Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20054/10.0T2SNT.L2.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: ACÇÃO INIBITÓRIA
AÇÃO INIBITÓRIA
DEFESA DO CONSUMIDOR
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DECISÃO JUDICIAL
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Data do Acordão: 12/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO CONSUMO - DIREITOS DO CONSUMIDOR / DIREITO DE ACÇÃO INIBITÓRIA ( DIREITO DE AÇÃO INIBITÓRIA ) - CONTRATOS DE ADESÃO / CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
Doutrina:
- Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 118 e ss..
- Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 593, 626 e 627.
- António Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 1985, 217; Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, 1990, 235 e ss..
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5.ª edição, vol. II, 137/138; Das Obrigações em Geral, 7.ª edição, 262.
- Calvão Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, edição de 1987, 247.
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª edição, 75, 448.
- Joaquim Sousa Ribeiro, no Estudo, «O Regime dos Contratos de Adesão Algumas questões decorrentes da transposição da directiva sobre as clausulas abusivas», in “Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. IIII – Direito das Obrigações, 230/231; «Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais», in Direito dos Contratos, 144 a 146.
- Jorge Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, vol. I, 210.
- José Manuel de Araújo Barros, “Cláusulas Contratuais Gerais” – D.L. n.º446/85 – Anotado – Recolha Jurisprudencial,
- Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Colecção Teses,
- Nuno Pinto Oliveira, Princípio de Direito dos Contratos, 899 e ss..
- Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, vol. III, 364.
- Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 604 e 605.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. II, 72, em comentário ao art. 809.º.
- Sousa Ribeiro, Direito dos Contratos, Estudos, Responsabilidade e garantia em cláusulas contratuais gerais, 137, 144, 145.
- Sousa Ribeiro, O Problema do Contrato-As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Almedina, 2003, 496.
Legislação Nacional:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 52.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, 280.º, N.º 2, 294.º, 405.º, N.º1, 809.º, 810.º, N.º1, 811.º,
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 71.º, 104.º, N.º1, A).
DECRETO-LEI Nº446/85, DE 25-10 (CCG), COM AS ALTERAÇÕES DO D.L. N.°220/95, DE 31-08, E DO D.L. N.°49/99, DE 07-07): - ARTIGOS 1.º, N.ºS 1 E 2, 18.º, 19.º, 25.º, 30.º, 32.º.
LEI N.º 24/96, DE 31-07 (LEI DE DEFESA DO CONSUMIDOR): - ARTIGO 10.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 20.1.2010, PROC. N.º 3062/05.0TMSNT.L1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 21.3.2006, IN CJ/STJ, ANO XIV, TOMO I, 145 A 147.
-DE 9.5.1996, PROC. N.º 087882, IN WWW.DGSI.PT .
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ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA (AUJ) N.º12/2007, DE 18.10.2007 (D.R.- I, DE 6.12.2007).
Sumário :
I) As acções inibitórias visam a tutela dos interesses difusos dos consumidores/aderentes, encontram-se genericamente previstas no art. 52º da CRP e, no âmbito do direito do consumo, no art. 10º, nº 1, da Lei de Defesa do Consumidor e no art. 25º do Dec.-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°220/95, de 31 de Agosto, relativo às cláusulas contratuais gerais (ccg).

II) – O facto de o contraente que propõe contratos cujas cláusulas são predispostas por si, consentir na negociação de algumas, não exclui que se qualifique o contrato como contrato de adesão: o que importa é saber se o aderente pode negociar as que lhe aprouver, pois se, desde logo, a sua margem de negociação está balizada, condicionada, pelo predisponente, existe um quadro impositivo em que as cláusulas de negociação individual só seriam contempladas pela opção do predisponente. Importará considerar, olhando o contrato como um todo, o quadro negocial padronizado, onde certamente existem cláusulas mais importantes e outras não tanto, quais as que consentem negociação individual e que o predisponente aceita modificar.

III) – Constituindo o conteúdo essencial do contrato cláusulas fixas, de formulário, pré-elaboradas pela parte que as predispõe para a negociação por adesão, mesmo que não exista impossibilidade absoluta de modificação, ainda aí se está perante um contrato de adesão que não é descaracterizado pelo quantum que nele possa ingressar para acolher interesses peculiares do contraente.

IV) – Para se qualificar um contrato como de adesão releva, além do mais, que exista “unilateralidade da predisposição” e que, em relação ao conteúdo negocial que contemple genérica e massivamente os interesses económicos do predisponente, o potencial aderente nada possa negociar assistindo-lhe a possibilidade de aceitar ou rejeitar em bloco, ou seja, se a negociação deferida ao aderente não versar sobre cláusulas que constituem o núcleo essencial do conteúdo contratual, não o içando do patamar inferior da sua débil força negocial para o igualar ao predisponente, deve considerar-se que se está perante um contrato de adesão sujeito ao regime jurídico das ccg.

V) – Nas cláusulas 5.5.2 e 5.7.4, atento o critério ressarcitório inserto nas cláusulas penais, equipara-se, objectivamente, o cumprimento pontual à cessação do contrato, seja no caso de mora do aderente, seja no caso de sua denúncia antecipada, não se atendendo à vantagem económica que advém para o predisponente da cessação imediata do contrato, introduzindo na equação económica do negócio uma injustificada acentuação da posição de supremacia do predisponente.

VI) – A cláusula 5.6 é limitativa da responsabilidade contratual, em caso de incumprimento pela AA, que, tendo que indemnizar o aderente, estipulou que o valor da indemnização tem como limite três meses de facturação da AA: sejam quais forem os danos para o aderente, resultantes do incumprimento pela predisponente, a extensão dos danos não terá qualquer influência na indemnização, porquanto o valor não poderá exceder três meses de mensalidades. Viola o art. 18º, c) da lccg por limitar, sem qualquer critério que permita fazer um juízo de justa proporção, entre a sua conduta, em termos de culpa nas modalidades de dolo e culpa grave, por contraponto a culpa leve e levíssima, e os danos resultantes do seu incumprimento para o aderente.

VII) – A Cláusula 5.9 – cláusula de foro – pelo seu conteúdo, constitui cláusula relativamente proibida, face ao disposto no artigo 19.º, alínea g) do Decreto-Lei n.º446/85, de 25 de Outubro, logo nula, porque, impositivamente, estabelece foro competente que pode envolver graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra a predisponente o justifiquem.

VIII) – A temida possível concorrência predatória de outras empresas concorrentes da Recorrente, que fundamenta a sua pretensão de não publicação da decisão, se confirmatória, argumentando que logo se aprestariam, num desleal “porta a porta”, a minar a sua carteira de clientes, não pode entender-se como regra, num mercado em que a concorrência é regulada.

IX) – Subjacentes à acção inibitória estão interesses de ordem pública como, desde logo, resulta da legitimidade activa conferida ao Ministério Público: visando a acção inibitória a apreciação abstracta de cláusulas contratuais gerais elaboradas para utilização futura – art. 25º do DL.446/85 – a publicidade da decisão, podendo ser imposta ou não na decisão judicial, tem um fim imediato que se exprime na proibição de inclusão em contratos futuros, dirigida ao infractor, fim colimado à protecção do consumidor que, pela via da publicação da decisão judicial, fica informado e pode fazer a sua opção de modo a não contratar com quem predispõe cláusulas proibidas, pelo que só razões muito excepcionais, que não se verificam, determinariam que se omitisse a publicidade da decisão.

Decisão Texto Integral:

Proc. 20054/10.0T2SNT.L2.S1

R-574[1]

Revista

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

O Ministério Público instaurou, em 16.9.2010, na Comarca da Grande ... – … – Juízo de Média Instância Cível – 2ª Secção, Acção Inibitória, nos termos do artigo 26°, n° 1, alínea c) do Decreto-Lei n° 446/85, de 25 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 220/95, de 31 de Agosto, contra:

 AA Lda.,

Pedindo a condenação da Ré a abster-se de se prevalecer e de utilizar as cláusulas contratuais gerais abaixo referidas em todos os contratos que de futuro venha a celebrar com os seus clientes, especificando-se na sentença o âmbito da proibição nos termos do disposto no art. 30º, nº1, do DL nº 446/85, de 25 de Outubro.

Pede ainda a condenação da Ré a dar publicidade e a comprovar nos autos aquela, em prazo a determinar na sentença respectiva, sugerindo que tal seja efectuado em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em … e …, durante dois dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ de página e que se dê cumprimento ao disposto no art. 34º do aludido diploma, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria nº 1093/95, de 6 de Setembro.

Alegou, em síntese, ser a Ré uma sociedade por quotas que tem por objecto social a conservação, manutenção, reparação, montagem, comércio e a importação de ascensores, escadas rolantes e quaisquer outros aparelhos de elevação e transporte, sendo ainda empreiteiro e fornecedor de obras públicas e industrial de construção civil.

No âmbito dessas actividades, a Ré tem vindo a celebrar vários contratos com diversos cidadãos, utilizando para o efeito, um contrato designado por “Contrato AA”.

As cláusulas de tal contrato foram previamente elaboradas, não existindo possibilidade de negociação das mesmas para as contrapartes.

Estes contratos-tipo, destinam-se a ser utilizados no futuro para contratação com qualquer pessoa interessada na celebração dos mesmos.

Várias das cláusulas contidas nesse contrato (5.52, 5.7.4., 5.6, 5.7.3. e 5.9) são de uso proibido, devendo ser afastadas do mesmo.

A cláusula 5.5.2. consagra o direito da AA rescindir o contrato quando haja incumprimento do cliente, sendo-lhe devida uma indemnização por danos, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado.

Já a cláusula 5.7.4 estipula que em caso de denúncia antecipada do contrato pelo cliente, a AA tem direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado.

No entendimento do Autor as duas cláusulas estabelecem indemnizações manifestamente desproporcionadas face aos danos a ressarcir, sendo discrepantes com o princípio da boa fé e infringindo a confiança dos contratantes no sentido global das cláusulas contratuais gerais, nos termos do disposto nos arts.15º, 16º, al. a) e 19º, al. c), todos do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 220/95, de 31 de Agosto.

Por sua vez, a cláusula 5.6 estipula que numa situação de eventual incumprimento imputável à AA é expressamente aceite que esta apenas responderá até à concorrência do valor de 3 meses de facturação do contrato, sendo esse o máximo da indemnização a pagar ao cliente.

Tal cláusula é absolutamente proibida por violar o preceituado no art. 18º, al. b) do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, na redacção acima mencionada.

O prazo de denúncia constante da cláusula 5.7.3. (mínimo de 90 dias) é igualmente posto em crise na petição inicial, sendo reputado de excessivo, violando ainda o art. 22º, nº1. al. h) do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, uma vez que impõe a renovação do contrato através do silêncio, fixando uma data limite para a manifestação de vontade contrária excessivamente distante do termo do contrato.

Por último, também a cláusula 5.9 é entendida pelo Autor como sendo uma cláusula proibida, por contender com o disposto no art. 19º al. g) do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, ao estipular como foro competente as comarcas de … ou de ….

A atribuição de competência exclusiva a essas duas comarcas é susceptível de envolver graves inconvenientes para os aderentes domiciliados fora da área da … nos casos em que estes pretendam agir contra a Ré, impondo-lhes a necessidade de se deslocarem a estas cidades, com as despesas e inconvenientes daí decorrentes.

A Ré contestou, pugnando pela total improcedência da acção contra si proposta.

***

Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção inibitória parcialmente procedente, e, em consequência:

a) Condenou a Ré a abster-se de se prevalecer e utilizar as cláusulas contratuais gerais com os números 5.52, 5.7.4., 5.6 e 5.9 do Contrato AA, nos contratos que de futuro venha a celebrar com os seus clientes.

b) Condenou a Ré a dar publicidade a esta sentença no prazo de quinze dias após o seu trânsito em julgado, mediante publicação de anúncio em dois jornais diários de maior tiragem editado em … e no …, em dois dias consecutivos, de tamanho correspondente a metade da página.

c) No demais absolveu a Ré do pedido.

***

           

Inconformada, a Ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de … que por Acórdão de 10.9.2015 – fls. 746 a 771 – negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

***

Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista excepcional, que foi admitido, e alegando, formulou as seguintes conclusões:

A) Do enquadramento/fundamentos e admissibilidade do presente recurso de revista excepcional:

128.1. O douto Acórdão recorrido veio confirmar a decisão proferida na primeira instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, pelo que havendo “dupla conforme”, em princípio, seria irrecorrível, à luz do nº3 do art. 671º do Código de Processo Civil;

128.2. Como em causa está uma questão cuja apreciação pela sua relevância jurídica é claramente necessária para uma melhor apreciação do Direito (al. a) do nº1 do art. 672º do Código de Processo Civil), e como em causa estão interesses de particular relevância social (al. b) do nº1 do art. 672º do Código de Processo Civil), cumpre a AA o nº2 da mesma disposição, permitindo a V. Exas. o ulterior cumprimento do nº3 (e, eventualmente, do nº2 5) da mesma disposição, como segue.

128.3. Em conformidade, aceitando-se que a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito e de que está em causa uma questão de particular relevância social, deve o presente Recurso de Revista Excepcional ser admitido, com as legais consequências; e, à cautela, se dúvidas houvessem, deverá sê-lo sempre nos termos gerais, tal como previsto pelo legislador do Processo Civil, cremos, que exactamente para situações deste tipo.

B) DO RECURSO PROPRIAMENTE DITO

128.4. Cremos, convictamente, que desta feita será, finalmente, feita Justiça, sobretudo, tendo presente a responsabilidade e os reflexos da decisão a proferir por V. Exas., na esfera da AA e no mercado dos elevadores em geral a nível nacional;

128.5. Os Julgadores de recurso, trabalharam com a (má) matéria-prima que a 1ª instância lhes deixou, e foram pelo caminho mais fácil: aceitaram o contrato como de adesão sem mais; fizeram uma incursão pelo RJCCG de mero enquadramento; e, em algumas linhas, trataram das cláusulas em questão, julgando-as nulas, sem mais;

128.6. O certo é que, a jusante e a montante da questão de fundo, há inúmeros aspectos que têm de ser considerados, e que impedem essa visão redutora, simplista e castrante para todos, e daí a efectiva e inegável responsabilidade agora acometida a V. Exas. e a que atrás aludimos.

128.7. Se o processo negocial na celebração de cada contrato é o referido no Facto Assente nº19, então o Facto Assente nº4 tem de ser lido da seguinte forma: as cláusulas incluídas nos impressos que titulam os contratos utilizados pela Ré (leia-se a AA) foram por esta elaborados, apresentados, explicados e discutidos, sendo potencialmente alteráveis/revogáveis pelo interessado na celebração dos contratos;

128.8. Esta incongruência, os Julgadores da Relação remeteram para as Contra-Alegações do MP, considerando-a mais aparente do que real, aceitando-se que não existe descaracterização do contrato de adesão se uma cláusula ou uma pequena parte delas for modificada por acordo. Ora aqui está o busílis da questão;

128.9. Como se demonstrou à saciedade, todos e cada um dos clientes da AA, não só não se limitam a aceitar o clausulado de base proposto sem mais (nº1 do art. 1º), como o podem influenciar (nº2 do art. 12) afastando o RJCCG, como aplicável “in casu”, com as legais consequências;

128.10. O Legislador do RJCCG, no preâmbulo do Diploma, explica bem da inevitabilidade de haverem contratos pré-impressos na era massificada em que vivemos, pois, desde logo, não há tempo para redigir, à frente do cliente, linha a linha, um contrato deste tipo e isso até seria arcaico e desprestigiante para o proponente; ao invés, todos — mas todos - os operadores têm minutas de base com as quais trabalham, e na fase da negociação o cliente não só não se limita a aceitá-lo como pode influenciá-lo (e estes Autos têm juntos “N” exemplos disso mesmo — de fls. 101 a 156, 222 a 283 e 326 a 360);

128.11. Em todo o caso, poder-se-ia sempre referir que o Contrato dos Autos cai na provisão do art. 2º do RJCCG, onde o legislador, à cautela e na dúvida, faz incluir tudo o que tenha “Cláusulas Contratuais Gerais”;

128.12. O basilar “Princípio da Liberdade Contratual” (arts. 405º e ss do Código Civil), que informa indelevelmente o nosso Direito das Obrigações, embora vigore sempre, em 1985 teve de ver esclarecidas as suas restrições, face à nossa abertura, pós revolução, a inúmeros novos produtos, técnicas de venda e mesmo figurinos contratuais que inundaram todos os mercados;

128.13. O tempo passou, estamos 30 anos à frente daquele diploma, e tudo mudou: o analfabetismo diminuiu drasticamente; a iliteracia praticamente desapareceu; os mercados foram-se alterando e adaptando; enfim, hoje, vivemos num mundo de “consumer awareness”, onde se “googla” livremente e se tem a informação ao segundo, onde só é enganado quem se deixa ser enganado; ou seja, hoje só se assina um contrato como o dos Autos, porque se quis assinar esse contrato, e se se presume que se assina é porque se quis vincular nos seus exactos termos;

128.14. Não basta decidir esta Acção, desgarrada do seu contexto, sob pena de se subverterem — em absoluto — todas as regras do mercado dos elevadores em Portugal;

128. 15. Assim, a mera proibição, que impõe (só) à AA o dever de não se prevalecer dessas cláusulas, sem que aos seus concorrentes directos seja imposta a mesma proibição, traduz-se, no imediato, numa verdadeira distorção do mercado de consequências imprevisíveis e em evidentes prejuízos para a AA no imediato;

128.16. No dia em que se publicitar uma decisão nesse sentido (nos termos do art. 30º e ss. do RJCCG), como a AA vem condenada a fazer — al. b) da parte decisória — todos os técnicos comerciais das suas empresas concorrentes, com meios estruturais e a dimensão da AA (ex.: BB, CC, DD, etc...), vão, nesse mesmo dia, aos clientes da AA, de porta em porta, propondo preços imbatíveis e explicando-lhes que já podem pôr termo aos seus contratos sem qualquer penalidade, pois as cláusulas foram declaradas nulas pelo Supremo Tribunal de Justiça;

128.17. É óbvio que estando esses clientes satisfeitos, sem disporem de qualquer justa causa para quebrarem essas relações contratuais e tendo que aguardar os seus termos respectivos como contratado, se lhes aparecer a concorrência acenando um preço mais baixo (ainda que em alguns euros por mês por elevador), se souberem que não têm qualquer penalidade pela resolução dos contratos, nesse dia, mudam, porque vão poupar, e a AA fica em absoluto desprotegida; 

128.18. Nesse sentido, está na disponibilidade deste Venerando Tribunal, inverter — pelo menos nesta parte — a decisão relativa à publicidade (que, como resulta do nº2 do art. 30º do RJCCG, é facultativa), o que se requer, assim se minorando os efeitos da distorção de mercado a que essa publicidade inevitavelmente levaria;

128.19. Sem conceder, após o trânsito em julgado de uma decisão que impeça a AA de se prevalecer dessas cláusulas, a AA acatará de imediato a decisão e ficará sujeita ao mecanismo de controlo do art. 33º do RJCCG (sob a epígrafe “sanção pecuniária compulsória”); de facto, não havendo publicidade da mesma, a sua concorrência não irá logo atacar os seus clientes, não ficando a AA tão vulnerável e exposta aos ataques da sua carteira, tendo tempo para se adaptar à perda de uma desvantagem de que dispunha e a protegia até aí;

128.20. A publicidade de uma decisão deste tipo, faz sentido quando os destinatários dessa mesma publicidade são milhares de consumidores (do tipo dos operadores de telemóveis) a quem a mensagem tem de chegar logo e de forma eficaz e personalizada; aqui, os destinatários, na maioria das vezes condomínios e pessoas colectivas (Facto Assente nº30), são milhares de leitores individuais que não farão a ligação directa desse anúncio ao seu prestador de serviços (nos operadores de telemóveis sim, são os destinatários directos, porque “lhes sai do bolso”, passe a expressão), mas os concorrentes da AA, sempre atentos, fá-la-ão, e daí o risco de “fishing”;

128.21. Em síntese, e sempre sem conceder, a ter de ser condenada a AA, deverá sê-lo sem publicidade, para evitar distorções imediatas do mercado, com perdas de negócio evidentes e incontornáveis, comprometendo-se a acatá-la (sob pena de responder nos termos legais por qualquer e toda a infracção que pratique);

128.22. De facto, e em concreto, o propósito de uma dada Acção Inibitória é o de evitar o uso de uma (ou mais) cláusula(s) no giro comercial de um dado proponente, e não o de proporcionar à concorrência desse mesmo proponente, uma vantagem comercial decorrente directamente dessa proibição;

128.23. Já o referimos, mas vale a pena relembrar, que a concorrência da AA, continuando a ter nos seus contratos cláusulas sancionatórias desse tipo, continua protegida, mas pode ir “atacar” a carteira da AA, sem piedade de forma cirúrgica e eficaz;

128.24. A questão de fundo é tudo menos pacífica e, a demonstrá-lo, estão as mais variadas decisões proferidas pelos Tribunais nos últimos anos, em que, sobre a mesma questão de fundo, os Julgadores vêm tomando as decisões mais díspares, ora concedendo a razão à AA, ora negando-lhe essa razão;

128.25. i) Temos situações em que a parte não disse nada sobre as “cláusulas”, e o Tribunal oficiosamente aprecia-as;

ii) temos situações em que a parte nada diz sobre as “cláusulas”, e o Tribunal aceita-as como válidas, sem as sindicar;

iii) Temos situações em que a parte suscita a questão das “cláusulas”, e o Tribunal entende- as como válidas;

iv) E “in extremis”, temos situações em que a parte aceita as cláusulas expressamente (foi assim que quis contratar), e os Tribunais, mesmo assim, absolvem a parte do seu pagamento...;

128.26. Se a questão de fundo fosse tão evidente e cristalina assim, todos os Julgadores decidiriam no mesmo sentido e sem hesitação; a circunstância de não acontecer assim, é bem o sintoma de que a questão não é líquida, e, pelo menos, deixa as dúvidas pelas quais vale a pena este Recurso;

C) DAS CLÁUSULAS AINDA EM APRECIAÇÃO EM CONCRETO

128.27. As cláusulas “5.5.2” e “5.2.4” foram consideradas nulas por via da al. c) do art. 19º do RJCCG;

128.28. Relativamente a elas, a douta decisão recorrida considerou-as desproporcionadas aos danos a ressarcir, em síntese, porque obriga a contraparte a um esforço económico de todo igual àquele em que incorreria com o cumprimento do Contrato, sem que lhe seja prestado qualquer serviço;

128.29. Ficou assente desde logo que “face à perda de um cliente a Ré (leia-se a AA) tem de reorganizar as suas rotas, serviços, e encomendas de materiais a fornecedores” (Facto Assente nº26) e que “o contrato entra na carteia da Ré (leia-se AA) ao ser assinado, a Ré (leia-se a AA) prepara-se para o acompanhar ao longo da sua vigência e tem a perspectiva séria de que o contrato se renove e volte a renovar tendo um cliente satisfeito tendencialmente ao longo da vida do elevador” (Facto Assente nº33);

128.30. Embora seja um facto público e notório, de que, obviamente, a saída de um cliente da carteira da AA traz custos, todos estão de acordo que assim é, e resulta — desde logo — destes Factos Assentes;

128.31. O cliente sai da carteira, mas os custos fixos da AA estão lá, e são pagos todos os meses (salários, rendas, “stockagem” de peças, formação, seguros, vistorias, administrativos, etc., etc...);

128.32. Havendo justa causa para essa saída por parte do cliente, obviamente que a AA não pode fazer aplicar essas cláusulas; porém, se o cliente deixa de pagar (Cl. “5.5.2”) ou põe termo ao contrato sem justificação (Cl. “5.7.4”), tem de pagar a sanção que aceitou pagar ao contratar;

128.33. Na primeira situação, as mais das vezes, a AA está um (ou mais anos!) sem receber os seus serviços, na expectativa de que a situação financeira do seu cliente melhore e só “in extremis” a faz funcionar; na segunda situação, tudo corre bem, o cliente está satisfeito com os serviços, mas decide “sair” da relação contratual sem justificação (hoje em dia, sobretudo, porque encontra um prestador, para os mesmos serviços, mais barato...), e a AA faz funcionar essa cláusula;

128.34. Sobretudo nesta segunda situação, essa sanção faz todo o sentido e é exactamente o contrário do sufragado nas duas decisões anteriores: ter de pagar tudo até ao termo do contrato sem receber os serviços, é dissuasor dessa sua atitude injustificada de querer pôr termo à relação contratual com a AA, pois antes de tomar essa atitude ponderará se não é melhor continuar com a AA até ao fim, recebendo os serviços, ainda que pagando-os na mesma. É, assim, exactamente o contrário do sufragado;

128.35. O cliente sabe que se abruptamente e de forma injustificada puser termo ao contrato, paga tudo até ao seu termo (e, quanto mais cedo o fizer, pior), e então, o melhor é continuar, pagar, mas receber os serviços. É por isso que esta sanção está assim concebida;

128.36. É verdade que a AA, terminando um dado contrato, deixará de ter os custos directos e respectivos com essa conservação (que não custos fixos que os tem sempre, como vimos), mas o que se quis evitar foi exactamente ter de discutir e provar os prejuízos, fixando-se uma fórmula perfeitamente cognoscível para o cliente, se quiser tomar essa decisão extemporânea e injustificada;

128.37. A sanção está lá para isso mesmo, para que a cliente pense duas vezes antes de sair de uma relação contratual estável, satisfeito e duradora: ou sai e perde tudo; ou espera pelo termo do contrato, denuncia-o atempadamente impedindo a sua renovação (Cl.“5.7.3”), pagando todo o preço na mesma, mas recebendo os serviços na integra, como quis fazer quando contratou com a AA a manutenção do(s) seu(s) elevador(es);

128.38. É a função coercitiva (para além da indemnizatória) a funcionar, que afasta, pelas razões aduzidas, a questão da alegada desproporcionalidade;

128.39. Por tudo isto, o Julgador da douta decisão recorrida, não atendeu, e bem, à tese do MP relativamente à questão da boa-fé, pois só são proibidas as CCG’s contrárias à boa-fé, e, estas, como se vê, não podem ser mais concebidas de boa-fé entre a AA e o seu cliente, ao propor, ao explicar, ao dar a hipótese de as derrogar ao contratar, ao assinar o contrato como o cliente o quis, ao permitir ao cliente que as altere mesmo na vigência do contrato, e ao cumprir com o contrato e enquanto ele durar;

128.40. Uma vez que o contrato — cada contrato — é celebrado no interesse da A., atenta, desde logo, a retribuição a que a mesma teria direito, o mesmo só pode ser revogado, sem o acordo da AA, ocorrendo justa causa (cfr. nº2 do art. 1170º do Código Civil);

128.41. Mais se atendeu, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.04.2008, que, em face da natureza e razão de ser da cláusula penal, o credor fica dispensado de demonstrar a efectiva verificação de danos ou prejuízos em consequência do incumprimento do contrato e respectivos montantes;

128.42. De acordo com o disposto nos arts. 406º e 798º do Código Civil, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, pelo que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação, torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor;

128.43. Assim, uma declaração emitida pelo cliente, pondo termo ao contrato, terá que ser entendida como uma declaração extintiva do contrato com base na sua revogação unilateral do mesmo;

128.44. Uma vez que, e como se referiu, o contrato é celebrado também no interesse da Autora, o mesmo não pode ser livremente revogável sem consequências;

128.45. O cliente teria sempre de indemnizar a AA nos termos da al. a) do art. 1172º do Código Civil, que dispõe que, e transcrevemos:

A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer:

a) Se assim tivesse sido convencionado (...)”;

128.46. Para os efeitos destas cláusulas, já vimos que:

Há uma revogação sem causa (na CL. “5.7.4”)

- Há prejuízo

- E há uma convenção estabelecida pelas partes quanto à forma e fórmula de esses prejuízos serem indemnizados;

128.47. Chegados aqui, em causa está, apenas e só, a extensão dessa convenção das partes.

128.48. Em face dos exemplos referidos, estamos em crer que V. Exas. não deixarão de conceder, como referimos atrás, que a questão é tudo menos pacífica e linear, como parece resultar da douta decisão recorrida;

128.49. Muitos mais exemplos poderíamos avançar (e sem irmos às decisões das 1ªs. Instâncias proferidas nos últimos anos, igualmente “a favor” e “contra”, curiosamente mais “a favor” nos processos com hipóteses de recurso e mais “contra” nos processos sem recurso, como muitas das decisões proferidas pelo mesmo julgador desta Acção na Pequena Instância Cível de ...), mas seria fastidioso, e a posição da AA julgamos que já fica amplamente espelhada em tudo o que antecede;

128.50. “In extremis”, e tudo sopesado, ainda que se aceite que estamos no âmbito da CCG’s e que existiria desproporcionalidade face aos danos a ressarcir, então, se há danos (que obviamente os há e nisso todos concedem) as cláusulas nunca poderiam ser declaradas nulas sem mais, quanto muito, ordenado à AA a alteração das mesmas cláusulas, fazendo inscrever uma percentagem do valor a facturar, tudo na linha do que já vem sendo maioritariamente decidido para contratos diversos do “OC” e que já contemplam percentagens em função da duração dos mesmos;

128.51. A Cl. “5.6” foi considerada nula por via da al. b) do art. 18º do RJCCG;

128.52. Relativamente a ela, a douta decisão recorrida aponta dois problemas, a saber:

- Primeiro — da cláusula não resulta qualquer ponderação ou consideração dos danos efectivamente sofridos pela contraparte;

- Segundo — ao contrário das duas cláusulas anteriores (as “5.5.2”/ “5.7.4”), nesta, não se vislumbra o critério de determinação da indemnização atribuída ao cliente, concluindo que “o único critério parece ser o de minimizar o prejuízo da AA em detrimento dos interesses do seu cliente”, devendo assim ser excluída;

128.53. Quanto ao primeiro escolho, o da não ponderação ou consideração pelos danos efectivamente sofridos pela contraparte, sempre se dirá que os 3 meses de facturação até são calculados por excesso relativamente aos potenciais danos a ressarcir;

128.54. Se a AA incumpriu, e o seu cliente ficar com o seu elevador imobilizado, o cliente pode fazer uma de duas coisas: ou põe termo ao contrato, em menos de 24 h contrata outra EMA, e o seu prejuízo “paga-se” com o valor relativo a esses dias de imobilização que nunca excederão os 3 meses de facturação; ou não paga o trimestre seguinte (retém o pagamento da factura respectiva), e “paga-se” com esse valor, como forma de se ressarcir dos prejuízos que teve, continuando a AA a conservar o seu elevador e mantendo-se o contrato em vigor (o que pode acontecer uma ou mais vezes ao longo da vida do contrato, e já tem acontecido);

128.55. O prejuízo do cliente, nesta situação, não é de facto fácil de mensurar (por mais diminuto que o seja, e é) mas ambas as partes, não só reconhecem que pode existir, como, afinal, quem o define é o cliente que sabe que até aos 3 meses de facturação receberá sempre (ou por não pagamento do que estiver pendente, ou por crédito da última factura a emitir);

128.56. E quanto ao segundo escolho, o da alegada falta de critério de determinação da indemnização a atribuir, quem o decide é o cliente, exigindo sempre os 3 meses ainda que o prejuízo seja inferior, como o é sempre e está nas suas mãos diminui-lo, contratando logo outra empresa de manutenção de elevadores para assistir o(s) seu(s) elevador(es);

128.57. Naturalmente que ocorrendo um sinistro ou danos na instalação, esta cláusula não se aplica, e a AA, se vier a ser declarada culpada, paga o que tiver de pagar, em sede de responsabilidade civil, e daí a apólice de seguro que tem contratada para o efeito;

128.58. Assim, o cliente está sempre seguro, e é ele que toma decisão de pôr termo ao contrato (ou não), pagando-se, em todo o caso, sempre, do “prejuízo” que teve e normalmente por si definido em alta, relativamente ao valor real do mesmo;

128.59. A cl. “5.9” foi considerada nula por via da al. g) do art. 19º do RJCCG;

128.60. Relativamente a ela, a douta decisão recorrida refere acompanhar o entendimento do primeiro grau, dado não se verificar “a existência de interesse da AA, que justifiquem a limitação” a … e … como foros competentes para dirimir os litígios emergentes do contrato dos Autos, pelo que deverá ser, igualmente, excluída;

128.61. Como se referiu sempre (e já mesmo no âmbito do Processo Administrativo que originou esta Acção), esta cláusula, e após a reforma do art. 742º do Código de Processo Civil de 2006, deixou de ser aplicada, considerando-se como não escrita;

128.62. A partir do momento em que, como regra, o devedor passou a ter de ser demandado no foro do seu domicílio, esta cláusula deixou de poder ser utilizada, pois … e … passaram a considerar-se incompetentes em razão do território, remetendo os processo para os Tribunais competentes;

128.63. Este é o exemplo acabado de uma inutilidade petitória e a demonstração de que o contrato não se sobrepõe à Lei e que a AA a cumpre (daí a desnecessidade da publicitação a que atrás aludimos);

128.64. Esta cláusula não tem - de há 9 anos para cá — qualquer aplicação, e mais do que considerar-se excluída, tem de considerar-se como não escrita;

128.65. Em todo o caso, sempre se poderia dizer que:

I — Ao contrário do sistema anglo-saxónico, onde o “forum shopping” é permitido (a parte escolhe o foro que lhe parece mais favorável para dirimir o seu litígio), em Portugal a escolha do foro tem de ter uma conexão, e, “in casu”, não foi, por exemplo, em Bragança, mas … e …, por via da sede da AA e localização dos seus mandatários forenses externos;

II — Portugal não tem a dimensão dos Estados Unidos, onde ir de Philadelphia (na costa leste) a São Francisco (na costa oeste) para um diferendo judicial, seria — de facto — gravoso para a contraparte; para além de que, por um lado, a melhoria das acessibilidades viárias a nível nacional é uma realidade, e, por outro lado, a implementação das videoconferências, vieram resolver/atenuar os incómodos e as deslocações de uma forma evidente;

III — Acresce que a AA tem “N” acções em curso (e então agora nesta época difícil em que vivemos, cada vez mais, em que ninguém paga os serviços ou só os paga em Tribunal), e o seu cliente terá apenas essa, a sua acção, justificando — em abstracto — que, por uma economia de meios, a AA litigasse preferencialmente em … (ou em …);

IV — E, finalmente, ainda que o Demandado fosse um Condomínio em Braga, com o seu mandatário com escritório em Lisboa, faria todo o sentido que — por acordo — até quisessem litigar em Lisboa (e, como já dissemos, ainda que o fizessem por acordo, Lisboa considerar-se-ia incompetente, em razão do território, e a acção tramitaria sempre em Braga...);

128.66. Em síntese: a AA discorda do entendimento, mas já desde 2006 que cumpre o Código de Processo Civil, e essa cláusula é - para as partes em todos os contratos - considerada não escrita, leia-se morta;

128.67. Para terminar, sempre se dirá que este facto constitui um novo argumento para a decisão de não publicitação (pelo desgaste e reflexos que trarão à AA se mantida): para quê publicitar que esta cláusula foi declarada nula, se a mesma não é — não pode — nunca, ser aplicada, e todos estão de acordo e conscientes disso?

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. sempre e sabiamente suprirão, uma vez admitido o presente Recurso como de Revista Excepcional, ou como apenas de Revista, e pelos fundamentos aduzidos, deve ao mesmo ser concedido o solicitado provimento, em conformidade, absolvendo-se a AA da Acção Inibitória em causa “in totum” (ou parcialmente, como requerido, relativamente às cls. “5.5.2” e “5.7.4”, por via da alteração dos seus textos, adaptando-se a valores percentuais), e, sem conceder, ainda que assim não aconteça, deve não ser ordenada a publicidade da decisão, por forma a evitar uma inevitável distorção do mercado em sede de concorrência e prejuízos no imediato e ainda mais gravosos para a AA. Aguarda, agora, com serenidade e confiança, a acostumada Justiça.

O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.

***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1. A Ré é uma sociedade por quotas e encontra-se matriculada sob o nº 0000 00824 na Conservatória do Registo Comercial de ….

2. Tem por objecto social a conservação, manutenção, reparação, montagem, o comércio e a importação de ascensores, escadas rolantes e quaisquer outros aparelhos de elevação e transporte, sendo ainda empreiteiro e fornecedor de obras públicas e industrial de construção civil.

3. No exercício dessas actividades a Ré tem vindo a celebrar, em Portugal, vários contratos utilizando para o efeito um modelo designado como contrato AA, tendo como interlocutores sobretudo condomínios e empresas.

4. As cláusulas incluídas nos impressos que titulam os contratos utilizados pela Ré foram por esta previamente elaboradas e apresentadas, já impressas, aos interessados na celebração dos contratos.

5. Aos interessados apenas é permitido aceitar ou não as cláusulas gerais insertas nos indicados contratos, estando-lhes vedado, através de negociação, alterá-las de qualquer forma.

6. A cláusula 5.5.2. dispõem que “sempre que haja incumprimento do contrato por parte do cliente e nomeadamente quando se verifique mora no pagamento de quaisquer quantias devidas à AA por mais de trinta dias, poderá esta resolver o presente contrato, sendo-lhe devida uma indemnização por danos, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado”.

7. A cláusula 5.7.4 estipula que em caso de denúncia antecipada do presente contrato pelo cliente a AA terá direito a uma indemnização por danos que será imediatamente facturada no valor da totalidade das prestações do preço devidas até ao termo do prazo contratado.

8. A cláusula 5.6 estipula: “Na situação de eventual incumprimento imputável à AA é expressamente aceite que a AA apenas responderá até à concorrência do valor de três meses de facturação AA do presente contrato, como máximo de indemnização a pagar ao cliente”.

9. Na cláusula 5.7.3. lê-se: “O presente contrato considera-se tacitamente prorrogado por períodos iguais como definidor nas condições contratuais específicas, desde que não seja denunciado por qualquer dos contratantes com, pelo menos, noventa dias do termo do prazo que então estiver em curso, através de carta registada”.

10. A cláusula 5.9. estipula serem competentes exclusivamente as comarcas de … e de … para todas as questões eventualmente emergentes da aplicação e/ou interpretação do presente contrato (…) com expressa renúncia a quaisquer outras.

11. A atribuição de competência exclusiva às comarcas de … e de … implica para os clientes a necessidade de se deslocarem a estas cidades com despesas e inconvenientes daí resultantes.

12. Estes inconvenientes não se verificam para a Ré na medida em que sendo uma empresa com maior capacidade económica possui para o efeito um contencioso próprio.

13. Cláusulas de teor análogo às que estão em discussão nestes autos são utilizadas por outras empresas de manutenção de elevadores.

14. O documento em que se consubstancia o contrato em discussão nestes autos é impresso em papel contínuo e desdobrável, subdivide-se em três partes, a saber, 1ª página, identificação dos contraentes, páginas intermédias, condições gerais, última página, com as denominadas condições contratuais específicas que incluem as denominadas condições particulares.

15. A Ré tem a sede na comarca de … e o território nacional encontra-se dividido em delegações.

16. Cada delegação é gerida por um delegado, que tem na sua equipa técnicos comerciais, supervisores, técnicos de rota e administrativos.

17. Cabe aos técnicos comerciais fazer a ligação da Ré aos seus clientes nessa determinada zona.

18. Ao técnico comercial é incumbida genericamente a tarefa de angariar clientes, assistir e visitar os clientes e reportar à Ré todas as situações ligadas à sua área de intervenção.

19. Sempre que um potencial cliente surge, quer por prospecção, quer porque contactou directamente a Ré, cabe ao técnico comercial da zona visitá-lo, verificar das suas necessidades em termos de serviços a contratar, explicar-lhe os tipos de contrato possíveis (em termos de conservação simples, conservação completa, preços, durações e obrigações recíprocas), preparar o contrato escolhido, entregá-lo ao cliente (em mão e em duas vias originais), colocar-se à disposição do cliente para prestar todos os demais esclarecimentos necessários (e a todo o tempo), recolher o contrato assinado e integrá-lo na rota da Ré para a respectiva assistência.

20. A Ré aceitou a alteração das cláusulas 5.7.3 tendo como cliente o HOTEL EE em …, 5.4.1 e 5.1.4 com a cliente Condomínio Edifício …, Condomínio Edifício Rua …, em … (5.3.2.), Condomínio Edifício Av. …, …, …, 5.1.4. e Condomínio Edifício Rua …, …, 5.3.2. e desconto de 5% com pagamento por débito directo.

21. A Ré tem mais de 25 000 contratos em vigor.

22. A prestação de serviços é pelo menos mensal.

23. A facturação tem um valor mensal e é emitida normalmente de forma trimestral.

24. A Ré aceitou alterações no contrato que negociou com a Fertágus-Travessia do Tejo, Transportes SA.

25. Há outras empresas no mercado nacional dedicadas à manutenção de elevadores.

26. Face à perda de um cliente a Ré tem de reorganizar as suas rotas, serviços e encomendas de materiais a fornecedores.

27. Situações há em que o cliente face a proposta de base apresentada pelo comercial sugere alterações ao figurino proposto e aceitando-as a Ré inscreve-as nas ‘’condições particulares’’ passando a vigorar em substituição das originais.

28. Como em qualquer processo negocial não aceitando a ré as condições para contratação impostas pelo potencial cliente não é assinado qualquer contrato.

29. A ré aceita alterações sugeridas por clientes.

30. A ré tem como universo maioritário dos seus clientes condomínios e pessoas colectivas.

31. É possível celebrar contratos por 1 ano, 3 anos, 5 anos, até 20 anos.

32. O contrato em questão é celebrado pelo de anos negociado com o cliente renováveis.

33. O contrato entra na carteira da ré ao ser assinado, a ré prepara-se para o acompanhar ao longo da sua vigência e tem a perspectiva séria de que  o contrato se renove e volte a renovar tendo um cliente satisfeito tendencialmente ao longo da vida do elevador.

34. A Ré tem apenas um pré-contencioso interno tendo os seus advogados externos a quem de pagar deslocações, portagens, estadias, entre outras em cada processo.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se :

- o contrato em causa é um contrato de adesão:

           

- se as cláusulas insertas nesse contrato – 5.5.2; 5.7.4; 5.6 e 5.9 – são inválidas nos termos declarados pela decisão recorrida;

           

- se, a manter-se a decisão, deve este Tribunal não ordenar a respectiva publicitação, por tal publicidade afectar a posição da Recorrente no mercado, sobretudo, em sede de concorrência com empresas congéneres.

Vejamos:

Sem dúvida que a acção intentada pelo Ministério Publico é uma acção inibitória visando a defesa dos potenciais contratantes com a Ré, no contexto do denominado “Contrato AA

Enquadrando sucintamente a questão decidenda:

A nossa ordem jurídica dispõe de um diploma que regula as “cláusulas contratuais gerais” (ccg): o Decreto-Lei nº446/85, de 25 de Outubro (que foi modificado, a fim de ficar em conformidade plena com a Directiva 93/13/CE, do Conselho, de 5 de Abril de 1993, pelo DL. n° 220/95, de 31 de Agosto, e pelo DL. n.°249/99, de 7 de Julho).

 Este diploma define (art.1°,nº1) as “Cláusulas contratuais gerais” como as que são “Elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar”.

 O legislador de 1999 estipulou que tal regime se aplica também, no que toca ao controlo da inclusão das cláusulas no contrato e ao controlo do conteúdo destas quando inseridas em “contratos individualizados mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar” (art. 1º, nº2).”

O regime jurídico das ccg é aplicável aos contratos de adesão,

Contrato de adesão – “É aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respec­tivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado” – Antunes Va­rela, “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, 262.

Tais contratos contêm por via de regra – “Cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão” – Galvão Telles, “Direito das Obrigações” – 6ª edição, 75.

O contrato de adesão é uma manifestação fatal da sociedade de massas.  O contrato de adesão oferece por outro lado grandes perigos. A parte que predispõe os termos contratuais está naturalmente tentada a considerar muito mais os seus interesses que os do aderente.

 Os contratos de adesão costumam ser assim caracterizados por uma defesa exaustiva dos interesses do emitente, e um desinteresse marcado pelo que respeita ao aderente.” – Oliveira Ascensão – “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. III, pág.364.

O art. 25º (acção inibitória) estatui – “As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15º, 16.°, 18.º, 19.º, 21.° e 22.°, podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares”.

As acções inibitórias para tutela dos interesses difusos dos consumidores encontram-se genericamente previstas nos arts. 52º da CRP e, no âmbito do consumo, no art. 10º, nº 1, da Lei de Defesa do Consumidor e no art. 25º do Dec.-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro relativo às cláusulas contratuais gerais (ccg)

O art. 32º  do DL.446/85, consigna:

1 - As cláusulas contratuais gerais objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, ou outras cláusulas que se lhes equiparem substancialmente, não podem ser incluídas em contratos que o demandado venha a celebrar, nem continuar a ser recomendadas.

 2 - Aquele que seja parte, juntamente com o demandado vencido na acção inibitória, em contratos onde se incluam cláusulas gerais proibidas, nos termos referidos no número anterior, pode invocar a todo o tempo, em seu benefício, a declaração incidental de nulidade contida na decisão inibitória”.

[…]”.

Porque com a acção inibitória se visa a defesa do consumidor, particularmente quando existe recurso a contratos de adesão, também a Lei 24/96, de 31.7 prevê no art. 10º, nº1, a acção inibitória para prevenir, corrigir e fazer cessar práticas lesivas dos direitos do consumidor previstas na lei, nomeadamente, as que impliquem o uso de cláusulas contratuais gerais (d) do citado diploma[2].

Ana Prata, in “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, - 2010 – edição Almedina – pág.593, em comentário ao art. 25º, escreve: “Optou a lei por uma fiscalização abstracta judicial que ultrapassasse as limitações ou deficiências do controlo a posteriori, dependente da iniciativa do aderente e circunscrito, quanto aos efeitos, ao concreto litígio. Fiscalização confiada aos tribunais, o que, diz-se, se tem as desvantagens de a iniciativa depender de sujeitos privados, e da morosidade, tem as contrapartidas de isenção, de adaptabilidade às realidades de mercado que vão surgindo e de independência que estes garantem relativamente a qualquer órgão administrativo”.

Jorge Ribeiro de Faria, in “Direito das Obrigações”, vol. I, pág.210, qualifica, a acção aqui prevista como “uma acção condenatória numa “prestação de facto negativa”, em suma, na não utilização de cláusulas contratuais”.

Sousa Ribeiro, “O Problema do Contrato-As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual”, Almedina, 2003, pág. 496, ensina que “O objecto de tutela da acção de condenação ao cumprimento desse dever não é, assim, a esfera jurídica de uma determinada pessoa, individual ou colectiva, mas o interesse da generalidade de contraentes a que apenas sejam utilizadas no tráfego ccg lícitas”.

A acção inibitória tem uma vertente cívica e social, um fim dissuasor: o seu regime visa acautelar interesses difusos de consumidores/aderentes, supondo a existência de contratos de adesão.

O modelo clássico de contratação – baseado na negociação individual do clausulado que as partes acordam para satisfação dos interesses económicos do negócio, quando não adoptam contratos típicos, ou contratos inominados, ou contratos complexos, onde vigora, salvo as limitações decorrentes dos arts. 280º,nº2, e 294º do Código Civil, o princípio da liberdade contratual na sua plenitude – art. 405º, nº1, do Código Civil – sofre acentuada compressão nos chamados “contratos de adesão.”

Importa, desde já, saber se o contrato em causa é um contrato de adesão.

A recorrente sustenta que não, baseada nos factos provados 19., 20., 24., e 29, porque o modelo contratual que propõe a quem queira celebrar o contrato em causa, não constitui um modelo monolítico, imodificável não consentindo qualquer negociação, mas antes, como resulta dos casos ali indicados, as partes podem influenciar o seu conteúdo através da apresentação de propostas que são objecto de negociação.

Salvo o devido respeito, não é pelo facto de os consumidores dos produtos ou serviços oferecidos, correspondendo o conteúdo contratual, ser dirigido a um universo de potenciais contratantes poder ser por estes influenciado, que arreda a qualificação de um certo contrato como contrato de adesão.

O nº2 do art. 1º da lei das ccg (alteração do DL. nº24/99, de 7 de Julho), estabelece que: “O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.”  

A celebração de qualquer contrato pressupõe o conhecimento pelos contraentes das posições recíprocas, o que decorre da imposição do princípio geral da boa fé no contexto negocial, que o legislador assinala como dever logo na fase pré-contratual e que se, culposamente infringido, acarreta responsabilidade civil como decorre do art. 227º do Código Civil.

O Professor Menezes Cordeiro, na sua obra, “Da Boa Fé no Direito Civil”, Colecção Teses, refere que a concepção da culpa in contrahendo acolhida naquele preceito encerra os deveres de protecção, de informação e de lealdade.

Quanto mais complexo foi o conteúdo contratual e a teia de interesse antagónicos mas harmonizáveis nele implicados for, mais intensos são os deveres de informação, lealdade e ponderação recíproca de interesses como postulados indissociáveis da actuação de boa fé.

O facto de o contraente que propõe contratos cujas cláusulas são predispostas por si, consentir na negociação de algumas, não exclui que se trate de contrato de adesão: o que importa é saber se o aderente pode negociar as que lhe aprouver, pois se, desde logo, a sua margem de negociação está balizada, condicionada, pelo predisponente, estamos perante um quadro impositivo em que a as cláusulas individuais só são contempladas pela opção do predisponente. Além disso, sempre importará considerar o contrato como um todo, atendendo ao quadro negocial padronizado, onde certamente existem cláusulas mais importantes e outras não tanto, para saber quais as que consentem negociação individual.

Se o essencial que acautela a posição do predisponente que usa cláusulas pré-elaboradas não pode ser influenciado pela parte que se apresenta a contratar, não se pode considerar que o minus de margem de negociação que é conferido ao aderente/consumidor, só por si basta para colocar as partes num contexto de paridade no que concerne ao poder de influir em cláusulas que são fulcrais para os interesse económicos do predisponente e das quais não abrirá mão. Nesses casos o contrato não deixa de ser um contrato de adesão aplicando-se-lhe o regime da cláusulas contratuais gerais.

Tudo vale por dizer que, constituindo o conteúdo essencial do contrato cláusulas fixas, de formulário, pré-elaboradas pela parte que as predispõe para a negociação por adesão, mesmo que não exista impossibilidade absoluta de negociação, ainda aí se está perante um contrato de adesão, que não é descaracterizado pelo quantum que nele possa ingressar para acolher interesses próprios do contraente.

No caso, tendo-se provado casos pontuais que resultam da negociação individual, mas que nem sequer estão contemplados no contrato-tipo, com expressa previsão pré-oferecida pelo proponente de negociabilidade, não se pode considerar que não existe contrato de adesão como pretende a recorrente.

Para se qualificar um contrato como de adesão releva, além do mais, que exista “unilateralidade da predisposição” e que em relação ao conteúdo negocial que contemple genérica e massivamente os interesses económicos do predisponente o potencial aderente nada possa negociar assistindo-lhe a possibilidade de aceitar ou rejeitar em bloco, ou seja, se a negociação deferida ao aderente não versar sobre cláusulas que constituem o núcleo essencial do conteúdo contratual, não o içando do patamar inferior da sua débil força negocial para o igualar ao predisponente, terá que se considerar que se está perante contrato de adesão sujeito ao regime jurídico das ccg.

Se a negociação individualizada se faz por condescendência do predisponente, não constando no bloco normativo que elaborou, o direito do aderente poder influir no conteúdo contratual, não vale para um universo indeterminado de contratantes, não assumindo, sequer, relevo a possibilidade de influir na negociação de cláusulas que para o consumidor ou aderente não representam senão aspectos secundários do seu interesse.

Concluímos, assim, que o contrato sindicado na acção inibitória é um contrato de adesão.

Passemos à análise da decisão das concretas cláusulas submetidas ao escrutínio de validade, para saber se a decisão se deve manter.

Como se afirma na decisão recorrida – “O controlo do conteúdo dos contratos celebrados por recurso a cláusulas contratuais gerais desenvolve-se em dois níveis: num princípio geral de controlo – centrado no princípio da boa fé – e num extenso catálogo exemplificativo de cláusulas proibidas concretas (arts. 15º, 16º e 17º a 22º da LCCG).”

A cláusula 5.5.2 dispõe: “Sempre que haja incumprimento do contrato por parte do cliente e nomeadamente quando se verifique mora no pagamento de quaisquer quantias dívidas à AA por mais de trinta dias, poderá esta resolver o presente contrato, sendo-lhe devida uma indemnização por danos, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado.”

A cláusula 5.7.4 estipula: “Em caso de denúncia antecipada do presente contrato pelo cliente a AA terá direito a uma indemnização por danos que será imediatamente facturada no valor da totalidade das prestações do preço devidas até ao termo do prazo contratado.”

Estas duas cláusulas estabelecem, unilateralmente, critérios indemnizatórios que valem, respectivamente:

i) Para caso de incumprimento do cliente/aderente, mormente, em caso de mora no pagamento de quaisquer quantias dívidas à AA, por mais de trinta dias, conferindo a esta o direito a resolver o contrato, estipulando a indemnização por danos, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado.

ii) para o caso de denúncia antecipada do contrato por parte do cliente, tendo a AA  direito a uma indemnização por danos que será imediatamente facturada no valor da totalidade das prestações do preço devidas até ao termo do prazo contratado.

iii) para o caso de incumprimento pela AA prevendo que a AA apenas responderá até à concorrência do valor de três meses de facturação AA do presente contrato, como máximo de indemnização a pagar ao cliente.

De comum a fixação, a forfait, das indemnizações cabíveis às hipóteses previstas. Nas duas primeiras cláusulas, por violação do contrato por facto imputável ao cliente (mora e denúncia do contrato) e, no terceiro em caso de incumprimento pela AA. As duas primeiras prevêem cláusulas penais indemnizatórias e a terceira uma cláusula de limitação de responsabilidade.

São cláusulas sancionatórias, não proibidas em abstracto no regime das ccg, que sanciona a sua inclusão no caso de serem desproporcionadas aos danos a indemnizar.

O art. 19º, nº1, c) – cláusulas relativamente proibidas – estipula:

São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: […] consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.

O regime jurídico da cláusula penal encontra assento no Código Civil, lei geral, pelo que não podemos de deixar de o versar, com a relevante ponderação que a cláusula penal seja moratória ou compulsória, é fixada negocialmente no contrato, e ainda que se venha a revelar excessiva, supervenientemente, pode ser alvo de redução equitativa, ao passo que a cláusula penal inserta nos contratos de adesão não resulta de negociação sendo pré-fixada pelo proponente e se for manifestamente excessiva é nula.

O art. 810º, n.º1, do Código Civil estatui: “As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível, é o que se chama cláusula penal”.

           

O art. 811º rege sobre o funcionamento de tal cláusula:

“1. O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário”.

2. O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes”.

3. O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal ”.

 

A cláusula penal, que fixa a indemnização, a forfait, pode ser compensatória ou moratória. Como ensina o Professor Galvão Telles, in “Direito das Obrigações” – 6ª edição, pág.448: “A cláusula penal pode ser estabelecida para o incumprimento (definitivo) do contrato ou para a simples mora. A primeira diz-se cláusula penal compensatória; a segunda cláusula penal moratória.
A cláusula penal compensatória não pode obviamente cumular-se com a realização específica da obrigação principal. A cláusula penal moratória pode cumular-se, visto se destinar apenas a ressarcir os danos decorrentes do atraso no cumprimento”.

No mesmo sentido o Professor Calvão Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, edição de 1987/247: A cláusula penal é a estipulação pela qual as partes fixam o objecto da indemnização exigível do devedor que não cumpre, como sanção contra a falta de cumprimento” – cfr. “Das Obrigações em Geral”, Antunes Varela, 5ª edição, vol. II, pág.137.

Do mesmo civilista: “A cláusula penal é normalmente chamada a exercer uma dupla função, no sistema da relação obrigacional. Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama penal – cláusula penal – ou pena convencional... A cláusula penal extravasa, quando assim seja, do prosaico pensamento da reparação ou retribuição que anima o instituto da responsabilidade civil, para se aproximar da zona cominatória, repressiva ou punitiva, onde pontifica o direito criminal” – págs. 137/138.

           

O Professor Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização”, págs. 604 e 605, refere-se à cláusula penal cujo “escopo é puramente coercitivo e a sua índole, por isso, exclusivamente compulsivo-sancionatória. A especificidade desta cláusula traduz-se no facto de ela ser acordada como um plus, como algo que acresce à execução específica da prestação ou à indemnização pelo não cumprimento.

Trata-se, como é óbvio, de espécie diversa da que é contemplada no art. 810.°, n.°1: enquanto esta norma define a cláusula penal como a fixação, por acordo, do montante da indemnização exigível, a pena estritamente compulsória, pelo contrário, não visa reparar o credor, o dano do incumprimento não é considerado pelas partes ao ser estabelecido o seu montante.

A finalidade da mesma é de ordem exclusivamente compulsória, destina-se, tão-só, a pressionar o devedor ao cumprimento, não a substituir a indemnização a que houver direito, nos termos gerais”.

As cláusulas penais insertas no contrato em apreciação, foram, no Acórdão recorrido, tal como haviam sido na sentença, consideradas nulas por manifestamente desproporcionadas, caindo na previsão do citado al. c) do art. 19º.

Antes de mais, importa ponderar que o normativo manda, no juízo sobre a desproporção, atender, desde logo, “ao quadro negocial padronizado[3]”. Nas cláusulas em apreciação: 5.5.2 e 5.7.4 a pena pecuniária é aferida pelo “valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado.”. Assim, no caso de mora do cliente ou de denúncia do contrato por si, tudo se passa sem consideração pelo prazo de duração do contrato tendo em conta, em qualquer caso, que se trata de indemnizar danos, mas sem consideração pela prazo de duração do contrato e pela expressão dos prejuízos.

Figure-se o caso de o contrato de prestação de serviços, no caso, que será mais comum, de assistência técnica e manutenção de elevadores, e que, v.g. o contrato tenha a duração de 15 anos (como se acha provado no ponto 31. os contratos podem ser celebrados por 1, 3, 5, até 20 anos): se o cliente num contrato daquela duração entrasse em mora ao fim de 6 meses pagaria de indemnização 174 meses; assim também se denunciasse o contrato.

Não se ignora, como argumenta a Recorrente, que a celebração de contratos desta natureza implicam investimentos dispendiosos em meios humanos e técnicos e que o cliente quando subscreve o contrato sabe da sanção prevista para a mora e para a denúncia.

Importa ponderar, mesmo atento o tipo de contrato em causa, ou seja à luz do quadro negocial padronizado, que, não sendo contemplada em nenhum daqueles casos a duração do contrato, não existe critério definido objectivamente que permita ajuizar da proporção entre a sanção e os danos a ressarcir, já que a indemnização prevista na cláusula penal será mecanicamente a que resultar de uma operação aritmética: multiplicar o número de prestações pelo número de meses em falta, como se o contrato, embora cessado por resolução ou denúncia, tivesse sido cumprido integralmente.

Este critério indemnizatório não atende aos casos concretos o que afronta a ideia de proporção, de indemnização justa aferida em função da gravidade, da culpa, da ilicitude e dos danos, emergentes da violação do contrato cujo critério de ressarcimento seria sempre igual, com nenhuma consideração pelo interesse económico do aderente.

A indemnização far-se-ia sempre pelo interesse contratual positivo, na óptica do predisponente, com a vantagem, para si, de, já nada tendo a despender com o contrato (cessado por inexistir contraprestação), arrecadar de uma só vez a indemnização contratualmente prevista.

As cláusulas, se valessem, fariam equivaler para a AA o cumprimento integral ao incumprimento, o que é desproporcional e lesivo da boa fé.

 Os danos a ressarcir, havendo incumprimento do aderente, ou sua denúncia antecipada do contrato, implicariam para si uma sanção que não contemplaria o seu esforço económico, sem qualquer correspondência com o lapso de tempo em que cumpriu o contrato: cumprindo pagaria a mesma quantia que pagaria se não cumprisse, ou seja, pagaria sempre a totalidade do preço das prestações acordadas.

Sousa Ribeiro, in “Direito dos Contratos, Estudos, Responsabilidade e garantia em cláusulas contratuais gerais”, pág. 137, acerca da cláusula penal e do art. 19º da lei das ccg, em nota de rodapé, escreve: “Poder-se-á falar, a este propósito, de uma dupla predeterminação: a cláusula penal que, em si, já representa uma antecipação da fixação do quantum indemnizatório, não é acordada por ocasião da celebração do contrato (ou entre este momento e o da verificação do facto lesivo), mas previamente estipulada, no âmbito das c.c.g., antes da conclusão de qualquer negócio”.

Mais adiante, págs.144 e 145: “Este critério de controlo estabelecido no art. 19.º c) é de aplicação geral, não só às cláusulas penais por incumprimento do contrato, como ainda à prévia estipulação das quantias devidas por factos extintivos lícitos, admitidos por lei ou pelo programa relacional, mas impositivos da obrigação de indemnizar…é pela alínea c) do art. 19º que deverá ser medida a predeterminação, em caso de revogação, denúncia antecipada ou desistência de um contrato, das prestações a efectuar ou a reter, como compensação de desvalorizações sofridas ou de lucros cessantes. Nestes casos, na fixação da indemnização, devem ser contabilizados os gastos que o predisponente poupou com a extinção antecipada do contrato”. (destaque nosso)

Nas cláusulas 5.5.2 e 5.7.4, ao equiparar-se o cumprimento pontual à cessação do contrato em desrespeito pelo ali estabelecido, seja no caso de mora, seja no caso de denúncia antecipada, não se atende à vantagem económica que advém para o predisponente da cessação antecipada do contrato, introduzindo na equação económica do negócio uma injustificada acentuação da posição de supremacia do predisponente, sobretudo, por não atender ao momento, na vida do contrato, em que ocorre o facto que o faz cessar.

Não merece, pois, censura o Acórdão recorrido ao considerar nulas, por violação do art. 19º, c) da lei das ccg as cláusulas 5.5.2, e 5.7.4. Tais cláusulas são desproporcionais aos danos a ressarcir por acentuarem, em favor do predisponente, indemnizações invariáveis sem atender à extensão dos danos.

Quanto à Cláusula 5.6.

Estipula-se aí: “Na situação de eventual incumprimento imputável à AA é expressamente aceite que a AA apenas responderá até à concorrência do valor de três meses de facturação AA do presente contrato, como máximo de indemnização a pagar ao cliente”.

           

Encerra uma cláusula de (auto)limitação de responsabilidade, para o eventual incumprimento pela AA, estabelecendo que a indemnização máxima se limita ao valor correspondente a três meses de facturação.

Foi apreciada a sua validade à luz do art. 18º, al. b) do DL. 446/85, de 25. 10, que estatui: “São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros”, tendo sido considerada excluída do contrato.

A cláusula 5.6 é limitativa da responsabilidade contratual, em caso de incumprimento pela Ré, que, tendo que indemnizar o aderente, estipulou que o valor da indemnização tem como limite três meses de facturação da AA. Da cláusula decorre uma limitação da responsabilidade: sejam quais forem os danos para o aderente, resultantes do incumprimento pela Ré, a extensão dos danos não terá qualquer influência na indemnização, porquanto o valor não poderá exceder três meses de mensalidades.

Por outro lado, sendo consabida a fronteira, cada vez mais ténue entre responsabilidade contratual e delitual, e podendo até o incumprimento contratual despoletar responsabilidade concorrente extracontratual, não se vislumbra critério que justifique que sem qualquer ponderação casuística os danos sejam indemnizados por uma quantia pré-fixada.

A doutrina, acerca da interpretação do art. 809º do Código Civil[4] – sobre a validade das cláusulas limitativas da responsabilidade – está patentemente dividida, considerando uma corrente ser nula a estipulação que seja contrária à previsão da norma, não devendo distinguir-se, se o incumprimento se deve a dolo ou culpa grave: a posição de Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”; outra admite-a, fazendo interpretação restritiva considerando a sua admissibilidade desde que o incumprimento se deva a culpa leve.

O art. 18º opera com a distinção, nas als. c) e d), estabelecendo que: “São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: c) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave; d) Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por actos de representantes ou auxiliares, em caso de dolo ou de culpa grave”. Não consagram, pois, a proibição de cláusulas que suponham a limitação a responsabilidade assente em culpa, desde que não seja devida a dolo ou a culpa grave.

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.5.1996 – Proc. 087882 – in www.dgsi.pt, dá-se nota da querela doutrinária em torno da interpretação do art. 809º do Código Civil: “ […] Problemática é a questão de saber se essa norma [art. 809º] proíbe também a renúncia parcial traduzida nas cláusulas de limitação de responsabilidade.

A doutrina propende para aceitar como válidas as estipulações de abrandamento da responsabilidade, dentro de certos limites (não devem ser contrárias às normas de ordem pública - artigos 280º, nº2; 800º, nº2; não devem conduzir a uma indemnização irrisória ou simbólica, pois traduzir-se-iam em verdadeiras cláusulas de irresponsabilidade, proibidas pelo artigo 809º, não devem abranger os casos de dolo ou culpa grave do devedor – Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª edição, páginas 427 a 429).

A defesa expressa da validade da cláusula limitativa é, ainda, feita por Pinto Monteiro (Cláusulas Limitativas e da Exclusão da Responsabilidade Civil, 1985, páginas 171 a 173) Almeida Costa (Direito das Obrigações, 5.ª edição, páginas 652 e 653) e foi adoptada neste Supremo Tribunal (acórdão de 2 de Julho de 1981 - Boletim Ministério da Justiça n.º309, página 319).

As razões justificativas da sua admissibilidade dadas quer por Galvão Telles (obra citada, páginas 428 a 430) quer por Pinto Monteiro (obra citada, páginas 171 e 172) leva-nos a precisar que a norma do artigo 809º do Código Civil não proíbe, em princípio, as cláusulas de limitação de responsabilidade.”

Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. II, pág. 72, em comentário ao art. 809º, ensinam: “ […] O perigo do reconhecimento da validade desta cláusula seria enorme, principalmente nos sectores (como o dos transportes, por exemplo) onde proliferam os chamados contratos de adesão; e só a existência da regra da nulidade, nos termos amplos em que ficou consignada na lei, poderá explicar a falta de normas que especificadamente a afirmem, como se faz no direito alemão, nos sectores especiais do comércio jurídico em que ela é mais premente, em obediência a certos interesses de ordem geral.

No sentido mais amplo da nulidade da renúncia do credor aos direitos contra o devedor nos casos de inadimplência ou de mora, vide a anotação de Antunes Varela ao ac. do Sup. Trib. Just., de 7 de Novembro de 1985 (na Rev. Leg. Jur, ano 124.º, especialmente págs. 63 e segs.”

Outros Tratadistas, como o Professor António Pinto Monteiro, in Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 1985, consideram que as cláusulas de limitação da responsabilidade são válidas apenas em casos de incumprimento por culpa leve.

O insigne civilista define cláusula limitativa da responsabilidade, “Como aquela que é destinada a restringir ou a limitar antecipadamente, de modo vário, a responsabilidade em que, sem ela, incorreria o devedor. Essa limitação pode dizer respeito, designadamente, aos fundamentos ou pressupostos da responsabilidade ou ao montante da indemnização”.

Sobre a cláusula limitativa dos fundamentos da responsabilidade: “No primeiro caso, acordam as partes, por exemplo, que o devedor só responderá se agir com dolo ou com culpa grave. Restringe-se a responsabilidade a uma culpa qualificada. O que significa que esta cláusula limitativa constitui, ao mesmo tempo, uma cláusula de exclusão por culpa leve, visto que o alcance da mesma é exonerar o devedor sempre que o incumprimento não lhe seja imputável a título de dolo ou culpa grave…” – “Cláusula Penal e Indemnização”, Almedina, 1990, págs.235 e segs.

Sobre a previsão do artigo 809º, manifesta o entendimento de que “a ratio desta norma parece implicar que só deverão considerar-se proibidas as cláusulas de exclusão que abranjam o não cumprimento doloso, ficando salvaguardada, em princípio, a possibilidade de as partes convencionarem validamente a exclusão da responsabilidade por culpa leve, visto que esta cláusula não desfigurará o sentido jurídico da obrigação nem impedirá a exigibilidade do direito de crédito” – “Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil”, pág. 217.

Nuno Pinto Oliveira, in “Princípio de Direito dos Contratos”, págs. 899 e segs., sobre as cláusulas relativas ao não cumprimento, e sobre o art. 809º do Código Civil, refere:   “Entre o art. 809.° do Código Civil e o art. 18.°, al. c), da LCCG há uma contradição teleológica: enquanto no art. 809.° do Código Civil a ordem jurídica associa às cláusulas de exclusão da responsabilidade do devedor por culpa leve, e só por culpa leve, a consequência jurídica “invalidade” (nulidade), no art. 18.°, al. c), da LCCG a ordem jurídica associa-lhes a consequência jurídica “validade”.

O problema da contradição teleológica entre os dois artigos deverá resolver-se através de uma adequada interpretação restritiva do art. 809.° do Código Civil.

Se nos contratos negociados, cuja disciplina assenta no pressuposto da igualdade dos contraentes e em que, por isso, os perigos de abuso das cláusulas de irresponsabilidade por culpa leve são normalmente menores, o legislador proíbe as cláusulas de irresponsabilidade por culpa leve (através do art. 809.° do Código Civil), nos contratos por adesão, cuja disciplina assenta no pressuposto da desigualdade dos contraentes e em que, por isso, os perigos do abuso de cláusulas de irresponsabilidade por culpa leve são normalmente maiores, o legislador teria duas alternativas — confirmar a doutrina geral, proibindo as cláusulas de irresponsabilidade por culpa leve, ou contradizer essa doutrina geral, permitindo-as.

O art. 18.° da LCCG exprime a opção pelo segundo termo da alternativa; ora, a contradição teleológica entre o art. 18.° da LCCG e o art. 809.° do Código Civil conflitua com o princípio/projecto de unidade do sistema jurídico, devendo atenuar-se através de uma interpretação “criativa” do art. 809. ° do Código Civil.

Ora a interpretação “criativa” do art. 809.° do Código Civil dirigida a obter uma concordância material com o art. 18.°, al. c), da LCCG concretizar-se-á numa interpretação restritiva. O art. 809.° do Código Civil proibirá as cláusulas de irresponsabilidade do devedor por dolo ou por culpa grave, e só as cláusulas de irresponsabilidade do devedor por dolo ou por culpa grave, e não proibirá as cláusulas de irresponsabilidade do devedor por culpa leve, e só por culpa leve.” (destaque e sublinhado nosso)

A limitação da responsabilidade do predisponente, nos termos constantes da cláusula 5.6, em apreciação, viola o art. 18º, c) por limitar, sem qualquer critério que permita fazer um juízo de justa proporção entre a sua conduta em termos de culpa, nas modalidades referidas (dolo e culpa grave por contraponto a culpa leve e levíssima) e os danos resultantes do seu incumprimento para o aderente: a manter-se tal estipulação, fosse qual fosse a magnitude dos danos para o aderente – danos directos e indirectos a indemnizar pela teoria da diferença nos termos dos arts. 562º a 564º do Código Civil –, e a modalidade da sua actuação culposa, a indemnização a pagar pela AA não excederia, em caso algum, três de meses de facturação. Se pensarmos que o eventual incumprimento do contrato pode gerar responsabilidade não apenas contratual, é patente que a cláusula não pode manter-se, também por violar, patentemente, as regras da boa fé.

O Professor Joaquim Sousa Ribeiro no Estudo, “O Regime dos Contratos de Adesão Algumas questões decorrentes da transposição da directiva sobre as clausulas abusivas” publicado, in “Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. IIII – Direito das Obrigações”, págs.230/231: “Na valoração supra-individual, a boa fé, numa extensão funcional digna de nota, interpenetra-se com parâmetros de proporcionalidade e razoabilidade contratuais. As cláusulas abusivas são-no porque iníquas, porque desvirtuam significativamente, de modo excessivo e intolerável, o equilíbrio da composição de interesses.

Na particular situação dos contratos de adesão, a boa fé impõe ao predisponente um especial dever de moderação no exercício unilateral da liberdade de estipulação, de forma a não prejudicar desmesuradamente os interesses do aderente; é pela boa fé, de igual modo, que deve ajuizar-se se ele teve ou não devidamente em conta esse dever (…).

Para isso há que avaliar, como se diz no art. 3.°, n.°1, da directiva sobre as cláusulas abusivas, se a cláusula dá origem a “um desequilíbrio significativo” entre os direitos e as obrigações das partes, em detrimento daqueles interesses.”

Por na dita cláusula não se entrever, nem proporção nem razoabilidade contratual, antes dela decorrer um excessiva e desproporcional protecção dos interesses próprios do predisponente, se e quando for chamada a indemnizar danos a si imputáveis, não pode ela manter-se.

Sousa Ribeiro, in “Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais”, in “Direito dos Contratos”, pág. 144 a 146: “O art. 19.º c) “ é de aplicação geral, não só às cláusulas penais por incumprimento do contrato, como ainda à prévia estipulação das quantias devidas por factos extintivos lícitos, admitidos por lei ou pelo programa relacional, mas impositivos da obrigação de indemnizar”, sendo “pela alínea c) do art. 19º que deverá ser medida a predeterminação, em caso de revogação, denúncia antecipada ou desistência de um contrato, das prestações a efectuar ou a reter, como compensação de desvalorizações sofridas ou de lucros cessantes”, sem prejuízo de, “nestes casos, na fixação da indemnização, deverem ser contabilizados os gastos que o predisponente poupou com a extinção antecipada do contrato”.     

Quanto à Cláusula 5.9:

É uma cláusula de foro, segundo a qual são exclusivamente competentes as comarcas de … e de …, para todas as questões eventualmente emergentes da aplicação e/ou interpretação do presente contrato, com expressa renúncia a quaisquer outras.

Como resulta provado, a Ré tem a sua sede na Comarca de … e tem mais de 25000 contratos em vigor. A valer tal estipulação qualquer litígio, em qualquer parte do território nacional, teria que ser dirimido judicialmente na comarca da sede da Ré, ou na próxima comarca de ….

Cumpre indagar se a cláusula viola a al. g) do art. 19º das ccg que estipula – “São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que…Estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.”

Nas suas doutas alegações a Ré – fls. 808 a 809 – aduz: “Como se referiu sempre (e já mesmo no âmbito do Processo Administrativo que originou esta Acção), esta cláusula, e após a reforma do art. 74º do Código de Processo Civil de 2006, deixou de ser aplicada, considerando-se como não escrita.

A partir do momento em que, como regra, o devedor passou a ter de ser demandado no foro do seu domicílio, esta cláusula deixou de poder ser utilizada, pois … e … passaram a considerar-se incompetentes em razão do território, remetendo os processo para os Tribunais competentes.

Este é o exemplo acabado de uma inutilidade petitória e a demonstração de que o contrato não se sobrepõe à Lei e que a AA a cumpre (daí a desnecessidade da publicitação a que atrás aludimos).

Esta cláusula não tem – de há 9 anos para cá – qualquer aplicação, e mais do que considerar-se excluída, tem de considerar-se como não escrita… Em síntese: a AA discorda do entendimento, mas já desde 2006 que cumpre o Código de Processo Civil, e essa cláusula é – para as partes em todos os contratos – considerada não escrita, leia-se morta.”

Muito embora a Ré afirme que, na execução do contrato, considera a cláusula do foro “não escrita, letra morta”, não consta provado que as tivesse banido dos contrato, pelo que, mesmo depois da alteração do art. 74º do Código de Processo Civil – (Competência para o cumprimento da obrigação), introduzida pela Lei nº14/2006, de 26.4, aplicável às acções instauradas após a sua entrada em vigor (1.1.2006), que no seu nº1 estabelece – “A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana.”

           

A Lei nº14/2006 veio a consagrar, para o tipo de acções referido no nº1, a regra da competência territorial do tribunal da comarca do demandado.

O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) nº12/2007 do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.10.2007 (DR, I, de 6.12.2007), fixou o entendimento de que – “As normas dos arts. 74.º, nº1, e 110.º, n.º1, alínea a), ambos do Código de Processo Civil, resultantes da alteração decorrente do art. 1.º da Lei n.º 14/2006, de 26.4, aplicam-se às acções instauradas após a sua entrada em vigor, ainda que reportadas a litígios derivados de contratos celebrados antes desse início de vigência com cláusula de convenção de foro de sentido diverso”. Como se refere na sua fundamentação, o legislador de 2004 visou, entre outros objectivos,“a defesa das partes mais fracas, em particular os cidadãos consumidores, que passaram a beneficiar da proximidade em relação aos tribunais no sentido da sua estrutura física.”

Ao citado art. 74º do Código de Processo Civil (na redacção da Lei n.°14/2006, de 26.4.) corresponde, depois da Reforma de 2013, o art. 71º que manteve integralmente a redacção do preceito, valendo, pois, a doutrina do AUJ. Nos termos do art. 110º do Código de Processo Civil, actual art. 104º, a incompetência em razão do território deve ser oficiosamente conhecida pelo tribunal sempre que os autos forneçam os elementos necessários, nos casos previstos no nº1, a), ou seja: “Nas causas a que se referem o artigo 70.°, a primeira parte do n.°1 e o n.°2 do artigo 71.°, os artigos 78.°, 83.° e 84.°, o n.°1 do artigo 85.°, a primeira parte do n.°1 e o n.° 2 do artigo 89.°”.

Em face das alterações legislativas e da doutrina do AUJ é agora claro que a cláusula de foro, em apreciação, é proibida devendo ser expurgada do contrato, pelo que não releva a alegada prática da Ré que, apesar de considerar a cláusula não escrita, a mantém no contrato.

O Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 20.1.2010 – Proc. 3062/05.0TMSNT.L1.S1 – acessível em www.dgsi.pt, em apreciação da cláusula de foro idêntica num contrato de adesão, sendo predisponente uma empresa de leasing afirmou:

“Reconhecendo-se que a referida cláusula tem actualmente um âmbito muito reduzido considerada a nova redacção dada ao artigo 74.º/1 e à alínea a) do artigo 110.º ambos do Código de Processo Civil e atenta ainda a prolação do acórdão de uniformização de jurisprudência de 18.10.2007 – tal cláusula será aplicável a situações em que a resolução se fundamenta na alteração das circunstâncias ou nas acções de anulação ou de declaração de nulidade que a ré possa intentar.”

O Acórdão manteve a decisão da Relação de Lisboa, cujos argumentos sufragou, e que foram os seguintes: “Ora, o objectivo da Lei nº14/2006 mostra-se explicitado na Proposta de Lei nº 47/X que foi discutida, na generalidade, na Assembleia da Republica, em 02.02.2006.

Resulta da exposição de motivos constante da aludida Proposta de Lei que se visou, não só reforçar o valor constitucional da defesa do consumidor, sobretudo perante os grandes litigantes, em regra bancos e sociedades financeiras, mas também descongestionar os Tribunais, tendo em consideração a obtenção de um maior equilíbrio da distribuição territorial da litigância, com especial ponderação para chamada litigância de massa.

Foram, portanto, seleccionadas pelo legislador, as acções que constituem a esmagadora maioria da aludida litigância de massa – acções propostas por empresas com vista à recuperação dos seus créditos provenientes de situações de incumprimento contratual e que recorrem aos tribunais, de forma massiva e geograficamente concentrada – deixando de fora algumas situações em que sempre se justificaria idêntica protecção do consumidor, mas provavelmente tão só por terem escasso relevo estatístico.

E é precisamente nessas restritas acções não englobadas no âmbito de aplicação do artigo 74º do Código de Processo Civil que a regra consagrada no artigo 85º, nº 1 do Código de Processo Civil (acções propostas pela locadora no Tribunal do domicílio do réu), poderá ser afastada pela cláusula contratual em apreço, implicando um desequilíbrio entre o interesse do consumidor, afectado com o alcance dessa cláusula, e o interesse do utilizador da mesma, com inconvenientes bem mais gravosos para o locatário/consumidor do que para a locadora, atento o maior esforço, quer em termos económicos, quer em incomodidade que dela acarretará para o primeiro – – cf. no sentido aqui defendido o Ac. R.L. de 10.04.2008, acessível no supra identificado sítio da Internet, aresto esse que acompanhámos de perto”.

 No caso, sendo patente a dimensão económica da Ré, (é facto notório que é uma empresa multinacional), dispondo de uma organização a nível nacional – factos provados 15) e 16) –, ante a necessidade de pleitear de qualquer aderente este teria que demandar a Ré no foro da sua sede ou na contígua comarca de …. Poderá constituir inconveniente grave, sob o ponto de vista económico, a aderentes residentes em localidades distantes daquelas comarcas, demandarem a ré no foro que impôs.

No contrabalanço entre as vantagens e inconvenientes de não haver cláusula de foro, funcionando a regra do Código de Processo Civil, a Ré não seria “prejudicada” de maneira mais acentuada que o seria um particular ou uma pequena empresa. Os meios de que dispõe a AA e a sua envergadura económica, não são incompatíveis com o funcionamento das regras de competência territorial constantes da lei processual civil, portanto, sem necessidade ponderável de impor que todos os aderentes a demandem nas comarcas que elegeu.

A Cláusula, pelo seu conteúdo, constitui cláusula relativamente proibida, face ao disposto no artigo 19.º, alínea g) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, logo nula, porque estabelece foro competente que pode envolver graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.

Finalmente, pretende a Ré que, a manter-se a decisão recorrida, não lhe seja dada publicidade, porque tendo empresas do mesmo ramo as mesmas ou idênticas cláusulas, não seriam afectadas, pelo que sofreria danos concorrenciais.

No item 48. das suas alegações – fls. 787 e 789 – escreveu: “No dia em que se publicitar uma decisão nesse sentido (nos termos do art. 30º e ss. do RJCCG), como a AA vem condenada a fazer – al. b) da parte decisória – todos os técnicos comerciais das suas empresas concorrentes, com meios estruturais e a dimensão da AA (ex.: BB, CC, DD, etc…), vão, nesse mesmo dia, aos clientes da AA, de porta em porta, propondo preços imbatíveis e explicando-lhes que já podem pôr termo aos seus contratos sem qualquer penalidade, pois as cláusulas foram declaradas nulas pelo Supremo Tribunal de Justiça…Em síntese, e sempre sem conceder, a ter de ser condenada a AA, deverá sê-lo sem publicidade, para evitar distorções imediatas do mercado, com perdas de negócio evidentes e incontornáveis, comprometendo-se a acatá-la (sob pena de responder nos termos legais por qualquer e toda a infracção que pratique).”

O art. 30º das ccg estatui: “1. A decisão que proíba as cláusulas contratuais gerais especificará o âmbito da proibição, designadamente através da referência concreta do seu teor e a indicação do tipo de contratos a que a proibição se reporta.

2. A pedido do autor, pode ainda o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine.”

Subjacentes à acção inibitória estão interesses de ordem pública, como desde logo, resulta da legitimidade activa conferida ao Ministério Público. Visando a acção inibitória a apreciação abstracta de cláusulas contratuais gerais elaboradas para utilização futura – art. 25º do DL.446/85 – a publicidade, podendo ser imposta ou não na decisão, tem um fim imediato que se exprime na proibição de inclusão em contratos onde constam e em futuros contratos, dirigida ao infractor, fim colimado à protecção do consumidor/aderente que, pela via da publicação da decisão judicial, fica informado e pode fazer a sua opção de modo a não contratar com quem predispõe cláusulas proibidas.

Ana Prata, in “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, em comentário ao art. 30º, escreve, págs. 626 e 627:

“Dizem Almeida Costa e Menezes Cordeiro que “a proibição de determinadas cláusulas contratuais gerais deve ser concretizada. Por isso, o n.°1 determina que a decisão condenatória especifique o âmbito da proibição, designadamente através da referência concreta do seu teor e da indicação do tipo de contrato a que a proibição se reporta.

Este último aspecto tem relevância, sobretudo, nas cláusulas relativamente proibidas, dependentes de juízos de valor formulados no quadro negocial padronizado […]”.

“[…] A publicitação da decisão judicial é um instrumento que pode ter grande impacte no mercado, quer na sua função dissuasora da utilização de cláusulas nulas, quer na vertente pedagógica e de informação dos sujeitos que recorrem a empresas para satisfação de necessidades. G. Alpa (…) acrescenta uma outra vantagem: a de dar a conhecer aos outros tribunais a orientação adoptada quanto a cada cláusula pelo tribunal encarregado da acção, o que promoverá a uniformização jurisprudencial, em princípio em sentido favorável ao aderente (já que as decisões publicitadas serão necessariamente proibitivas, acrescento eu).

Não se ignora o quanto a publicação de informações deste tipo influência o mercado. Talvez tivesse sido preferível conferir ao tribunal competência oficiosa para a iniciativa de dar publicidade às decisões, não tendo restringido a lei a decisão ao pedido do autor. Isto, acompanhado da indicação dos órgãos através dos quais essa publicidade seria veiculada, poderia constituir um instrumento importante de acatamento do regime deste diploma. Os investimentos empresariais em publicidade são bem demonstrativos de quanto as empresas se esforçarão por evitar esta que lhes é desfavorável.

De lamentar é, pois, que a publicitação, por um lado, fique dependente de pedido do autor e, por outro, que o tribunal possa não o atender.”

Salvo o devido respeito, a pretensão da Recorrente não está ancorada em argumentos que este Tribunal, em sede de recurso de revista excepcional, deva atender. Não se pode considerar que existam motivos, sobretudo os invocados pela Ré, que apenas pretende curar dos seus interesses económicos, que levem a omitir a publicidade protectora do interesse abstracto dos consumidores, que o normativo citado consagra como regra.

 A possível concorrência predatória de outras empresas concorrentes da Recorrente, que, logo se aprestariam, num desleal “porta a porta”, a minar a carteira de clientes da Ré, não pode entender-se como regra, num mercado em que a concorrência é regulada exercendo uma função selectiva, que naturalmente premiará os que agem acatando as regras, sobretudo, no caso em que estão em causa contratos de uma empresa de grande dimensão económica e inserção no mercado, tendo por objecto a manutenção, reparação, montagem e comércio de ascensores, escadas rolantes e outros aparelhos de elevação e transporte, muitos deles em lugares públicos, utilizando na sua contratação contratos de adesão.

A publicidade da decisão que proíbe cláusulas em acção inibitória tem uma função cívica, informativa, dirigida à protecção dos consumidores[5], pelo que só razões muito excepcionais – (não se conhecem em decisões judiciais nesse sentido) – determinariam que se omitisse a publicidade. Não se vislumbra, pois, fundamento para atender a pretensão da Ré.

Pelo quanto se disse o recurso soçobra.

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

I) As acções inibitórias visam a tutela dos interesses difusos dos consumidores/aderentes, encontram-se genericamente previstas no art. 52º da CRP e, no âmbito do direito do consumo, no art. 10º, nº 1, da Lei de Defesa do Consumidor e no art. 25º do Dec.-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°220/95, de 31 de Agosto, relativo às cláusulas contratuais gerais (ccg).

II) – O facto de o contraente que propõe contratos cujas cláusulas são predispostas por si, consentir na negociação de algumas, não exclui que se qualifique o contrato como contrato de adesão: o que importa é saber se o aderente pode negociar as que lhe aprouver, pois se, desde logo, a sua margem de negociação está balizada, condicionada, pelo predisponente, existe um quadro impositivo em que as cláusulas de negociação individual só seriam contempladas pela opção do predisponente. Importará considerar, olhando o contrato como um todo, o quadro negocial padronizado, onde certamente existem cláusulas mais importantes e outras não tanto, quais as que consentem negociação individual e que o predisponente aceita modificar.

III) – Constituindo o conteúdo essencial do contrato cláusulas fixas, de formulário, pré-elaboradas pela parte que as predispõe para a negociação por adesão, mesmo que não exista impossibilidade absoluta de modificação, ainda aí se está perante um contrato de adesão que não é descaracterizado pelo quantum que nele possa ingressar para acolher interesses peculiares do contraente.

IV) – Para se qualificar um contrato como de adesão releva, além do mais, que exista “unilateralidade da predisposição” e que, em relação ao conteúdo negocial que contemple genérica e massivamente os interesses económicos do predisponente, o potencial aderente nada possa negociar assistindo-lhe a possibilidade de aceitar ou rejeitar em bloco, ou seja, se a negociação deferida ao aderente não versar sobre cláusulas que constituem o núcleo essencial do conteúdo contratual, não o içando do patamar inferior da sua débil força negocial para o igualar ao predisponente, deve considerar-se que se está perante um contrato de adesão sujeito ao regime jurídico das ccg.

V) – Nas cláusulas 5.5.2 e 5.7.4, atento o critério ressarcitório inserto nas cláusulas penais, equipara-se, objectivamente, o cumprimento pontual à cessação do contrato, seja no caso de mora do aderente, seja no caso de sua denúncia antecipada, não se atendendo à vantagem económica que advém para o predisponente da cessação imediata do contrato, introduzindo na equação económica do negócio uma injustificada acentuação da posição de supremacia do predisponente.

VI) – A cláusula 5.6 é limitativa da responsabilidade contratual, em caso de incumprimento pela AA, que, tendo que indemnizar o aderente, estipulou que o valor da indemnização tem como limite três meses de facturação da AA: sejam quais forem os danos para o aderente, resultantes do incumprimento pela predisponente, a extensão dos danos não terá qualquer influência na indemnização, porquanto o valor não poderá exceder três meses de mensalidades.             Viola o art. 18º, c) da lccg por limitar, sem qualquer critério que permita fazer um juízo de justa proporção, entre a sua conduta, em termos de culpa nas modalidades de dolo e culpa grave, por contraponto a culpa leve e levíssima, e os danos resultantes do seu incumprimento para o aderente.

VII) – A Cláusula 5.9 – cláusula de foro – pelo seu conteúdo, constitui cláusula relativamente proibida, face ao disposto no artigo 19.º, alínea g) do Decreto-Lei n.º446/85, de 25 de Outubro, logo nula, porque, impositivamente, estabelece foro competente que pode envolver graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra a predisponente o justifiquem.

VIII) – A temida possível concorrência predatória de outras empresas concorrentes da Recorrente, que fundamenta a sua pretensão de não publicação da decisão, se confirmatória, argumentando que logo se aprestariam, num desleal “porta a porta”, a minar a sua carteira de clientes, não pode entender-se como regra, num mercado em que a concorrência é regulada.

IX) – Subjacentes à acção inibitória estão interesses de ordem pública como, desde logo, resulta da legitimidade activa conferida ao Ministério Público: visando a acção inibitória a apreciação abstracta de cláusulas contratuais gerais elaboradas para utilização futura – art. 25º do DL.446/85 – a publicidade da decisão, podendo ser imposta ou não na decisão judicial, tem um fim imediato que se exprime na proibição de inclusão em contratos futuros, dirigida ao infractor, fim colimado à protecção do consumidor que, pela via da publicação da decisão judicial, fica informado e pode fazer a sua opção de modo a não contratar com quem predispõe cláusulas proibidas, pelo que só razões muito excepcionais, que não se verificam, determinariam que se omitisse a publicidade da decisão.

Decisão:

Nega-se a revista, decretando-se que:

- A cláusula 5.5.2. que dispõe: “Sempre que haja incumprimento do contrato por parte cliente e nomeadamente quando se verifique mora no pagamento de quaisquer quantias devidas à AA por mais de trinta dias, poderá esta resolver o presente contrato, sendo-lhe devida uma indemnização por danos, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado”; e;

- A cláusula 5.7.4 que estipula: “Em caso de denúncia antecipada do presente contrato pelo cliente a AA terá direito a uma indemnização por danos que será imediatamente facturada no valor da totalidade das prestações do preço devidas até ao termo do prazo contratado.” – ambas estabelecendo cláusulas penais para casos de incumprimento contratual pelos aderentes, são nulas nos termos do art. 19º, c) da LCCG, por serem desproporcionais aos danos a ressarcir;

A cláusula 5.6 que estipula – “Na situação de eventual incumprimento imputável à AA é expressamente aceite que a AA apenas responderá até à concorrência do valor de três meses de facturação AA do presente contrato, como máximo de indemnização apagar ao cliente”, estabelecendo uma limitação da sua responsabilidade sem ter em conta critérios que permitam avaliar a sua culpa, e as consequências do incumprimento para o aderente, é nula por violar o art. 18º b) da LCCG, sendo desproporcional e excessiva visando apenas a protecção de interesses próprios.           

A cláusula 5.9. que estipula serem competentes exclusivamente as comarcas de Lisboa e de Sintra para todas as questões eventualmente emergentes da aplicação e/ou interpretação do presente contrato (…) com expressa renúncia a quaisquer outras, viola o art. 19º g) da LCCG ao estabelecer foro competente, podendo acarretar graves inconvenientes para os aderentes, que teriam que demandar a AA na comarca da sua sede ou numa comarca vizinha, é nula.

Custas pela Recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 14 de dezembro de 2016

Fonseca Ramos – Relator

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot

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[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.
[2] “É assegurado o direito de acção inibitória destinada a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas dos direitos do consumidor consignados na presente lei, que, nomeadamente: a) Atentem contra a sua saúde e segurança física; h) Se traduzam no uso de cláusulas gerais proibidas; c) Consistam em práticas comerciais expressamente proibidas por lei”.
[3] Almeno de Sá, referindo-se à valoração, à luz do quadro negocial padronizado, afirma que “Haverá de fazer-se tendo como referente, não o contrato singular ou as circunstâncias do caso, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o caracterizam, no interior de todo o regulamento contratual genericamente predisposto. Deste modo, na ponderação aqui pressuposta, não são os interesses individuais dos intervenientes que directamente ganham relevo, mas os interesses típicos do círculo de pessoas normalmente implicadas em negócios da espécie considerada. Torna-se, por isso, essencial a consideração da situação contratual típica e não meramente as vicissitudes particulares do negócio realizado”.
No Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 21.3.2006, in CJ/STJ, Ano XIV, Tomo I, págs. 145 a 147), pode ler-se: “O juízo valorativo sobre a proibição das cláusulas tem de se operar em função das cláusulas tomadas na sua globalidade e de acordo com a generalidade dos padrões considerados, na sua compatibilidade e adequação ao ramo ou sector da actividade negocial a que pertencem excluindo-se uma justiça do caso concreto, como resulta da aludida referência ao quadro negocial padronizado – (vide Pinto Monteiro, “Cláusula Penal e Indemnização, 594)”.
[4] “É nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no n.°2 do artigo 800.”
[5] Em comentário ao art. 30º pode ler-se, in “Cláusulas Contratuais Gerais – DL.446/85 – Anotado – Recolha Jurisprudencial”, de José Manuel de Araújo Barros – “A necessidade das especificações do n.°1 está relacionada com os mecanismos previstos no n.°2 e nos artigos 34.° e 35.°, bem como com a eficácia que se pretende dar à decisão, nos termos do art. 32º. Visa-se uma espécie de efeito de precedente, dissuasor do recurso a cláusulas abusivas — Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, págs. 118 e segs.
A publicação tomou-se obrigatória (não só a pedido do autor…), por força do disposto no artigo 11 °. N.° 3, da Lei Defesa do Consumidor (Lei n.°24/96, de 31 de Julho): “transitada em julgado, a decisão condenatória será publicitada a expensas do infractor, nos termos fixados pelo juiz”.