Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
161/16.7T9AND.P1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: EDUARDO LOUREIRO
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
PRESCRIÇÃO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 10/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- O acórdão do Tribunal da Relação que, em recurso, põe termo à relação processual mediante declaração de extinção prescritiva do procedimento criminal, não é uma decisão de mérito uma vez que não conhece nem decide sobre o objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia.

II- Nessa conformidade, não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça por interdição do art.º 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª c) do CPP.

Decisão Texto Integral:



Proc. n.º 161/16.7T9AND.P1.S1

Autos de Recurso Penal

5ª Secção

acórdão
(Reclamação – art.º 417º n.º 8 do Código de Processo Penal)


Acordam, precedendo conferência os juízes da 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório.
1. Por sentença de 10.2.2020 no PCS n.º 161/16… do Juízo de Competência Genérica de ..., foi a arguida e demandada civil AA, advogada, id. nos autos, condenada nos seguintes termos, entre os mais [1]:
─ «Pelo exposto, decide-se julgar a pronúncia procedente e em consequência:
Condenar a arguida AA, como autora, da prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 al. c), d) e e) do Código Penal na pena de seis meses de prisão, cuja execução se qual se suspende pelo período de um ano e seis meses, mediante o dever de a arguida proceder ao pagamento do montante de vinte mil euros a favor do Condomínio ....
Declaram-se os objetos apreendidos perdidos a favor do Estado, e determina-se a sua destruição.
[…].
Relativamente à parte cível:
Decide-se julgar o pedido de indemnização civil deduzido por BB parcialmente procedente e em consequência:
Condena-se a demandada AA a quantia global de dois mil euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal contados desde a prolação desta decisão.
Decide-se julgar o pedido de indemnização civil deduzido por CC parcialmente procedente e em consequência:
Condena-se a demandada AA a quantia global de dois mil euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal contados desde a prolação desta decisão.
Decide-se julgar o pedido de indemnização civil deduzido por DD parcialmente procedente e em consequência:
Condena-se a demandada AA a quantia global de dois mil euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal contados desde a prolação desta decisão.
Decide-se julgar o pedido de indemnização civil deduzido por EE parcialmente procedente e em consequência:
Condena-se a demandada AA a quantia global de dois mil euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal contados desde a prolação desta decisão.
Decide-se julgar o pedido de indemnização civil deduzido por FF parcialmente procedente e em consequência:
Condena-se a demandada AA a quantia global de dois mil euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal contados desde a prolação desta decisão.
Decide-se julgar o pedido de indemnização civil deduzido por GG parcialmente procedente e em consequência:
Condena-se a demandada AA a quantia global de dois mil euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal contados desde a prolação desta decisão.
Decide-se julgar o pedido de indemnização civil deduzido por HH parcialmente procedente e em consequência:
Condena-se a demandada AA a quantia global de dois mil euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal contados desde a prolação desta decisão.
Decide-se julgar o pedido de indemnização civil deduzido por II parcialmente procedente e em consequência:
Condena-se a demandada AA a quantia global de dois mil euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal contados desde a prolação desta decisão.
Decide-se julgar o pedido de indemnização civil deduzido por JJ parcialmente procedente e em consequência:
Condena-se a demandada AA a quantia global de dois mil euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal contados desde a prolação desta decisão.
Decide-se julgar o pedido de indemnização civil deduzido por LL parcialmente procedente e em consequência:
Condena-se a demandada AA a quantia global de dois mil euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal contados desde a prolação desta decisão.
Decide-se julgar o pedido de indemnização civil deduzido por MM parcialmente procedente e em consequência:
Condena-se a demandada AA a quantia global de dois mil euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal contados desde a prolação desta decisão.
[…].».
 
2. De tal condenação recorreu o arguida/demandada para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), de facto e de direito, rematando a motivação com o seguinte pedido:
─ «Termos em que, e nos mui doutamente supridos por Vossas Excelências, deve a douta Sentença que se recorre, ser revogada e em sua substituição preferido douto acórdão, que:
a) Declara nulo a douta decisão instrutória e consequentemente, proferido despacho da não pronuncia ou no limite com efeitos previstos no art.º 122.º do C.P.P.
b) Ser a Arguida, ora Recorrente, absolvida do crime de falsificação de documento, que injusta e ilegalmente que foi imputado.
Ou
c) Se assim não for doutamente entendido, ser substituída a pena de prisão em pena de multa, nos termos do art. 40.º e 70.º do C.P.
d) Ser aplicada por respeito constitucional o princípio de indúvio pró Réu, ou da presunção de inocência nos termos do art.º 32.º do C.R.P.
e) Finalmente, deve ser declarado prescrito o procedimento criminal, pelo decurso do prazo prescricional, previsto nos art.ºs 118. e seguintes do C.P., […].».

E produzindo, a propósito da questão da extinção prescritiva do procedimento criminal, as seguintes conclusões:
─ «[…].
VII – DA PRESCRIÇÃO:
211ª - De acordo com o sentir da comunidade, o decurso do tempo transporta consigo uma ideia que impõe ao Estado uma limitação ao seu direito de julgar e de punir, uma vez que a pena terá que traduzir o sentimento médio da comunidade e, por essa razão, não há que insistir numa eventual punição quando a comunidade já esqueceu.
212ª- Deste modo, o instituto da prescrição contém em si o suporte das ideias de certeza e da necessidade de imposição da pena, da segurança e da proporcionalidade que se encontram consagradas nos artigos 2º, 18º, nº 2, e 32º da Constituição da República Portuguesa.
213ª -O prazo da prescrição do procedimento criminal é regulado pela medida da pena de prisão prevista, em abstracto, para o tipo legal de crime e corre desde em que o facto ilícito se tiver consumado.
214ª - Assim, decorrido o prazo previsto nos preceitos que instituem a prescrição e regem os respectivos prazos, deixa de justificar-se a perseguição criminal aos agentes de factos suspeitos de delituosos cuja suposta prática há muito ocorreu, também razoavelmente espera que a perseguição não opere mediante normas ou processos interpretativos de onde resulte na realidade prática e ineficiência da actuação do instituto da prescrição.
215ª - Entre nós, o prazo da prescrição encontra-se regulado nos artigos 118º e seguintes do Código Penal. Assim,
216ª - No caso concreto destes autos, o limite máximo previsto no artigo 256º, nº 1 do Código Penal é de pena de prisão de três anos. Logo para esta medida penal, aplica-se o artigo 118º nº 1, alínea c) do Código Penal, que estabelece o prazo de cinco anos, decorrido sobre a prática do crime, extinguindo-se, assim, o procedimento criminal, por efeito da prescrição.
217ª - No caso presente, os factos constitutivos do crime de que a Arguida vem acusada, foram, supostamente, ocorridos no dia 9 de Fevereiro de 2012, isto é, há oito anos e 1 mês, visto que, de acordo com o artigo 119º, nº 1 do Código Penal, o prazo da prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
218ª - Tendo ainda em conta, o artigo 120º, nº 1 e 2 do Código Penal, a suspensão da pena não pode ultrapassar 3 anos.
219ª - Assim, mesmo tendo em conta a suspensão máxima de 3 anos, o crime imputado à arguida prescreveu no passado dia 9 de Fevereiro de 2020, data em que decorreram 8 anos sobre a data da prática dos factos incriminadores e imputados à arguida.
220ª - Por outro lado, resulta dos Autos (fls. da fase do inquérito) que a Recorrente foi constituída arguida no dia 03 de Março de 2017, pelas 10h30, ou seja mais de cinco anos depois da data em que o imputado crime à arguida terá sido cometido e consumado -09/02/2012. Ora,
221ª - Nos termos do artigo 121º nº 1, alínea a) do Código Penal, a prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a constituição de arguido. Vale isto por dizer e alegar que entre o dia 09/02/2012 e o dia 03/03/2017 o decurso do prazo prescricional nunca se interrompeu ou suspendeu.
222ª - Portanto e por tudo isto deve ser declarada por esse Alto Tribunal a prescrição do procedimento criminal.
[…].».

3. O Senhor Procurador da República de ... respondeu ao recurso, pronunciando-se, entre o mais, pela improcedência da arguição da prescrição do procedimento criminal.
O que documentou no seguinte trecho da contramotivação:
─ «[…]
e) Da prescrição do procedimento criminal:
Por último, a arguida defende que o crime imputado à arguida prescreveu no passado dia 9 de fevereiro de 2020, data em que decorreram 8 anos sobre a data da prática dos factos pelos quais a arguida foi condenada (fls. 3378v – conclusões 180ª a 188ª).
Com o devido respeito, nesta parte, é manifesto o desacerto do recurso.
Efetivamente, a arguida desconsidera, por completo, as sucessivas interrupções do prazo de prescrição ocorridas, a última das quais ocorreu com a notificação da acusação, bem como o disposto no artigo 121º nº 2 do Código Penal, que prevê que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
[…].».

E identicamente opinaram os demandantes civis – entre eles o, também, assistente MM – na sua peça de contramotivação, produzindo as seguintes considerações:
─ «[…].
Por último, no que diz respeito à mencionada prescrição e salvo o devido respeito por entendimento diverso, não nos parece que a interpretação da Recorrente se coadune com o consagrado nos artigos 120.º e 121.º do Penal, designadamente quanto às causas de suspensão e interrupção do procedimento criminal.
Com efeito, ainda não ocorreu a prescrição do procedimento criminal, o que não quer dizer que não seja esse o verdadeiro objectivo do recurso em particular e da conduta da Recorrente no geral, o que não se pode conceber.
[…].».

4. O recurso foi julgado por acórdão de 16.12.2020 – doravante, Acórdão Recorrido – que decidiu como segue [2]:
─ «[…].
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência e por unanimidade os juízes subscritores em:
a. anular a sentença recorrida nos termos do disposto no artigo 379º, 1, alínea c) do Código de Processo Penal, por não ter conhecido oficiosamente a questão da prescrição do procedimento criminal; e
b. suprir essa nulidade, declarando prescrito o procedimento criminal instaurado contra a arguida AA pela prática, como autora, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256.º, n.º1 al. c), d) e e) do Código Penal, desde 9 (nove) de Fevereiro de 2017 (dois mil e dezassete).
[…].».
 
5. Inconformados com a declaração de prescrição procedimental, os demandantes civis requereram a interposição de recurso – que nominaram de revista – para este Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

Formularam as seguintes conclusões e deduziram o pedido que, igualmente, segue:
─ «[…].
I) A recorrida não foi constituída arguida em 03 (três) de Março do ano de 2017 (dois mil e dezassete), mas sim, conforme resulta dos autos, a fls. 213 e 214, com termo de identidade e residência no dia 06 (seis) de Janeiro do ano de 2017 (conforme Doc. n.º 1 e Doc. n.º 2, os quais se juntam em anexo para os devidos efeitos legais).
II) Com a constituição de arguida (06.01.2017) ocorreu a causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal prevista na alínea a) do artigo 121.º, n.º 1 do Código Penal, por crime praticado em 09.02.2012.
III) É nulo o Acórdão que, em conferência e por unanimidade dos dois juízes desembargadores subscritores, decide anular a sentença condenatória da arguida, com fundamento numa prescrição inexistente.
IV) O presente Acórdão em crise consubstancia um erro grave de julgamento, o qual, este sim, poderá culminar com uma prescrição injusta, cuja responsabilidades se pretende apurar.
V) O Acórdão recorrido enferma de violação da lei substantiva, ao determinar como causa de prescrição do procedimento criminal (de 5 anos), a ocorrência da tomada de declarações da arguida, tendo desvalorado a efectiva constituição de arguida, que ocorreu em momento anterior ao prazo de prescrição de 5 anos, ou seja em 06.01.2017 (facto interruptivo ex vi legis)
VI) Foi esta a estratégia de defesa da arguida em todas as fases processuais, seja inquérito (atestados médicos com possibilidade de envio de requerimento aos autos e constituição de mandatário), instrução (atestados médicos, viagens, acidentes e enganos de tribunal) ou julgamento (onde nem sequer compareceu), com expedientes que, no nosso entendimento, mais não são do que dilatórios.
VII) Não se pode conceber que o Tribunal da Relação anule a decisão da 1.ª Instância, com uma declaração de prescrição do presente procedimento criminal instaurado contra a arguida AA, sem ter em devida conta o disposto no artigo 121.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, isto é, a causa de interrupção da prescrição derivada da Constituição de Arguida, que ocorreu em 06.01.2017.
VIII) O aresto em apreço não aplicou corretamente o direito, ao declarar prescrito o procedimento criminal sem base legal e/ou factual, cuja nulidade se argui.
Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas. Colendos Juízes Conselheiros, deve ser concedido provimento à presente revista, revogando a decisão da 2.ª Instância e confirmando-se a sentença condenatória proferida em 1.ª Instância, como é de
JUSTIÇA!
[…].».

E juntaram os dois documentos identificados na conclusão I, extraídos de fls. 213 e 214 do processo, a saber, o auto de constituição de arguido da arguida AA e o termo de identidade e residência prestado pela mesma arguida, ambos datados de 6.1.2017.

6. O recurso, porém, apenas foi admitido como ordinário (penal) e enquanto requerido pelo MM na qualidade de assistente, para subir imediatamente, nos autos e com efeito devolutivo, tudo conforme douto despacho do Senhor Desembargador Relator de 22.1.2021.
Despacho que, quanto ao indeferimento dos(s) recurso(s) na vertente cível, se fundou na inverificação dos pressupostos de recorribilidade da alçada e da sucumbência exigidos pelo art.º 400º n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP).
E despacho com o qual os recorrentes não admitidos se conformaram, não lhe movendo, designadamente, reclamação ao abrigo do art.º 405º do CPP.

7. Apenas a arguida respondeu ao recurso, finalizando a peça com as seguintes conclusões:
─ «[…].
1 - INTRODUÇÃO:
1ª - Por Sentença proferida a 10 de Fevereiro de 2020, pelo Tribunal da Comarca  ... - Juízo de Competência Genérica  ..., a aqui Recorrida foi condenada como autora da prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256°, n° 1, al. c), d) e e), do Código Penal na pena de seis meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de um ano e seis meses, mediante o dever de a arguida proceder ao pagamento do montante de vinte mil euros a favor do Condomínio "..."
2ª - Inconformada com tal condenação, a arguida, ora Recorrida, interpôs recurso de tal Douta Sentença para o Tribunal da Relação do Porto Recurso que versou sobre a matéria de facto e matéria de Direito, pugnando pela sua inocência e consequentemente pela sua absolvição do crime em que foi condenada, culminando, ainda, com a invocação motivada da prescrição do procedimento criminal.
3ª - Os Recorridos, aqui Recorrentes, contra alegaram defendendo a manutenção da Sentença proferida pela 1a Instância e que não tinha ocorrido a prescrição do procedimento criminal.
4ª - O Tribunal da Relação do Porto, invocando, e bem, as regras da procedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608°, n° 1, do Código do Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal) apreciou de imediato a questão da prescrição do procedimento criminal suscitada pela Recorrente, aqui Recorrida e proferiu, em 16/12/2020, por unanimidade, Douto Acórdão que declara prescrito o procedimento criminal instaurado contra a arguida AA pela prática, como autora de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256°, n° 1 , al. c), d) e e) do Código Penal, desde 9 (nove de Fevereiro de 201 7 (dois mil e dezassete).
5ª - Deste Douto Acórdão do TRP os Recorrente, MM e outros interpuseram o presente Recurso onde nas suas motivações afirmam que "o arresto em apreço não aplicou correctamente o direito, ao declarar prescrito o procedimento criminal sem base legal e/ou factual, cuja nulidade se argúi" (conclusão VIII - última). ERRADAMENTE, porém:
II - DA IRRECORRIBILIDADE DO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRP:
6ª - A decisão contida no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto é irrecorrível uma vez que, conhecendo da prescrição do procedimento criminal contra a aqui Recorrida não conhece, a final, do objecto do processo. De facto,
7ª - Como muito bem diz o Acórdão recorrido, a questão da prescrição do procedimento criminal é do conhecimento oficioso e "não tendo a sentença (da 1ª Instância) recorrida apreciado oficiosamente a questão da prescrição que lhe competia conhecer, a mesma é nula, por força do disposto no artigo 379°, n° 1, al. c) do Código de Processo Penal", o que vale por dizer que se a sentença (da 1ª Instância) tivesse, como lhe competia, conhecido da questão da prescrição, decidindo pela prescrição do procedimento criminal contra a ora Recorrida, tal sentença não teria conhecido do objecto do processo, deixando de ser nula embora dela fosse possível interpor recurso para o Tribunal superior, in casu, o Tribunal da Relação, esgotando-se, assim, a possibilidade de Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
8ª - A Sentença da 1ª Instância ao não se pronunciar sobre uma questão que deveria ter apreciado, como são todas as questões do conhecimento oficioso, cometeu a omissão de pronúncia, prevista no artigo 379° n° 1, al. c), sendo, portanto, nula.
9ª - Tal nulidade foi declarada no Acórdão de que se recorre, ao "anular a sentença recorrida nos termos do disposto no artigo 379°, n° 1, al. c) do Código do Processo Penal, por não ter conhecido oficiosamente a questão da prescrição do procedimento criminal". Assim,
10ª- Não é admissível Recurso da decisão contida no Douto Acórdão de que se recorre, porque tal decisão é irrecorrível, nos termos do artigo 400°, n° 1, al. c) de Código do Processo Penal, tendo, ainda e sempre, que o crime que é imputado à arguida, aqui Recorrida, - falsificação de documentos - é punido com pena de prisão não superior a 8 (oito) anos (artigo 256°, n° 1, alíneas c), d) e e)).
11ª - A inadmissibilidade de Recurso que aqui se invoca, é do conhecimento oficioso nos termos do artigo 414°, n°s 1 e 2 do Código de Processo Penal.
III - SEM PRESCINDIR
A - DELIMITAÇÃO OBJECTIVA DO RECURSO:
12ª - Como vai dito, supra, nas alegações de Recurso para o Tribunal da Relação do Porto, a arguida, ora Recorrida, invocou, ainda, a prescrição do procedimento criminal nas últimas doze motivações de recurso, nomeadamente:
13ª - O prazo da prescrição do procedimento criminal é regulado pela medida da pena de prisão prevista, em abstracto, para o tipo legal de crime e corre desde o dia em que o facto ilícito se tiver consumado;
14ª - O prazo da prescrição encontra-se regulado nos artigos 118º e seguintes do Código Penal. Assim,
15ª- No caso concreto destes Autos, o limite máximo previsto no artigo 256°, n° 1, do Código Penal é de pena de prisão de três anos. Logo para esta medida penal, aplica-se o artigo 118°, n° 1, alínea c) do Código Penal, que estabelece o prazo de cinco anos, decorridos sobre a prática do crime, extinguindo-se, assim, o procedimento criminal, por efeito da prescrição.
16ª - No caso presente, os factos constitutivos do crime de que a arguida vem acusada, terão, supostamente, ocorridos no dia 9 de Fevereiro de 2012, isto é, há oito anos e 1 mês, visto que, de acordo com o artigo 119°, n° 1, do Código Penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
17ª- Tendo ainda em conta, o artigo 120°, n°s 1 e 2, do Código Penal, a suspensão da pena não pode ultrapassar 3 anos.
18ª - Assim, mesmo tendo em conta a suspensão máxima de três anos, o crime imputado à arguida prescreveu no passado dia 9 de Fevereiro de 2020, data em que decorreram 8 anos sobre a data da prática dos factos incriminadores e imputados à arguida.
19ª - Por outro lado, resulta dos Autos (fls. 309-311 da fase de inquérito) que a Recorrente foi constituída arguida no dia 03 de Março de 2017, pelas 10h30, ou seja mais de cinco anos depois da data em que o imputado crime à arguida terá sido cometido e consumado -09/02/2012. Ora,
20ª- Nos termos do artigo 121°, n° 1, alínea a) do Código Penal, a prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a constituição de arguido.
21ª - Vale isto por dizer e alegar que entre o dia 08/02/2012 e o dia 03/03/2017 o decurso do prazo prescricional nunca se interrompeu ou suspendeu.
22ª - Portanto e por tudo isto deve ser declarada por esse Alto Tribunal a prescrição do procedimento criminal."
23ª- A estas motivações que acompanharam as alegações de Recurso, interposto pela arguida, ora Recorrida, no Tribunal da Relação do Porto, responderam os ora Recorrentes, ali Recorridos, da seguinte forma:
24ª - " Por último, no que diz respeito à mencionada prescrição e salvo o devido respeito por entendimento diverso, não nos parece que a interpretação da Recorrente se coadune com o consagrado nos artigos 120° e 121° do Código Penal, designadamente quanto às causas de suspensão e interrupção do procedimento criminal.
25ª - Com efeito, ainda não ocorreu a prescrição do procedimento criminal, o que não quer dizer que não seja esse o verdadeiro objectivo do recurso em particular e da conduta da recorrente no geral, o que não se pode conceber"
26ª-Foi assim, de forma abstracta e desligada de qualquer caso concreto que os ora Recorrentes, Recorridos no Recurso para o Tribunal da Relação do Porto, contra alegaram no caso da prescrição do procedimento criminal que a ali Recorrente, aqui Recorrida, colocou para apreciação do Tribunal da Relação do Porto.
27ª - Deste modo, o requerimento de interposição do Recurso, interposto pela aqui Recorrida, delimitou o correspondente objecto, nos termos do artigo 635°, n°s 2, 3, 4 e 5, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi o artigo 4° do Código do Processo Penal. E,
28ª - Uma vez fixado o objecto do recurso, o Recorrido tem de se manter, contra alegando tudo o que estiver contido no objecto e âmbito recursivo. Ora,
29ª - Tendo os Recorridos, no Recurso apreciado pelo Tribunal da Relação do Porto alegado apenas que "não ocorreu a prescrição do procedimento criminal" sem apresentar qualquer causa de suspensão ou interrupção de tal prescrição, não podem em sede de Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ampliar o objecto do recurso fixado no Tribunal da Relação do Porto, indicando agora causas e factos de suspensão e interrupção da prescrição como pretende fazer nas motivações de Recurso.
30ª - Tal impossibilidade legal, resulta do artigo 635°, n°s 2, 3, 4 e 5, do Código de Processo Civil, ex vi o artigo 4º do Código de Processo Penal.
31ª - De resto, a Jurisprudência há muito que estabeleceu que "os recursos destinam-se a reapreciar as questões já apreciadas, para as confirmar, revogar ou alterar e não para apreciar as questões levantadas pela primeira vez". Por isso,
32ª - O Tribunal de Jurisdição de hierarquia superior, ou seja, o Tribunal "ad quem" - neste caso o Supremo Tribunal de Justiça - não pode apreciar factos novos que não foram suscitados pelos Recorrentes no Tribunal "a quo" - neste caso o Tribunal da Relação do Porto.
33ª - Deste modo, não podem ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça as motivações de I a VIII contidas no recurso interposto pelos ora Recorrentes.
34ª - De igual modo, ao abrigo do disposto no artigo 680° do CP.Civil, sempre ex vi do artigo 4º do CP.Penal, os documentos que acompanham as alegações de Recurso dos Recorrentes, não podem ser juntos nesta fase processual porque não são documentos novos nem supervenientes, dado que tais documentos já existiam e eram do total conhecimento dos Recorrentes, antes mesmo do Recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto. Por isso, tais documentos devem ser desentranhados dos presentes Autos e devolvidos aos recorrentes.
B- DA QUESTÃO DA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL:
35ª - Alguns condóminos do ..., sito no lugar e freguesia de ..., concelho de ..., apresentaram no Ministério Público de ..., DIAP de ..., em 19 de Julho de 2016, queixa-crime contra a arguida, aqui Recorrida. O Ministério Público a partir de Outubro de 2016 procedeu à inquirição de alguns dos denunciantes.
36ª - Face ao depoimento prestado por estes denunciantes, o Ministério Público ordenou ao Órgão de Polícia Criminal (OPC), no caso concreto à Policia Judiciária de ..., que fizesse buscas no domicilio profissional da arguida, situado na Rua … n° …, em ... e também na sua residência, sita na Rua …., …. - ..., afim de apurar se existiam indícios fortes que comprovassem os factos denunciados pelos queixosos.
37ª - As referidas buscas foram agendadas e realizadas no dia 6 de Janeiro de 201 7.
38ª - Como a arguida é advogada de profissão, portadora da Cédula Profissional número …, com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, para a realização das referidas buscas foi necessário dar cumprimento ao estatuído no artigo 177°, n° 5, do Código de Processo Penal, ou seja, a presença durante as buscas do Presidente do Conselho Local da Ordem dos Advogados, sendo ainda certo que, sob pena de nulidade, as buscas fossem presididas pessoalmente pelo Senhor Juiz.
39ª - Assim, no dia aprazado, 06/01/2017, pelas 10h10, compareceram no domicílio profissional da arguida a Senhora Procuradora Dra. NN, o representante da Ordem dos Advogados, Dr. OO e o Senhor Inspector PP e dois especialistas do grupo forense de Perícias Informáticas da Directoria do Centro da Policia Judiciária. Porém,
40ª - Para a realização da busca, nomeadamente pesquisa informática, a buscada AA, aqui recorrida, teve de ser constituída arguida pois que sem essa condição a referida buscada podia, legitimamente, opor-se à busca, nomeadamente, ao acesso dos meios informáticos existentes no seu escritório de advocacia.
41ª - Tal resistência está constitucionalmente garantida no artigo 21° da CRP.
42ª - Assim e só para que fossem efectuadas as requisitadas buscas é que a referida AA foi constituída arguida pela Senhora Procuradora Dra. NN, constituição essa operada à porta de entrada do domicilio profissional de AA, aqui recorrida, sendo tal constituição como arguida meramente instrumental para a finalidade da realização das buscas domiciliárias.
43ª - Como é bom de ver, antes do relatório pericial elaborado no dia 26 de Janeiro de 2017 não havia sequer indícios que a AA tivesse praticado qualquer ilícito criminal pois que, até tal data, apenas existia contra ela a denúncia escrita pelos queixosos, alguns deles ora recorrentes.
44ª - Na verdade, a constituição de arguida encontra-se regulada nos artigos 57°, 58° e 59° do Código de Processo Penal.
45ª - Nos termos do artigo 57° do CPP. a constituição de arguido é assumida por aquele contra quem for deduzida acusação ou requerimento de instrução subsequente a arquivamento; no artigo 59° do CPP está prevista a constituição como arguido a pedido ou de declarante em acto processual.
46ª - A forma mais vulgar e generalizada da constituição de arguida tem lugar nos termos do artigo 58°, n° 1, alíneas a), b), c) e d).
47ª - Efectivamente, nenhuma pessoa pode ser constituída arguida só porque qualquer pessoa a denuncie. Aliás,
48ª - No Acórdão desse Supremo Tribunal de 22-04-2004, proc. 0009025, foi decidido que só é obrigatória a constituição de alguém como arguido a partir do surgimento de fundada suspeita de haver cometido um crime. De igual modo,
49ª - O Prof. Jorge Figueiredo Dias, alertando para a estigmatização social que é associada a uma pessoa constituída arguida, ensina que só deve ser constituído como arguido aquele que contra ele existam fundadas e sérias suspeitas de ter praticado um ilícito criminal.
50ª - Na mesma senda, os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, escrevem: " A articulação das garantias de defesa com a constituição de arguido não significa a obrigatoriedade da constituição de arguido sempre que seja levantado um acto de notícia que dá uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado, como parece sugerir a interpretação literal do art. 58° do CPP. Esta interpretação literal está em desconformidade com a constituição e afectará mesmo a constitucionalidade da norma processual em causa se ela for entendida como obrigatoriedade de constituição de arguido "sem indiciação suficiente" com base apenas em denuncia ou participação, independentemente de qualquer actividade judicial de averiguação prévia da verosimilhança, atendibilidade e fundamento destas denúncias ou participações (cfr. Constituição da República Portuguesa, Anotada, Vol I, Coimbra Editora, 2007, p.517).
51ª - Daqui resulta que a constituição como arguida da aqui recorrida, operada em 06.01.2017 só é legal e constitucionalmente possível para efeitos da realização de buscas, devidamente ordenada e por isso, terá de ser considerada apenas como instrumental tendo em vista a recolha de indícios suficientes para que fosse imputado, ainda que em sede de inquérito judicial, a AA a prática de um certo e determinado crime.
52ª - As meras denuncias contra si feitas antes de serem apurados os resultados de tais buscas, são manifestamente insuficientes e ilegais para que a aqui recorrida pudesse ser constituída como arguida em procedimento criminal.
53ª - Foi por isso, ou até por isso, que no dia 03.03.2017, pelas 10h30, após ter sido junto aos Autos o relatório pericial resultante do acto de busca e pesquisa, a mesma Procuradora da República que esteve presente aquando da realização das referidas buscas, Dra. NN, comunicou à então denunciada AA que, "a partir deste momento, se deve considerar arguida em processo penal, nos termos do disposto no artigo 58° n° 2 do C. P. Penal, tendo-lhe sido lidos e explicado os direitos e deveres que lhe assistem, bem como lhe foi entregue cópia de documento, conforme dispõe o artigo 58°, n° 4, do mesmo diploma", tendo nessa qualidade sido interrogada na presença do seu defensor Dr. QQ (cfr. fls. 309 com a referência n° ….549, dos autos).
54ª - Deste modo, dúvidas não restam que:
– A constituição como arguida e o interrogatório nessa qualidade da ora recorrida operou-se no dia 03 de Março de 2017 na presença do seu Ilustre Defensor, Dr. QQ;
– O crime de falsificação de documento, p. e p. pelo disposto no artigo 256°, n° 1, alíneas c), d) e e) do Código Penal, que constitui objecto deste processo, é punível com uma pena de prisão até 3 (três) anos;
– O prazo de prescrição do procedimento criminal para os crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos, é de cinco anos nos termos do artigo 118°, n° 1, alínea c) do Código Penal;
– Tal prazo de cinco anos, conta-se a partir da data da consumação do crime de falsificação de documento (artigo 119, n° 1, do Código Penal, se não tiverem ocorrido quaisquer factos integrantes de uma causa de interrupção ou de suspensão da prescrição, previstas nos artigos 120° e 121°, ambos do Código Penal;
– Resulta do Despacho de Acusação, do Despacho de Pronúncia e da própria Sentença da 1ª Instância que o referido crime terá sido consumado no dia 12 de Fevereiro de 2012;
– O primeiro facto relevante susceptível de interromper ou de suspender a contagem do prazo de prescrição, se o mesmo não estivesse a correr, o que não era o caso, viria apenas a ter lugar no dia 03 de Março de 2017 com a constituição de arguida e interrogatório como tal, da recorrida;
– Todos os factos susceptíveis, em abstracto, de integrar alguma causa de suspensão ou/e de interrupção da prescrição prevista na lei apenas ocorreram após a prescrição do procedimento criminal verificada no dia 12 de Fevereiro de 2017, sendo, por conseguinte, ineficazes, não tendo suspendido nem interrompido a prescrição.
55ª - Contrariamente ao que vem escrito na conclusão III) das Alegações de recurso dos recorrentes, o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, não enferma de qualquer nulidade prevista na Lei processual, nomeadamente no artigo 379° do Código de Processo Penal,
56ª - O mesmo Douto Acórdão recorrido não consubstancia qualquer erro de julgamento nem viola lei substantiva como escrevem os recorrentes nas conclusões IV) e V), pois que o referido Acórdão aplica adequadamente todas as regras de julgamento, submetendo, rigorosamente, os factos à aplicação correcta e integral da lei.

NESTES TERMOS E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS deve:
a) Ser declarado não admissível o Recurso interposto para esse Alto Tribunal, por irrecorribilidade do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, nos termos do consignado no artigo 410º, n° 1, alínea c) do Código de Processo Penal;
b) Serem julgadas ilegais por violação da delimitação objectiva do Recurso, as motivações de recurso formuladas pelos recorrentes, nos termos do artigo 684°, n°2, do Código de Processo Civil, ex vi o artigo 4o do Código de Processo Penal;
Ou se assim não for Doutamente entendido,
c) Ser proferido Douto Acórdão que julgue improcedente o Recurso ora interposto, confirmando, integralmente, o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
d) No mais conforme o Direito.
[…].».

8. Subidos os autos a este STJ, o Ministério Público, pela pena do Senhor Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer do seguinte teor:
─ «[…].
1.
Do acórdão tirado em 16 de Dezembro de 2020 pela 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, vem interposto recurso pelo assistente e demandante MM – cf. despacho de admissão datado de 22 de Janeiro de 2021.
Conforme se alcança das suas conclusões o objecto do recurso restringe-se à impugnação da declaração de extinção do procedimento criminal, contra a arguida AA, pelo decurso do prazo, reportada 9 de Fevereiro de 2017, cf. alínea b), do dispositivo.

2.
A referida arguida havia sido condenada em 10 de Fevereiro de 2020 por sentença do Juízo de Competência Genérica de ..., enquanto autora material de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.º 256º, n º 1, alíneas c), d) e e), do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de um ano e seis meses, mediante o dever de proceder ao pagamento do montante de vinte mil euros a favor do Condomínio ....

2.1.
Como se alcança da resposta da arguida, nela suscitou a questão prévia da irrecorribilidade do acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça.
O acórdão recorrido, ao concluir pela extinção do procedimento criminal pelo decurso do respectivo prazo, não entrou, na apreciação do mérito da causa. Trata-se, contudo, de decisão que põe lhe põe fim.
Como se sabe, em processo penal, o regime regra em matéria de recursos estabelecido no art.º 399º do CPP, é o da recorribilidade, conquanto a irrecorribilidade não estiver, especialmente, prevista na lei. Ora é no art.º 400º do CPP, que se elencam as situações em que o recurso para o STJ é vedado. O inciso que aqui nos importa convocar, é a alínea c), do seu n º 1, o qual na redacção que lhe foi dada pela Lei n º 48/2007, de 29 de Agosto, passou a ter o seguinte teor:
c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo;
Substituindo-se, assim, a expressão de menor abrangência, que havia sido introduzida pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto "que não ponham termo à causa".

Paulo Pinto de Albuquerque in "Comentário do Código do Processo Pena-Lisboa 2007- a págs. 1002-1003- Universidade Católica Editora, na anotação ao 400º, nota 4. in fine e 4. g. expende:

4.
“(…..).
Assim, são irrecorríveis os acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações nos seguintes casos:
g. Os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que se pronunciem sobre a extinção da responsabilidade criminal ou do procedimento criminal e, designadamente, sobre a prescrição do procedimento criminal contra os arguidos (acórdão do STJ, de 29.4.2003, in CJ, Acs. do STJ, XI ,2, 165, acórdão do STJ, de 6.5.2004, in CJ, Acs. do STJ, XII,2, 183) (...)"

Revertendo ao caso concreto, estamos perante acórdão proferido em recurso pela Relação, que não sendo absolutório, interlocutório, ou como vimos, que tenha conhecido de meritis, não deixou de pôr fim à causa.

Neste conspecto e com tal fundamento, entendemos, que o recurso que se mostra interposto para o STJ, é inadmissível nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400º, n º 1, alínea c) e 420º, n º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, pelo que deverá ser rejeitado.
[…].».

9. No momento previsto no art.º 417º n.º 2 do CPP, a arguida pronunciou-se sobre o parecer do Senhor Procurador-Geral Adjunto, «acompanhando-o na íntegra».

Já o assistente MM disse o seguinte:
─ «[…].
1.°
Salvo o devido respeito por melhor entendimento e sem prejuízo de reiterar nesta resposta, enquanto parte integrante, tudo quanto foi expresso em recurso, não deverá preconizar-se de forma absoluta a irrecorribilidade de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que se pronunciem sobre a prescrição do procedimento criminal.
2.°
Com efeito, o acórdão sub judice, na sua decisão, a qual se reproduz na íntegra, fez constar o seguinte:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência e por unanimidade os juízes subscritores em:
a. anular a sentença recorrida nos termos do disposto no artigo 379º, 1, alínea c) do Código de Processo Penal, por não ter conhecido oficiosamente a questão da prescrição do procedimento criminal; e
b. suprir essa nulidade, declarando prescrito o procedimento criminal instaurado contra a arguida AA pela prática, como autora, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 al. c), d) e e) do Código Penal, desde 9 (nove) de Fevereiro de 2017 (dois mil e dezassete).” (sublinhado nosso)
3.°
Com efeito, no caso sub judice o que se verificou foi um erro notório na apreciação da prova (pois a constituição de arguida ocorreu em 06.01.2017), o que consubstancia um erro grave de julgamento por parte do Tribunal a quo, o qual poderá ser emendado pelo Tribunal ad quem, pois doutro modo culminar-se-ia numa prescrição injusta e atentatória do Estado de Direito Democrático
4.°
Efetivamente “existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente”. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Edição, 2000, Editorial Verbo, pág. 341.
5.°
Com o devido respeito por entendimento diverso, foi precisamente o que sucedeu nos presentes autos.
6.°
Uma vez que foi feita uma errónea falta de verificação de interrupção do procedimento criminal, visto que a constituição de arguida ocorreu em 06.01.2017 e não a 03.03.2017, como pretende fazer crer o tribunal a quo, sendo que na referida data apenas foram prestadas declarações.
7.º
A tese vertida no tribunal a quo enferma de violação da lei substantiva, ao determinar como causa de interrupção do procedimento criminal a data em que a arguida prestou declarações, tendo desconsiderado a data da efetiva constituição de arguida, que ocorreu em momento anterior ao prazo de prescrição de 5 anos.
8.º
Pelo que o entendimento sufragado no tribunal a quo configura uma clara afronta ao direito substantivo, uma vez que considerou prescrito o procedimento criminal sem suporte legal e/ou factual, anulando uma sentença conforme o direito e desconsiderando todos quanto ao longo de todo o procedimento criminal entenderam não se ter verificado a prescrição (facto de conhecimento oficioso), por efectivamente não se ter verificado, seja na fase de inquérito, instrução ou julgamento.
9.º
Com efeito, não pode ser outro o entendimento, uma vez que se considerou como causa de interrupção da prescrição a tomada de declarações da arguida (03.03.2017), e não a sua constituição de arguida (06.01.2017), como prescreve o artigo 121.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.
10.º
Por outro lado, é hoje inequívoco que a justiça material é um princípio perfilhado pela lei, nomeadamente, pelos princípios constitucionais da busca da verdade material, da realização da justiça e de uma tutela judicial efectiva.
11.º
E que a proteção da justiça e a descoberta da verdade material configuram finalidades do sistema jurídico processual-penal.
12.º
Destarte, sobretudo pelo primado da justiça material, é nosso modesto entendimento ser de admitir o presente recurso.
[…].».

10. Efectuado o exame preliminar, nos termos do disposto nos art.º 420º n.º 1 al.ª b), 414º n.º 2 e 417º n.º 6 al.ª b), foi proferida decisão sumária em 9.6.2021 – doravante, Decisão Sumária –, a rejeitar o recurso interposto, por inadmissibilidade, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª c), e a condenar o Reclamante na soma de 4 UC's, nos termos art.º 420º n.º 3 do CPP.

11. Notificado da Decisão Sumária vem, ora, o Recorrente reclamar dela para a Conferência, ao abrigo dos art.os 417º n.os 6 e 8 e 419º n.º 3 al.ª a).

Remata o petitório com as seguintes conclusões e pedido:
─ «I) Vem a presente reclamação da decisão de rejeição do recurso interposto de Acórdão que considerou procedente o recurso de arguida, declarando prescrito o procedimento criminal onde aquela foi condenada em 1.ª Instância, com fundamento numa falsa falta de verificação de interrupção do mesmo, quando na verdade a constituição de arguida ocorreu em 06.01.2017 (vide fls. 213 e 214) e não a 03.03.2017, como pretende fazer crer aquele Acórdão, onde apenas foram prestadas declarações.

II) À míngua de razões sérias, viu em 2.a Instância aquela condenação prescrita, pela determinação de uma inexistente prescrição, ostensivamente ao arrepio do consagrado nos artigos 1.° e 121.°, n.° 1, alínea a), ambos do Código Penal e artigos 3.°, 13.°, 20.°, n.° 1, n.° 4 e n.° 5, 32.°, n.° 7, 202.° e 205.°, todos da Constituição da República Portuguesa.

III) Com efeito, salta à vista a INEXISTÊNCIA DE NULIDADE POR PRESCRIÇÃO.

IV) Do ponto II do Acórdão sub judice, sob a epígrafe Fundamentação, resultam como factos, apenas e tão só o vertido em quatro artigos, os quais se transcrevem:

II-FUNDAMENTAÇÃO
Os factos:
1. O crime de crime de falsificação de documento, p, e p. pelo disposto no artigo 256.°, n.°1 ais. c), d) e) do Código Penal, tal como vem configurado no objeto do processo, é datado de 9 (nove) de Fevereiro do ano de 2012 (dois mil e doze).
2. Na fase de inquérito, foi designado o dia 2 (dois) de Fevereiro de 2017 (dois mii e dezassete) para o interrogatório e constituição como arguida da ora recorrente ("vide" despacho do Ministério Público datado de 17 de Janeiro de 2017).
3. Tendo faltado justificadamente a essa diligência, mediante a apresentação de atestado médico, foi designada nova data para a sua concretização (3 de Março de 2017), por meio de novo despacho do Ministério Público, datado de 3 de Fevereiro de 2017,
4. Finalmente, no dia 3 (três) de Março de 2017 (dois mil e dezassete), AA foi constituída arguida e interrogada nessa qualidade (auto com a referência n° 96410549, constante do processo).

V) Apenas é verdadeiro o facto do crime de falsificação de documento ser datado de 9 (nove) de Fevereiro do ano de 2012 (dois mil e doze).

VI) Quanto ao restante, a ora recorrida não foi constituída arguida em 03 (três) de Março do ano de 2017 (dois mil e dezassete), mas sim, conforme resulta dos autos, a fls. 213 e 214, com termo de identidade e residência no dia 06 (seis) de Janeiro do ano de 2017 (vide fls 214 dos autos, conforme Doc. n.º 1, junto para os devidos efeitos legais).

VII) Não existem quaisquer dúvidas que, com a constituição de arguida (06.01.2017) ocorreu a causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal prevista na alínea a) do artigo 121.º, n.º 1 do Código Penal, por crime praticado em 09.02.2012.

VIII) É nulo o Acórdão que, em conferência e por unanimidade dos dois juízes desembargadores subscritores, decide anular a sentença condenatória da arguida, com fundamento numa prescrição inexistente.

IX) À semelhança daquela que tem sido a prática da arguida, o presente Acórdão em crise consubstancia um erro grave de julgamento, o qual, este sim, poderá culminar com uma prescrição injusta, em manifesta violação dos mais elementares direitos fundamentais, como seja a justiça e a equidade.

X) O Acórdão recorrido enferma de violação da lei substantiva, ao determinar como causa de prescrição do procedimento criminal (de 5 anos), a ocorrência da tomada de declarações da arguida, tendo desvalorado a efectiva constituição de arguida, que ocorreu em momento anterior ao prazo de prescrição de 5 anos, ou seja em 06.01.2017 (facto interruptivo ex vi legis)

XI) Nos presentes autos tiveram intervenção, antes da subida ao Tribunal da Relação, 5 Procuradores do Ministério Público e 3 Juízes de Direito (com fase   de   Instrução),  que   tiveram   intervenção   directa   no   presente procedimento criminal, verificando que não existia qualquer prescrição e com a rigidez que lhes é característica na busca da verdade material e justa decisão da causa.

XII) Foi esta a estratégia de defesa da arguida em todas as fases processuais, seja inquérito (atestados médicos com possibilidade de envio de requerimento aos autos e constituição de mandatário), instrução (atestados médicos, viagens, acidentes e enganos de tribunal) ou julgamento (onde nem sequer compareceu), com expedientes dilatórios, os quais foram devidamente acautelados por quem de direito, designadamente na acusação, com referência expressa à prescrição de outro crime indiciado e à prestação de TIR no crime de falsificação (de 21 assinaturas).

XIII) Não se percebe que o Tribunal da Relação anule a decisão da 1.ª Instância, com a declaração de prescrição do presente procedimento criminal instaurado contra a arguida AA, sem ter em devida conta o disposto no artigo 121.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, isto é, a causa de interrupção da prescrição derivada da Constituição de Arguida.

XIV) O aresto em apreço não aplicou corretamente o direito, ao declarar prescrito o procedimento criminal sem base legal e/ou factual.

XV) É falso que o MP e o Assistente tenham respondido de forma genérica e abstrata, pois antes do convite ao aperfeiçoamento das motivações de recurso apresentadas pela arguida não havia qualquer referência à data de constituição de arguida.

XVI) A data foi “plantada” pela arguida bem sabendo que estava a faltar à verdade, emanando declarações falsas, perante o Tribunal da Relação do Porto.

XVII) Não havia, nem há, qualquer justificação para não ter acesso ao processo físico (com tantos sinais na plataforma eletrónica que deixavam antever a constituição da arguida em momento anterior – vide a título meramente exemplificativo: Doc. n.º 2, Doc. n.º 3 e Doc. n.º 4, juntos para os devidos efeitos legais), pois a secretaria judicial não deixou de ter funcionários, mesmo durante a pandemia.

XVIII) Se o convite ao aperfeiçoamento apenas ocorreu no Tribunal da Relação do Porto, quando os autos já haviam subido na sua totalidade e não podendo os VV.ºs Juízes Desembargadores ter acesso aos autos físicos, por força da pandemia, porque haveria o assistente ser prejudicado (que não pode), apesar de, nas mesmas condições, invocar expressamente a não prescrição.

XIX) Só após ter sido notificado do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto e depois de ter podido consultar o mesmo, é que constatou o erro, depois assumido pelos VV.ºs Juízes Desembargadores.

XX) Não deverá preconizar-se de forma absoluta a irrecorribilidade de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que se pronunciem sobre a prescrição do procedimento criminal.

XXI) No caso sub judice o que se verificou foi um erro notório na apreciação da prova (pois a constituição de arguida ocorreu em 06.01.2017), o que consubstancia um erro grave de julgamento por parte do Tribunal a quo, o qual poderá ser emendado pelo Tribunal ad quem, pois doutro modo culminar-se-ia numa prescrição injusta (inexistente) e atentatória do Estado de Direito Democrático.

XXII) “Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente”. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Edição, 2000, Editorial Verbo, pág. 341.

XXIII) Foi feita uma errónea falta de verificação de interrupção do procedimento criminal, visto que a constituição de arguida ocorreu em 06.01.2017 e não a 03.03.2017.

XXIV) A tese vertida no tribunal a quo enferma de violação da lei substantiva, ao determinar como causa de interrupção do procedimento criminal a data em que a arguida prestou declarações, tendo desconsiderado a data da efetiva constituição de arguida, que ocorreu em momento anterior ao prazo de prescrição de 5 anos.

XXV) O entendimento sufragado no tribunal a quo configura uma clara afronta ao direito substantivo, uma vez que considerou prescrito o procedimento criminal sem suporte legal e/ou factual, anulando uma sentença conforme o direito e desconsiderando todos quanto ao longo de todo o procedimento criminal entenderam não se ter verificado a prescrição (facto de conhecimento oficioso), por efectivamente não se ter verificado, seja na fase de inquérito, instrução ou julgamento.

XXVI) Não pode ser outro o entendimento, uma vez que se considerou como causa de interrupção da prescrição a tomada de declarações da arguida e não a sua constituição de arguida (06.01.2017), como prescreve o artigo 121.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.

XXVII) É hoje inequívoco que a justiça material é um princípio perfilhado pela lei, nomeadamente, pelos princípios constitucionais da busca da verdade material, da realização da justiça e de uma tutela judicial efectiva.

XXVIII) E que a proteção da justiça e a descoberta da verdade material configuram finalidades do sistema jurídico processual-penal.

XXIX) Sobretudo pelo primado da justiça material, é nosso modesto entendimento ser de admitir o presente recurso.

XXX) A Constituição da República Portuguesa consagra, enquanto Princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, os plasmados nos seus artigos 8.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 7 e 267.º, n.º 5, cuja violação, constituindo em si próprias inconstitucionalidades, ora se invocam.

XXXI) O Artigo 20.º da CRP com a epígrafe Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, cuja projecção sobre o caso sub judice reflecte a violação do acesso do recorrente ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos, por intermédio de um processo equitativo, com todas as suas dimensões garantísticas, como sejam o direito de acção, o direito ao processo perante os tribunais, o direito à decisão da causa pelos tribunais e ainda a violação do direito à tutela efectiva, com a criação de dificuldades excessivas e materialmente injustificadas e com a criação de situações de indefesa originadas por manobras, conflitos de competência, expedientes e actos puramente formais, que mais não pretendem do que denegar justiça ao assistente, tendo por consequência, nos termos do normativo constante dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 20.º da CRP, a invalidade de todos os actos e omissões que detalhadamente supra se enumeraram e cuja anulabilidade se invoca.

TERMOS EM QUE DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO À PRESENTE RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COM O QUE V.ªS EX.ªS, COLENDOS CONSELHEIROS, FARÃO
JUSTIÇA!
[…].».

12. Continuados os autos ao Senhor Procurador-Geral Adjunto para se pronunciar, querendo, sobre os fundamentos da reclamação, apôs o seu visto.
O arguido, de seu lado, apresentou espontaneamente requerimento a reiterar as suas anteriores posições no sentido do acerto da declaração de extinção prescritiva do procedimento e a pronunciar-se pela «rejeição da reclamação, por ilegal e infundada».

13. Efectuado o exame preliminar, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

A. A Decisão Sumária reclamada.
14. Na Decisão Sumária, proferida pelo relator, indicaram-se as incidências processuais relevantes e entendeu-se, e decidiu-se, que o recurso interposto não era admissível.
Nos seguintes termos:

─ «II. FUNDAMENTAÇÃO.
A. Âmbito-objecto do recurso – julgamento por decisão sumária.

10. O objecto e o âmbito dos recursos são os fixados pelas conclusões formuladas na respectiva motivação – art.º 412º n.º 1, in fine, do CPP –, sem prejuízo do conhecimento das questões oficiosas [3].

A única questão que o recorrente MM levanta é a da prescrição do procedimento criminal, insurgindo-se contra o seu decretamento no Acórdão Recorrido, que acusa de nulo por ter decidido «anular a sentença condenatória da arguida, com fundamento numa prescrição inexistente», isso pois que não teve «em devida conta o disposto no artigo 121.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, isto é, a causa de interrupção da prescrição derivada da Constituição de Arguida, que ocorreu em 06.01.2017».

A arguida AA, na contramotivação, suscita, porém, em primeira linha, a questão irrecorribilidade do Acórdão Recorrido nos termos do art.º 400º n.º 1 al.ª c) do CPP.
E o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste STJ secunda esse entendimento, pronunciando-se expressamente pela inadmissibilidade do recurso e sua rejeição, nos termos dos art.os 400º n.º 1 al.ª c) e 420º n.º 1 al.ª b) do CPP.

11. O conhecimento da questão da (in)admissibilidade do recurso, oficiosa e prejudicial, precede, in casu, o de qualquer outra que venha posta – art.º 608º n.º 2 do CPC, ex vi do art.º 4º do CPP.
E competindo a pertinente decisão ao relator, nos termos do art.º 417º n.º 6 do CPP..
Assim:
 
B. Da (in)admissibilidade do recurso.
Como tudo já referido, condenada em 1ª instância pela prática de crime de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256.º, n.º1 al. c), d) e e) do Código Penal na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e seis meses sob condição do pagamento da quantia de € 20 000,00 em favor do Condomínio ofendido, bem como no pagamento da indemnização de € 2 000,00 em favor de todos e cada dos 11 demandantes civis, viu a arguida AA, sob recurso que moveu, ser declarada no TRP a nulidade por omissão de pronúncia da sentença recorrida e, em seu suprimento, ser decretada a extinção do procedimento criminal por prescrição por referência à data de 9.2.2017.
E pretende, ora, o assistente MM no recurso que move para este STJ que se revogue o assim decidido no TRP, «confirmando-se a sentença condenatória proferida em 1ª instância.».

Sucede, porém – diz-se já –, que, tal como assinalam a arguida e o Ministério Público neste Supremo Tribunal, o Acórdão Recorrido não é recorrível para este STJ, havendo o recurso de ser rejeitado.
Com efeito:

13. Confrontado, então, com a arguição de prescrição procedimental no recurso movido pela arguida, anotando ter o sentença recorrida omitido, indevidamente, pronúncia sobre o ponto, que era de conhecimento oficioso, e propondo-se suprir a correspondente nulidade, começou ao Acórdão Recorrido por recensear os seguintes factos:
─ «II - Fundamentação - os factos
1. O crime de crime de falsificação de documento, p. e p. pelo disposto no artigo 256.º, n.º 1 als. c), d) e e) do Código Penal, tal como vem configurado no objeto do processo, é datado de 9 (nove) de Fevereiro do ano de 2012 (dois mil e doze).
2. Na fase de inquérito, foi designado o dia 2 (dois) de Fevereiro de 2017 (dois mil e dezassete) para o interrogatório e constituição como arguida da ora recorrente ("vide" despacho do Ministério Público datado de 17 de Janeiro de 2017).
3. Tendo faltado justificadamente a essa diligência, mediante a apresentação de atestado médico, foi designada nova data para a sua concretização (3 de Março de 2017), por meio de novo despacho do Ministério Público, datado de 3 de Fevereiro de 2017.
4. Finalmente, no dia 3 (três) de Março de 2017 (dois mil e dezassete), AA foi constituída arguida e interrogada nessa qualidade (auto com a referência nº 96410549, constante do processo).».

Passando, de seguida, ao direito, exarou o que segue:
─ «O crime de falsificação de documento, p. e p. pelo disposto no artigo 256.º, n.º1 al. c), d) e e) do Código Penal, que constitui o objeto deste processo, assim definido pela acusação e, na sua sequência, pelo despacho de pronúncia, é punível com uma pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
─ O artigo 118º, nº 1, alínea c), do mesmo texto legal, fixa em cinco anos o prazo de prescrição do procedimento criminal para os crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos.
─ Conjugando as duas normas, conclui-se, sem margem para dúvida, que o presente procedimento criminal prescreve(ria) no prazo de cinco anos contados a partir da data da consumação do crime de falsificação (artigo 119º, nº 1, do Código Penal), se não tiverem ocorrido quaisquer factos integrantes de uma causa de interrupção ou de suspensão da prescrição, previstas nos artigos 120º e 121º, ambos ainda do mesmo Código.
─ Tendo-se analisado todo o processo documentado na plataforma digital Citius, constatou-se que antes da constituição de AA como arguida, em três de Março de 2017, não ocorreu qualquer facto gerador de suspensão […] ou de interrupção […] da prescrição – mas apenas posteriormente –:
─ O procedimento criminal já se encontrava prescrito, ex lege, à data em que teve lugar a constituição como arguida da ora recorrente, que se encontrava acompanhada nesse ato por defensor constituído.
─ Apenas em sede de recurso da sentença condenatória a questão foi suscitada já no fim de mais de duas centenas de conclusões da motivação de recurso e não sendo a mesma configurada enquanto questão prévia prejudicial em relação às demais.
─ De resto, em momento algum a própria recorrente concretizou a data a partir da qual o procedimento criminal se mostra efetivamente prescrito e nenhum dos recorridos reconheceu, sequer, a prescrição, produzindo a esse respeito meras alegações abstratas e desligadas do caso concreto.

Cumpre concluir e decidir:
─ Não tendo a sentença recorrida apreciado oficiosamente a questão da prescrição que lhe competia conhecer, a mesma é nula, por força do disposto no artigo 379º, nº 1, al. c), do Código de Processo Penal.
─ Importa suprir tal nulidade, declarando prescrito o procedimento criminal instaurado contra a arguida AA pela prática, como autora, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 al. c), d) e e) do Código Penal.
*
A prescrição do procedimento criminal in iudicium prejudica a apreciação das demais questões consubstanciadas na motivação de recurso.».

E rematou, tudo, com o dispositivo transcrito em 4. supra, declarando a comissão da nulidade referida e, em seu suprimento, decretando a extinção do procedimento.

14. Isto consignado e passando à questão da (in)admissibilidade do recurso propriamente dita:

O art.º 399º do CPP proclama o princípio geral de que «É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.».
O artigo 432º do CPP define o critério de recorribilidade para o STJ, estabelecendo, entre o mais, que se recorre para esse tribunal de «decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações em recurso, nos termos do artigo 400º».
De seu lado o art.º 400º referido dispõe na al.ª c) do seu n.º 1 que «Não é admissível recurso […] de acórdãos proferidos pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo.»

Sobre o âmbito compreensivo deste art.º 400º n.º 1 al.ª c) é numerosa a jurisprudência do STJ, apelando-se, por todos, ao Acórdão de 22.4.2015 - Proc. n.º 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1 [4], que expressa entendimentos que se crêem dominantes, se não unânimes:
─ «O artigo 400º do CPP tem por fonte a Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, que introduziu o fundamento da irrecorribilidade dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação que "não pusessem termo à causa". Esta redacção foi alterada pela Lei n." 48/2007, de 29 de Setembro, que substituiu a expressão antes reproduzida pela actual: "(...) que não conheçam, a final, do objecto do processo".
Com esta medida – lê-se na exposição de motivos da proposta de lei que originou o diploma aprovado –, visou-se além de "restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, (...), ainda que quando a Relação, em recurso, não conhecer a final do objecto do processo, não cabe recurso para o Supremo" [[5]].
A formulação vigente restringe as causas de recorribilidade e amplia as causas de irrecorribilidade [[6]], "a todos os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que ponham termo à causa, mas não conheçam do objecto do processo, o que o artigo 400º, n.º 1, al.ª c), na redacção de 1998, não incluía" [[7]]. Por outro !ado, apelando ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º (sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo), "precisou e densificou a noção de decisão que não põe termo a causa para efeito de interposição de recurso" [[8]].
Noutros termos, o traço distintivo entre as duas formulações reside no facto de "anteriormente serem susceptíveis de recurso todas as decisões que pusessem termo a causa, sendo que actualmente só são susceptíveis de recurso as decisões que põem termo à causa quando se pronunciem e conheçam do seu mérito" [[9]].».
Ainda segundo o mesmo acórdão:
─ «A determinação do conteúdo e limites da norma para aferição das decisões susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça convoca a interpretação do conceito "objecto do processo", que o Código de Processo Penal não define.
A jurisprudência tem entendido que o objecto do processo respeita "aos factos imputados ao arguido, aos factos pelos quais o mesmo responde, ou seja, ao objecto da acusação (ou da pronúncia), visto que é esta que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo" [[10]].
Noutra formulação, "o objecto do processo penal é o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e a extensão do caso julgado. É a este efeito que se chama a vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consumpção do objecto do processo penal", os quais projectam e desenham um efectivo e consistente direito de defesa do arguido, sem o qual o fim do processo penal é inalcançável, e "que assim se vê protegido contra arbitrários alargamentos da actividade cognitória e decisória do tribunal e assegura os seus direitos de contraditoriedade e audiência (...)" [[11]].
Em síntese, o objecto do processo, "é o objecto da acusação, no sentido de que é esta que fixa os limites da actividade cognitiva e decisória do tribunal, ou, noutros termos, o thema probandum e o thema decidendum", não podendo a actividade do tribunal penal, consubstanciada na investigação e prova de determinados factos sair fora dos limites traçados pela acusação, sob pena de nulidade, salvo os casos permitidos por lei e respeitadas certas condições», estando "[a] delimitação do objecto do processo (...) relacionada fundamentalmente com todas as garantias de defesa, assegurando-se que nenhum outro indivíduo, que não o arguido, seja julgado pelos factos constantes da acusação e permitindo-se-lhe uma defesa eficaz, subordinada aos princípios do contraditório e da audiência, mas também garantindo, dentro de certa maleabilidade, conjugada com a rigidez que lhe é característica, a investigação da verdade material» [[12]].

E entendimentos com que, no fundamental, a doutrina converge, conforme testemunhos de, v. g., Pinto de Albuquerque – segundo o qual a «intenção da Lei n.º 48/2007 foi o de ampliar o fundamento de irrecorribilidade da al.ª c) do art.º 400º n.º 1 do CPP, alargando-a a todos os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que ponham termo à causa, mas não conheçam do objecto do processo, do mérito do pleito, o que a redacção anterior de 1998 não incluía» [13] – e de Pereira Madeira, no trecho que segue transcrito:
─ «A formulação do preceito foi introduzida pela Lei n.° 48/2007, que substituiu a antecedente fórmula "[decisões] que não ponham termo à causa", e que, por aparente equivocidade, esteve na origem de divergentes decisões judiciais.
"Conhecer do objecto do processo", que, em processo penal, é balizado pela acusação e ou pronúncia e a pertinente defesa, é afinal, conhecer do mérito ou fundo da causa, enfim da viabilidade da acusação, com o inevitável desfecho de condenação ou absolvição do arguido, conforme o caso.
Assim, cairão no âmbito da irrecorribilidade, as decisões colegiais da relação, em recurso, que, pondo, ou não, fim ao processo, fiquem aquém do conhecimento final do objecto da acusação e ou pronúncia, como acontecerá quando o processo finda por razões meramente processuais.
[…].». [14].

Ora, volvendo ao caso, tem-se, então, por muito evidente que, presentes os ensinamentos que se acabam de extractar, o Acórdão Recorrido cai sob a alçada da irrecorribilidade prescrita, conjugadamente, pelos art.os 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª c) do CPP, que se trata de decisão proferida em recurso por Tribunal da Relação da Relação que, não obstante ter posto termo à relação processual, não conheceu do seu objecto.
Na verdade:

Considerando, então, não atempadamente suspenso ou interrompido por nenhuma das causas previstas nos art.os 120º e 121º do CP o prazo de dois anos respectivo, decretou o Acórdão Recorrido a extinção prescritiva, desde 9.2.2017, do procedimento criminal pelo crime de falsificação de documento por que arguida tinha sido condenada em 1ª instância, nos termos e com os fundamentos reproduzidos em 13. supra.
Produziu, assim, uma decisão de arquivamento do processo, isto é, uma decisão que, não entrando no conhecimento nem se pronunciando sobre o objecto dele que vinha definido na pronúncia da arguida, não pode ser qualificada de mérito: «A consequência da declaração de prescrição é o arquivamento oficioso do processo em qualquer altura do procedimento; não é, por ex., através de uma sentença absolutória ou de mérito» [15].
Como sustenta Frederico Costa Pinto, «a realidade que constituiu o objecto imediato da decisão» de declaração prescritiva do procedimento criminal «tem […] natureza processual e, por essa via, o legislador consegue obter efeitos materiais reflexos (como a não responsabilização do agente) e prosseguir finalidades político-criminais (limitar a intervenção penal em função da desnecessidade da pena). Acrescentando, mesmo, o autor que «está inclusivamente implícita na prescrição uma proibição de conhecimento de mérito», pois trata-se de uma questão prévia que obsta ao respectivo conhecimento, conforme, v. g., o disposto os art.º 311º n.º 1 e 368º n.º 1 do CPP [16].
Sendo que também o art.º 608º n.º 1 do CPC, aplicável em processo penal por via do art.º 4º do CPP, ao impor o conhecimento das questões «segundo a ordem […] da sua precedência lógica», associa à procedência da prescrição a ideia da inutilidade e impossibilidade legal da verificação do mérito dos factos que constituem o objecto do processo, que nunca chega a haver um juízo nem sobre a ilicitude nem sobre a culpa do agente.

Insiste-se:
O Acórdão Recorrido, sendo uma decisão final no sentido de ter posto termo à relação processual, não é, porém, uma decisão de mérito, uma decisão que tenha conhecido e decidido sobre o objecto do processo.
Não é, por isso, passível de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça por obstáculo dos art.os 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª c) do CPP.

16. De resto, a solução da irrecorribilidade é também a única que se compatibiliza com a unidade do sistema a que o art.º 9º do Código Civil (também) manda atender no momento de interpretar da lei.
E assim na medida em que mal se compreenderia que, acaso o Acórdão Recorrido tivesse entrado na apreciação do mérito e concluído, por razões substanciais, pela absolvição da arguida não fosse recorrível para o STJ – como, de facto, o não seria por oposição do mesmo art.º 432º n.º 1 al.ª b) articulado com a al.ª d) do n.º 1 do, mesmo, art.º 400º, que dispõe que «Não é admissível recurso: […] De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos» – e que já o fosse se se tivesse quedado, como se quedou, pelo estádio, prévio, da apreciação da prescrição.
O que, se ainda necessário fosse – mas não é! –, definitivamente dissiparia alguma dúvida que subsistisse acerca da irrecorribilidade de tal aresto.

17. Antes de concluir, por tudo, pela rejeição do recurso por inadmissibilidade legal, uma última consideração acerca da não desconformidade constitucional da solução. Consideração, aliás, tanto mais reclamada quanto insólita – há que reconhecê-lo – a situação que conduziu à decisão da prescrição.
Desse modo e seguindo de perto a esclarecedora reconstituição histórica do procedimento efectuada pelo Senhor Desembargador Relator na última parte do douto despacho de 22.1.2021:

Inconformada, então, com a sua condenação, a arguida esgrimiu no recurso com a prescrição do procedimento criminal dizendo a tal propósito (i) ser de cinco anos, contados sobre a data da prática dos factos, o prazo de prescrição do procedimento pelo crime de falsificação de documento por que foi condenada em 1ª instância; (ii) ter sido constituída arguida em 3.3.2017, portanto, quando já estavam decorridos mais do que os cinco anos referidos; (iii) não ter ocorrido, anteriormente, nenhum acto ou facto a que os art.os 120º e 121º do CPP atribuem efeitos interruptivos ou suspensivos do prazo; e (iv) dever, por tudo, ser decretada a extinção do procedimento criminal.
O Ministério Público e os demandantes/assistente contestaram, nas respostas, a ocorrência da prescrição, porém, de forma genérica e abstracta, nenhum deles questionando o acto de constituição de arguida apenas a 3.3.2017, nenhum deles referindo o acto de constituição de 6.1.2017.
No processo electrónico somente constava – e consta – o acto de constituição de 3.3.2017.
Em razão dos constrangimentos do serviço judicial provocados pela situação pandémica que vem assolando o país e o mundo há mais de um ano, os Senhores Desembargadores apenas tiveram acesso ao processo electrónico.
No momento de coligirem os factos relevantes para a aferição da prescrição não tomaram conhecimento do acto de constituição de arguido de 6.1.2017, tudo assentando unicamente no de 3.3.2017 que o processo electrónico documentava e decretando, nos termos transcritos em 13. supra, a extinção do procedimento por referência à data de 9.2.2017, que foi quando se completaram os cincos da prescrição sobre o momento da, indiciada, ocorrência dos factos criminosos.
 
Ora, mesmo sem se poder aqui afirmar peremptoriamente que, se se tivessem apercebido da ocorrência do acto de constituição de 6.1.2017, os Senhores Desembargadores não teriam decretado a prescrição, a verdade é que, sobre nada autorizar que se diga o contrário, se tem que reconhecer que se trataria de hipótese, pelo menos, congeminável.
E nessa óptica, e na medida em que essa hipotética solução bem poderia viabilizar a prolação de uma decisão de mérito que viesse a ser favorável aos seus interesses, cumpre então ponderar se a interpretação que se faz do bloco legal dos art.os 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª c) do CPP no sentido de vedar o recurso ao assistente não viola o direito de acesso ao direito e à justiça na vertente da garantia da protecção jurisdicional efectiva prevista no art.º 20º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Nessa perspectiva:

18.  Nos termos do artigo 32º n.º 1 da CRP [17], «[o] processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso». É pacífico, na jurisprudência e doutrina constitucionais, que a norma visa unicamente o arguido, não podendo o assistente invocá-la em seu favor [18].
A posição do ofendido/assistente enquadra-se directamente na previsão do n.º 7 do artigo 32.º da CRP, nos termos do qual «[o] ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei».
Trata-se de uma formulação consideravelmente aberta, como assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pp. 523 e 524:
─ […].
Diferentemente do que acontece em relação ao arguido, a lei constitucional não especifica as dimensões fundamentais do direito do ofendido intervir no processo, remetendo para a lei («nos termos da lei») essa tarefa. Esse reenvio para a lei não pode, porém, interpretar-se no sentido de uma completa liberdade de conformação por parte do legislador dos poderes processuais do ofendido. Dentre estes, o legislador não pode deixar de consagrar o direito (poder) de acusar, o poder de requerer a instrução (no caso de arquivamento dos autos por deliberação do Ministério Público), o poder de recorrer da sentença absolutória […]».

Os direitos processais do assistente alcançam-se, assim, através do n.º 7 do artigo 32º da CRP e não pelo seu n.º 1 do mesmo artigo. E se é certo que, com apoio em ambos está garantido, genericamente, um processo adequado à afirmação dos interesses dos sujeitos neles previstos, não menos certo é que também se pode afirmar a ideia de que «[…] as garantias constitucionais da posição processual do assistente não hão de ir mais longe do que as do arguido» [19], que, até, por argumento maioria de razão, se não concebe que a Constituição confira «ao assistente em processo penal uma protecção mais intensa daquela que prevê para o arguido» [20].
A protecção constitucional do assistente encontra-se, assim, a partir do n.º 7 do artigo 32.º da CRP, mas reconhece-lhe, também, como à generalidade dos sujeitos processuais, a tutela jurisdicional no âmbito do artigo 20.º da CRP, a assegurar no próprio processo penal, é certo, mas sem perder de vista que há que aí acomodar, também, a forte identidade das garantias do arguido: «No que respeita ao exercício dos direitos que a lei processual atribui ao assistente decide-se, de modo idêntico, que o mesmo não pode sofrer restrições excessivas ou desproporcionadas – ou seja, o ofendido não pode ser privado "daqueles poderes processuais que se revelam decisivos para a defesa dos seus interesses" – Acórdãos n.ºs 205/01 e 464/03 –, mas acrescenta-se que esta avaliação deve sempre ponderar a eventual restrição para as garantias de defesa do arguido – cuja protecção merece maior tutela, do ponto de vista constitucional – que pode resultar daquele exercício» [21].

Ora é, precisamente no enfoque desse art.º 20º n.º 1 da CRP – que dispõe que «A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos» – que o Tribunal Constitucional vem encarando a questão da admissibilidade do recurso por parte do assistente. Sendo que deste preceito constitucional não decorre um genérico direito ao recurso para todos os sujeitos processuais, nem um dever de o legislador consagrar, como regra, o duplo grau de jurisdição para qualquer sujeito no processo, designadamente para o assistente.
O direito de intervir no processo penal, constitucionalmente conferido ao ofendido art.º 32º n.º 7, obsta – repete-se – a que este seja privado dos poderes processuais que se revelem decisivos para a defesa dos seus interesses, mas não lhe confere um direito irrestrito a recorrer de todas as decisões que traduzam a absolvição do arguido ou que, como no caso, acarretem a sua impunibilidade por via da extinção procedimental.
Com efeito, e como é entendimento de há décadas indisputado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, a Constituição não exige a consagração de um duplo grau de jurisdição relativamente a todas as decisões proferidas em processo penal, impondo-se a consagração do direito de recorrer apenas quanto a decisões condenatórias e a decisões penais respeitantes à situação do arguido, face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais [22].
E tudo assim em nome de interesses igualmente caros ao princípio do acesso ao direito e à justiça e à ideia do Estado de Direito Democrático do art.º 2º da CRP de que aquele é corolário, como o são o da racionalidade de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e da prolação da decisão judicial em prazo razoável, aliás, expressamente acolhida no n.º 4 do art.º 20º citado.

Razões por que a interpretação que aqui se faz das normas, sempre referidas dos art.os 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª e) do CPP, não viola norma ou princípio constitucional, mormente a da tutela jurisdicional efectiva na dimensão do direito de acesso aos tribunais, preceituado no art.º 20º n.º 1 da CRP.
Por isso nada obstando, nessa perspectiva, à sua adopção.

C. Conclusão.
19. Vale, então, tudo o que precede por dizer que, presente o disposto nos art.º 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª c) do CPP, o recurso que o assistente MM move para este Supremo Tribunal de Justiça não é legalmente admissível, devendo ter sido indeferido no momento previsto no art.º 414º n.º 2 do CPP.
Não o tendo sido, cabe, ora, rejeição dele, nos termos do art.º 420º n.º 1 al.ª b) e 414º n.º 3 do CPP, e condenação do recorrente numa soma entre 3 e 10 UC's, no termos do art.º 420º n.º 3 do CPP.

É o que, de imediato, se decide.

III. Dispositivo.
20. Termos em que, com atenção a todo o exposto se decide:
─ Rejeitar o recurso interposto para este Supremo Tribunal de Justiça pelo assistente MM do douto acórdão de 16.12.2020 do Tribunal da Relação do Porto, nos termos da disposições conjugadas dos art.os 420º n.os 1 al.ª b), 414º n.os 1 e 3 e 417º n.º 6 al.ª a) do CPP. e
─ Condenar o assistente na soma de 4 UC's, nos termos art.º 420º n.º 3 do CPP.
[…].».

B. Apreciação.
15. Nos termos do art.º 417º n.º 8, da decisão sumária do relator cabe reclamação para a conferência.
«A decisão sumária não é um mero despacho do relator. É a decisão que julga o recurso quando este esteja, de modo mais patente, condenado ao insucesso […].» [23].
Introduzida no Código de Processo Penal pela reforma da Lei n. º 48/2007, de 29.8, serve o objectivo «de racionalizar e simplificar o funcionamento dos tribunais superiores, criando um mecanismo mais expedito e simplificado de decisão do recurso» que se encontre naquelas condições [24].
Salvaguardando-se, todavia, a garantia da colegialidade, precisamente, através, da reclamação.

A reclamação é, assim, apenas um pedido para que o objecto do recurso rejeitado seja reapreciado pela conferência [25].
Não dando início a uma nova fase recursória, dessa feita incidente sobre a decisão singular, o «âmbito do recurso» mantém-se «circunscrito às conclusões formuladas na motivação».
Sendo «os argumentos ali utilizados e resumidos nas conclusões que fundamentalmente devem ser tema de análise pela conferência sem embargo de o conteúdo da reclamação poder apontar ou sugerir outras vias de abordagem do problema em debate» [26].

A conferência «apenas chancelará – ou não – a decisão individual com a garantia do tribunal colectivo» [27].
Sendo que, concordando com os fundamentos e sentido da decisão sumária, pode limitar-se «a reafirmar as razões explicitadas na decisão sumária que fundamentaram a rejeição do recurso», e «corroborando-as e dando-as por reproduzidas, por via delas», decidir «confirmar a decisão sumária do relator de rejeição do recurso» e, «consequentemente, indeferir a reclamação.» [28].

16. No caso, nada obsta ao conhecimento da reclamação, que vem movida a decisão reclamável, em tempo e por quem tem legitimidade e interesse.

Assim e tomando posição sobre a reclamação:

17. Como sintetizado a final do n.º 15. respectivo, apoiou, então, a Decisão Sumária a rejeição do recurso movido pelo Recorrente na circunstância de o Acórdão Recorrido, tirado em recurso pela Relação, ser irrecorrível perante o disposto dos art.os 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª c), uma vez que, tendo conhecido de nulidade de omissão de pronúncia e decretado, em seu suprimento, a extinção do procedimento criminal por prescrição, não conheceu, nem decidiu, «a final, sobre o objecto do processo».
E insurgindo-se contra o assim decidido, e para lá de reeditar o fundamental do argumentário em que apoiou o recurso, diz, em suma, o Recorrente que, patente o erro de julgamento de facto em que o Acórdão Recorrido incorreu ao não relevar interruptivamente a constituição de arguido de 6.1.2017 e a flagrante injustiça material a que deu azo ao decretar a extinção procedimental, uma tal visão interpretativa daquelas normas, ao vedar a possibilidade de reexame do decidido em recurso  pelo STJ, é desconforme ao direito de acesso à justiça e à protecção jurisdicional efectiva nas valências enunciadas nos n.os 1, 4 e 5 do art.º 20º da CRP, bem como aos «Princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, […] plasmados nos […] artigos 8º, 13º, […], 32º n.º 7 e 267º n.º 5» da CRP.
E, por tudo, quer que se reverta a decisão sumária no sentido de o recurso ter seguimento e, a final, julgado este procedente.

18. Logo em primeira aproximação à decisão, diz o tribunal que, sem quebra do muito respeito pelas posições do Recorrente, sufraga os entendimentos vertidos na Decisão Sumária no sentido da irrecorribilidade do Acórdão Recorrido, por isso que – também o antecipa – havendo a reclamação de improceder.
E as razões são, nem mais nem menos, as que nela se alinharam, com particular realce para as dos n.os 17. e 18., que respondem por antecipação ao argumentário constante da reclamação, inclusivamente, no relativo à acusação de desconformidade da interpretação pela irrecorribilidade com as normas e princípios ínsitos nos art.os 20º n.os 1, 4 e 5 e 32º n.º 7 da CRP.
Razões essas que, por economia de tempo e de meios, aqui se recordam e subscrevem e a que apenas se acrescenta que, mesmo não desenvolvendo o Recorrente os pontos – em contrário do que lhe competia! –, a solução da irrecorribilidade em nada contraria instrumentos internacionais vinculativos do Estado Português – mormente, a CEDH e o seu art.º 6º, ou o art.º 14º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos conjugado com o art.º 2º do Protocolo n.º 7 da CEDH [29]–, ou o princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da CRP e, muito menos, os princípios da racionalização da actividade administrativa e da participação dos interessados na formação das suas decisões a que se refere o art.º 267º n.º 5 da CRP, que, aliás, não se vê que conexão possam ter com as questões em discussão.
  
19. Motivos por que, desnecessários maiores desenvolvimentos, nada mais resta, como antecipado, do que reafirmar a irrecorribilidade do Acórdão Recorrido e a, inerente, rejeição do recurso, nos termos art.os 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª c).
E, nessa conformidade, julgar improcedente a reclamação.

É o que, de imediato segue.

III. decisão.
20. Termos em que se decide
─ Indeferir a Reclamação movida pelo Recorrente MM à Decisão Sumária de 9.6.2021.
─ Manter, confirmando-a, tal Decisão, e, por via dela, rejeitar o recurso interposto pelo Recorrente, por inadmissibilidade, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 399º, 432º n.º 1 al.ª b), 400º n.º 1 al.ª c),  420º n.º 1 al.ª b) e 414º n.os 2 e 3, do CPP.
─ Manter a condenação do Recorrente na soma de 4 UC's, nos termos do art.º 420º n.º 3 do CPP;
─ Condená-lo nas custas da Reclamação, fixando-se a taxa de justiça de 3 UC´s.   

*

Digitado e revisto pelo signatário (art.º 94º n.º 2 do CPP).

 *

Supremo Tribunal de Justiça, em 7.10.2021. 



Eduardo Almeida Loureiro (Relator)


António Gama



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[1] Transcrição parcial do dispositivo.
[2] Transcrição parcial do dispositivo.
[3] Cfr. Ac. do Plenário das Secções do STJ, de 19.10.1995, in D.R. I-A , de 28.12.1995.
[4] In www.dgsi.pt.
[5] Proposta de Lei n." 109/X, p. 13, acessível no sítio Internet, com o seguinte endereço:
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheDiplomaAprovado.aspx?BJD~14848
[6] Vd. Pereira Madeira et alii, C6digo de Processo Penal comentado, 2014, p. 1215.
[7] Vd. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Cat6lica Editora, 4ª edição actualizada, 2011, anotação 4 ao artigo 400º, pp. 1042-1044
[8] Maia Gonçalves, in "Código de Processo Penal" anotado, 17ª ed., 2009, anotação 2ª ao artigo 400º, p. 912.
[9] Ac'sSTJ de 26.2 2014-Proc. n.º 78/12.4JAFUN.L1.S1 e de 31.1.2012 - Proc. n.º 171/05.0TAPDL.L2.Sl, in www.dgsi.pt.
[10] AcSTJ de 26.2.2014 - Proc. n.º 78/12.4JAFUN.L1.S1 citado.
[11] AcSTJ de 9.1.2013 - Proc. n.º 71/06.6TAADV.E3-A.S1.
[12] AcSTJ de 13.11.2011 - Proc. n.º 141/06.0JALRA.C1.S1.
[13] In Comentário do Código de Processo Penal", 4ª ed., nota 4, p. 1043.
[14] Henriques Gaspar et alii, "Código de Processo Penal Comentado", 2016, p. 1198.
[15] Miguez Garcia e Castela Rio, in "Código Penal Parte geral e especial", 2014, 9. 459
[16] In "A Categoria da Punibilidade", II, pp. 774 e 771, nota 688.
[17] Seguem-se, doravante, muito de perto os Ac'sTConst n.º 281/2020, de 21.5, e 283/2020, de 22.4.2020, acessíveis como todos os que se vieram a citar, no sítio do Tribunal Constitucional.
[18] Cfr. fls. , entre outros, Ac'sTConst 118/2017, de 15.3, 326/2012, de 27.6, 464/2003, de 14.10, 259/2002, de 186, e 194/2000, de 28.3.
No mesmo sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República Portuguesa Anotada", I, 4ª ed., pp. 516 e 523.
[19] AcTConst n.º 176/2002.
[20] AcTConst n.º 118/2017, de 15.3.
[21] Germano Marques da Silva e Henrique Salinas, in Constituição Portuguesa Anotada (org. Jorge Miranda e Rui Medeiros), I, 2ª ed., p. 534. (sublinhado acrescentado).
[22] Cfr., entre muitos outros, Ac's n.º 265/94, de 23.3, n.º 387/99, de 23.6, e n.º 430/2010, 9.11.
[23] AcSTJ de 9.3.2017 - Proc. n.º 2148/13.2JAPRT.P2, in SASTJ.
[24] AcSTJ de 5.1.2020 - Proc. n.º 14514/16.7T9PRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[25] Neste sentido e entre muitos outros, acórdãos referidos nas notas que precedem.
[26] AcSTJ de 9.3.2017 - Proc. n.º 2148/13.2JAPRT.P2, in SASTJ.
[27] AcSTJ de 20.4.2017 - Proc. n.º 799/15.0JABRG.G1.S1, in SASTJ.
[28] AcSTJ de 3.11.2011 - Proc. n.º 2/00.7TBSJM.P2.S1, in www.dgsi.pt.
[29] Isto supondo que é a questões dessa natureza que o Recorrente se quer referir quando aponta violação do art.º 8º da CRP, que trata da recepção, e vinculatividade, na ordem jurídica portuguesa do direito internacional, geral e convencional, e do direito da União Europeia.