto aos mesmos se encontrava prescrito.

Adicionalmente, a A. alega os danos sofridos em virtude da detenção.

O Estado Português contestou a acção, invocando, em síntese que, até à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29-08, era admissível a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva a crimes com pena de prisão superior a três anos, e, como tal, aos crimes imputados à arguida, sendo que a partir da entrada em vigor daquela lei, ainda assim podia ser aplicável à arguida a medida de coacção de permanência na habitação, pelo que mesmo com a actual redacção do art. 202.º do CPP, era admissível a emissão de mandados de detenção, quer a nível nacional, quer europeu, sendo concebível a aplicação à arguida de todas as medidas de coacção com excepção da prisão preventiva.

Para além disso, decorre do art. 254.º do CPP que a detenção pode ter lugar independentemente de o crime admitir ou não prisão preventiva, sendo que, nos termos da al. a) do citado preceito, a detenção visa assegurar, no prazo de 48 horas a apresentação do arguido para julgamento em processo sumário ou para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de medida de coacção.

No caso concreto, estavam reunidos os pressupostos do art. 257.º do CPP visto que, em face das diligências feitas no processo para determinar o paradeiro da arguida, era manifesto que a mesma não se apresentaria voluntariamente em juízo.

Os mandados de detenção emitidos foram-no ao abrigo do disposto no art. 337.º, n.º 1, do CPP, que remete para o n.º 2 do art. 336.º, o qual refere que para além da prestação de TIR, o mandado pode servir para aplicação de outras medidas de coacção, tendo por conseguinte, sido emitidos ao abrigo do art. 254.º, n.º 1, al. a), do mesmo código.

Para além disso, era admissível a emissão de Mandado de Detenção Europeu, de acordo com o estabelecido na Lei n.º 65/2003 e na Decisão-Quadro do Conselho de 13-06-2002, porquanto o mesmo visa, entre outros objectivos, a entrega, por um Estado membro a outro Estado membro, de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal, sendo que nada permite garantir ou assegurar que um detido através de Mandado de Detenção Europeu venha a ficar em prisão preventiva, pois que, em qualquer caso, devem ser ponderados os pressupostos dessa medida de coacção.

Acresce que, os prazos previstos no art. 254.º do CPP são prazos que apenas podem ser tidos em consideração depois de entregue o detido às autoridades portuguesas, na medida em que o Estado Português não pode ser responsabilizado pelo que ocorre no estado da detenção, sendo certo que por lei, os arguidos podem ficar detidos por 60 dias, prorrogáveis por mais 30 dias, prazos esses que foram aceites pelo Estado Português e, no caso, nenhum desses prazos foi ultrapassado.

Conclui o R. que, no caso concreto, os Mandados de Detenção Europeus foram validamente emitidos, de acordo com a legislação em vigor, e foram necessários dado que a arguida incumpriu as obrigações do TIR que prestou, inviabilizando a sua notificação e, sendo de prever que não se iria apresentar em juízo voluntariamente, não havendo, assim, obrigação de indemnizar por parte do Estado.

Por fim, alega ainda que, a revogação dos Mandados de Detenção foi acertada face à jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2008, pese embora, a prescrição do procedimento apenas tenha vindo a ser declarada por despacho posterior, como se impunha pela prudência inerente às decisões judiciais.

Finda a fase dos articulados, e dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador/sentença e conhecido de imediato o mérito da causa, tendo-se decidido, a final, julgar “totalmente improcedente a presente acção declarativa de condenação intentada por AA e, em consequência, (…) absolver o réu Estado Português, da totalidade do pedido contra si deduzido”.

Não se resignando com esta decisão, dela recorreu a A., para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí, decidido: “…negar provimento ao presente recurso de apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida” .

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Inconformada com esta decisão, veio a A. interpor recurso de revista excepcional, para o STJ, ex vi do art. 721.º-A do Código de Processo Civil (CPC).

Apreciados os pressupostos específicos de admissibilidade de revista excepcional, pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 daquele art. 721.º–A, foi ela admitida, ao abrigo da respectiva alínea a), tendo-se considerado que as questões em apreço “respeitantes à validade dos mandados de detenção europeus em que Portugal seja o Estado emissor, delimitação dos pressupostos e finalidades inerentes à sua emissão, e consequências da sua emissão indevida, nomeadamente no tocante a eventual responsabilidade extracontratual do Estado – são questões que, podendo cada vez mais ser suscitadas devido à maior facilidade de deslocação de cidadãos de diversas nacionalidades entre Estados da União Europeia, revestem extrema relevância jurídica e suscitam muitas dúvidas quanto à sua resolução por não se mostrarem ainda suficientemente estudadas e analisadas pela jurisprudência e mesmo pela doutrina, tanto mais que resultam de legislação relativamente recente relacionada com instrumentos comunitários e conexa com princípios de direito da União Europeia, a ponto de serem semelhantes a questões em estudo e discussão internacional.

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No final das alegações recursivas, a A. alinhou, além do mais e no que aqui releva, as seguintes conclusões:

“(…) 28.° O presente recurso pretende igualmente evidenciar que foram violadas, pelo Tribunal que ordenou a detenção da recorrente, e em consequência, pelo Tribunal ora recorrido, várias disposições da lei processual penal que determinaram a prática de um acto ilícito gerador de responsabilidade extracontratual do Estado e, por conseguinte, a violação de normas substantivas.

29.° No caso concreto, importava aferir se a detenção e prisão sofridas pela recorrente advinham da prática de um acto ilícito emitido no desempenho da função jurisdicional e esta aferição deveria ter sido efectuada não só à luz dos preceitos legais, constitucionais e convencionais que regulam a matéria, mas bem assim mediante a necessária produção de prova, designadamente testemunhal, com vista ao cabal e justo esclarecimento do que efectivamente determinou a emissão do mandado de detenção europeu e de quais os danos efectivamente sofridos pela recorrente na sequência da detenção e prisão a que foi submetida.

30.º À semelhança do que sucedera com o Tribunal de 1.ª instância constatou-se um julgamento errado e precipitado por parte dos Venerandos Desembargadores da Relação de Évora quanto à matéria controvertida.

31.° A decisão tomada pelas duas instâncias coarctou o cabal exercício do contraditório processual, para além de não permitir a produção e análise da prova pessoal essencial à demonstração dos factos alegados pela recorrente na petição inicial.

32.° A admissibilidade de uma decisão de mérito no despacho saneador está condicionada à existência no processo de todos os elementos para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de Direito e não apenas tendo em vista a propugnada pelo juiz da causa, mais a mais amputada da prova a produzir.

33.° No caso em apreço, para que se alcançasse uma decisão conscienciosa, impunha-se a produção de prova para aferição dos danos efectivamente sofridos pela recorrente na sequência da emissão ilegal do mandado de detenção europeu que determinou a sua prisão.

34.º No caso em apreço, afiguravam-se como plausíveis várias soluções de Direito, devidamente identificadas pela recorrente, que impunham o prosseguimento dos autos e que obviavam a uma precipitada decisão proferida sob a forma de despacho saneador-sentença, com dispensa de audiência preliminar e com base em matéria de facto dada falsamente como provada que nem sequer resulta dos autos de processo-crime que instruíram o recurso para o Tribunal ora recorrido.

35.° Em virtude de não ter procedido à alteração do sentido da decisão da 1.ª instância, proferindo outra que, em sua substituição, determinasse a realização de audiência preliminar e/ou a prolação de despacho saneador nos termos expostos nas motivações e conclusões do recurso de apelação interposto, a decisão recorrida violou, destarte, os princípios conjugados nos artigos 510.º e 511.°do CPC, uma vez, que não se encontrava preenchido o requisito de admissibilidade de prolação de uma decisão de mérito como a que precipitadamente foi proferida pelo Tribunal Judicial de Albufeira em violação do preceituado nos artigos 510.° n.° 1 alínea b) e 511.° do Código de Processo Civil.

36.° Por outro lado, não se verificavam igualmente os requisitos exigíveis no artigo 508.º-B do Código de Processo Civil para admitir a dispensa da audiência preliminar tendo sido igualmente violado pela decisão recorrida os artigos 508.°-A n.° 1 alíneas b) e e) e bem assim o artigo 510.° n.° 1 do Código de Processo Civil, o que consubstancia a nulidade prevista no artigo 201.º  n.° 1 do mesmo diploma, por tal omissão ter influído no exame e na decisão da causa.

37.° Esta nulidade foi devida e tempestivamente arguida pela recorrente nas motivações e conclusões do recurso de apelação, mas sobre a mesma arguição não recaiu qualquer pronúncia do Tribunal recorrida na decisão ora sindicada. Violou, desta forma, o Venerando Tribunal recorrido, o preceituado na primeira parte do n.° 2 do artigo 660.° do CPC, viciando a decisão ora sindicada com a nulidade a que alude a primeira parte da alínea d) do n.° 1 do artigo 668.° do CPC, que nesta sede especificadamente se argui ao abrigo do n.° 1 do artigo 716.° aplicável ex vi da alínea c) do n.° 1 do artigo 722.°, todos do CPC.

38.° Certo é que a recorrente sofreu uma detenção manifestamente ilegal em virtude da ilícita emissão e execução de um mandado de detenção preenchido à margem e, em total preterição dos pressupostos legal, convencional e constitucionalmente consagrados para a aplicação deste mecanismo de cooperação internacional em matéria penal.

39.° Desde logo, a detenção foi manifestamente ilegal porque nos termos do artigo 202.° n.° 1 alínea a) do CPP, os crimes por que vinha acusada não admitiam prisão preventiva nem qualquer outra medida coactiva privativa da liberdade, em abstracto e em concreto, como exigido pelos arts. 193.° do CPP e 18.°, n.° 2, 27.° e 28° da CRP.

40.° O despacho proferido em 14.01.2005 que ordenava a emissão do Mandado de Detenção Europeu à ordem do qual a recorrente foi detida, tinha por fundamento os artigos 337.° n.° 1 e 336.° n.° 2 do CPP (cf. fls. 125 do processo 422/99.8 TBABF) visando apenas a prática de um acto processual, após o qual, e no prazo máximo de 48 horas, tinha recorrente de ser imediatamente restituída à liberdade nos termos da alínea b) do n.° 1, do art. 254.° do CPP.

41.°Ao contrário do que, erradamente, se conclui na decisão recorrida, a situação processual da recorrente não se compadecia com o preenchimento dos requisitos de aplicação dos artigos 254.° n.°s 1 e 2 ou do artigo 257.° n.° 1 alínea a), todos do CPP, sendo apenas plausível – e na realidade foi o que aconteceu – que o mandado de detenção europeu executado, o emitido em 14.01.2005, se destinava tão só ao cumprimento de um acto processual (a prestação de TIR) e era por isso desproporcionado,  irrazoável  e desnecessário face  às finalidades próprias deste mecanismo de cooperação internacional.

42.º É indiferente dizer que na lei vem previsto que a detenção nestes termos se destina, também, à “eventual aplicação de outras medidas de coacção”, que até poderiam ser a de obrigação de permanência na habitação, quando tal hipótese não foi sequer equacionada no processo em causa, e era, até, de aplicação impossível, quer fáctica, quer juridicamente, a não ser com o auxílio das autoridades do país de residência da recorrente.

43.° O Mandado de Detenção Europeu não pode, contudo, ser emitido para prestar Termo de Identidade e Residência, sendo manifestamente desadequado, desproporcionado e desnecessário para obter o referido Termo, havendo outro que é próprio para essa finalidade, a Carta Rogatória.

44.° No entanto, o tribunal criminal nunca usou dos meios menos gravosos ao seu dispor para notificar a então arguida e aqui recorrente de qualquer despacho e, muito menos, para a notificar para comparecer em julgamento.

45.° Na verdade, o Tribunal tinha ao seu dispor o enquadramento jurídico necessário para, através de um pedido de cooperação judiciária internacional, a saber, uma carta rogatória, ter notificado a arguida validamente do despacho de acusação e do despacho que designou data para a audiência de julgamento.

46.° Porém, nunca o fez, nem sequer o tentou e o Tribunal recorrido não tomou esta evidência em consideração optando por, falsamente e em contradição com os termos da própria decisão (o que consubstancia nulidade por violação da alínea b) do n.° 1 do artigo 668.° do CPC, que nesta sede especificadamente se argui ao abrigo do n.° 1 do artigo 716.° aplicável ex vi da alínea c) do n.° 1 do artigo 722.°, todos do CPC), concluir que, apesar de localizada, a arguida estava em “fuga à justiça portuguesa” e só foi localizada quando detida na Alemanha, e que, como tal, existia fundamento para ordenar a sua detenção.

47.° Sucede, porém, que a acusação foi remetida para a morada constante do Termo de Identidade e Residência da arguida sem ser acompanhada por qualquer tradução (cfr. fls. 86 e 87 dos autos de processo-crime e fls. 92 a 94 da certidão junta aos autos).

48.° E bem assim, o despacho que designou data para julgamento foi remetido para a morada constante do Termo de Identidade e Residência da arguida sem ser acompanhado de qualquer tradução, tendo a respectiva carta sido devolvida.

49.° Bem devia conhecer o Venerando Tribunal da Relação de Évora, que o envio daquela notificação por via postal directamente de Portugal e desacompanhada de tradução era proibido pelo direito internacional público e que, destarte, se violava o art. 92.° do CPP, o art. 6.°, n.°s 1, e 3, al. a), da CEDH, bem como os arts. 20.º, n.° 4, e 32.°, n.° 1. da CRP, e o art. 7.° da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, do Conselho da Europa, bem como a declaração submetida pelo Reino Unido relativa à língua em que os documentos devem ser remetidos, os arts. 15.° e 16.° do Segundo Protocolo àquela Convenção (Convenção n.° 182), do art. 52.° da CAAS, e ainda o princípio de direito internacional público da não ingerência – o que, em ultima ratio consubstanciaria/consubstancia inconstitucionalidade indirecta por violação do art. 8.°, n.°s 1 e 2, da CRP.

50.° Acresce que, o Tribunal recorrido não efectuou o correcto enquadramento jurídico dos pressupostos que determinam a emissão de mandado de detenção europeu incorrendo, também nesta parte, numa incorrecta interpretação das normas legais aplicáveis.

51.° O Mandado de Detenção Europeu não é um instrumento para a prática de qualquer acto processual decidido ao abrigo da ordem jurídica portuguesa, no território dos outros Estados-Membros da UE.

52.° O Mandado de Detenção Europeu serve para trazer a Portugal indivíduos que tenham sido condenados numa pena privativa de liberdade, para que a cumpram, ou indivíduos contra os quais corre procedimento criminal que, pela sua gravidade, admita a aplicação da medida de prisão preventiva na pendência do processo e até à sua decisão final.

53.° O Mandado de Detenção Europeu não pode ser emitido com fundamento nos arts. 336.°, 337.°, 254.°, n.° 1, al. a) ou b), do CPP e arts. 1.º, n.º 1, da DQ 2002/584/JAI, do Conselho, de 13.06, e arts. 2.°, n.° 1, da mesma Decisão-Quadro, e 2.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003, de 21.08, de forma automática, em decorrência da situação de contumácia de um arguido, e sem que seja efectuado qualquer juízo mínimo de ponderação sobre a necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito da aplicação dessa medida coactiva.

54.° E não o pode ser se não for de aplicar, ao caso, a prisão preventiva.

55.° A interpretação preconizada pelo Tribunal recorrido que, não se aceita e veementemente se repudia, admite a emissão daqueles Mandados nos casos em que não é possível a aplicação da prisão preventiva, afigura-se gravemente violadora do direito fundamental à liberdade e do princípio da proporcionalidade, consagrado constitucionalmente e convencionalmente, nos artigos 18.°, n.° 2, da CRP e 52.°, n.° 1 e 53.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE), e do direito à liberdade, consagrado no artigo 27.° e 28.° da CRP e no artigo 6.° da CDFUE, bem como no art. 193.° do CPP, válido para todas as medidas de coacção, e 201.°, n.° 1, e 202.°, n.° 1, do CPP, quanto às medidas de coacção detentivas (obrigação de permanência na habitação e prisão preventiva).

56.° A própria Decisão-Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, à luz da qual deve ser interpretada a Lei 65/2003, de 23.08 (art. 1.°, n.° 2), no considerando 12.° do Preâmbulo, dita que a “presente decisão-quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos peio artigo 6.° do Tratado da União Europeia e consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”, nestes se incluindo o direito à liberdade e o princípio da proporcionalidade na sua restrição.

57.° Padece, pois, de inconstitucionalidade, directa, por violação dos arts. 2.°, 18.°, n.° 2, 27.° e 28.° da CRP, e indirecta, por violação dos arts. 6.°, n.° 1 e 3, do TUE, 6.°, 52.°, n.° 1, e 53.° da CDFUE, e art. 5.°, n.° 1, al. c), da CEDH, bem como do art. 8.° da CRP.

58.° Acresce que, quando a autora foi detida, a sua responsabilidade criminal pelos crimes pelos quais vinha acusada encontrava-se, há muito, extinta pelo decurso do prazo prescricional, circunstância que era notória e conhecida do tribunal, pelo menos desde a publicação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 183/2008, em 22 de Abril de 2008.

59.° A publicação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 183/2008, de 12.03.2008, que declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da interpretação do art. 119.°, n.° 1, al. a), do Código Penal e do artigo 336.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia afigurava-se determinante para o caso em apreço e foi, inexplicavelmente, ignorada pelo Tribunal recorrido.

60.° Bastou-se o Venerando Tribunal da Relação com a referência ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 5/2008 publicado no Diário da República, I Série, de 13 de Maio, alegando, erradamente que “o procedimento criminal não se encontrava prescrito até à publicação do Assento n.° 5/2008 de 13.05.2008” “que reexaminou a doutrina vertida no Acórdão n.° 10/2000”.

61.° Sucede, porém, que, como bem devia conhecer o Venerando Tribunal da Relação de Évora, os Acórdãos de Fixação de Jurisprudência não têm força obrigatória geral, pelo que, nem a interpretação do acórdão 10/2000, nem do acórdão 5/2008 têm tal eficácia, apenas tendo força de caso julgado no processo em que foram proferidos.

62.° Já os acórdãos do Tribunal Constitucional que declaram a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de uma norma têm eficácia retroactiva – ex tunc.

63.° Como é notório, devia pois, o Tribunal recorrido ter concluído que a detenção ou a prisão preventiva com fundamento em crimes relativamente aos quais o procedimento penal se encontra prescrito é manifestamente ilegal e inconstitucional, por não existir facto previsto na lei penal que permita tal medida, pelo que, também por esta via, se tornava manifesta a prática de um acto ilícito no desempenho da função jurisdicional o que determina a aplicação a procedência da pretensão indemnizatória deduzida pela recorrente.

64.° Ao não ter decidido desta forma, ignorando e violando a decisão proferida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 183/2008, de 22.04, proferido em momento anterior à detenção da recorrente, violou o Tribunal recorrido os arts. 282.°, n.°s 1 e 2, da Constituição, bem como os arts. 29.°, n.° 1 e 3, da CRP, ao aplicar, na apreciação da ilicitude da detenção a norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal e do artigo 336.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia, apesar da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação dos arts. 29.°, n.° 1 e 3, da Constituição, levada a cabo pelo Acórdão n.° 183/2008, de 22.04.

65.° Suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal que não existia, viola, como confirmado pelo Acórdão 183/2008, o princípio da legalidade penal, na vertente da proibição da analogia in malam partem no que se refere à previsão legal dos elementos pressuposto da

66.° Além da incorrecta interpretação que foi feita pelo Tribunal recorrido no que à matéria de facto e de direito respeita, encontra-se igualmente viciada a decisão ora sindicada com as nulidades a que aludem as alíneas b), c) e d) do n.° 1 do artigo 668.° do CPC, que nesta sede especificadamente se argúem ao abrigo do n.° 1 do artigo 716.° aplicável ex vi da alínea c) do n.° 1 do artigo 722.°, todos do CPC.

67.° Deverá, assim, e nos termos do n.° 2 do artigo 716.° do CPC, e em derrogação do disposto no n.° 4 do artigo 670.°, ser convocada a conferência junto do Tribunal recorrido com vista à pronúncia sobre as nulidade ora arguidas, com as demais consequências legais”.

*

Apresentadas as contra-alegações, pelo Estado Português, a Relação de Évora acordou, em conferência, desatender e indeferir a arguição das nulidades assacadas pela A./recorrente ao Acórdão.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.

A. Nas Instâncias considerou-se assente a seguinte matéria de facto:

1. Em 03-05-2008, a A. foi detida em Munique, na República Federal da Alemanha, em virtude do Mandado de Detenção Europeu emitido ao abrigo da Lei 65/2003, de 23-08, nos autos de processo comum colectivo n.º 422/99.8TBABF, que corria os seus termos no 2.º Juízo do Tribunal da Comarca de Albufeira (cf. fls. 517 da certidão do Processo Comum Colectivo n.º 422/99.8TBABF, do 2.º Juízo deste Tribunal, junta aos presentes autos).

2. A A. ficou detida até 15-05-2008, data em que foi libertada.

3. No âmbito do Processo n.º 422/99.8 TBABF, a A. estava acusada por factos susceptíveis de integrarem a prática de:

a. Dois crimes de passagem de moeda falsa, à data dos factos p. e p. pelo art. 241.º, n.º 1, a), do Código Penal de 1982 e, à data da detenção, pelo art. 265.º, n.º 1, a), do Código Penal de 1995;

b. Um crime de passagem de moeda falsa na forma tentada, à data dos factos p. e p. pelos arts. 241.º, n.º 1 a), 22.º, 23.º e 74.º, do Código Penal de 1982, e, à data da detenção, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º e 73.º, 265.º, n.º 1, a), do Código Penal de 1995;

c. Dois crimes de burla, p. e p. à data dos factos pelo art. 313.º, n.º 1, do Código Penal de 1982 e actualmente pelo art. 217.º, n.º 1, do Código Penal de 1995;

d. Um crime de burla, na sua forma tentada, p. e p. à data dos factos nos arts. 22.º, 23.º, 74.º e 313.º n.º 1 do Código Penal de 1982 e actualmente nos arts. 22.º, 73.º e 217.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

4. No dia 25-08-1995, a ora A., então na qualidade de arguida, foi ouvida em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos do disposto no artigo 141.º do Código de Processo Penal, tendo sido decidido que a mesma aguardaria os ulteriores termos do processo sujeita a termo de identidade e residência (TIR) que lhe impunha a obrigação de não mudar de residência nem ausentar-se dela por mais de cinco dias sem comunicar a juízo a nova residência, tendo sido restituída à liberdade (cf. fls. 16 a 20 da certidão junta aos autos).

6. Todavia, depois de notificada da acusação[1], a notificação da data designada para julgamento veio devolvida (cf. fls. 94 e 103 da certidão junta aos autos).

7. Não sendo frutíferas outras diligências para a sua localização, foi a arguida, ora A., declarada contumaz[2] no processo-crime (cf. fls. 112, 124 e 134 da certidão junta aos autos).

8. A 23-11-2000 foi solicitada ao Gabinete Nacional Sirene e à Polícia Judiciária, informação sobre o paradeiro da arguida (cf. fls. 144 e 146 da certidão junta aos autos).

9. No âmbito do processo-crime supra referido, a 17-11-2000 foi proferido o seguinte despacho: “Nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 337.º n.º 1 e 336.º n.º 2 do Código de Processo Penal, passe mandados de detenção dos arguidos (…) com vista à recolha de T.I.R., nos termos do artigo 196.º do referido diploma e eventual aplicação de outra medida de coacção, devendo para o efeito, os detidos serem presentes ao juiz competente, nos termos do disposto no artigo 254.º n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal (…)” (cf. fls. 141 da certidão junta aos autos).

9. A 23-11-2000 foram emitidos mandados de detenção em nome da A., “a fim de, no prazo máximo de 48 horas após a detenção, ser presente ao Juiz competente para aplicação ou execução de medida de coacção (art. 254.º n.º 1 a) do C.P.Penal).” (cf. fls. 149 da certidão junta aos autos).

10. A 28-02-2001 e a 06-08-2001, o Gabinete Nacional da Interpol informou os autos que a arguida residia em ..., ..., ....

11. A morada supra referida era a que já constava do Termo de Identidade e Residência e foi nela que as notificações não surtiram efeito.

12. A 09-11-2001, foram emitidos mandados de detenção com eficácia internacional em nome da autora (cf. fls. 169 a 172 da certidão junta aos autos) do qual resulta que “A arguida será detida a fim de, no prazo máximo de 48 horas após a detenção, ser presente ao Juiz competente para aplicação ou execução de medida de coacção (art. 254º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal”.

13. A 11-04-2003, foram emitidos novos mandados de detenção com eficácia internacional (cf. fls. 192 a 194 da certidão junta aos autos) onde resulta que “A arguida será detida a fim de, no prazo máximo de 48 horas após a detenção, ser presente ao Juiz competente para aplicação ou execução de medida de coacção (art. 254º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal”.

14. A 14-07-2004 foi emitido Mandado de Detenção Europeu (cf. fls. 221 e seguintes da certidão junta aos autos), o qual veio a ser devolvido por se encontrar incorrectamente preenchido, pelo que não produziu qualquer efeito (cf. fls. 232 da certidão junta aos autos).

15. A 14-01-2005 foi emitido novo Mandado de Detenção Europeu (cf. fls. 259 da certidão junta aos autos), o qual também foi devolvido por se encontrar incorrectamente preenchido (cf. fls. 280 a 282 da certidão junta aos autos) pelo que não produziu qualquer efeito.

16. A 27-09-2005 foi emitido novo Mandado de Detenção Europeu (cf. fls. 368 da certidão junta aos autos) o qual também foi devolvido, por estar incorrectamente preenchido, pelo que não produziu qualquer efeito (cf. fls. 374 da certidão junta aos autos).

17. A 30-01-2006 foram emitidos novos Mandados de Detenção Europeus (cf. fls. 417 da certidão junta aos autos), os quais foram também devolvidos devido a incorrecto preenchimento (cf. fls. 447 da certidão junta aos autos).

18. A 30-06-2006 foi emitido novo Mandado de Detenção Europeu, o qual veio a ser executado (cf. fls. 481 da certidão junta aos autos).

19. Deste último Mandado de Detenção Europeu consta que é ordenada a “detenção do arguido para ser presente ao Juiz competente para aplicação ou execução de uma medida de coacção, no mais curto prazo possível e no máximo dentro de 48 horas a contar da sua entrega em território português”.

20. Por requerimento de 14-05-2008 (cf. fls. 522 da certidão junta aos autos) a então arguida, ora A., requereu o imediato cancelamento dos mandados, com fundamento na ilegalidade e inconstitucionalidade dos mandados.

21. Por despacho de 14-05-2008, o Ministério Público promoveu a imediata revogação dos mandados de detenção e libertação da arguida, solicitando a sua sujeição a TIR, porquanto: “os Mandados de Detenção Europeus foram emitidos para colher Termo de Identidade e Residência relativamente a ambos os arguidos, já que os crimes por que estão acusados (cfr. fls. 83 a 85) não admitem, desde a revisão do CPP de 2007, prisão preventiva (cfr. art. 202.º de tal diploma legal). Ora, a finalidade do Mandado de Detenção Europeu não é essa, sendo a Carta Rogatória o acto processual adequado a esse desiderato” (cf. fls. 527 da certidão).

22. Por despacho proferido a 14-05-2008 foi proferida decisão de revogação do Mandado de Detenção Europeu ao abrigo do qual a autora estava detida, nos seguintes termos: “Compulsados os autos constato que os arguidos BB e AA foram declarados contumazes. De acordo com o disposto no artigo 337.º, n.º 1, do CPP, a declaração de contumácia implica para o arguido a passagem de mandados de detenção para a prestação de termo de identidade e residência, nos termos do artigo 336.º, n.º 1, do CPP, por forma a fazer cessar a contumácia. Assim, uma vez localizado o paradeiro dos arguidos deverá ser-lhes tomado Termo de Identidade e Residência, sendo desnecessária a sua deslocação a este tribunal para esse efeito.” (cf. fls. 527 verso da certidão junta aos autos).

23. Em 20-05-2008 foi proferido despacho ordenando que se oficiasse à Interpol nos seguintes termos: “com nota de muito urgente informe que deverão ser cancelados os mandados de detenção europeus emitidos contra a arguida AA em virtude de os crimes imputados contra a arguida nestes autos não admitirem já a prisão preventiva e esclarecendo que se pretendia a detenção da mesma apenas para prestação de Termo de identidade e Residência por se encontrar a arguida declarada contumaz, situação que determina a passagem imediata de mandados de detenção, de acordo com o disposto nos artigos 336.º, n.º 1 e 337.º, n.º 1, ambos do CPP.” (cf. fls. 540 da certidão junta aos autos).

24. Por despacho de 10-12-2008 foi declarado extinto, por prescrição, o procedimento criminal contra os arguidos AA e BB, com fundamento no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 5/2008, de publicado no Diário da República, I Série A, de 13 de Maio.

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Mais está provado, pela certidão relativa ao Proc. n.º 422/99.8TBABF:

25. A A., então arguida, dirigiu requerimento ao processo, com data de entrada de 24-11-2008, a requerer a declaração de extinção do procedimento criminal, por prescrição (cf. fls. 646 a 662 da certidão junta aos autos).

26. O Ministério Público promoveu, com data de 07-12-2008, a declaração de extinção do procedimento criminal, por efeito de prescrição (cf. fls. 664 a 666 da certidão junta aos autos).

B. As conclusões da recorrente, delimitando o objecto do recurso (afora as questões de estrito conhecimento oficioso) – arts. 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), versão da Reforma de 2007–, suscitam a apreciação, análise e decisão das seguintes questões:

1. Violação dos arts. 508.º-A, n.º 1, als. b) e e), 510.º, n.º 1, al. b), e 511.º, todos do CPC, consubstanciando a nulidade prevista no art. 201.º, n.º 1, daquele Código (cf. conclusões n.ºs 28 a 36).

2. Nulidades do acórdão, nos termos dos arts. 668.º, n.º 1, als. b), c), d), e e), e 716.º, n.º 1, ex vi do art. 722.º, n.º 1, al. c), todos do CPC (cf. conclusões n.ºs 37, 46 e 66).

3. Regime jurídico do Mandado de Detenção Europeu e pressupostos da responsabilidade extracontratual do Estado no exercício da função jurisdicional em virtude de privação da liberdade ilegal ou injustificada.

4. Ilicitude da emissão e execução do Mandado de Detenção Europeu, ordenado pelo despacho de 14-01-2005:

a) Manifesta desadequação, desproporcionalidade e desnecessidade para obter a prestação de TIR, havendo outro meio para essa finalidade: a carta rogatória (cf. conclusões n.ºs 38 a 52);

b) O MDE não pode ser emitido com fundamento nos arts. 336.º, 337.º, 254.º, n.º 1, als. a) ou b), do CPP, em decorrência da situação de contumácia de um arguido, nem pode ser emitido se não for de aplicar, ao caso, prisão preventiva (cf. conclusões n.ºs 53 a 57);

c) Quando a A. foi detida a sua responsabilidade criminal pelos crimes pelos quais vinha acusada encontrava-se, há muito, extinta pelo decurso do prazo prescricional, circunstância que era notória e conhecida do tribunal, pelo menos desde a publicação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/2008, em 22-04-2008 (conclusões n.ºs 58 a 65).

B1. A recorrente começa por sustentar que, observando a causa de pedir por si invocada, importava aferir se a detenção e prisão que ela sofreu advinham de um acto ilícito cometido no desempenho da função jurisdicional e esta avaliação deveria ser efectuada não só à luz dos preceitos legais, constitucionais e convencionais que regulam a matéria, mas bem assim mediante a necessária produção de prova, designadamente testemunhal, com vista ao cabal e justo esclarecimento do que efectivamente determinou a emissão do Mandado de Detenção Europeu e de quais os danos realmente sofridos pela recorrente em consequência da detenção a que foi submetida. Deste modo, a decisão tomada pelas instâncias, ao pronunciar decisão de mérito, sem consentir a produção e análise da prova testemunhal, essencial à demonstração dos factos alegados pela recorrente na petição inicial, coartou-lhe o cabal exercício do contraditório processual. Designadamente, impunha-se a produção de prova para aferição dos danos concretamente sofridos pela recorrente na sequência da emissão do MDE que determinou a sua prisão.

Conclui, assim que ocorreu violação do estatuído nos arts. 508.º-A, n.º 1, als. b) e e), 510.º, n.º 1, al. b), e 511.º, todos do CPC, consubstanciando a nulidade prevista no art. 201.º, nº 1, daquele Código.

A causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que procede a pretensão do A. ou seja, o facto jurídico que constitui o fundamento legal do benefício ou do direito, objecto do pedido. Trata-se, portanto, sempre de um acto ou facto concreto, de um acontecimento da vida real em que se baseia o direito que se pretende fazer valer e não um facto descrito abstractamente na lei.

O que interessa é indagar, antes de mais nada, se o tribunal a quo, ao decidir do mérito da causa, respeitou aquela causa de pedir, ao não determinar a elaboração de qualquer base instrutória, ou se, pelo contrário, não só não a respeitou, como ainda cerceou o princípio do contraditório processual.

O art. 508.º-A, n.º 1, estabelece que concluídas as diligências previstas no art. 508.º, ambos do CPC – suprimento de excepções dilatórias e convite ao aperfeiçoamento dos articulados –, se a elas houver lugar, é convocada audiência preliminar, destinada, designadamente, a facultar às partes a discussão de facto e de direito quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa – al. b) – e quando a acção tenha sido contestada, selecionar, após debate, a matéria de facto relevante que se considera assente e a que constitui a base instrutória da causa – al. e).

O juiz pode, todavia, dispensar a realização da audiência preliminar caso as partes tenham já aduzido os fundamentos de direito em que pensa basear-se para proferir a decisão de mérito, e não havendo insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto, que impliquem correcção, a apreciação da causa se revista de manifesta simplicidade. Do mesmo modo que pode eximir-se a realizar essa audiência, quando a selecção dos factos assentes – e dos que constituem a base instrutória, caso a acção tenha de prosseguir – revestir aquela simplicidade – cf. art. 508.º-B, n.º 1, al. b) - cfr.  Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2001, pp. 359/360.

O art. 510.º, n.º 1, al b), do CPC, por seu turno, alude que, findos os articulados, se não houver que proceder à convocação da audiência preliminar, o juiz profere despacho saneador destinado a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos (ou de alguma excepção peremptória).

Por fim, dispõe o n.º 1 do art. 511.º que o juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida.

Deste regime resulta que o juiz deve, evidentemente, sopesar a decisão de convocar as partes ou não para a audiência preliminar, não estando cerceada a possibilidade legal de conhecer imediatamente do fundo da causa, mediante uma decisão de mérito, sem que tal convocação tenha de ocorrer. Em todo o caso, quer na selecção dos factos assentes – quer na selecção dos factos controvertidos, se a ela houver lugar – o juiz deve ter em atenção todos os factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e não apenas os factos que relevam para a solução da questão de direito que tem como aplicável. Recorde-se que a base instrutória, no respeito da factualidade alegada (como é evidente), deve possibilitar a discussão ampla da matéria de facto de modo a que seja possível encontrar para o caso – tal como emerge do julgamento da matéria de facto –, a solução de direito que decida com justiça. Assim, a base instrutória não deve condicionar a discussão a uma única solução da questão de direito (que afinal pode nem ser a adequada), mas a outras que se mostrem legalmente plausíveis, como já se disse.

No caso em apreço, a orientação jurídica que veio a ser assumida na decisão de mérito – quer na sentença da 1.ª Instância, quer no Acórdão recorrido –, fora já defendida, exaustivamente, na contestação à qual a A. respondeu, como bem entendeu, com toda a liberdade e de acordo com as regras processuais pertinentes.

Portanto, nenhuma das questões solucionadas no saneador-sentença, podia constituir decisão surpresa para a A., porquanto a decisão final perfilhada não extravasou qualquer das soluções jurídicas propostas nos articulados, antes se moveu estritamente dentro do seu âmbito, não enveredando por uma solução que, de todo, apanhou desprevenida a A./recorrente.

Pode afirmar-se, aliás, com alguma segurança, que a dispensa da audiência preliminar em nada prejudicou o princípio do contraditório, visto que a matéria submetida a decisão de mérito foi amplamente debatida pelas partes nos seus articulados e o julgador, desde logo na 1.ª Instância, mas também na Relação, não utilizou qualquer argumento inovador, com que as partes não pudessem razoavelmente contar. Nem se vislumbra, ademais, que argumentação nova poderia convocar a A. para suportar a sua tese, que não tenha trazido à colação nos seus articulados, sopesando que nenhum argumento essencialmente diferente apresentou nas suas alegações, quer da apelação, quer desta revista. Assim, mesmo que, no limite, se entendesse ser irregular a dispensa da audiência preliminar, mesmo então, essa eventual irregularidade jamais consubstanciaria nulidade processual, subsumível ao art. 201.º, n.º 1, do CPC, por não se ver que pudesse, no caso concreto, influir no exame ou na decisão da causa.

Uma vez que foi prescindida a audiência preliminar e ponderando que, segundo a avaliação do julgador, o estado dos autos possibilitava conhecer, de imediato, do mérito da causa, sem necessidade de mais provas, nada impedia aquela apreciação, como decorre, aliás, do art. 510.º do CPC.

É verdade que, como salienta a A./recorrente, existia matéria de facto controvertida, mormente a narrada nos artigos 72.º e seguintes da petição inicial, mas toda ela tem a ver, exclusivamente, com a verificação do dano ou prejuízo decorrente da execução do Mandado de Detenção Europeu, que levou à detenção alegadamente ilegal da A. (que lhe acarretou os danos aí indicados e que esta pretendia ver indemnizados por via desta acção).
Não obstante, a verdade é que o direito à indemnização só poderá surgir na esfera jurídica da A. se se constatar a existência de um acto ilícito previsto na lei e se o mesmo puder ser imputado ao Estado Português, R. na acção, seja a título de culpa, seja a título objectivo; logo, não se apurando que ocorra acto ilícito – fonte da responsabilidade civil extracontratual invocada pela A. –, não chegará, então, a nascer o direito à indemnização peticionada, e, por essa razão, não tem qualquer razoabilidade discutir se ocorreram prejuízos, e, na afirmativa, proceder á sua quantificação - cf. o Acórdão do STJ, de 22-01-2008, Proc. n.º 07A2381, desta 1.ª Secção, acessível em http://www.dgsi.pt/jstj , tal como as demais decisões do STJ que se referirem neste Acórdão sem referência adicional.

Por isso mesmo, na perspectiva da decisão final que veio a ser sufragada, era inútil o prosseguimento do processo até à fase de julgamento, com prévia elaboração da base instrutória, pois a matéria já demonstrada – no fundo, a constante da certidão judicial relativa ao Proc. n.º 422/99.8TBABF, do 2.º Juízo de Albufeira – constituía  base factual suficiente para suportar aquela decisão.

Evidentemente, se nesta sede se decidir diferentemente, isto é, se se concluir pela responsabilidade do Estado, os autos terão de regressar às instâncias para, então, definida aquela responsabilidade, ordenar o prosseguimento do processo, com a consequente quesitação dos factos e a subsequente produção de prova sobre os alegados prejuízos.

Improcedem, pois, as conclusões relativas a esta primeira questão.

B2. A par desta questão processual, a recorrente veio assacar ao acórdão recorrido, embora de forma não muito organizada, diversas nulidades, pretensamente cominadas nos arts. 668.º, n.º 1, als. b), c), d), e e), e 716.º, n.º 1, ex vi do art. 722.º, n.º 1, al. c), todos do CPC (cf. conclusões n.ºs 37, 46 e 66).

A leitura das supostas nulidades, assacadas pela A./recorrente ao acórdão da Relação sob recurso, ao longo das conclusões alinhavadas, revelam, desde logo, alguma confusão entre nulidades stricto sensu e erro de julgamento, e, por outro lado, algum desconhecimento do âmbito de poderes de julgamento do STJ.

O STJ só pode conhecer do juízo de prova formado pela Relação sobre a matéria de facto quando ela tenha dado como provado algum facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico. Já o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada em meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador excede o âmbito do recurso de revista – art. 655.º, n.º 1, do CPC. Não se verificando in casu as aludidas excepções legais, não pode o STJ alterar a matéria de facto ou, sequer, desaprovar o seu julgamento, porquanto, se erro existir no apuramento e apreciação da matéria factual provada, tal erro não pode aqui ser sindicado.

Dito de outro modo, este Supremo Tribunal “não controla a matéria de facto nem revoga por erro no seu apuramento; compete-lhe antes fiscalizar a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos tribunais de primeira e segunda instâncias (arts. 722.°, n.º 2, 729.°, n.ºs l e 2, e 755.°, n.º 2). Daí dizer-se que o STJ é um tribunal de revista e não um tribunal de 3.ª instância (art. 210.°, n.º 5 da CRP)”, como escreve Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, 2006, págs. 244/245.

Detenhamo-nos, agora, na análise das nulidades que vêm assinaladas.

Do art. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, na parte pertinente, divisa-se que é nula a decisão judicial quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Esta nulidade tem de ser conferida com a parte inicial do art. 660.º, n.º 2, do mesmo Código, onde se dita que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (ou aquelas de que deva conhecer oficiosamente). A nulidade assinalada – omissão de pronúncia – é carreada a muitos recursos, originada na confusão que se estabelece entre questões a apreciar e as razões ou argumentos aduzidos pelas partes: são realidades diversas omitir o conhecimento de questão de que deva conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento, ou razão produzida pela parte.

Pois bem, contrariamente ao que a recorrente sustenta, o Acórdão recorrido pronunciou-se sobre a dispensa da audiência preliminar, legalidade do saneador-sentença e dispensa de elaboração de base instrutória, nos seguintes termos: “(…) Quanto à pretendida ampliação da matéria de facto, a apelante sustenta que foi cometido um facto ilícito – a sua detenção ilegal –, pela qual pede a condenação do réu no pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos pela apelante, o que consequenciou acertadamente a sua não quesitação.

Ademais, considerando o pedido e a causa de pedir e que a perspectiva jurídica que o Tribunal encarou como devendo ser a da decisão tinha sido considerada pelas partes nos articulados, e os factos a considerar baseavam-se em prova documental, o estado da causa permitia conhecer de imediato do mérito e o Juiz podia discricionariamente dispensar a audiência preliminar [Código Processo Civil, Anotado, 2.º vol, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, p. 364]”.

O facto de a recorrente discordar do decidido, é questão bem diversa da nulidade por omissão de pronúncia e que escapa, por completo, ao âmbito de poderes de julgamento deste Supremo Tribunal, sendo manifesto que o acórdão recorrido se pronunciou sobre a questão e não padece da assinalada nulidade por omissão de pronúncia.

De seguida, diz a recorrente que o acórdão é nulo, por violação do disposto no art. 668.º, n.º 1, al b), do CPC, por existir contradição dos fundamentos com os termos da própria decisão. Trata-se, seguramente, de lapso, querendo a recorrente referir-se, isso sim, à al. c) do n.º 1 daquele preceito legal, que estabelece que a sentença é nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, sendo esta causa de nulidade das decisões judiciais aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores ex vi dos arts. 716.º e 732.º daquele Código.

Uma decisão judicial, seja uma sentença ou um acórdão, é, além do mais, um silogismo judiciário em que a premissa maior é a norma jurídica aplicada, a premissa menor os factos provados, sendo a conclusão constituída pelo segmento decisório. Claramente, a conclusão tem de estar em consonância com as premissas que a fundam, sob pena de padecer de um vício de raciocínio.

Isto dito, relativamente às reputadas situações de contradição lógica imputadas ao acórdão recorrido não se vê que tal ocorra, estando o decidido em concatenação lógica com os fundamentos, motivo pelo qual improcede, outrossim, esta conclusão de recurso. Como refere a Relação de Évora, a fls. 1541: “(…) não se vislumbra qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão e para tanto basta apenas relembrar que os mandados de detenção europeu foram emitidos, alguns devolvidos pelas entidades com competência para promoverem a execução dos mesmos, e foram executados os emitidos em 30-06-2006. Eis os que cumpria apreciar”.

Improcede, assim, a assinalada nulidade.

Por fim, dirimidas que estão as nulidades das alíneas c) e d) não se vislumbra, tão pouco, que ocorra a nulidade a que se reporta a al. b), do n.º 1, do art. 668.º, concernente à (alegada) falta de fundamentação do acórdão recorrido.

As decisões dos tribunais devem ser fundamentadas – arts. 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 158.º, n.º 1, e 659.º, n.ºs 1 a 3, do CPC –, gerando a falta da sua fundamentação a nulidade a que se refere aquele preceito legal. In casu, a decisão sindicada está devidamente fundamentada, tendo alinhavado os factos, as razões jurídicas, as normas e sua interpretação, de que se serviu para chegar a uma determinada conclusão (a decisão). Aspecto completamente diverso é o acerto, a correcção ou a oportunidade de aplicação das normas jurídicas chamadas à colação, isto é, os pressupostos normativos que justificam a solução a que o Acórdão recorrido chegou. Só a omissão daquelas razões constituiria a nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, al. b), do CPC (não a incompletude ou deficiência da justificação do julgado).

Tanto basta para concluir pela improcedência da referida nulidade.

B3. Passemos, então, à análise do fundo da questão que o presente recurso de revista excepcional concita, começando por analisar o regime jurídico do Mandado de Detenção Europeu e avaliar quais os pressupostos da responsabilidade extracontratual do Estado no exercício da função jurisdicional em virtude de privação da liberdade ilegal ou injustificada, recordando que a A./recorrente, ao balizar a causa de pedir e o pedido, sufragou que “a privação da liberdade ilegal sofrida [pela A.], nos termos supra descritos, por violadora dos arts. 220.º, n.º 1, als. a) e d) e 222.º, n.º 2, al. b), do CPP, confere-lhe direito a ser indemnizada pelos danos sofridos, nos termos do disposto no art. 27.º, n.º 5, da CRP, 225.º, n.º 1, al. a), e 226.º, n.º 1, do CPP e do disposto na Lei 67/2007, de 31/12” (sic – art. 71.º da petição inicial).

O MDE é um instituto jurídico criado pelo Direito da União Europeia que tem por base a Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho Europeu, de 13-06-2002, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 18-07-2002, que veio concretizar o princípio fundamental e inovador do reconhecimento mútuo, no âmbito do direito penal, constituindo um passo decisivo na implantação de uma cooperação judiciária adequada à nova realidade europeia, em cujo espaço foram abolidas as fronteiras entre os Estados membros e criadas novas necessidades de segurança, procurando simplificar os processos para entrega de pessoas condenadas ou suspeitas, para efeitos de procedimento criminal ou de execução de penas.

Isto mesmo tem sido acentuado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), designadamente no Acórdão do TJUE (Grande Sala), de 06-10-2009 (Acórdão Wolzenburg), em cuja fundamentação se consignou: “Resulta do art. 1.°, n.ºs 1 e 2, da referida Decisão-Quadro, bem como dos seus quinto e sétimo considerandos, que esta tem por finalidade substituir o sistema de extradição multilateral entre Estados-Membros por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias das pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal, baseando-se este último sistema no princípio do reconhecimento mútuo (v. acórdão de 17 de Julho de 2008, Kozłowski, C-66/08, Colect. p. I, 6041, n.° 31)./ O princípio do reconhecimento mútuo, que está subjacente à economia da Decisão-quadro 2002/584, implica, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, desta última, que os Estados-Membros são, em princípio, obrigados a dar execução a um mandado de detenção europeu. Com efeito, com excepção dos casos de não execução obrigatória previstos no artigo 3.° da mesma decisão, os Estados-Membros apenas podem recusar dar execução a tal mandado nos casos enumerados no artigo 4.° desta (v. acórdão de 1 de Dezembro de 2008, Leymann e Pustovarov, C-388/08 PPU, ainda não publicado na Colectânea, n.° 51)”.[3]/[4]

O princípio do reconhecimento mútuo significa, como escreve Ricardo Jorge Bragança de Matos, “que uma decisão judicial tomada por uma autoridade judiciária de um Estado membro com base na sua legislação interna será reconhecida e executada pela autoridade judiciária de outro Estado membro, produzindo efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada por uma autoridade judiciária nacional”.[5]

Em cumprimento desta Decisão-Quadro, a Lei n.º 65/2003, de 23-08, veio aprovar o regime jurídico do MDE em Portugal, que entrou em vigor no dia 01-01-2004, aplicando-se aos pedidos recebidos depois desta data com origem em Estados membros que tenham optado pela aplicação imediata da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI – cf. art. 40.º.

O MDE é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro da União Europeia (Estado da emissão), que tem como objectivo a detenção e entrega a outro Estado membro (Estado da execução) de um cidadão procurado para efeitos de procedimento criminal, cumprimento de pena ou medida de segurança privativa de liberdade – art. 1.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003.

Nas palavras de Manuel Guedes Valente, o MDE “é um mandado de detenção que priva um cidadão de um Estado membro ou de um Estado terceiro do exercício pleno da liberdade em prol de uma perseguição penal – procedimento penal ou cumprimento de pena ou medida de segurança privativa da liberdade, que se vê eminentemente em colisão com a excessiva protecção e garantia da segurança do colectivo ou do cidadão individual”.[6]

Trata-se, pois, de instrumento legal a utilizar por qualquer dos Estados membros, no âmbito do processo penal, destinado à detenção de alguém e à sua entrega, tendo em vista o exercício da acção penal ou o cumprimento de uma pena ou de medida de segurança privativas da liberdade. Não podendo o Estado de emissão do mandado proceder directamente à detenção da pessoa procurada, ponderando que a mesma se encontra sob a jurisdição de outro Estado, solicita a este Estado (da execução) a efectivação da detenção e a entrega da pessoa procurada.

Traduzindo uma decisão de uma autoridade judiciária de um Estado membro dirigida directamente a outra autoridade judiciária de outro Estado membro, na base do princípio do reconhecimento mútuo, o MDE prescinde das formalidades burocráticas que estavam ligadas à antiga extradição, que foi suprimida, em benefício de um processo mais ágil, intermediado pelas próprias autoridades judiciárias, e de execução muito mais simplificada, bastando que o mandado contenha determinados elementos considerados fundamentais e em regra constantes de um formulário – cf. arts. 3.º e 4.º da Lei 65/2003.[7]

Acompanhando Jorge Costa, “a mais valia fundamental deste novo procedimento é a possibilidade de uma autoridade judiciária (Juiz ou Ministério Público) poder actuar seguindo o princípio do território único, numa dupla vertente: a decisão (o mandado) tem força executiva no Estado de execução como se fosse cumprido no Estado da autoridade emitente, e o procedimento levado a cabo naquele vale como se tivesse sido realizado no Estado de emissão: este é verdadeiramente o funcionamento de um espaço europeu”.[8]

À autoridade judiciária do Estado da execução cabe deter a pessoa procurada e proceder à sua entrega ao Estado da emissão, incumbindo-lhe a tarefa de tomar a decisão sobre a sua entrega – cf. Considerando (8) e art. 15.º da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI. Mais, a autoridade judiciária de execução “detém, desde logo, a potesta decidendi da manutenção ou não da detenção, sendo que a decisão se deve firmar nos pressupostos do direito interno do Estado membro de execução”.[9]

A detenção e entrega são, por conseguinte, os únicos objectivos do MDE, visando a primeira a efectivação da segunda: a detenção, no âmbito do MDE, tem por finalidade a transferência e entrega de pessoa procurada ao Estado da emissão, só ocorrendo essa entrega após a tomada de decisão sobre a validade da detenção e sobre a verificação dos requisitos legais de que depende a execução do mandado – detenção que, no caso da mesma ocorrer em território nacional, tem a sua sede constitucional prevista no art. 27.º, n.º 3, al c), da CRP.[10]

Ponderando a natureza do MDE, afectando a liberdade de uma pessoa, o art. 17.º da Decisão-Quadro e o art. 26.º da Lei n.º 65/2003 impõem prazos estritos para a decisão de execução do MDE. Como se deliberou no Acórdão do STJ, de 06-06-2007, trata-se de prazos peremptórios que implicam necessariamente a caducidade da execução do mandado, no caso de não serem cumpridos e que procuram conciliar a celeridade com a necessidade de garantir os direitos fundamentais do procurado (liberdade e defesa), podendo ser prorrogados por 30 dias por força de várias circunstâncias, nomeadamente, de interposição de recurso, informando-se a autoridade judiciária da emissão[1.1]

No caso de cumprimento de MDE, em território nacional, i.e., em que Portugal seja o Estado de execução, em princípio, a detenção efectuada no âmbito daquele mandado, após validada pelo tribunal, deve ser mantida até à entrega, sem embargo de poder e dever ser substituída por medida de coacção (prevista no CPP), como estabelece o art. 18.º, n.º 3, da Lei n.º 65/03, designadamente quando a detenção se mostre desnecessária à obtenção do objectivo que presidiu à emissão do MDE, ou seja, à efectivação da entrega da pessoa procurada.[12]

Do mesmo passo, como deliberado no Acórdão do STJ, de 27-07-2006, “quando a Lei 65/03, de 23-08, utiliza a expressão «pessoa procurada» não se quer referir a pessoa que devesse ter sido contactada para outros fins, designadamente para ser notificada de qualquer acto processual, e sim à pessoa que deve ser encontrada para ser detida e entregue ao Estado emissor. Cabe à autoridade judiciária emitente (que dirige o processo) escolher os meios legais adequados à prossecução dos fins do mesmo, estando vedado ao Estado da execução sindicar as opções daquela autoridade, desde que conformes aos instrumentos internacionais aplicáveis. Observadas as regras constantes da Lei n.º 65/03 sobre a emissão do MDE, não há que questionar, à luz do direito interno português, a legalidade do mandado de detenção, reduzindo-se a margem de manobra da entidade que procede à detenção às normas de direito interno cuja aplicação está prevista naquela lei, como acontece com a possibilidade de aplicação de medidas de coacção previstas no CPP, nos termos do art. 18.º, n.º 3, da Lei n.º 65/03. Esta interpretação não viola qualquer preceito constitucional, designadamente porque essa lei se limita a transpor a Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI do Conselho, de 13-06, mostrando-se aquele diploma conforme à CRP, quer quanto à definição dos casos de privação da liberdade, quer quanto aos curtos prazos de duração dessa privação (arts. 27.º, 28.º e 29.º da CRP), e a CRP prevê, no seu art. 33.º, n.º 5, a aplicação das normas de cooperação judiciária penal no âmbito da União Europeia no que concerne à extradição de cidadãos portugueses do território nacional. Resultando do texto do mandado de detenção europeu qual o fim da detenção e entrega, o recorrente podia exercer os seus direitos de defesa em relação à sua execução, não se verificando qualquer insuficiência de elementos conducente à sua não execução. Esta interpretação não viola o disposto no n.º 1 do art. 27.º da CRP, que garante o direito à liberdade e à segurança, nem o disposto no seu n.º 4, que preceitua que toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos”.[13]

Recapitulando, o MDE conforma uma decisão de natureza judiciária, emitida por uma autoridade judiciária de um Estado membro (Estado de emissão), para que uma autoridade judiciária de um outro Estado membro (Estado de execução) da União Europeia, proceda à localização e detenção de uma pessoa procurada por ser suspeita ou arguida num processo-crime ou por já ter sido condenada por um tribunal do Estado membro de emissão, para posterior entrega a este Estado, dentro de determinados prazos e desde que não existam motivos que obstem à sua execução.

Certificados os aspectos jurídicos mais relevantes do MDE, entremos, então, no âmago da responsabilidade civil extracontratual do Estado pela prática de facto ilícito no desempenho da função jurisdicional, que, ao cabo e ao resto, constitui o cerne da questão decidenda em debate neste litígio.

Para Gomes Canotilho podem descortinar-se hipóteses de responsabilidade do Estado por actos ilícitos dos juízes (e outros magistrados) quando: (1) houver grave violação da lei resultante de negligência grosseira; (2) afirmação de factos cuja inexistência é manifestamente comprovada pelo processo; (3) negação de factos, cuja existência resulta indesmentivelmente dos actos do processo; (4) adopção de medidas privativas da liberdade fora dos casos previstos na lei; (5) denegação de justiça resultante da recusa, omissão ou atraso do magistrado no cumprimento dos seus deveres funcionais.[14]/[15]

In casu, situamo-nos, mais especificamente, no âmbito de (alegada) responsabilidade decorrente de privação de liberdade ilegal ou injustificada.

No quadro constitucional dos direitos, liberdades e garantias pessoais ocupa lugar de relevo o direito à liberdade, aclamado no art. 27.º, n.º 1, da CRP, integrando um dos direitos estruturantes da personalidade.

Este direito fundamental à liberdade sofre limitações, quando o seu exercício colide com outros direitos também vitais da sociedade, como seja o direito à segurança, indicando expressamente o n.º 2 daquele preceito constitucional as medidas de privação da liberdade constitucionalmente admissíveis, as quais só podem decorrer de “sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”. Fora deste regime-regra define-se um rol variado, mas taxativo, de medidas de privação da liberdade, “pelo tempo e nas condições que a lei determinar” (n.º 3), designadamente, a prisão preventiva, a detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial.

A Constituição conforma-se com o que dispõe a Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem (CEDH) – aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13-10 –, que, no seu art. 5.º, depois de consignar que toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança (n.º 1), acrescenta que ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos que explicita, concluindo, no n.º 5, que “qualquer pessoa vítima de prisão ou detenção em condições contrárias às disposições deste artigo, tem direito a indemnização”.

Perspectivando a existência do direito à reparação dos danos decorrentes do erro judiciário e da prisão preventiva ilegal, torna-se imprescindível definir como imputar tal reparação ao Estado.

O art. 22.º da CRP preceitua: “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para outrem”.

Consagra-se, por sua vez, no n.º 5 do art. 27.º da CRP que: “A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer”.

Da conjugação destes normativos constitucionais pode-se concluir que:

a) o art. 22.º da CRP estabelece um princípio geral de directa responsabilidade civil do Estado;

b) o art. 27.º, n.º 5, da CRP alarga o âmbito dessa responsabilidade a factos ligados ao exercício da função jurisdicional, para além do clássico erro judiciário, onerando o Estado, de modo especial, com o dever de indemnizar quem for lesado por privação ilegal da liberdade, nos termos que a lei estabelecer.[16]

Perante o direito constituído, a jurisprudência largamente dominante deste Supremo Tribunal de Justiça – não obstante alguma doutrina existente em sentido contrário[17] – tem acentuado que não é de aceitar a imputação ao Estado, por força do art. 22.º da CRP, de uma responsabilidade objectiva geral por actos lícitos praticados no exercício da função jurisdicional, em termos de abranger, para além do clássico erro judiciário, a legítima administração da justiça, em sede de detenção e de prisão preventiva legal e justificadamente efectuada e mantida.[18] Não se vislumbra razão para deixar de seguir aquela firme orientação da jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal.

Aliás, ao analisar o novo regime legal da responsabilidade civil extracontratual do Estado, instituído pela Lei n.º 67/2007, de 31-12, mormente o seu capítulo autónomo referente à “Responsabilidade civil por danos decorrentes da função jurisdicional”, M.ª José Rangel Mesquita também considera que o regime geral daquela responsabilidade civil reporta-se apenas à responsabilidade por danos ilicitamente causados pela administração da justiça (cf. art. 12.º), seguindo o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.[19]

O instituto da prisão preventiva – contemplado nos arts. 28.º da CRP e 202.º do CPP – “alicerça-se em interesses societários de defesa interna de uma comunidade, que, tornando premente a sua existência, no âmbito da repressão e combate ao crime, conflituam com o direito à liberdade pessoal. Processualmente, encontramo-nos na intercepção de dois interesses processuais que o direito constitucional tem de satisfazer: a perseguição e punição dos criminosos e a tutela dos inocentes” – cf. Acórdão do STJ, de 22-03-2011.[20] Trata-se da medida de coacção mais gravosa que pode ser aplicada pelo juiz, revestindo sempre carácter excepcional.

Na sequência do comando constitucional do art. 27.º, n.º 5, surgiu o art. 225.º do CPP de 1987[21], inserto no Capítulo V – “Da indemnização por privação da liberdade ilegal ou injustificada” –, do Título II –“Das Medidas de Coacção” – daquele Código.

O n.º 1 do art. 225.º prescrevia que “quem tiver sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal pode requerer, perante o tribunal competente indemnização dos danos sofridos com a privação da liberdade”, ao passo que o n.º 2 estabelecia que “o disposto no número anterior aplica-se a quem tiver sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia (…)”.

À luz daquele regime legal, que vigorou até 14-09-2007 – cf. art. 7.º da lei n.º 48/2007, de 29-08, que aprovou a 15.ª alteração ao CPP – , para que nasça o direito de indemnizar por parte do Estado, nos termos do n.º 1 daquele segmento normativo, não basta que a detenção ou prisão preventiva seja ilegal. É ainda necessário que seja “manifestamente ilegal”.

Na apreciação deste pressuposto, o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, no seu Parecer n.º 12/92, de 30-03-1992, concluía: “É manifesto o que é evidente, inequívoco ou claro, isto é, o que não deixa dúvidas. Será prisão ou detenção manifestamente ilegal aquela cujo vício sobressai com evidência, em termos objectivos, da análise da situação fáctico-jurídica em causa, como é o caso da prisão preventiva com fundamento na indiciação da prática de um crime a que corresponda pena de prisão de máximo inferior a três anos, e da detenção com base na indiciação de uma infracção criminal apenas punível com pena de multa”.[22] Trata-se, assim, de ilegalidade manifesta aquela que necessariamente se torna evidente e ostensiva numa mera apreciação superficial e não aprofundada.

Como se constata no Acórdão do STJ, de 22-03-2011, “o juízo a partir do qual se conclui pela existência de “ilegalidade manifesta” é de natureza objectiva, traduzindo-se na constatação óbvia de que naquela situação, em concreto, nunca seria possível a aplicação da prisão preventiva, já que se indicia a prática de um crime absolutamente insusceptível de aplicação da medida coactiva em causa. Distinguindo a lei entre prisão preventiva ilegal e prisão preventiva “manifestamente ilegal”, importa salientar que a simples ilegalidade fundamenta o direito de recorrer ou de lançar mão do instituto do habeas corpus, mas não justifica o pedido de indemnização, que apenas se suporta na ilegalidade manifesta. Ao distinguir as duas situações, o legislador terá pretendido tornar admissível um certo grau de discricionariedade vinculada na aplicação da lei pelos juízes, quando aplicam a prisão preventiva, cuja consequência pode traduzir-se numa ilegalidade”.

O regime estatuído no art. 225.º, n.º 2, do CPP aplica(va)-se a quem tiver sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia. O erro relevante para aquele efeito é o erro de facto, ou seja, aquele que incidiu sobre a apreciação dos pressupostos de facto e não sobre os fundamentos de direito. Está-se, assim, perante uma prisão preventiva com cobertura legal, pelo que o erro só pode incidir sobre a factualidade que o julgador considerou para fundamentar a decisão de aplicar a medida de prisão preventiva – art. 202.º do CPP. Mas não releva qualquer erro, pois a lei exige que se configure como erro grosseiro.[23]

Após a revisão operada pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, o citado normativo – art. 225.º do CPP – passou a ter a seguinte redacção:

“1. Quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando:

a) A privação da liberdade for ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 220.º, ou do n.º 2 do artigo 222.º;

b) A privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia; ou

c) Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente.

2. Nos casos das alíneas b) e c) do número anterior o dever de indemnizar cessa se o arguido tiver concorrido, por dolo ou negligência, para a privação da sua liberdade”.

Da decomposição da nova redacção deste preceito, cujo regime se aplica a factos subsequentes a 15-09-2007 (cf. art. 7.º da Lei n.º 48/2007), emerge que a pessoa que sofreu detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação tem direito a indemnização pelos danos sofridos nos seguintes casos: 1.º - ilegalidade da privação da liberdade, nos termos dos arts. 220.º, n.º 1, e 222.º, n.º 2, do CPP[24]; 2.º - erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto da privação de liberdade; 3.º - comprovação de que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente.

Como anota Paulo Pinto de Albuquerque, em análise crítica a este novo preceito do CPP, debruçando-se sobre cada uma daquelas circunstâncias: “O fundamento da «ilegalidade» da privação da liberdade pressupõe a existência de uma decisão judicial que declarou a ilegalidade da privação da liberdade com os fundamentos dos arts. 220.º, n.º 1, e 222.º, n.º 1, do CPP, e em consequência, revogou a privação de liberdade. Esta formulação da lei visa concretizar a expressão usada na lei anterior, que referia apenas a «manifesta ilegalidade» da privação da liberdade e cuja constitucionalidade foi apreciada pelo acórdão do TC n.º 160/95. (…) O erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto da privação da liberdade é um erro indesculpável, crasso ou palmar, cometido contra todas as evidências e no qual incorre quem actua sem os conhecimentos ou as diligências exigíveis, bem como o acto temerário, no qual, devido à ambiguidade da situação, se corre o risco evidente de provocar um resultado injusto (…) A Lei n.º 59/98, de 25-08, suprimiu a exigência de que a privação da liberdade resultante do erro grosseiro devesse ter causado «prejuízos anómalos e de particular gravidade». Os pressupostos de facto da privação da liberdade devem ser avaliados à luz das circunstâncias do momento em que foi aplicada a medida de coacção ou detida a pessoa (…) Isto é, o tribunal deve proceder a um juízo de prognose póstuma reportado à data em que foi proferida a decisão. A privação de liberdade relevante para efeito de indemnização diz respeito à prisão preventiva, à obrigação de permanência na habitação ou qualquer outra forma de «detenção» ordenada com fim processual (…) independentemente da natureza criminal ou não criminal do processo, incluindo, portanto, a detenção, a prisão preventiva, a obrigação de permanência na habitação e a privação da liberdade sofridas ao abrigo da Lei n.º 36/98, de 24-07, da Lei n.º 144/99, de 31-08, da Lei n.º 65/2003, de 23-08, e da Lei n.º 23/2007, de 04-07. (…) A Lei n.º 48/2007, de 29-08, introduziu um novo fundamento de indemnização: a comprovação no processo criminal de que o arguido não foi agente ou actuou justificadamente. Portanto, o tribunal cível poderá recusar indemnização sempre que não se tiver comprovado que o arguido não foi o agente do crime ou actuou justificadamente, isto é, sempre que o tribunal de condenação tenha absolvido com base no princípio in dubio pro reo ou tenha absolvido com base em causa de extinção da responsabilidade criminal diferente da justificação do acto”.[25]

Delimitado o campo de aplicação dos dispositivos legais concernentes à Responsabilidade do Estado por danos resultantes da função jurisdicional, em casos de privação da liberdade ilegal ou injustificada, urge, outrossim, enfatizar que o princípio basilar do regime da responsabilidade civil extracontratual, decorrente da prática de actos ilícitos, e aplicável à situação, encontra-se plasmado no art. 483.º, n.º 1, do CC.

O elemento básico da responsabilidade civil é o facto do agente – um facto voluntário – que consiste, por regra, num facto positivo, que implica a violação do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto; não obstante, o facto pode traduzir-se também numa omissão. Nesse caso, a imputação ao agente exige a sua oneração com um dever especial de praticar o acto omitido.

 A ilicitude pode revestir duas formas essenciais: por um lado, a violação de um direito de outrem – caso típico dos direitos absolutos; por outro, a violação da lei que protege interesses alheios.

A culpa exprime um juízo de censurabilidade da conduta pessoal do agente: este, em face das circunstâncias concretas do caso, devia e podia ter agido de outro modo, podendo revestir duas modalidades: o dolo e a negligência (ou mera culpa). Na falta de outro critério legal, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso – art. 487.º, n.º 2, do CC – recaindo o ónus da prova dos factos integrantes da culpa, no quadro da responsabilidade civil extracontratual, ao lesado, se não houver presunção legal de culpa – art. 487.º, n.º 1, do CC.

Por fim, para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano ou prejuízo a ressarcir, sendo sabido que nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito são, porém, ressarcíveis, mas, apenas, os emergentes do facto ou causados por ele, à luz da teoria da causalidade adequada, consagrada no art. 563.º do CC.

B4. Feita esta necessária recensão dos regimes legais do MDE e da responsabilidade civil extracontratual do Estado resultante de privação ilegal ou injustificada da liberdade, vejamos, então, o que ocorreu no caso apreciado, na tríplice perspectiva que consta das conclusões recursivas:

a) Manifesta desadequação, desproporcionalidade e desnecessidade para obter a prestação de TIR, havendo outro meio para essa finalidade: a carta rogatória (cf. conclusões n.ºs 38 a 49);

b) O MDE não pode ser emitido com fundamento nos arts. 336.º, 337.º, 254.º, n.º 1, als. a) ou b), do CPP, em decorrência da situação de contumácia de um arguido, nem pode ser emitido se não for de aplicar, ao caso, prisão preventiva (cf. conclusões n.ºs 50 a 57);

c) Quando a A. foi detida a sua responsabilidade criminal pelos crimes pelos quais vinha acusada encontrava-se, há muito, extinta pelo decurso do prazo prescricional, circunstância que era notória e conhecida do tribunal, pelo menos desde a publicação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/2008, em 22-04-2008 (conclusões n.ºs 58 a 65).

Após um invulgar processo de emissão sucessiva de vários Mandados de Detenção com Eficácia Internacional e de MDE’s – 6 no total, com datas de 09-02-2001, 11-04-2003, 14-07-2004, 14-01-2005, 27-09-2005 e 30-01-2006 –, no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 422/99.8TBABF, do 2.º Juízo do Tribunal da Comarca de Albufeira, que não lograram ser executados, foi emitido o MDE de 30-06-2006, que veio a ser cumprido, tendo a A. sido detida em Munique, em execução desse mandado, no dia 03-05-2008, e libertada no dia 15-05-2008 (sublinhado nosso).

Nesse MDE constava expressamente que é ordenada a “detenção do arguido para ser presente ao Juiz competente para aplicação ou execução de uma medida de coacção, no mais curto prazo possível e no máximo dentro de 48 horas a contar da sua entrega em território português”.

Recorda-se que à A., na qualidade de arguida no referido Proc. n.º 422/99.8 TBABF, era imputada, na acusação, a prática de factos susceptíveis de integrarem a prática de:

a. Dois crimes de passagem de moeda falsa, à data dos factos p. e p. pelo art. 241.º, n.º 1, a), do Código Penal de 1982 e, à data da detenção, pelo art. 265.º, n.º 1, a), do Código Penal de 1995;

b. Um crime de passagem de moeda falsa na forma tentada, à data dos factos p. e p. pelos arts. 241.º, n.º 1 a), 22.º, 23.º e 74.º, do Código Penal de 1982, e, à data da detenção, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º e 73.º, 265.º, n.º 1, a), do Código Penal de 1995;

c. Dois crimes de burla, p. e p. à data dos factos pelo art. 313.º, n.º 1, do Código Penal de 1982 e actualmente pelo art. 217.º, n.º 1, do Código Penal de 1995;

d. Um crime de burla, na sua forma tentada, p. e p. à data dos factos nos arts. 22.º, 23.º, 74.º e 313.º n.º 1 do Código Penal de 1982 e actualmente nos arts. 22.º, 73.º e 217.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

Relembre-se, ainda, que a arguida, ora A., ficou sujeita a TIR quando, no dia 25-08-1995, foi ouvida em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos do disposto no artigo 141.º do Código de Processo Penal, mas que, todavia, depois de notificada da acusação (em 16-11-1996 – cf. fls. 94), a notificação da data designada para julgamento veio devolvida. Por esse motivo, não tendo sido frutíferas outras diligências para a sua localização, foi a arguida, ora A., declarada contumaz no processo-crime (em 05-05-1997 – cf. fls. 124).

Já no ano de 2001, concretamente a 28-02 e a 06-08-2001, o Gabinete Nacional da Interpol informou que a arguida residia em …., …, …, …, que era a morada que já constava do Termo de Identidade e Residência e onde as notificações não surtiram efeito.

Foi a partir de então que se desencadeou o processo de emissão dos MDE’s, que culminou no MDE de 30-06-2006, que deu azo à detenção da A., em 03-05-2008.

Por requerimento de 14-05-2008 a então arguida, ora A., requereu o imediato cancelamento dos mandados, com fundamento na ilegalidade e inconstitucionalidade dos mandados.

Por despacho de 14-05-2008, o Ministério Público promoveu a imediata revogação dos mandados de detenção e libertação da arguida, solicitando a sua sujeição a TIR.

Por despacho proferido a 14-05-2008 foi proferida decisão de revogação do Mandado de Detenção Europeu ao abrigo do qual a A. estava detida.

Começa a recorrente por afirmar que o Mandado de Detenção Europeu não pode ser emitido para prestar Termo de Identidade e Residência, sendo manifestamente desadequado, desproporcionado e desnecessário.

Em primeiro lugar, contrariamente ao que a recorrente escreve, o MDE que cumpre analisar é aquele que foi emitido em 30-06-2006, e não em 14-01-2005, em segundo lugar, em momento algum é referido que aquele MDE se destinava à prestação de TIR.

Assim, não obstante o que recorrente aduz nas conclusões do seu recurso, aquele MDE não era “desadequado, desproporcionado e desnecessário”, porquanto até 15-09-2007, data da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29-08 – que veio proceder à 15.ª alteração do CPP – era admissível a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva para crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos – cf. art. 202.º, n.º 1, al. a), do CPP, na redacção anterior ao mencionado diploma. Ou seja, era concebível a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva aos arguidos que cometessem crimes de passagem de moeda falsa, como era imputado na acusação deduzida contra a ora recorrente, uma vez que tal crime era punível com pena de prisão até 5 anos.

Aliás, mesmo após 15-09-2007, com a nova redacção conferida ao art. 202.º, n.º 1, al. a), do CPP, pela Lei n.º 48/2007, embora tenha deixado de ser possível a aplicação da medida de prisão preventiva aos crimes de passagem de moeda falsa – dado que a prisão preventiva apenas passou a ser aplicável aos crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a 5 anos – continuou a ser admissível, face ao estatuído naquele preceito legal (e no caso vertente) aplicar a medida de coacção de permanência na habitação, sendo a mesma, nos termos do art. 201.º, n.º 1, do CPP, passível de ser cumulada com outras medidas de coacção.

Acresce, também, que contrariamente ao que a recorrente alega, não é correcto dizer que o MDE apenas serve para trazer para Portugal indivíduos que tenham sido condenados numa pena privativa de liberdade, para que a cumpram, ou indivíduos contra os quais corre procedimento criminal que, pela sua gravidade, admita a aplicação da medida de prisão preventiva na pendência do processo e até à sua decisão final.

Com efeito, o que resulta do art. 2.º, n.º 1, da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, e do art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003, de 23-08, é que o mandado de detenção europeu pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver sido decretada uma pena ou aplicada uma medida de segurança por sanções de duração não inferior a 4 meses.

Ou seja, o MDE não está dependente da admissibilidade ou inadmissibilidade de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido cuja detenção é solicitada pelo Estado de emissão ao Estado de execução, nem é sinónimo de aplicação de prisão preventiva (cf., aliás, a jurisprudência do STJ citada neste acórdão), apenas visando apresentar o detido ao juiz competente que, procedendo à análise dos factos e respectivos pressupostos legais, depois de exercido o contraditório, decide qual ou quais as medidas de coacção adequadas e proporcionais ao caso concreto.

Destarte, no caso apreciado, existindo procedimento criminal pendente contra a então arguida AA, sendo a mesma procurada para esse efeito, e atendendo à moldura penal abstracta dos crimes pelos quais se encontrava acusada, era admissível, legal e constitucionalmente, a emissão de MDE – cf., em especial, o art. 27.º, n.º 3, da CRP, e art. 1.º e 2.º da Lei n.º 65/2003 –, independentemente da admissibilidade ou não da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.

Abre-se aqui um parêntesis para abordar uma sub-questão que se relaciona com esta: a circunstância da A. ser uma cidadã estrangeira, tendo a acusação sido remetida para a morada constante do TIR, desacompanhada de qualquer tradução.

Nos termos do n.º 4, do art. 20.º da Constituição, na redacção da lei Constitucional n.º 1/97, “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão [...] mediante processo equitativo”. Por outro lado, o n.º 1, do art. 32.º da CRP, prescreve que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa”.

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, a relação existente entre estas duas normas constitucionais é evidente: “O significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva. Uma densificação do processo justo ou equitativo é feita pela própria Constituição em sede de processo penal (cf. art. 32.º) — garantias de defesa, presunção de inocência, julgamento em prazo curto compatível com as garantias de defesa, direito à escolha de defensor e à assistência de advogado, reserva de juiz quanto à instrução do processo, observância do princípio do contraditório, direito de intervenção no processo, etc. (…)”. E os mesmos Autores acrescentam mais à frente: “Em “todas as garantias de defesa” engloba-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação (…)”.[26]

Decorre do art. 92.º, n.º 2, do CPP que: “Quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada”.

Dispõe o art. 6.º, n.º 3, al. a), da CEDH: “O acusado tem, no mínimo, os seguintes direitos: a) Ser informado no mais curto espaço, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada”. A este preceito importa aproximar o que consta da al. e) do mesmo art. 6.º, n.º 3, que reconhece ao acusado o direito de “fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo”.

A preterição da obrigação de nomeação de intérprete a toda a pessoa que não domine a língua portuguesa assume contornos especiais quando essa pessoa é o próprio arguido: tratando-se o arguido de um cidadão estrangeiro que não conheça ou domine a língua portuguesa deve ser-lhe nomeado intérprete para qualquer acto processual em que o mesmo esteja presente, designadamente quando lhe são comunicados os seus direitos.

No caso de falta de nomeação de intérprete, a lei comina essa desconformidade como sendo uma nulidade sanável, que deverá ser suscitada pelo interessado e no caso do mesmo estar presente no próprio acto antes deste estar encerrado, sob pena da mesma ficar sanada, como decorre da conjugação do disposto no arts. 120.º, n.ºs 2, al. c), e 3, al. a), e 121.º, n.º 1, este por interpretação extensiva, do CPP.

No processo em que a recorrente era arguida, é ostensivo que aquela formalidade foi cumprida, conforme se alcança do auto de 1.º interrogatório judicial de arguido detido do qual resulta que lhe foi nomeada uma intérprete, sendo certo que nessa mesma ocasião foi determinada a prestação de TIR – cf. fls. 16 a 20.

A prestação de TIR, nos termos do art. 196.º do CPP, regula um específico processo comunicacional entre arguido e tribunal, cabendo ao primeiro indicar uma residência para as notificações e o dever de comunicar a subsequente mudança de residência, ficando o mesmo em auto, descrevendo-se aí as operações praticadas, fazendo este fé em juízo – cf. art. 99.º, n.ºs 1, e 3, als. a), c) e d), do CPP.

Trata-se de um acto pessoal do arguido, representando uma declaração vinculada, que possibilita uma via segura de comunicação dos actos do processo, que gera a eficácia nas notificações efectuadas pelo tribunal para a residência indicada, salvo casos fortuitos ou de força maior.

Tal como acentuado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 378/03, de 15-07, 545/06, de 27-09, e 111/07, de 15-02[27], no estatuto jurídico do arguido, tomando como referência os seus deveres específicos e complementares, sobressai o seu dever geral de diligência, não na perspectiva de um dever de colaboração, mas antes de dar funcionalidade àquele seu estatuto, que não é compatível com um posicionamento de alheamento processual e muito menos de violação dos seus deveres processuais – há que ter em conta, por um lado, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor do arguido, e, por outro lado, a indiferença revelada pelo arguido, que, ciente da imputação de um facto punível, se desinteressa de obter o oportuno conhecimento da sorte do processo.[28]

 Contrariamente ao referido pela recorrente, o Tribunal Constitucional já decidiu, no Acórdão n.º 547/98, de 23-09, que o art. 92.º, n.º 2, do CPP, em conjugação com o disposto no art. 111.º, n.º 1, al. c), do mesmo Código, interpretado no sentido de que a notificação da acusação deduzida contra o arguido que desconhece a língua portuguesa não carece de tradução escrita pelo intérprete nomeado, não lesa as suas garantias de defesa, constitucionalmente estabelecidas nos arts. 32.º, n.º 1, e 6.º, n.º 3, al. a), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.[29]

Aliás, o mesmo entendimento foi sufragado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) no Caso Kamasinski (Acórdão de 19-12-89, série A, n.º 168), onde, entre outras questões, se suscitava a de saber se a Convenção obrigava, na comunicação da acusação ao arguido que não dominasse a língua usada no processo, à tradução escrita da peça acusatória. Muito embora chamando a atenção para o extremo cuidado de que deve revestir-se a notificação da acusação, o TEDH ali expressamente reconheceu que a Convenção não exige a tradução escrita da peça acusatória.

Nada, pois, de substancialmente diverso do que o art. 32.º, n.º 1, da CRP, postula como garantia de defesa do arguido, a que se conforma o preceituado nos citados artigos do CPP.[30]

De igual modo, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2010, de 12-01-2010, escreveu-se “Também com relevância para o caso em apreço, importa ter presente que o artigo 6.º, n.º 3, alíneas c) e d), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, dispõe que o acusado tem inter alia o direito de defender-se a si próprio e de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação.

Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, os referidos direitos só podem ser exercidos plenamente na própria audiência de julgamento, para a qual o acusado tem de ser adequadamente notificado, sem prejuízo da possibilidade de ulterior renúncia ao direito de intervir na audiência (Decisão do caso Colozza v. Italy, de 12 de Fevereiro de 1985, Decisão do caso T. v. Italy, de 12 de Outubro de 1992, Decisão do caso Somogyi. v. Italy, de 18 de Maio de 2004, Decisão do caso Sejdovic. v. Italy, de 10 de Novembro de 2004, Decisão do caso R. R. v. Italy, de 9 de Junho de 2006, disponíveis em www.echr.coe.int).

Nestes arestos, o TEHD, quanto à forma adoptada para efectuar a notificação do acusado para a audiência de julgamento, entendeu que os Estados Contratantes gozam de uma ampla discricionariedade na escolha dos meios utilizados para realizar a referida notificação, desde que seja garantida a efectividade do conhecimento pelo acusado através dos procedimentos legalmente previstos, não relevando, assim, um conhecimento presumido, vago ou informal”.[31]

Não se verifica, assim, que tenha ocorrido violação dos arts. 92.º do CPP, 6.º, n.ºs 1 e 3, al. a) da CEDH, 20.º, n.º 4, e 32.º da CRP, art. 7.º da Convenção  Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal aberta à assinatura dos Estados membros do Conselho da Europa em 20-04-1959, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/94, de 14-07[32], e dos arts. 15.º e 16.º do Segundo Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, aberto à assinatura em Estrasburgo em 08-11-2001, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 18/2006, de 07-12-2005[33], e art. 52.º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 14-06-1985[34].

Improcede assim esta questão que está condensada nas conclusões 38.ª a 52.ª.

Vem a recorrente, outrossim, referir que o MDE não podia ser emitido com fundamento nos arts. 336.º, 337.º, 254.º, n.º 1, als. a) ou b), do CPP, em decorrência da situação de contumácia de um arguido, nem pode ser emitido se não for de aplicar ao caso prisão preventiva.

Quanto à prisão preventiva, já referimos antes que é errada essa interpretação, mas voltaremos a esta matéria seguidamente.

Tendo o MDE por finalidade a detenção para entrega de uma pessoa, ele consubstancia sempre, como se verificou, uma decisão judiciária. Especificamente, de acordo com o art. 36.º da Lei n.º 65/2003, é competente para a emissão do MDE a autoridade judiciária competente para ordenar a detenção ou a prisão da pessoa procurada nos termos da lei portuguesa.

Segundo o estatuído no art. 257.º do CPP, fora de flagrante delito, a detenção – que visará um dos fins previstos no art. 254.º, n.º 1, do mesmo Código – só pode ser efectuada por mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do MP, sendo certo que a detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa.

Com a revisão do CPP, de 1998, ficou esclarecido que, detido o arguido em qualquer fase do processo, se torna obrigatório o respectivo interrogatório judicial, para, em conformidade com o preceito constitucional, se operar a “restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa” – art. 28.°, n.º 1, da CRP.

Detenção e prisão preventiva são conceitos diferentes: o CPP reserva o conceito de prisão preventiva para a privação de liberdade individual emergente de decisão judicial e aplicada como medida de coacção, devendo observar os prazos do art. 215.º do CPP. A detenção pode caracterizar-se como uma medida precária de privação da liberdade, com características cautelares – resultante de acto de autoridade judiciária, órgão de polícia criminal, entidade policial ou qualquer pessoa[35] –, cuja finalidade essencial é a colocação do sujeito à disposição da autoridade judicial, devendo observar os prazos do art. 254.º do CPP.[36]

Não estando necessariamente dependente de mandado judicial, quando, todavia, for ordenada pelo juiz, a detenção está sujeita a pressupostos materiais coincidentes com as finalidades que legalmente lhe são assinaladas: para a aplicação de medida de coacção ou para assegurar a presença imediata do detido perante o juiz em acto processual.[37] A detenção está submetida, evidentemente, a princípios de adequação, proporcionalidade e necessidade, como deflui do art. 261.º, n.º 1, in fine, do CPP.

Em síntese, a detenção pode durar o prazo máximo de 48 horas, nos termos do art. 254.º, n.º 1, al. a), do CPP, quando se destinar a: 1) julgamento em processo sumário; 2) primeiro interrogatório judicial; 3) aplicação ou execução de medida de coacção. A detenção pode durar o prazo máximo de 24 horas, nos termos da al. b), daquele preceito legal, no caso de apresentação para acto processual perante autoridade judiciária.

Na situação em análise, a recorrente, então arguida, AA foi declarada contumaz, tendo sido proferido despacho, a 17-11-2000, em que se consignou: “Nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 337.º n.º 1 e 336.º n.º 2 do Código de Processo Penal, passe mandados de detenção dos arguidos (…) com vista à recolha de T.I.R., nos termos do artigo 196.º do referido diploma e eventual aplicação de outra medida de coacção, devendo para o efeito, os detidos serem presentes ao juiz competente, nos termos do disposto no artigo 254.º, n.º 1 al a) do Código de Processo Penal (…)”.

O art. 337.º, n.º 1, do CPP, dispunha então (e dispõe): “A declaração de contumácia implica para o arguido a passagem imediata de mandado de detenção para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo anterior ou para a aplicação de medida de prisão preventiva, se for caso disso (…)”. E o n.º 2 do art. 336.º refere que: “Logo que se apresente ou for detido, o arguido é sujeito a termo de identidade e residência, sem prejuízo de outras medidas de coacção (…)”.

Por sua vez, abstraindo dos mandados que por vicissitudes várias não vieram a ser cumpridos, facto é que a 30-06-2006, foi emitido novo MDE, o qual veio a ser executado, do qual constava, expressamente, a ordem de “detenção do arguido para ser presente ao Juiz competente para aplicação ou execução de uma medida de coacção, no mais curto prazo possível e no máximo dentro de 48 horas a contar da sua entrega em território português”.

Como se escreveu, e bem, na sentença do tribunal de 1.ª instância, “estamos perante uma arguida de nacionalidade estrangeira, residente no estrangeiro que, tendo prestado Termo de Identidade e Residência nos autos incumpriu as obrigações daí decorrentes, inviabilizando a sua notificação para os termos do processo e, por essa via furtando-se à acção da justiça./ Foi por esse motivo, e porque as várias diligências realizadas no processo a fim de determinar o paradeiro da arguida resultaram infrutíferas, tanto mais que veio a ser declarada contumaz, que o termo de identidade e residência se veio a revelar uma medida cautelar insuficiente e desadequada e o tribunal sentiu a necessidade de ordenar a sua detenção, não apenas para prestar TIR (obrigatoriamente por via do artigo 336.º do CPP visto que estava declarada contumaz) mas também para apresentação ao juiz competente a fim de se reavaliar o seu estatuto coactivo” (cf. fls. 993 dos autos). De igual modo, consignou-se no Acórdão recorrido: “Os mandados de detenção europeus foram emitidos por autoridade judiciária competente e estão verificados os requisitos previstos no art. 257.º, n.º 1, do CPP, assim como toda a tramitação processual consubstanciada em pedidos de paradeiro, localização da arguida e diligências de notificação, fizeram concluir, segundo as regras da experiência comum e da normalidade da vida, que a então arguida naquele processo comum colectivo não se apresentaria, como não se apresentou em juízo” (cf. p. 26 do acórdão).

Repete-se, no caso concreto, existindo processo criminal contra a arguida AA, sendo a mesma procurada para esse efeito e atendendo à moldura penal abstracta dos crimes pelos quais se encontrava acusada, era admissível a emissão dos MDE’s, nos termos do disposto nos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 65/2003, independentemente de ser admissível ou não a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.

Mais, em parte alguma daqueles MDE´s (e concretamente do MDE de 30-06-2006) se fazia menção à necessidade da arguida ser sujeita àquela medida de coacção, mas tão só que devia ser apresentada ao juiz competente para aplicação de medida de coacção, uma vez que o TIR prestado no processo não se revelou adequado e eficaz.

A tudo acresce que, de acordo com o disposto no art. 17.º, n.ºs 3 e 4, da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, o Estado de execução do MDE pode ter a “pessoa procurada” detida, antes de a entregar ao Estado de emissão, por um prazo de 60 dias, prorrogável por mais 30 dias (na eventualidade de Portugal ser o Estado de execução, cf. arts. 26.º e 30.º da Lei n.º 65/2003).

Como se expõe no recente Acórdão do STJ, de 09-08-2013: “A detenção para efeitos de mandado de detenção europeu, ao traduzir-se em privação de liberdade da pessoa procurada, assume categoria específica e autónoma, permitida e prevista em lei especial, de cooperação internacional em matéria penal, a que os Estados membros da UE aderiram, e que a Constituição Politica da República Portuguesa aceita – v. desde logo o art. 16.º.

E essa detenção como categoria jurídico-processual autónoma, de âmbito internacional para efeitos de extradição, não equivale, não tem a mesma natureza, fundamento e finalidade que a figura da detenção em processo penal português e não corresponde à medida de coacção prisão preventiva (…).

Acrescente-se ainda, parafraseando o acórdão deste Supremo, de 12-07-2007, proc. 07P2712, in www.dgsi.pt, que a detenção, para efeitos de execução de MDE, é menos exigente quanto aos requisitos que a prisão preventiva, até pelos prazos mais curtos previstos no art. 30.º da Lei n.° 65/03. A sua aplicação é de aferir nas circunstâncias objectivas em que o mandado foi emitido, o qual pressupõe o perigo de fuga da pessoa visada, desde logo em face da gravidade do crime, e da sua naturalidade e residência.

Como se expendeu no acórdão deste Supremo e desta secção, de 11-07-2007, 07P2618, in wwww.dgsi.pt, há que ter em conta que o mandado de detenção europeu, como processo de carácter «para-penal», de natureza e com configuração de desenvolvimento de urgência, caracteriza-se pela simplicidade e celeridade e que a detenção atentos os fins visados e aquela natureza urgente, com tratamento preferencial, como decorre do art. 25.º, tem prazos de duração curtos (muito mais curtos do que os de prisão preventiva) e inultrapassáveis.

De acordo com o art. 30.º, n.º 1, esse prazo é de 60 dias até que o Tribunal da Relação decida sobre a execução, que pode ser elevado para 90 dias no caso do n.º 2, cessando a detenção se a decisão não for proferida nesse tempo.

Por outro lado, como já ponderava o acórdão deste Supremo e desta secção, de 2 de Fevereiro de 2005, Proc. 05P141, in www.dgsi.pt, a possibilidade de aplicação de medida de coacção de entre as previstas no CPP prevista no art. 18.º, n.º 3, da Lei 65/03, de 23-08, pressupõe um juízo que, embora autónomo na competência da autoridade de execução do mandado de detenção europeu, não pode deixar de estar mutuamente intercondicionado pela natureza do mandado e pelos fundamentos que determinaram a sua emissão.

E o procedimento de execução do mandado tem de decorrer de modo a que, em caso de execução do mandado de detenção europeu, o Estado da execução possa entregar a pessoa procurada, e detida, ao Estado da emissão; para tanto, a entidade de execução deve acautelar o cumprimento efectivo de tal obrigação.

As normas processuais a observar no tocante à privação de liberdade, embora devendo coadunar-se com os atinentes preceitos da Lei Fundamental Portuguesa, são as do Estado emissor do mandado.

Esse entendimento não fere os princípios constitucionais, maxime os do art. 27.º da Constituição, nomeadamente o disposto na al. c) do seu n.º 3, ao permitir a «Prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa (…) contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão».

Note-se que mesmo o artigo 33.º da CRP ao impor restrições à expulsão, extradição e direito de asilo de cidadãos portugueses do território nacional, “não prejudica a aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia” (v. n.º 5)”. [38]

Revertendo ao caso sub judice, o crime de falsificação de moeda, imputado à arguida AA, estava correspondentemente englobado nos crimes de catálogo que vinculam a cooperação internacional, atendendo à sua dimensão internacional e à gravidade dos danos – cf. art. 2.º, n.º 2 (10.ª alínea), da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, e art. 2.º, n.º 2, al. j) da Lei n.º 65/2003.

Acresce, ainda, que aqueles prazos definidos para cumprimento do MDE por parte do Estado de execução do mandado, não são controlados pelo Estado de emissão, que nem sequer tem legitimidade ou soberania para aí intervir.

Destarte, o período de detenção que a recorrente, então arguida, sofreu na Alemanha (de 03-05 a 15-05-2008) e o prazo previsto no CPP para a apresentação do arguido detido para 1.º interrogatório judicial são realidades jurídicas distintas, não tendo sido ultrapassados in casu.

Como se exarou no MDE de 30-06-2006, que veio a ser executado, a arguida, uma vez detida e entregue às autoridades nacionais, devia ser presente ao juiz competente para aplicação de medida de coação no mais curto prazo possível e no máximo de 48 horas a contar da sua entrega em território português.

Acontece, porém, que a arguida AA, ora recorrente, nem sequer chegou a ser presente a qualquer juiz em Portugal, pois nem sequer chegou a ser entregue às autoridades portuguesas.

 Por conseguinte, tudo visto, efectuando um juízo de prognose póstuma, necessariamente reportado ao momento de prolação do despacho que ordenou a passagem do MDE (30-06-2006), verifica-se adequação e proporcionalidade naquela ordem de detenção, não só pela gravidade do crime indiciado, como pela necessidade de execução do pedido internacional de detenção, em face dos fins processuais pretendidos no Proc. n.º 422/99.8TBABF, do 2.º Juízo do Tribunal da Comarca de Albufeira, não se demonstrando que ocorra qualquer violação do estatuído nos arts. 2.º, 18.º, n.º 2, 27.º e 28.º da CRP, 6.º, n.ºs 1 e 3, do TUE, 6.º, 52.º, n.º 1, e 53.º do CDFUE[39], e 5.º, n.º 1, al. c), da CEDH[40].

Improcede, como tal, esta questão, que está referida nas conclusões 53.ª a 57.ª.

Resta analisar, por fim, a questão relacionada com o facto de quando a arguida, ora recorrente, foi detida a sua responsabilidade criminal pelos crimes pelos quais vinha acusada já se encontrar extinta pelo decurso do prazo prescricional, a responsabilidade criminal da arguida, ora recorrente, circunstância que era notória e conhecida do tribunal, pelo menos desde a publicação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/2008, em 22-04-2008, tendo o tribunal violado os arts. 282.º, n.ºs 1 e 2, e 29.º, n.ºs 1 e 3, da CRP.

Vejamos.

Segundo o art. 120.º do Código Penal (CP), na redacção introduzida pelo DL n.º 48/95, de 15-03:

“1. A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que (…)

c) Vigorar a declaração de contumácia; (…)

3. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão”.

Por sua vez, o art. 121.º do CP, na versão emergente do DL n.º 48/95, estatui que:

 “1. A prescrição do procedimento criminal interrompe-se: (…)

c) Com a declaração de contumácia. (…)

2. Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.

3. A prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a 2 anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo”.

Ou seja, desde a revisão do CP levada a efeito pelo DL n.º 48/95, de 15-03, que a declaração de contumácia passou a constituir um dos actos que interrompem a prescrição, e do mesmo passo, que suspendem o prazo de prescrição, porquanto o processo suspende-se durante o tempo em que vigorar a declaração de contumácia.

Porém, na redacção originária do art. 119.º do CP de 1982, a declaração de contumácia não estava directamente prevista como acto processual com consequências ou efeitos no prazo de prescrição do procedimento criminal.

Como se aduz no Acórdão do STJ, de 12-11-2008 “A não previsão de consequências da declaração de contumácia sobre o prazo de prescrição do procedimento criminal, quando a figura foi instituída pelo CPP de 1987[41], que parecia revelar, em matéria de prescrição, algum desfasamento legislativo entre os dois diplomas, produziu a oportunidade para o surgimento de divergências jurisprudenciais sobre os efeitos da contumácia, e a ulterior uniformização pelo Assento do STJ n.º 10/2000, de 19-10”.[42]

Diga-se, aliás, que era vastíssima a controvérsia jurisprudencial que precedeu a prolação daquele Assento, a respeito do valor jurídico da declaração de contumácia enquanto causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, no âmbito do CP de 1982, como se alcança, pela análise, entre outros, dos seguintes arestos, todos do STJ: de 13-01-1999, Proc. n.º 98P1169; de 21-02-2002, Proc. n.º 01P235; de 16-05-2002, Proc. n.º 02P968; de 22-05-2002, Proc. n.º 02P971; de 06-06-2002, Proc. n.º 02P1774; de 04-07-2002, Proc. n.º  02P2532 ; de 02-10-2002, Proc. n.º 02P2556; de 19-12-2002, Proc. n.º 02P4400; de 30-01-2003, Proc. n.º 02P4654; de 06-02-2003, Proc. n.º 03P239; de 27-02-2003, Proc. n.º 03P625; de 27-03-2003, Proc. n.º 03P845 ; de 18-06-2003, Proc. n.º 03P382; de 13-11-2003, Proc. n.º 03P3157; de 11-12-2003, Proc. n.º 03P3162 ; de 01-04-2004, Proc. n.º 04P1261; de 26-01-2006, Proc. n.º 06P181; de 30-03-2006, Proc. n.º 06P810; de 19-07-2006, Proc. n.º 06P1949; de 21-06-2007, Proc. n.º 07P2259; de 12-07-2007, Proc. n.º 07P2573; de 12-07-2007, Proc. n.º 07P2423; de 08-11-2007, Proc. n.º 07P2424; de 06-02-2008, Proc. n.º 07P2604; e de 13-02-2008, Proc. n.º  08P409.

O Assento do STJ n.º 10/2000, de 19-10, fixou a seguinte jurisprudência: “No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal”.[43]

O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/2008, de 12-03, por sua vez, veio declarar “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição, da norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia”.[44]

Entretanto o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.º 5/2008, de 09-04, reexaminando a doutrina do Assento n.º 10/2000, veio estabelecer igualmente que “No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, nas suas versões originárias, a declaração de contumácia não constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal”.[45]

Foi com fundamento neste Acórdão Uniformizador de Jurisprudência que veio a ser proferido, no Proc. n.º 422/99.8TBABF, no despacho de 10-12-2008, que o procedimento criminal contra a arguida AA prescreveu.

Aquele Acórdão do STJ reveste força específica de jurisprudência uniformizada nos termos do art. 445.º, n.º 3, do CPP.

Como se escreveu no Acórdão do STJ, de 27-02-2003: “Até à Revisão de 1998, dispunha o n.º 1 do mesmo art. 445.º «sem prejuízo do disposto no art. 443.º, n.º 3, a decisão que resolver o conflito tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto e constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais». Temos, assim, que, a partir de tal reforma, os tribunais judiciais se podem afastar da jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, conquanto que fundamentem as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão (na terminologia do transcrito n.º 3 do art. 445.º na versão actual)”. [46]

Ou seja, os tribunais judiciais só podem divergir da jurisprudência fixada se houver fundamento bastante para tal divergência, como se exige no n.º 3 do mencionado art. 445.º do CPP.

In casu, quando a contumácia da arguida AA foi declarada no processo, em 05-05-1997 (cf. fls. 124), foi-o na vigência das normas do CP, na versão resultante dos DL n.º 48/95, de 15-03, ou seja, quando a contumácia já tinha o “valor” de causa de suspensão e interrupção do procedimento criminal (cf. o art. 120.º, n.º 1, al. a)), sendo certo que, desde 2000, com o Assento n.º 10/2000, de 19-10, existia entendimento jurisprudencial firmado no sentido da declaração de contumácia, mesmo no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, constituir uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.

É facto que o TC declarou, no Acórdão n.º 183/2008, publicado a 22-04-2008, a inconstitucionalidade, com força obrigatória e geral, da norma extraída das disposições conjugadas do art. 119.º, n.º 1, al. a), do CP e do art. 336.º, n.º 1, do CPP, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia. Por outro lado, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de uma norma, ou de uma específica dimensão normativa, tem efeitos ex tunc, determinando a repristinação da norma anterior ou da dimensão normativa expurgada da contrariedade constitucional que a afectava – art. 282.º, n.º 2 da CRP.

Porém, não é negligenciável que só com Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.º 5/2008, publicado em 13-05-2008, é que o STJ procedeu ao reexame da doutrina fixada no Assento n.º 10/2000, estabelecendo, então, que, no domínio da vigência do CP de 1982 e do CPP de 1987, nas suas versões originárias, a declaração de contumácia não constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.

Ora, o despacho judicial que ordenou a revogação do MDE foi proferido no dia 14-05-2008, tendo a arguida sido libertada no dia imediato – 15-05-2008 (sublinhados nossos).

Daqui decorre que, ainda que o fundamento daquele despacho fosse diverso do assinalado, mostra-se cumprida a celeridade legal imposta pela tramitação do processo-crime, o que conduz a que o pedido de detenção, constante do MDE de 30-06-2006, tenha sido ordenado de forma lícita e executado de forma lícita – em 03-05-2008 – e, quando deixou de o ser – após a publicação o Acórdão do STJ n.º 5/2008, em 13-05-2008 –, a arguida foi restituída, em prazo razoável, à liberdade, no dia imediatamente a seguir à prolação do despacho de 14-05-2008 – cf. fls. 527 verso.

Improcedem, pelo exposto, as conclusões n.ºs 58 a 65.

Destarte, retomando os pressupostos da obrigação de indemnizar, decorrente da responsabilidade civil extracontratual do Estado, no exercício da função jurisdicional, em virtude de privação da liberdade ilegal ou injustificada – constituídos, como indicado supra em B3, e além do mais, pelo facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade –, considera-se que a emissão dos vários mandados de detenção e, concretamente, do MDE de 30-06-2006, que veio a ser executado em 03-05-2008, traduziram-se na prática de um acto lícito, ordenado e executado de acordo com a lei ordinária e constitucional do nosso ordenamento jurídico.

Falecendo este pressuposto, desde logo se conclui que não há obrigação de indemnizar por parte do Estado Português, em termos de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, não sendo de acolher a existência de responsabilidade objectiva geral do Estado por actos lícitos praticados no exercício da função jurisdicional, sem erro grosseiro.

Desatendem-se, em consonância, todas as conclusões de recurso e mantém-se o acórdão recorrido, nos seus precisos termos.

C. Podem-se, assim, compilar as seguintes conclusões:

- O MDE conforma uma decisão de natureza judiciária, emitida por uma autoridade judiciária de um Estado membro (Estado de emissão), para que uma autoridade judiciária de um outro Estado membro (Estado de execução) da União Europeia, proceda à localização e detenção de uma pessoa procurada por ser suspeita ou arguida num processo crime ou por já ter sido condenada por um tribunal do Estado membro de emissão, para posterior entrega a este Estado, dentro de determinados prazos e desde que não existam motivos que obstem à sua execução.

- A jurisprudência largamente dominante deste Supremo Tribunal de Justiça tem acentuado que não é de aceitar a imputação ao Estado, por força do art. 22.º da CRP, de uma responsabilidade objectiva geral por actos lícitos praticados no exercício da função jurisdicional, em termos de abranger, para além do clássico erro judiciário, a legítima administração da justiça, em sede de detenção e/ou de prisão preventiva legal e justificadamente efectuada e mantida.

- Do art. 225.º do CPP, na versão operada pela Lei n.º 48/2007, emerge que a pessoa que sofreu detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação tem direito a indemnização pelos danos sofridos nos seguintes casos: 1.º - ilegalidade da privação da liberdade, nos termos dos arts. 220.º, n.º 1, e 222.º, n.º 2, do CPP; 2.º - erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto da privação de liberdade; 3.º - comprovação de que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente.

- O MDE não depende da admissibilidade ou inadmissibilidade de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido cuja detenção é solicitada pelo Estado de emissão ao Estado de execução, nem é sinónimo de aplicação de prisão preventiva, apenas visando apresentar o detido ao juiz competente que, procedendo à análise dos factos e respectivos pressupostos legais, depois de exercido o contraditório, decide qual ou quais as medidas de coacção adequadas e proporcionais ao caso concreto.

- A notificação da acusação deduzida contra um arguido que desconhece a língua portuguesa não carece de tradução escrita por intérprete nomeado, não ficando lesadas, por esse facto, as suas garantias de defesa, estabelecidas nos arts. 32.º, n.º 1, da CRP, e 6.º, n.º 3, al. a), da CEDH.

- Os prazos definidos para cumprimento do MDE por parte do Estado de execução do mandado, não são controlados pelo Estado de emissão, que nem sequer tem legitimidade ou soberania para aí intervir. Assim, o período de detenção que a pessoa procurada sofreu no Estado de execução do mandado e o prazo previsto, no CPP, para a apresentação do arguido detido para 1.º interrogatório judicial, em Portugal (Estado de emissão), são realidades jurídicas distintas.

- Traduzindo-se a emissão e execução do MDE na prática de um acto lícito, ordenado e executado de acordo com a lei ordinária e constitucional do nosso ordenamento jurídico, inexiste qualquer ilicitude no cumprimento daquele mandado, improcedendo a obrigação de indemnizar por parte do Estado Português, em termos de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, não sendo de acolher a existência de responsabilidade objectiva geral do Estado por actos lícitos praticados no exercício da função jurisdicional, sem erro grosseiro.

III.

Face a tudo quanto foi exposto, julga-se improcedente a revista excepcional, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da A./recorrente.

 Lisboa, 2 de Dezembro de 2013

MARTINS DE SOUSA (Relator)

GABRIEL CATARINO

MARIA CLARA SOTTOMAYOR

_______________________________
[1] O que ocorreu em 16-11-1996, conforme se alcança do AR, junto a fls. 94.
[2] O despacho que declarou a contumácia data de 05-05-1997 – cf. fls.124
[3] Os Acórdãos do TJUE, referidos neste aresto, estão acessíveis, em texto integral, em http://curia.europa.eu/juris/documents.jsf.
[4] No recentíssimo Acórdão do TJUE (Grande Secção) de 29-01-2013 (Acórdão Radu) considerou-se que “a circunstância de o mandado de detenção europeu ter sido emitido para efeitos de procedimentos penais sem que a pessoa procurada tenha sido ouvida pelas autoridades judiciárias de emissão não figura entre os motivos de não execução de tal mandado, tal como previstos pelas disposições da Decisão-Quadro 2002/584. Contrariamente ao que sustenta C. V. Radu, a observância dos artigos 47.° e 48.° da Carta não exige que uma autoridade judiciária de um Estado-Membro possa recusar a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimentos penais com o fundamento de que a pessoa procurada não foi ouvida pelas autoridades judiciárias de emissão antes de o mandado de detenção ter sido emitido./Há que reconhecer que impor às autoridades judiciárias de emissão a obrigação de ouvirem a pessoa procurada antes de emitirem o mandado de detenção europeu colocaria inevitavelmente em risco o próprio sistema de entrega previsto pela Decisão-Quadro 2002/584 e, portanto, a realização do espaço de liberdade, de segurança e de justiça, uma vez que, a fim de, designadamente, evitar a fuga da pessoa em causa, tal mandado de detenção deve beneficiar de um certo efeito de surpresa”.
[5] O Princípio do Reconhecimento Mútuo e o Mandado de Detenção Europeu, “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 14, n.º 3, 2004, pp. 327/328.
[6] Do Mandado de Detenção Europeu, 2006, p. 112.
[7] Esses elementos devem ser os bastantes, segundo o princípio da suficiência que orienta o MDE, para que o Estado da execução possa decidir. Isto porque o que se pretende é imprimir celeridade e simplicidade no âmbito de uma cooperação judiciária própria de Estados que fazem parte da União Europeia, segundo o princípio do reconhecimento mútuo, a partir de determinados requisitos considerados essenciais, que os mandados devem conter. Por outro lado, são restritas e especificadas as causas que podem obstar à execução desses mandados, constituindo causas de recusa obrigatória ou facultativa.
[8] Cf. O Mandado de Detenção Europeu. Emissão e Execução Segundo a Lei Nacional, “Polícia e Justiça – Revista do ISPJCC, III Série, n.º 4, 2004, pp. 231-254 (citação extraída da p. 240).
[9] Manuel Guedes Valente, op. cit., p. 172.
[10] Acompanhando, de novo, Manuel Guedes Valente, op. cit., p. 136: “Da DQ (Decisão Quadro) podemos aferir, objectivamente, um escopo imediato e outro mediato: o escopo imediato é a detenção e entrega da pessoa objecto do MDE e o mediato é submeter aquela a um procedimento penal ou ao cumprimento de sanção penal”.
[11] Proc. n.º 07P2182. No mesmo sentido, Acórdão do STJ, de 04-03-2009, Proc. n.º 685/09.
[12] Cf. a este propósito, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 12-07-2007, Proc. n.º 07P2712, no qual se considerou e decidiu que a detenção para efeitos de MDE é menos exigente quanto aos requisitos que a prisão preventiva, sendo a sua aplicação de aferir nas circunstâncias objectivas em que o mandado foi emitido, o que não colide com os princípios constitucionais, tendo em conta nomeadamente o disposto na alínea f) do n.º 3 do art. 27.º da CRP, ao permitir a prisão preventiva com o fim de assegurar a comparência de pessoa perante autoridade judiciária competente.

[13] Proc. n.º 06P2953.
[14] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, 2003, p. 509.
[15] No Acórdão do STJ, de 28-02-2012, condensou-se a jurisprudência deste Supremo Tribunal, quando o facto ilícito em causa é constituído por um erro de direito praticado num acto jurisdicional, nas seguintes proposições essenciais: a) os actos de interpretação de normas de direito e de valoração jurídica dos factos e das provas, núcleo da função jurisdicional, são insindicáveis; b) o erro de direito – que pode respeitar à aplicação (lei a aplicar), à interpretação (sentido da lei aplicada), ou à qualificação (dos factos) – é eliminado, em princípio, pelo sistema de recursos ordinários previstos na lei, que permite a correcção de sentenças viciadas por um tribunal superior antes que se tornem irrecorríveis; c) o erro de direito só será fundamento de responsabilidade civil quando, salvaguardada a essência da função judicial referida em a), seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível, e de tal modo grave que transforme a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas – Proc. 825/06.3TVLSB.L1.S1. Nesse aresto faz-se menção, a título exemplificativo da jurisprudência sufragada nos seguintes arestos do STJ: de 19-02-2004, Proc. n.º 4170/03; de 29-06-2005, Proc. n.º 1064/05; de 20-10-2005, Proc. n.º 2490/05; de 18-07-2006, Proc. n.º 1979/06; de 08-09-2009, Proc. n.º 368/09.3YFLSB; e de 23-03-2011, Proc. n.º 5715/04.1TVLSB.L1.S1.
[16] O art. 29.º, n.º 6, da CRP enuncia que: “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.

[17] Luís Guilherme Catarino, A Responsabilidade do Estado pela Administração da Justiça, 1999, pp. 355 e 380; Rui Medeiros, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, 1992, p. 105; João Aveiro Pereira, A Responsabilidade Civil por Actos Jurisdicionais, 2001, p. 215.

[18] Cf., entre muitos, Acórdãos de 11-11-1999, Proc. n.º 743/1999; de 09-12-1999, Proc. n.º 726/1999; de 06-01-2000, Proc. n.º 1004/1999; de 04-04-2000, Proc. n.º 104/2000; de 20-06-2000, Proc. n.º 433/2000; de 19-09-2002, Proc. n.º 2282/2002; de 13-05-2003, Proc. 1018/2003; de 27-11-2003, Proc. n.º 3341/2003; de 01-06-2004, Proc. n.º 1572/2004; de 19-10-2004, Proc. n.º 2543/2004; de 20-10-2005, Proc. n.º 2490/05; de 15-02-2007, Proc. n.º 4565/2007; de 22-01-2008, Proc. n.º 2381/07; de 19-06-2008, Proc. n.º 1091/2008; de 11-09-2008, Proc. n.º 1748/2008; e de 22-06-2010, Proc. n.º 3736/2007 (Caderno de Sumários de Acórdãos do STJ).
[19] Âmbito e Pressupostos da Responsabilidade Civil do Estado pelo Exercício da Função Jurisdicional, pp. 267-290, “Revista do CEJ”, n.º 11, 1.º Semestre de 2009, p. 275. A citada autora escreve que: “O novo Regime aprovado pela Lei [Lei n.º 67/2007, de 31-12] consagra um regime geral da responsabilidade civil por danos decorrentes da função jurisdicional, causados pela administração da justiça. E um regime especial de responsabilidade por erro judiciário – previstos, respectivamente, nos artigos 12.º e 13.º. Tal diferenciação postula uma distinção prévia subjacente: a distinção entre factos materialmente jurisdicionais (ou jurisdicionais em sentido próprio) que se prendem com a interpretação e a aplicação do Direito através de uma decisão judicial e factos que, não o sendo, se enquadram na administração da justiça, ou seja, no exercício de uma função jurisdicional lato sensu – designadamente actos administrativos ou processuais”.
[20] Proc. n.º 5715/04.1TVLSB.L1.S1.
[21] Decorre do disposto no art. 2.º, n.º 2, al. 42, da Lei de Autorização Legislativa n.º 43/86, de 26-09, concedida para aprovar o então novo Código de Processo Penal, que a autorização tinha o sentido e extensão de “regulamentação dos pressupostos, das modalidades e dos processos relativos à reparação pelo Estado dos danos sofridos com a detenção ou prisão preventiva de carácter ilegal ou injustificado”. O art. 225.º do CPP é uma disposição inovadora, sem correspondência no CPP de 1929, de natureza claramente substantiva, apesar de inserida num diploma de carácter adjectivo.
[22] Parecer acessível na base de dados http://www.dgsi.pt/pgrp, n.º convencional PGRP00000467 (Parecer do Conselho Consultivo da PGR).
[23] Tem sido entendido pela jurisprudência que, apesar da lei falar apenas em erro grosseiro, o art. 225.º, n.º 2, do CPP, também comporta(va) o chamado acto temerário. Há ainda a registar que a apreciação a fazer no sentido de qualificar o eventual erro como grosseiro ou temerário, terá de reportar-se, necessariamente, ao momento em que a decisão impugnada teve lugar. É irrelevante, para tal qualificação, o facto do arguido, mais tarde, ter sido absolvido ou ter sido objecto de não pronúncia pelos crimes de que se encontrava acusado. A constitucionalidade do art. 225.º, n.ºs 1 e 2, do CPP foi repetidamente afirmada pelo Tribunal Constitucional – cf., a título de exemplo, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 160/95, de 15-03-1995; n.º 12/2005, de 12-01-2005; n.º 13/2005, de 13-01-2005; e n.º 185/2010, de 12-05-2010.
[24] Para efeitos da al. a) do art. 225.º do CPP, a privação de liberdade, no caso de detenção, poderá ser considerada ilegal quando: se verifique que ocorreu excesso do prazo para entrega ao poder judicial; a detenção se manteve fora dos locais legalmente permitidos e quando foi efectuada ou ordenada por entidade incompetente – cf. art. 220.º, n.º 1, als. a), b), e c), do CPP. A privação da liberdade, no caso de prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação, poderá ser considerada ilegal, quando: foi efectuada ou ordenada por entidade incompetente; foi motivada por facto pelo qual a lei não a permite; ou foi mantida para além dos prazos fixados na lei ou decisão judicial – cf. art. 222.º, n.º 2, do CPP. Vide, também, Código de Processo Penal – Comentários e Notas Práticas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, 2009, p. 583.
[25] Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição actualizada, 2011, pp. 641/642.
[26] Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, 2007, pp. 415 e 516.
[27] Acessíveis em texto integral em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
[28] Por essa razão é que o incumprimento de tais deveres, por parte do arguido, legitima que este passe a estar representado pelo seu defensor em todos os actos processuais a que deva ou tenha o direito de estar presente e a realização dos mesmos na sua ausência, de acordo com o estatuído no art. 196.º, n.º 3, al. d), do CPP, como seja a audiência de julgamento, mas neste caso nos termos do art. 333.º, daquele Código.
[29] Publicado no Diário da República II Série, de 13-03-1999.
[30] Em sentido análogo, cf. o Acórdão do STJ, de 03-08-2012, Proc. n.º 449/12.6TBMLD, proferido numa providência de habeas corpus.
[31] Publicado no Diário da República II Série, de 22-02-2010.
[32] O art. 7.º da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, intitulado “Entrega de documentos relativos a actos processuais e de decisões judiciárias - Comparência de testemunhas, peritos e arguidos”, estabelece que:
“1. A Parte requerida procede à entrega dos documentos relativos a actos processuais e a decisões judiciárias que lhe forem enviados, para esse fim, pela Parte requerente. Essa entrega pode fazer-se por simples transmissão do acto ou da decisão ao destinatário. Se a Parte requerente o solicitar expressamente, a Parte requerida efectua a entrega por uma das formas prescritas na sua lei para comunicações análogas, ou por forma especial compatível com essa lei.
2 - A prova da entrega faz-se por meio de recibo datado e assinado pelo destinatário, ou por declaração da Parte requerida verificando o facto, a forma e a data da entrega. Qualquer destes documentos é, de imediato, transmitido à Parte requerente. A pedido desta, a Parte requerida especifica se a entrega foi efectuada em conformidade com a sua lei. Se a entrega não puder efectuar-se, a Parte requerida informa imediatamente a Parte requerente das razões que a impediram.
3 - Qualquer Parte Contratante pode, no momento da assinatura da presente Convenção ou do depósito do respectivo instrumento de ratificação ou adesão, mediante declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, solicitar que a notificação para comparência relativa a um arguido que se encontre no seu território seja enviada às suas autoridades num determinado prazo anterior à data fixada para a mesma comparência. Este prazo é especificado na referida declaração e não pode ser superior a 50 dias. Tem-se em conta este prazo para a fixação da data de comparência e para o envio do pedido de notificação”.

[33] É o seguinte o teor dos arts. 15.º e 16.º do Segundo Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal:

“Artigo 15.º - Língua dos actos processuais e das decisões judiciárias a transmitir

1 - As disposições do presente artigo aplicar-se-ão a qualquer pedido de entrega de documento feito nos termos do artigo 7.º da Convenção ou do artigo 3.º do seu Protocolo Adicional.

2 - Os documentos e as decisões judiciárias serão sempre transmitidos na língua ou nas línguas em que foram produzidos.

3 - Não obstante o disposto no artigo 16.º da Convenção, se a autoridade que está na origem dos documentos sabe ou tem razões para considerar que o destinatário apenas conhece outra língua, os documentos, ou pelo menos as passagens mais importantes dos mesmos, devem ser acompanhados de uma tradução nessa outra língua.

4 - Não obstante o disposto no artigo 16.º da Convenção, os actos processuais e as decisões judiciárias destinados às autoridades da Parte requerida devem ser acompanhados de uma descrição sumária do seu conteúdo traduzida na língua, ou numa das línguas, da Parte requerida”.

“Artigo 16.º - Entrega via postal

1 - As autoridades judiciárias competentes de qualquer Parte podem enviar directamente por via postal documentos e decisões judiciárias às pessoas que se encontrem no território de qualquer outra Parte.

2 - Os documentos relativos a actos processuais e as decisões judiciárias serão acompanhados de uma nota indicando que o destinatário pode obter da autoridade identificada na nota informações relativas aos seus direitos e obrigações que digam respeito à entrega dos documentos. O disposto no n.º 3 do artigo 15.º do presente Protocolo aplica-se a esta nota.

3 - As disposições dos artigos 8.º, 9.º e 12.º da Convenção aplicam-se por analogia à entrega por via postal.
4 - As disposições dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 15.º do presente Protocolo aplicam-se igualmente à entrega por via postal”.
[34] Revogado, a partir de 23-08-2005, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 2.º da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 53/2001, de 16-10, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 63/2001, de 21-06.
[35] Assim, Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit. (nota 50), p. 698.
[36] Cf., ainda, o Acórdão do STJ, de 02-06-2006, Proc.06P4069.

[37] Cf. Pires da Graça, A Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça na execução do regime relativo ao Mandado de Detenção Europeu, 2008, p. 57, in http://www.stj.pt/ficheiros/estudos/piresdagraca-direitoeuropeu.pdf.
[38] Proc. n.º 750/13.1YRLSB.S1.
[39] É a seguinte a redacção daqueles preceitos da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 07-12-2000, com as adaptações que lhe foram introduzidas em 12-12-2007, em Estrasburgo:
“Art. 6.º - Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança”.

“Art. 52.º, n.º 1 - Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efectivamente a objectivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de protecção dos direitos e liberdades de terceiros”.

“Art. 53.º - Nenhuma disposição da presente Carta deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais reconhecidos, nos respectivos âmbitos de aplicação, pelo direito da União, o direito internacional e as Convenções internacionais em que são Partes a União ou todos os Estados-Membros, nomeadamente a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, bem como pelas Constituições dos Estados-Membros”.
[40] O art. 5.º, n.º 1, al. c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), dispõe: “1. Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal (…) c) Se for preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infracção, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido”.
[41] Cf. art. 336.º do CPP de 1987.
[42] Proc. 08P2868.
[43] Publicado no Diário da República, Série I-A, n.º 260, de 10-11.
[44] Publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 79, de 22-04.
[45] Publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 92, de 13-05.
[46]Proc.n.º03P625.