Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
639/13.4TTVFR.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: PROVA PERICIAL
INCAPACIDADE PERMANENTE PARA O TRABALHO HABITUAL
Data do Acordão: 02/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECER, PARTE DA REVISTA. NO MAIS, NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSOS ESPECIAIS / PROCESSOS EMERGENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO E DE DOENÇA PROFISSIONAL / PROCESSO PARA A EFECTIVAÇÃO DE DIREITOS RESULTANTES DE ACIDENTE DE TRABALHO / FASE CONTENCIOSA / FIXAÇÃO DE INCAPACIDADE PARA O TRABALHO / DECISÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / PROVA PERICIAL / SEGUNDA PERÍCIA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS/ RECURSOS DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 140.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 489.º E 674.º, N.º 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 389.º.
REGULAMENTA O REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADO PELA LEI N.º 98/2009, DE 04 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 79.º E 111.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 12-01-2010;
- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 10/2014.
Sumário :
I. A força probatória das perícias das Juntas Médicas é fixada livremente pelos Tribunais e estes não estão impedidos de atribuírem maior força probatória a outros meios de prova.

II. Tendo-se provado que a sinistrada está afetada de IPATH, na medida em que não é reconvertível em relação ao posto de trabalho que ocupava na data do acidente, é de aplicar o fator de bonificação de 1,5.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

Nos presentes autos de acidente de trabalho, a correr termos no então Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira – atualmente Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira – Juiz 1 – em que é sinistrada AA e entidade responsável BB – … S.A., em 24.01.2018 foi proferida sentença que fixou à sinistrada a IPP de 6% e condenou a Seguradora a pagar-lhe a quantia de € 30,00 referente a despesas de transporte e ainda o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 441,95, com início em 22.08.2013, acrescido de juros de mora à taxa legal desde essa data e até integral pagamento.
A sinistrada recorreu, tendo sido proferido Acórdão, por maioria, que revogou a decisão recorrida, e declarou estar a sinistrada afetada de IPATH; condenou a Seguradora a pagar à Sinistrada a pensão anual e vitalícia de € 2.293,93, devida desde 22.08.2013, atualizável nos termos indicados no referido Acórdão, a que acrescem os juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde 22.08.2013 e até integral pagamento; condenou a Seguradora a pagar à sinistrada a quantia de € 4.022,99, a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde 22.08.2013 e até integral pagamento e no mais confirmou a decisão recorrida.
Foi depois proferido Acórdão retificativo condenando “a Seguradora a pagar à Sinistrada a pensão anual e vitalícia de € 5.450,71, devida desde 22.08.2013, atualizável nos termos indicados no presente acórdão, a que acresce os juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde 22.08.2013 e até integral pagamento”.

Inconformada a Ré recorreu, tendo apresentado as seguintes Conclusões (itálicos, sublinhados e negritos no original):

1. A atribuição a um sinistrado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) terá de ser efetuada nos precisos termos previstos na "Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais" (Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro);
2. Estipula-se nas alíneas a) e b) do ponto 5.A das Instruções Gerais daquela Tabela que, na atribuição de IPATH, deve ter-se em conta a capacidade funcional residual para outra profissão compatível com esta incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional do sinistrado, sendo que a avaliação é feita por junta multidisciplinar que integra três peritos.
3. No caso concreto dos autos, nenhum dos senhores peritos que integraram a Junta Médica realizada à sinistrada, ora Recorrida, concluiu no sentido de que a sinistrada devesse considerar-se afetada de IPATH, tal como aliás já havia sido concluído pelo senhor perito médico da fase conciliatória.
4. Na verdade, mesmo o senhor perito que interveio na Junta Médica em representação da sinistrada também não entendeu ser de atribuir-lhe IPATH, apenas tendo pugnado pela atribuição do fator de bonificação de 1,5 previsto no ponto 5 das Instruções daquela Tabela;
5. Um parecer do IEFP não se pode sobrepor, em caso algum, ao decidido na junta pluridisciplinar que avalia as lesões e sequelas resultantes do acidente de trabalho, tanto mais que, na maioria dos casos, tais pareceres têm apenas por base as declarações prestadas pelos próprios sinistrados perante aquelas entidades – na maioria das vezes não existe qualquer verificação in loco do local e do posto de trabalho por parte dos respetivos técnicos que emitem os pareceres ou que elaboram os estudos;
6. O certo é que, como se assinala no douto voto de vencido, constante do Acórdão objeto de recurso, mesmo o “relatório de avaliação da possibilidade de exercício da profissão habitual” mencionado no Acórdão [afirma] que a incapacidade da A. não lhe determina IPATH para o exercício de tal atividade, relatório esse do qual resulta ainda que é possível a “manutenção da função de escolhedora de rolhas, operando de modo privilegiado com a mão esquerda sempre que a mão direita se ressente, pela sintomatologia apontada”;
7. E que a Autora, «apesar da limitação funcional da mão direita, mantém funcionalidade plena do membro superior esquerdo que mobiliza com agilidade e destreza suficientes pela experiência que já possui na função»;
8. Do que tudo resulta que se deverá concluir no sentido de que, no caso concreto da sinistrada Autora, não deve ser considerada a existência de uma IPATH, uma vez que esta não se encontra de forma absoluta (a 100%) incapacitada para o exercício da sua atividade habitual de corticeira;
9. Por outro lado, e se além do mais considerarmos que a sinistrada não se encontra afetada de IPATH, também não haverá lugar à aplicação do fator de bonificação de 1,5 previsto no ponto 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais";
10. Aliás, a sinistrada foi reconvertível em relação ao seu posto de trabalho – de acordo com o referido pela própria em Junta Médica que teve lugar em 28-11-2017, deixou de ser escolhedora mas está a realizar outra tarefa dentro da mesma atividade (industria de cortiça) – e não existe alteração visível do seu aspeto físico que afete de forma relevante o desempenho do seu posto de trabalho;
11. Salvo o devido respeito, foram violados na decisão constante do douto Acórdão objeto de recurso, além de outras, as disposições contidas nos pontos 5 e 5A das Instruções Gerais da "Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais" (Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro), que deveriam ter sido aplicadas no sentido de que, no caso concreto da sinistrada, não existe fundamento para a atribuição de IPATH, conforme decidido pela unanimidade dos senhores peritos que integraram a Junta Médica realizada à sinistrada.
12. Deverá por isso ser revogada a douta decisão (maioritária) constante do Acórdão da Relação do Porto objeto da presente revista, devendo, pelo contrário, ser confirmada a decisão constante da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que concluiu que a IPP de que a Recorrida ficou afetada é apenas de 6 % (seis por cento), não devendo ser considerada a existência de IPATH ou a aplicação do fator de bonificação de 1,5 previsto nas Instruções Gerais da TNI, assim se fazendo Justiça.”

A Autora contra-alegou, pedindo a manutenção do Acórdão recorrido.
 
Face ao Acórdão retificativo (correção de erro material) foi apresentado pela Ré pedido para atender, no recurso, o novo teor decisório do Acórdão recorrido, tal como retificado, pedido esse que foi deferido.

Em conformidade com o disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido de ser negada a revista.


Fundamentação

De Facto

A matéria de facto relevante foi já referida supra no Relatório.
No Acórdão recorrido pode ler-se que:
Da decisão recorrida consta: “tendo em conta os factos em que as partes acordaram na tentativa de conciliação, o estatuído nos artigos 1º, 2º, 8º, 23º, 114º e seguintes, 111º e 79º da Lei 98/2009 e no artigo 140º do CPT, decido que a Autora se encontra, por efeito do acidente dos autos, afectada de uma incapacidade permanente parcial de 6%”.


De Direito


Como já foi mencionado no Relatório, foi pedida pela sinistrada a retificação de erro de cálculo constante do Acórdão recorrido (fls. 206-207), pedido esse que foi deferido pelo Tribunal da Relação do Porto que proferiu acórdão retificativo em 10.09.2018, condenando a seguradora a pagar à sinistrada “(…) a pensão anual e vitalícia de € 5.450,71, devida desde 22.08.2013, atualizável nos termos indicados no presente acórdão, a que acresce os juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde 22.08.2013 e até integral pagamento”. (fls. 249-250) Inconformada, a ré seguradora recorreu de revista, cujo âmbito estendeu ao acórdão retificativo, pugnando pela repristinação da sentença da 1.ª instância (fls. 215 e segs. e fls. 259-260). Esse pedido para ter-se em conta no presente recurso de revista a retificação introduzida foi já deferido, por despacho do Relator.

No seu recurso a Recorrente suscita fundamentalmente duas questões:
- em primeiro lugar, sustenta que o Tribunal não poderia ter decidido pela existência de uma IPATH quando nenhum dos peritos da Junta Médica se pronunciou nesse sentido;
- em segundo lugar, não se justificaria a atribuição do fator de bonificação de 1,5, tanto mais que a sinistrada era reconvertível no seu posto de trabalho.

Importa ter presente, desde logo, que o Acórdão recorrido afirmou o seguinte:
“A atividade da sinistrada, à data do acidente, era a de escolhedora de rolhas. Sabemos que atualmente a sinistrada não executa tal tarefa. Sabemos igualmente que a sinistrada não tem condições físicas para exercer a função de escolhedora de rolhas com a sua mão direita (mão dominante) por precisamente não lhe ser possível efetuar gesto imprescindível para a tarefa que executava, o movimento de pinça. Tal circunstancialismo permite-nos concluir que ela está afetada de IPATH”.
Decorre da sua fundamentação que o Tribunal chegou a esta conclusão, apreciando os meios de prova produzidos, que além dos exames da Junta Médica realizados nos dias 13/01/2015 e 28/11/2017, incluíram uma avaliação pelo Centro de Reabilitação Profissional de Gaia e um Parecer do IEFP. Ora, esta ponderação da prova é uma apreciação livre e não sindicável por este Supremo Tribunal de Justiça como resulta do n.º 3 do artigo 674.º do CPC. E o caso dos autos não está abrangido pela parte final desse preceito – “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.” Em suma, os laudos das Juntas Médicas têm o valor da prova pericial para os Tribunais e estes não estão impedidos de atribuírem maior força probatória a outros meios de prova. Com efeito decorre tanto do artigo 389.º do Código Civil, como do artigo 489.º do Código do Processo Civil que “o resultado da perícia é sempre valorado pelo juiz segundo a sua livre convicção” e que “a prova pericial não tem força probatória vinculada” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2010) E o mesmo se diga do facto de o Tribunal, por maioria, ter atribuído maior peso probatório ao parecer do IEFP, quando este afirmou que a utilização alternativa da mão esquerda implicaria não só um decréscimo de produtividade, como acréscimo elevado do cansaço e riscos para o seu braço esquerdo, não lhe sendo, portanto, exigível esta alternativa.
Face aos factos que deu como provados – sem que existisse prova tabelada ou norma legal que vinculasse o próprio Tribunal quanto à força de determinado meio de prova – o Tribunal concluiu pela existência de uma IPATH, em termos que não são sindicáveis em um recurso de revista.
E mais afirmou que “tendo sido dado como provado que a sinistrada está afetada de IPATH, ou seja, que não é reconvertível em relação ao posto de trabalho que ocupava na data do acidente – na medida em que não se provou ter retomado o exercício das funções correspondentes ao posto de trabalho que desempenhava antes do acidente – é de aplicar o fator 1.5”. E fê-lo por direta aplicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2014, não se encontrando no recurso da Recorrente qualquer fundamentação para a não aplicação do referido Acórdão uniformizador. Com efeito, este Acórdão uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: «A expressão "se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho", contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.»



Decisão:


Não se conhece da impugnação da apreciação da prova pelo Tribunal recorrido. Negada a revista quanto ao remanescente (aplicação do fator de bonificação) e confirmado o Acórdão recorrido.

Custas do presente recurso pela Recorrente.

Lisboa, 6 de fevereiro de 2019


Júlio Gomes (Relator)


Ribeiro Cardoso


Ferreira Pinto