Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3325/17.2T8LSB-B.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RAIMUNDO QUEIRÓS
Descritores: ACORDÃO FUNDAMENTO
FOTOCÓPIA
REJEIÇÃO DE RECURSO
INSOLVÊNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
OMISSÃO DE FORMALIDADES
ÓNUS JURÍDICO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
FORÇA VINCULATIVA
TRIBUNAL SUPERIOR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 10/27/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NÃO SE CONHECE DO OBJECTO DO RECURSO.
Sumário :

I- O artigo 14.º, n.º 1, do CIRE permite que, excepcionalmente (mas independentemente da dupla conforme), haja lugar a revista quando o acórdão da Relação esteja em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.

II- Para permitir aferir dessa oposição, o n.º 2 do artigo 637º do CPC obriga o recorrente acompanhar o requerimento de recurso com cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento, sob pena de rejeição imediata do recurso.

III- No caso dos autos, por despacho da Desembargadora/Relatora foi concedido  prazo para a junção de cópia do acórdão fundamento, e após diversas prorrogações, o recorrente acabou por juntar essa cópia quase dois meses depois da interposição do recurso.

IV- A decisão da Desembargadora/Relatora, concedendo o prazo para a junção da certidão do acórdão fundamento não vincula o tribunal superior na sua autonomia de apreciar os pressupostos de admissibilidade do recurso, como decorre expressamente do nº 5 do artº 641º do CPC.

V- Assim, não tendo o recorrente apresentado imediata e juntamente com o requerimento de interposição do recurso cópia do acórdão fundamento, não deu cumprimento à exigência do nº 2 do artº 637º do CPC, pelo que o recurso terá de ser rejeitado.

Decisão Texto Integral:

          

Processo 3325/17.2T8LSB-B.L1.S1- 6ª Secção

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I- Relatório

O Novo Banco, S.A., requereu a declaração de insolvência de AA.

O citado veio deduzir oposição.

Realizada a audiência, veio a ser decretada, por sentença, a insolvência do requerido.

Inconformado, o requerido interpôs recurso de apelação.

O Tribunal da Relação de Lisboa, proferiu acórdão, negando provimento ao recurso, mantendo a sentença.

Deste acórdão veio o requerido interpor recurso de revista excepcional, por contradição de acórdãos, ao abrigo do disposto no artº 672º, nº 1, al. c) do CPC.

Na Relação, a Desembargadora/Relatora ordenou a subida do recurso a fim de a Formação a que alude o artº 672º, nº 3 do CPC, decidir quanto à verificação dos pressupostos da revista excepcional.

Por despacho do ora Relator, foram os autos remetidos à Formação para este efeito.

A Formação não admitiu o recurso de revista excepcional, com a seguinte fundamentação:

“AA pretende recorrer perante este Supremo Tribunal do acórdão da Relação que confirmou a decisão de 1ª instância mediante a qual foi decretada a sua insolvência, que havia sido requerida pela Novo Banco SA, tendo invocado a contradição entre o julgado no acórdão impugnando e o decidido pelo acórdão da Relação de Évora de 21-01-2016 (p. 457/15.5T8BJA-B.E1), ao abrigo do artigo 672º/1/c) do CPC.

Salvo o devido respeito, a pretensão recursiva é abarcada pelo regime do artigo 14º do CIRE, que o legislador configurou em termos de especialidade, razão pela qual o mesmo deve prevalecer sobre o regime geral, designadamente o previsto no art. 672º do CPC, referente à admissibilidade excepcional da revista.

Ora, na competência específica desta Formação apenas cabe a verificação dos pressupostos elencados no nº 1 desse art. 672º, não dos impostos pela citada regra especial do CIRE, o que obsta à pronúncia sobre a admissibilidade do recurso interposto, como este Tribunal tem entendido reiteradamente. É certo que, na Relação, a Sra. Desembargadora admitiu o recurso como de revista excepcional e, na sequência, o Sr. Conselheiro Relator da 6ª Secção deste Supremo Tribunal determinou a remessa dos autos a esta Formação para apreciação da verificação do fundamento invocado para a admissibilidade excepcional da revista.

Porém, não sendo o despacho da Sra. Desembargadora vinculativo (art.641.º, nº 5, do CPC), ainda poderá este Tribunal integrar a pretensão recursiva no regime da citada regra especial do CIRE. Assim, devolva os autos ao Exmo. Relator para, se assim o entender, poder apreciar a admissibilidade da revista”.

Por despacho do ora Relator não foi admitido o recurso de revista.

Inconformado o requerido vem reclamar deste despacho para a conferência, nos termos do artº 652º, nº 3 do CPC, alegando o seguinte:

“1º A douta decisão singular datada de 1-06-2020, que não admitiu o recurso de revista excepcional refere que:

“Resulta do relatório que o recorrente interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 672º, nº 1, alínea c).

Como bem refere o acórdão da Formação, aos presentes autos aplica-se a regra especial recursiva prevista no artº 14º, nº 1 do CIRE e não as regras gerais previstas no artº 671º e ss. do CPC.

(…) O artigo 14º, nº 1, do CIRE permite que, excepcionalmente (mas independentemente da dupla conforme), haja lugar a revista quando o acórdão da Relação esteja em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme. Este regime restritivo de recursos encontra justificação na necessidade de ser conferida celeridade ao processo de insolvência (e de revitalização), em ordem à rápida estabilização da instância.

(…) De facto, de harmonia com o preceituado naquele artigo 14º, nº 1 do CIRE apenas há lugar a recurso normal de revista – haja ou não dupla conformidade – no caso de existir oposição de acórdãos.

(…) Para permitir aferir dessa oposição, o nº 2 do artigo 637º do CPC obriga o recorrente à junção de cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento, sob pena de rejeição imediata do recurso.

(…) É certo que o recorrente identifica o acórdão da Relação de 21-01-2016 (p. 457/5.5T8BJA-B.E1) que, alegadamente, estaria em oposição com o acórdão recorrido. Todavia, apesar de indicar que protesta juntar, o recorrente não juntou com as alegações de revista a pertinente cópia, ainda que não certificada, deste aresto. (destaque nosso)

Ora, a douta decisão reclamada considerou que o autor/recorrente não juntou com as alegações de revista cópia do acórdão fundamento.

3º E não tendo sido junta cópia do douto aresto, o Exmo. Conselheiro Relator não admitiu o recurso de revista interposto pelo autor.

4º De facto, o artigo 637º, nº 2, do CPC estatui que: “O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento”

5º E como bem refere a douta decisão reclamada: “A forma clara como está redigida a norma do artigo 637º, nº 2, do CPC dissipa quaisquer dúvidas quanto à inexigibilidade do convite ao aperfeiçoamento”.

6º Porém, com o devido respeito, que é seguramente muito, a douta decisão reclamada padece de erro de facto.

Vejamos:

7º O autor AA interpôs recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça no dia 4-12-2019 do Acórdão proferido nos autos a 12.11.2019.

8º Nas suas alegações, o autor protestou juntar em prazo não superior a 20 dias certidão do Acórdão fundamento.

9º No dia 9-01-2020 o autor pediu a prorrogação do prazo por mais 10 dias para juntar aos autos a referida certidão.

10º Por douto despacho datado de 10-01-2020 foi deferida a prorrogação do prazo.

11º Posteriormente, no dia 23-01-2020 o autor pediu nova prorrogação do prazo por mais 5 dias para juntar aos autos a certidão do Acórdão fundamento.

12º Por douto despacho datado de 27-01-2020 foi deferida a prorrogação do prazo.

13º O autor foi notificado deste último despacho no dia 29-01-2020.

14º Assim, o último dia do prazo para juntar a referida certidão, sem multa, terminava a 10-02-2020.

15º E, nesse mesmo dia, o autor/recorrente juntou aos autos a certidão do Acórdão fundamento.

16º Isto posto, o autor/recorrente juntou a referida certidão nos termos do artigo 637º, nº 2 do CPC.

17º Acresce que, o autor/recorrente poderia ainda praticar o acto mediante o pagamento de multa nos termos do disposto no artigo 139º, nº 5 do CPC.

18º No entanto, o autor/recorrente juntou a referida certidão dia 10-02-2020 (último dia do prazo sem multa), como acima se referiu.

19º Pelo exposto, considerando o alegado supra, deverá o recurso de revista excepcional interposto pelo autor ser admitido”.

II- Cumpre decidir sobre a admissibilidade do recurso.

O despacho do Relator ora reclamado tem o seguinte teor:

«Resulta do relatório que o recorrente interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do artº 672, nº 1, al. c).

Como bem refere o acórdão da Formação, aos presentes autos aplica-se a regra especial recursiva prevista no artº 14º, nº 1 do CIRE e não as regras gerais previstas no artº 671º e ss. do CPC.

É certo que o recorrente não sustenta o recurso na norma especial recursiva prevista no artº 14, nº 1 do CIRE. Todavia, não deixaremos de apreciar a sua admissibilidade com fundamento neste normativo. 

Vejamos:

O regime de recurso estabelecido no artigo 14.º, n.º 1, do CIRE é um regime especial, aplicável no âmbito do processo de insolvência e do PER, que afasta, definitivamente, nos casos por ela abrangidos, a revista excepcional.

Dispõe-se nesta norma que “não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ela conforme”.

A interposição de recurso ao abrigo desta norma não prescinde, naturalmente, das regras e dos pressupostos gerais de admissibilidade de recurso (cfr., designadamente, dos artigos 629.º, 637º e 671.º do CPC) e depende sempre da demonstração de uma oposição de julgados.

O artigo 14.º, n.º 1, do CIRE permite que, excepcionalmente (mas independentemente da dupla conforme), haja lugar a revista quando o acórdão da Relação esteja em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.

Este regime restritivo de recursos encontra justificação na necessidade de ser conferida celeridade ao processo de insolvência (e de revitalização), em ordem à rápida estabilização da instância.

Lê-se, com efeito, no ponto 16. do preâmbulo do DL 53/2004, de 18 de Março:

A necessidade de rápida estabilização das decisões judiciais, que no processo de insolvência se faz sentir com particular intensidade, motivou a limitação do recurso a um grau apenas, salvo nos casos de oposição de acórdãos em matéria relativamente à qual não exista ainda uniformização de jurisprudência”.

Por este motivo, nunca haverá lugar à revista excepcional nos termos do artigo 672º, n.º 1, do CPC.

Por outro lado, a revista normal ao abrigo do artigo 14º, n.º 1, do CIRE não depende das condições que o n.º 3 do artigo 671º, n.º 3, do CPC postula como justificativas de uma situação de inexistência de dupla conforme: voto de vencido e fundamentação essencialmente diferente.

De facto, de harmonia com o preceituado naquele artigo 14º, nº 1 do CIRE apenas há lugar a recurso normal de revista – haja ou não dupla conformidade – no caso de existir oposição de acórdãos.

Para permitir aferir dessa oposição, o n.º 2 do artigo 637º do CPC obriga o recorrente à junção de cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento, sob pena de rejeição imediata do recurso. Dispõe este normativo:

O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento”.

Sobre esta exigência refere Abrantes Geraldes[1]:

Em acções em que o recurso seja, por regra, impedido em função do valor, da sucumbência ou de outro motivo legal, e se invoque a contradição entre a decisão e jurisprudência uniformizada do Supremo sobre a mesma questão fundamental de direito, nos termos do art.º 629.°, n.° 2, al. c), constitui requisito formal do requerimento de interposição (acoplando as respetivas alegações) a enunciação da questão de direito e a alusão à jurisprudência uniformizadora, como se refere na anot.ao art. 629.°.

Mas não basta a alusão genérica a tal requisito especial de recorribilidade, sendo necessário ainda que se junte cópia, ainda que não certificada, do acórdão-fundamento transitado em julgado.

O mesmo ónus deve ser cumprido nos recursos de revistas a que se alude nos arts. 629.°, n.° 2, al. d), e 671.°, n.° 2, ou no recurso de revista excecional do art. 672.°, n.° 1, al. c), sustentados em contradição entre o acórdão Relação que é objeto do recurso e outro acórdão dessa ou de outra Relação (ou do Supremo). Outrossim no recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, como se insiste nos arts. 688.° e 690.°, n.° 2.

 Como se refere nas anotações a tais preceitos, para além de se revelar necessária a indicação da questão jurídica que, sendo essencial para ambos os arestos, foi resolvida contraditoriamente, é imprescindível ainda a apresentação de cópia, ainda que não certificada, do acórdão-fundamento transitado em julgado, sem a qual os recursos devem ser rejeitados”.

Não se olvida que o artigo 14º do CIRE institui um regime de recursos especial, regulando de forma rigorosa as condições específicas de recorribilidade nos processos de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência.

No entanto, para além desses pressupostos específicos, todos os demais requisitos e formalidades gerais dos recursos são disciplinados pelo Código de Processo Civil, por força da remissão operada pelo artigo 17º do CIRE.

É certo que o recorrente identifica o acórdão da Relação de Évora de 21-01-2016 (p. 457/15.5T8BJA-B.E1) que, alegadamente, estaria em oposição com o acórdão recorrido.

 Todavia, apesar de indicar que protesta juntar, o recorrente não juntou com as alegações da revista a pertinente cópia, ainda que não certificada, deste aresto.

A previsão constante do n.º 2 do artigo 637º é reveladora da exigência que se pretende impor no exercício de um ónus processual em situações em que, por regra, o recurso não é admissível, tanto mais que, tratando-se de recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça esse rigor é naturalmente mais justificado.

A jurisprudência do STJ tem sido assertiva no sentido de que o recurso de revista ao abrigo do artº 14º do CIRE não pode ser admitido se o recorrente não junta cópia do acórdão-fundamento e não demonstra a existência de oposição de julgados entre esse acórdão-fundamento e o ora recorrido. Dois exemplos, cujos sumários se transcrevem:

Perante a regra da inadmissibilidade do recurso para o STJ nas acções de insolvência, prevista no art. 14º, n.º 1, do CIRE, a parte que pretenda recorrer tem logo de demonstrar a existência de um acórdão de um tribunal da Relação ou do STJ em que haja sido decidido de forma oposta a mesma questão fundamental de direito.

Caso a parte não alegue e comprove logo a existência desse acórdão fundamento, deve o Desembargador Relator (…) rejeitar o recurso.

Admitido o recurso na Relação, não tem o Conselheiro Relator de, antes de indeferir a revista, convidar os recorrentes a suprir a falta de apresentação do referido acórdão” – Ac. STJ de 25.05.2017 (Conselheiro João Camilo)[2] .

Deve ser indeferido o recurso para o STJ ao abrigo do disposto no art. 14º, n.º 1, do CIRE, se o recorrente não demonstra a invocada oposição de acórdãos, porque não junta cópia de algum deles” – Ac. STJ de 26.09.2017 (Conselheiro Salreta Pereira).

Neste mesmo sentido, se pronunciou o acórdão desta 6ª Secção, de 18.06.2019, p. 4241/17.3 T8LSB.L2.S2, de que fui Relator.

  Esta posição do STJ afasta a possibilidade de a falta cometida poder ser suprida mediante convite ao aperfeiçoamento.

A forma clara como está redigida a norma do artigo 637º, n.º 2, do CPC dissipa quaisquer dúvidas quanto à inexigibilidade do convite ao aperfeiçoamento: “(…) o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena imediata de rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento”.

Nesta conformidade, o recurso não poderá ser admitido, ao abrigo do artº 14º, nº 1 do CIRE».

Vem agora o Reclamante alegar que, aquando da junção das alegações de recurso, solicitou a concessão de um prazo para juntar a certidão do acórdão fundamento. Prazo que lhe foi concedido e sucessivamente prorrogado pela Desembargadora/Relatora, acabando por juntar tal certidão aos autos em 10 de Fevereiro de 2020.

Esta argumentação não tem a virtualidade de inverter o despacho de não admissibilidade do recurso, ora em reclamação. Vejamos:

O Recorrente interpôs recurso de revista em 14 de Dezembro de 2019, e, ao invés, de juntar imediatamente cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento, conforme a exigência do artº 637º, nº 2 do CPC, veio solicitar prazo para a sua junção. Por despacho da Desembargadora/Relatora foi-lhe concedido prazo para a junção da certidão, e após diversas prorrogações, o recorrente acabou por juntar essa cópia quase dois meses depois da interposição do recurso.

Todavia, a decisão da Desembargadora/Relatora, concedendo o prazo para a junção da certidão do acórdão fundamento, e só após essa junção se ter pronunciado favoravelmente sobre admissibilidade do recurso, ordenando a subida dos autos, não vincula o tribunal superior na sua autonomia de apreciar os pressupostos de admissibilidade do recurso, como decorre expressamente do nº 5 do artº 641º do CPC.  

Assim, como se refere no despacho em reclamação, traduzindo-se o recurso num conflito jurisprudencial, o recorrente terá de juntar obrigatoriamente, com a interposição do recurso, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento, exigência imposta pelo nº 2 do artº 637º do CPC. A previsão constante desta norma é reveladora da exigência que se pretende impor no exercício de um ónus processual em situações em que, por regra, o recurso não é admissível.

A forma clara como está redigida a norma do artigo 637º, n.º 2, do CPC dissipa quaisquer dúvidas quer quanto à obrigatoriedade de junção imediata, quer quanto à inexigibilidade do convite ao aperfeiçoamento: “(…) o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena imediata de rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento”.

Como se refere no acórdão deste Tribunal de 25.05.2017 (Relator João Camilo), citado no despacho em reclamação, caso a parte não alegue e comprove logo a existência desse acórdão fundamento, deve o Desembargador Relator rejeitar o recurso, não havendo lugar ao convite ao aperfeiçoamento, nem por parte da Relação nem por parte do Supremo.

Ao juntar a cópia certificada do acórdão fundamento, decorridos cerca de dois meses depois do requerimento de interposição do recurso, o recorrente não deu cumprimento à exigência da entrega dessa cópia juntamente com esse requerimento, tal como decorre do artº 637º, nº 2 do CPC.   

Nesta conformidade, é de manter o despacho em reclamação.

 

III- Decisão:

Pelo exposto, não se admite o recurso, não se conhecendo do seu objecto.

Lisboa, 27 de Outubro de 2020

Custas pelo Recorrente

Raimundo Queirós (Relator)

Ricardo Costa

Ana Paula Boularot (vencida nos termos da declaração de voto que junto)

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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PROC 3325/17.2T8LSB-B.L1.S1

6ª SECÇÃO

Declaração de voto.

Não acompanho a tese que faz vencimento, pelas seguintes razões.

Nos autos de insolvência de AA, veio este interpor recurso de Revista do Acórdão da Relação de Lisboa que confirmou a sentença proferida que declarou a sua insolvência, nos termos do artigo 14º, nº1 do CIRE tendo invocado a contradição entre o julgado no acórdão impugnando e o decidido pelo acórdão da Relação de Évora de 21 de Janeiro de 2016, cuja cópia fez juntar ainda em segundo grau, depois de vários convites que lhe foram formulados para o efeito pela Exª Desembargadora Relatora.

Contudo neste Supremo Tribunal de Justiça, para além do Exº Relator em despacho singular prosseguir com a tese formalista de que o Acórdão fundamento tem de acompanhar o requerimento de interposição de recurso, fazendo aplicar «à risca» o preceituado no artigo 637º, nº2 do CPCivil, a maioria do Colectivo que aqui faz vencimento, mantém tal posição, ao arrepio, por um lado, da circunstância de ter sido concedido prazo ao Recorrente para o fazer e ter sido junta a cópia do Acórdão em oposição ainda no Tribunal da Relação, violando assim frontalmente o princípio da confiança que foi incutido ao Recorrente naquela instância e, por outro lado, ignora por completo o entendimento que se tem vindo a adoptar neste Supremo Tribunal de Justiça qual é o de convidar a parte a suprir tal omissão, aliás na esteira de decisões anteriormente tomadas pelo Tribunal Constitucional em casos paralelos de admissibilidade das Revistas excepcionais, as quais poderiam, como podem, ser rejeitadas por falta de junção de cópia do Acórdão fundamento (artigo 721º-A, nº1, alínea c) e nº2 alínea c) do CPCivil pretérito, actual artigo 672º, nº1, alínea c) e nº2, alínea c)), a rejeição liminar «tout court» com fundamento na omissão daquele dever, sem que previamente se convidem as partes a suprir a mesma, foi declarada inconstitucional por aquele Órgão nos Ac 620/2013, 1259/2013 e 368/ 2014, disponíveis na base de dados do site do Tribunal Constitucional em casos paralelos; neste preciso sentido cfr os Ac deste STJ de 21 de Outubro de 2014 e de 29 de Setembro de 2020, do qual fui Relatora, em caso análogo, in www.dgsi.pt e ECLI e Acórdão do Tribunal Constitucional 151/2020, publicado no DR II Série de 8 de Julho de 2020, produzido num caso idêntico ao destes autos.

Deferiria, pois a reclamação apresentada.

(Ana Paula Boularot)

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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª Ed., 2018, p. 135.

[2] Vide também neste sentido as Revistas, de 05/06/2018, nº 277/12.2T8PGR-A.G1.S2-6ª secção e nº 9155/16.1T8CBR-B.C1.S2, 6ª secção (Relator João Camilo) e a Revista de 26/02/2019, nº 5245/17.1T8CBR-A.C1.S2 (Relator Henrique Araújo).