Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7531/12.8TBMTS-A.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRATO DE MÚTUO
HIPOTECA
SEGURO DE VIDA
ABUSO DO DIREITO
ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
IMPUGNAÇÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
Data do Acordão: 11/24/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - ACTOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL ( ATOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL ) / CRÉDITO BANCÁRIO / MÚTUO.
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO - SEGURO DE VIDA.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA - PROCESSO DE EXECUÇÃO - RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS / IMPUGNAÇÃO DOS CRÉDITOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 334.º, 342.º, 369.º, 371.º, 372.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 574.º, N.º2, 674.º, N.º3, 682.º, N.º1, 789.º, N.º4.
D.L. N.º 176/95, DE 26-07 (LEI DO CONTRATO DE SEGURO).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 02.11.2010 ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 26.06.2014, ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A impugnação que o executado faz no sentido de ser acccionado o seguro de vida, com vista à satisfação do crédito pelo reclamante, por considerar que ao não o fazer incorre numa situação de abuso de direito, (art. 334 do C. Civil) por ter ocorrido o sinistro que o seguro pretendia cobrir, configura um fundamento ao abrigo do nº 4 do art. 789 do CPC e, como tal, é licita a impugnação nessa base.

II -Tendo o banco celebrado com os executados um contrato de mútuo garantido por hipoteca e com um seguro de vida que impôs aos executados como condição do mútuo, seguro esse de que é beneficiário o Banco EE/ AA e tendo sido informado do sinistro coberto pelo referido contrato de seguro, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, quando em vez de acionar directamente a seguradora com vista à satisfação do seu crédito, exige antes dos executados o pagamento do crédito numa execução pela via da reclamação de créditos, o que configura o exercício ilegítimo do direito enquadrável na previsão do art. 334 do C Civil.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I - Relatório


AA, SA veio por apenso ao processo de execução em que é exequente BB - Instituição Financeira de Crédito SA e executados CC e mulher DD, deduzir reclamação de créditos no valor global de € 67.512,86 relativo a contrato de mútuo, garantido por hipoteca registada a seu favor sobre o imóvel, que veio a ser penhorado no processo principal.


Para o efeito, alega que por escritura pública de mútuo com hipoteca, celebrada em 08.05.2007 o Banco EE, S.A. em cujos direitos a reclamante sucedeu por cessão de créditos – concedeu um empréstimo aos executados no montante de e 70.000,00 com a garantia de hipoteca.

Dado o registo daquela garantia real sobre o mesmo bem, defendeu que o seu crédito seja graduado na sede de concurso de credores, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.

Deduziu o seguinte pedido, ipsis verbis:

«Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente reclamação ser admitida e o crédito da Reclamante sobre os Executados, no montante de € 67.512,86 (SESSENTA E SETE MIL QUINHENTOS E DOZE EUROS E OITENTA E SEIS CÊNTIMOS), ser considerado verificado e graduado com preferência sobre os demais credores, de acordo com a garantia real – hipoteca – que o reveste, segundo as disposições legais aplicáveis, seguindo-se os demais termos até final.»


Notificados da reclamação do crédito, os executados impugnaram-no.

Embora confessando expressamente a sua existência, no referido valor, negaram a sua exigibilidade com o fundamento de que não se sentem responsáveis pelo seu pagamento, uma vez que subscreveram um contrato de seguro, em que o Banco EE é o beneficiário, aquando da celebração do contrato de mútuo com aquele Banco e constituição da hipoteca.

Alegaram ainda que o contrato de seguro foi assinado na agência daquela entidade financeira e preenchido por um seu funcionário, limitando-se os executados a apor as suas assinaturas na respetiva proposta de seguro, sem que lhes tivessem sido fornecidas quaisquer informações. Não foram dadas oralmente, nem por escrito, quaisquer explicações, por parte dos funcionários do Banco EE, do teor do respetivo contrato.

Para além disso, deram conta de que o executado CC foi vítima de um acidente vascular cerebral em finais de dezembro de 2007, ficando a padecer de uma incapacidade de 64%, tendo, por isso, acionado o contrato de seguro junto da seguradora, Companhia de Seguros FF e Seguros, S.A.. que declinou a responsabilidade invocando a anulabilidade do contrato por falsidade de declarações quanto a enfermidades preexistentes, não obstante continuar a cobrar os prémios do mesmo. 

Na perspetiva dos executados, aquele contrato é válido e ocorre incumprimento do mesmo imputável à segura, pelo que deve ser provocada a sua intervenção principal para ser condenada naquele cumprimento, pagando o remanescente do empréstimo contraído junto do Banco EE aos executados, com improcedência da reclamação de créditos, por não serem responsáveis pelo seu pagamento.

Formulou a seguinte conclusão do seu articulado:

«Em face do exposto, requer-se a V. Exa.:

I. Se digne notificar a FF Seguros, S.A, para vir juntar aos autos a apólice nº 4../… e respectivas condições gerais e particulares;

II. Admitir a intervenção principal provocada da FF Seguros, S.A., nos termos do artº 316, nº 3 do CPC;

III. Ser declarada improcedente a reclamação de créditos feita pela AA, aqui Reclamante;

IV. Finalmente, ser a FF Seguros, S.A condenada a cumprir o contrato de seguro, entre esta e os executados e,

Consequentemente,

V. Condenada ao pagamento do remanescente do empréstimo do Banco EE aos Executados» (sic)


Por decisão de 11.4.2014, o tribunal, considerando que foi deduzido um pedido reconvencional pelos executados, julgou-o inadmissível com a seguinte síntese conclusiva, ipsis verbis:

«Do cotejo das considerações tecidas, e atenta a específica função da reclamação de créditos, aos executados apenas é reconhecida a possibilidade de aduzir todos os meios de defesa que considerem relevantes para negar a pretensão da reclamante (por impugnação ou excepção), não sendo, todavia, possível o exercício de direitos que extravasem o objectivo de extinção, total ou parcial, da reclamação e que pressuporiam que, nesta sede, a impugnação pudesse desempenhar a função de reconvenção.

Em face do exposto, não se admite a reconvenção deduzida pelos executados.»

No mesmo despacho, o tribunal rejeitou também o pedido de intervenção principal da sociedade FF e Seguros S.A. por entender não estarem reunidos os pressupostos exigidos pelo art.º 316º do Código de Processo Civil.

Por despacho de 30 de Maio de 2014, foi fixado o valor da ação (em € 67.512,86), foi dispensada a audiência prévia e foi proferido despacho saneador tabelar, a que se seguiu a identificação do objeto do litígio, a fixação de factos assentes e a enunciação dos temas de prova.


Teve depois lugar a audiência final, a que se fez seguir a prolação da sentença, fundamentada em matéria de facto e de Direito, que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:

«Assim sendo, deverão os créditos ser graduados segundo a seguinte ordem:

1º: créditos reclamados pela AA, SA, que goza da anterioridade de registo da hipoteca;

2º: crédito exequendo, que goza da garantia da penhora.

As custas saem precípuas do bem penhorado – art. 541 do C.P.C.

Custas da reclamação de créditos pelos reclamados.»


Inconformados com a decisão sentenciada recorreram para o Tribunal da Relação do Porto que, pelo Acórdão de fls. 327 a 367 julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença de graduação de créditos, embora com um voto de vencido inserido a fls. 368 a 370v.


Novamente inconformados interpuseram recurso de revista para este Supremo.

 

Formulam as seguintes conclusões:

1. Entendem os recorrentes, que os Meritíssimos Juízes do Tribunal da Relação possuíam, no momento da decisão, elementos probatórios que permitiam ter adoptado um entendimento diferente do que aquele que foi adoptado.

SENÃO VEJAMOS:

2. A Sra. Juiz do Tribunal de Ia Instância considerou como não provados os factos constantes das seguintes alíneas:

  a)"Na altura da adesão por parte dos executados ao respectivo seguro, apenas foi entregue a estas as respectivas cópias das condições particulares da apólice e da respectiva proposta de adesão;

  b)"Não foram dadas oralmente, nem por escrito, quaisquer explicações por parte dos funcionários do Banco EE, da respectiva proposta de adesão";

  c)"Em Finais de Dezembro de 2007, o Executado CC foi vítima de um acidente cerebral vascular", e

  d)"O Executado CC ficou a padecer de uma incapacidade de 64%, tendo os recorrentes, não concordado com a decisão e recorrido para o Tribunal da Relação."

3. Quanto à prova dos pontos das alíneas c) e d), entendeu o Tribunal da Relação, com o voto vencido do Sr. Desembargador GG, que os recorrentes não fizeram prova bastante, do recorrente CC ter sofrido acidente vascular cerebral, que o incapacitou para o trabalho em 64%.

4. O Tribunal da Relação entendeu, com a execpção do voto vencido do Sr. Juiz Desembargador, GG, que o documento junto aos autos, numerado como Doc.10, documento elaborado pela Administração Regional de Saúde do Norte, Ministério da Saúde, emitido pelo Sr. Presidente da Junta Médica, datado de 07/08/2008, onde se atesta que o recorrente apresenta deficiências, conforme quadro da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007, de 23/10, lhe conferem uma incapacidade permanente global de 64%, capitulo III, numero 2.12.2., ai), a), coeficiente 0,60, capacidade restante 1, desvalorização 0,60 capitulo x, numero, g/II, coeficiente 0,10, capacidade restante 0,40, desvalorização, 0,04, que não se mostra suficiente para a prova da incapacidade do recorrente, porque segundo o entendimento dos Srs. Juízes Desembargadores, que votaram pela improcedência do recurso, referem que, apesar do recorrente auferir uma pensão de invalidez no montante de €236,76 (Duzentos e trinta e seis euros e setenta e seis cêntimos), por si só, este facto, não permite estabelecer um nexo de casualidade entre o acidente cerebral sofrido pelo recorrente e a desvalorização arbitrada pelo Centro Nacional de Pensões.

5. Referem também os Srs. Juízes Desembargadores que a desvalorização atribuída pela junta médica, realizada em 07/08/2008, traduz-se numa "invalidez relativa" e que a natureza Clínica desta matéria exige que se demonstre, através de prova Pericial, a verificação desse facto, para que não restem dúvidas da desvalorização sofrida pelo recorrente, em consequência do acidente Cerebral Vascular.

6. Os recorrentes não concordam a com a posição dos Srs. Juízes Desembargadores, que em maioria decidiram pela improcedência do recurso, porque os Profissionais que realizam as Juntas Médicas, através da Administração Regional de Saúde são Peritos Médicos Legais, em avaliação de dano Corporal e regem-se pelas normas constantes do Decreto-lei 352/2007, de 23 de Outubro.

7. De facto os recorrentes não apresentaram nenhum relatório médico, de um médico particular, porque não têm condições económicas, para o fazer.

8. No entanto, ainda, que os recorrentes apresentassem um relatório médico de um Médico da sua confiança poderia haver a suspeita de imparcialidade e isenção por parte do referido relatório médico.

9. Esta questão da isenção e imparcialidade, não se coloca, quando está em causa, um relatório feito por uma Entidade Pública que através de do seu Corpo Clínico, especializado, atribui, ou não uma desvalorização a um determinado sinistrado.

10. Como é por demais sabido, O Centro Nacional de Pensões, da Segurança Social ttnio está ali para dar nada a ninguém" e muito menos atribuir reforma por invalidez a um pensionista sem que este a mereça e sem que o seu quadro clínico o justifique e só muito raramente e em situações limite, atribuem uma incapacidade como a que foi atribuída ao recorrente CC, no caso concreto 64% (sessenta e quatro por cento).

11. A verdade é que em Finais de Dezembro de 2007, o recorrente, foi vítima de um acidente Vascular Cerebral, conforme se pôde comprovar através das testemunhas, HH, enteada do recorrente, e II, que inclusivamente referiu, esta testemunha que o recorrente, seu vizinho, não trabalha e necessita de ajuda de terceira pessoa para os actos da vida ordinária, tendo motivado a Sra. Juiz do Tribunal de 1ª Instância a tornar assente o ponto 14 da matéria de facto, dada como provada.

12. Embora as referidas testemunhas não tenham competência técnica para aferir das sequelas sofridas, grau de incapacidade, etc..., as mesmas, conhecedoras do modo de vida do recorrente, possuem conhecimentos empíricos para o transmitir ao Tribunal, visto que acompanharam o mesmo, no decurso da sua doença, que o Sr. CC teve um A.V.C.

13. Como toda a gente sabe, infelizmente os A.V.Cs, são cada vez mais frequentes, em quase todas as faixas etárias e os seu sintomas e sequelas que deles resultam são do conhecimento da população, tanto mais que, muito frequentemente há campanhas e programas televisivos acerca do problema e alertas para o mesmo.

14. Os recorrentes perfilham do entendimento do Sr. Juiz Desembargador que votou vencido, o Dr. GG, que referiu que para a prova do facto constante na al) d), dos factos não provados, a junção do Doc. 100, que por ser ilegível, fez com que os recorrentes apresentassem documento o mesmo documento de forma legível, constante a fls. 308, resulta, inequivocamente, provado esse mesmo facto.

15. Os próprios Srs. Juízes Desembargadores, que votarem em maioria, admitem a hipótese de se ter verificado um sinistro, por parte do Executado, mas os autos não oferecem, segundo os mesmos, prova suficiente para prova cabal desse mesmo facto.

16. Entendem os Executados que a dúvida numa matéria tão sensível como a verificação e graduação de um crédito, tendo o referido crédito sido garantido por uma hipoteca voluntária, constituída a favor do Banco EE, sobre a casa de morada de família dos recorrentes, não deveria ser decidida em desfavor dos recorrentes.

17. Estando subtraída ao Tribunal o conhecimento de matéria que se prende com a verificação, ou não, de uma determinada incapacidade, deverá, no entanto, o Tribunal socorrer-se de factos instrumentais, que resultam da discussão e julgamento da causa.

18. Ficou provado, na referida sentença que "O executado aufere pensão de invalidez, do Centro Nacional de Pensões, no valor de €236,76".

19. E, ainda, ficou provado que o executado necessita da ajuda de terceiros no dia-a-dia".

20. Se o recorrente aufere uma reforma por invalidez e necessita de uma terceira pessoa para os actos da vida ordinária, o mesmo não dispõe de capacidade, para auferir rendimentos através do produto do seu trabalho.

21. Ainda que o Tribunal recorrido não considere provado o facto constante da ai) c) "Em finais de Dezembro de 2007, o Executado foi vítima de um acidente Cerebral Vascular". Certo é que, à data da concessão do crédito, por parte do Banco EE, actual AA, o Executado trabalhava e auferia rendimentos porque, a não ser assim, o referido empréstimo bancário tinha necessariamente que obter resposta negativa.

22. O contrato de seguro junto aos autos, associado a este empréstimo bancário, contempla a perda de rendimentos do trabalho, por parte de um sinistrado.  

23. Não foi alegado, nem provado, por parte do recorrido, que a incapacidade de 64%, atribuída ao sinistrado, na aludida junta médica, não se ficou a dever a acto voluntário doloso ou negligente, por parte do recorrente.

24. Assim sendo, tendo em consideração as regras da experiência comum, a incapacidade atribuída ao recorrente de 64%, por parte do Centro Nacional de Pensões, apenas poderá ser resultante de doença ou acidente.

25. Sendo lícito ao Tribunal, através de factos instrumentais, que resultem dos autos, firmar factos principais, com interesse para a discussão da causa.

26. Conforme foi alegado e provado pelos recorrentes, em 2007 o recorrente e o Banco EE, respectivamente, celebraram um contrato de seguro, com vista a acautelar a perda de rendimentos por parte dos recorrentes.

27. O referido seguro tem carácter obrigatório.

28. Sem a celebração do contrato de seguro em causa, não seria possível aos recorrentes contrair o referido empréstimo, com hipoteca sobre a casa de morada de família.

29. O contrato de Seguro celebrado com a FF e Seguros, S.A, em caso de perda de rendimentos, encontrava-se e encontra-se, coberto pela apólice junta aos autos porque, a não ser assim, como refere e muito bem, o Meritíssimo Juiz, Desembargador, o Dr. GG, o contrato de seguro ficaria reduzido ao pagamento de uma taxa de cerca de 20%, do montante em divida, por parte dos consumidores, sem qualquer contrapartida, por parte dos mesmos.

30. O recorrente, conforme resultou provado, aguando da verificação do sinistro em apreço, solicitou ao Banco EE a activação do mesmo.

31. O Banco EE, desde 2008 a 2013, nada fez, resolvendo, neste último ano, reclamar o pagamento ao recorrente.

32. Em concreto, durante os dois primeiros anos, o Banco EE (agora AA), aquando da solicitação da activação da apólice, nada fez.

33. A partir do ano de 2010 a Seguradora, porque lhe convém, começa a invocar que a referida incapacidade do recorrente não se encontra coberta pela apólice, ou seja, não corresponde a uma invalidez absoluta e definitiva e que o recorrente não tinha preenchido correctamente o questionário de seguro.

34. No entanto, aquando da celebração do referido contrato de mútuo, o Banco EE, como resultou provado, tinha em seu poder toda a informação Clínica dos recorrentes, nada tendo a opor à realização do mesmo.

35. Conforme se referiu, no momento da celebração do contrato de mútuo, o Banco EE, possuía e possui, toda a informação clínica dos recorrentes. Mesmo assim não se absteve de contratar com os mesmos, razão pela qual não poderá opor ao recorrente, a excepção de o presente sinistro não estar abrangido pela apólice e que o recorrente prestou informações inexactas, quando a própria e Entidade dispunha das informações Clínicas consideradas fidedignas.

36. Seria, aliás, de toda a conveniência, o Banco EE accionar a apólice de seguro associada ao referido empréstimo, seguro esse celebrado com a Companhia de Seguros FF, onde é segurado o Banco EE e pessoa segura os recorrentes, uma vez que garantiria, de forma inquestionável, o pagamento da dívida exequenda.

37. Só que, à altura dos factos, Banco EE e Companhia de Seguros FF e não Vida, pertenciam ao mesmo grupo!

38. Muita razão tem o povo quando afirma em viva voz: "Para receber cá estão as seguradoras e os bancos, mas quando toca a pagar..."

39. O Banco EE (AA), nunca procedeu à anulação do contrato de Seguro, antes pelo contrário, continuou a receber o respectivo prémio, sem nunca tendo procedido à anulação do mesmo, nem sequer procedeu ao estorno dos prémios pagos, como seria obrigatório por lei.

40. Acresce que é entendimento, quase unânime, da jurisprudência, que nos contratos de adesão, como é o caso em concreto dos autos, não podem ser invocadas cláusulas que não tenham sido transmitidas aquando da celebração do contrato, ou seja, no momento da celebração do contrato em questão, não foram transmitidas oralmente, nem por escrito, por parte do Banco, o que o mesmo entende por invalidez absoluta e definitiva que, como bem sabemos, corresponde ao chamado estado "vegetativo".

41. Como bem refere o Sr. Juiz. Desembargador, Dr. GG, é aberrante e inaceitável, a existência de um seguro nesses moldes que, como se sabe, é em concreto um seguro que não cobre rigorosamente nada!

42. A prática constante e reiterada, da esmagadora maioria das Seguradoras, ressalvando, os casos de Companhias de Seguros, que trabalham bem é fugir ao máximo das suas responsabilidades.

43. Mas, tendo em conta que o beneficiário do referido contrato é o próprio Banco EE, é inaceitável que o mesmo aceite as excepções invocadas por uma sua Congénere.

44. Esta atitude, por parte do Banco EE, apenas se compreende através de um claro e evidente favorecimento a uma Empresa pertencente ao mesmo grupo económico.

45. Na altura da celebração do contrato de seguro em causa, o Banco EE, tomador do Seguro que aqui se discute, não cumpriu o estipulado no artigo 4°, n° 1, do Decreto-lei, 176/95 e artigo 227° do CC, sendo que a violação dos referidos normativos, acarreta necessariamente, a responsabilidade civil contratual, por parte da Entidade Bancária, num montante que poderá no limite, ser igual ao montante, do crédito reclamado, nos presentes autos.

46. Porém, nessa altura, já será tarde, uma vez que os recorrentes já ficam sem a casa.

47. Na realidade foi o que sucedeu com os recorrentes. Invocaram factos e juntaram prova desses mesmos.

48. Quem não o fez foi o Banco, que numa atitude de prepotência, não alegou qualquer facto, nem fez qualquer prova, porque para a referida Entidade isto está ganho.

49. Já o recorrente fez prova que celebrou um contrato com a FF e Seguros, no próprio Banco.

50. Nunca os recorrentes, conforme resultou provado, em audiência de julgamento da causa, através do Sr. JJ, tiveram contacto directo com a Companhia de Seguros.

51. Conforme se referiu anteriormente, o recorrente foi vítima de um AVC e, em consequência, foi-lhe atribuído pelo Centro Nacional de Pensões, uma incapacidade que resultou a perda da capacidade de obter rendimentos, até porque, conforme ficou provado, em consequência de tal facto, o recorrente ficou com uma invalidez permanente e definitiva.

52. Que o risco coberto pela referida apólice se encontra transferido para a FF e Seguros.

53. O artigo 5°, n° 3 Dec-Lei n° 446/85 de 25 de Dezembro é republicado em anexo pelo artigo 4º do Dec-Lei n° 220/95 de 31 de Janeiro estabelece uma verdadeira presunção de culpa, por parte do contraente que deseja valer-se das cláusulas contratuais gerais, que não foi iludida, por parte deste.

54. Não se trata aqui de desresponsabilizar os recorrentes pelo sucedido, conforme alegam os Meritíssimos Juízes do Tribunal que se recorre.

55. Do que se trata é de responsabilizar o Banco, que deveria ter exigido à sua Congénere FF e Seguros a activação de um seguro que existe, que se encontra coberto pela apólice e segundo o qual a referida Entidade é beneficiária em caso de perda de rendimentos por parte dos recorrentes.

56. É por demais evidente que é muito mais fácil o Banco exigir responsabilidades aos recorrentes, do que a uma Congénere que, por sinal, fazem parte do mesmo grupo económico.

57. Sem prejuízo de, em sede própria, os recorrentes pedirem a condenação da FF e Seguros, no montante da dívida em causa, entendem os recorrentes, que este Tribunal tem competência para aferir se a divida existe ou não, e se é exigível ou não e em que moldes, aos recorrentes.

58. Trata-se de uma questão da mais elementar justiça.

59. Em todo este processo, sem querer manifestar queixume pelo sucedido, porque as coisas são como são, não podemos mudar o mundo, quem está a ganhar é Banco e a sua Congénere que beneficiam, de lucros que são um "escândalo", aos olhos do cidadão comum, qualquer custo que lhe advenha no âmbito de um processo judicial, materializam-se em trocos e, sem qualquer pudor, os recorrentes, afirmam, abusam da posição dominante que ocupam na nossa Sociedade, aproveitando-se, desta forma, de pessoas, que representam apenas um número.

60. No caso sub judice estamos perante um Contrato de Seguro, "O segurador cobre o risco de determinado do tomador de seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada, em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, mais concretamente, em caso de morte ou invalidez permanente, e o tomador obriga-se a pagar o preço.

61. Trata-se de um Contrato de adesão sujeito a um regime jurídico muito exigente, dado que as condições são iguais para os aderentes.

62. Nos termos do Dec-Lei n° 446/85 de 25 de Outubro, é republicado em anexo pelo artigo 4º do Dec-Lei n° 220/95 de 31 de Agosto e pode ler-se o seguinte:

63. Reza o artigo 5º, n° l, do aludido Dec-Lei que:

Nas cláusulas contratuais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitam a subscrevê-las ou aceitá-las".

64. O n° 2 do mesmo diploma refere que:

HA comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência".

65. Neste sentido, refere o n° 3 do artigo 5º do citado diploma legal que:

"O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais".

66. O artigo 6º, n° l, do Dec-Lei n° 220/95 de 31 de Janeiro diz que:

O contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique".

67. De acordo com o artigo 8º do aludido Dec-Lei:

"Consideram-se excluídas dos contratos singulares"

a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do n°5".

68. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. n° 6398/09.8TVLS.1.1-2, datado de 13/09/2012, cujo relator é GG refere;

"Se o risco coberto for pura e simplesmente a invalidez - por exclusão de clausulas contratuais gerais decorrentes do artigo 8o da LCCG -, basta para o preenchimento dele o estado o estado de uma pessoa que ao Incapacite, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão como actividade remunerada".

69. Já o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. N°473/09.6TBOHP.C1, datado de 16/01/2010, cujo relator é R..., diz-nos:

" Um contrato de seguro fica concluído com a aceitação da sua respectiva proposta, regendose o contrato (de seguro) pelas estipulações constantes da apólice".

"Nos termos do artigo 5º, n° l e 2, do Dec-lei n° 446/85, de 25/10 (alterado pelos Dec-Lei n°s 220/95, de 31/08, e 259/99, de 7/07), a integração de cláusulas gerais do contrato (de seguro) está sempre dependente da comunicação ao aderente, comunicação que terá de ser integral e adequada, conducente a um conhecimento completo e efectivo de tais clausulas, cabendo ao ofertante o ónus da prova da comunicação, como estabelece o n° 3".

"Tendo em conta a importância das cláusulas contratuais gerais, Integradas no mesmo, a lei impõe que a sua transmissão seja concretizada de talí modo e com tal antecedência que se abra caminho a uma exigível tomada de conhecimento por parte do parceiro contratual - não basta a mera comunicação para que as condições gerais se consideram incluídas no contrato singular".

" O facto de constar no verso da proposta de seguro ter o tomador de seguro declarado que lhe foram dadas a conhecer as condições contratuais que regulam o seguro, não é suficiente para se concluir que o tomador delas teve efectivo e adequado conhecimento".

" Tendo em conta as condições contratuais gerais só terem sido disponibilizadas ao autor após a conclusão (do contrato de seguro, em violação clara do dever de informação sobre as ditas, assim o privando do conhecimento oportuna das verdadeiras condições contratuais, nomeadamente quanto às exclusos a que ficava submetido o contrato, têm-se estas por excluídas do referido contrato, por força do estatuído no artigo 8o, al) b), do referido diploma".

70. No mesmo sentido, o Tribunal da Relação de Évora proc. 14/09.5TBWC.E1, datado de 17/03/2011, cujo relator é B…., quando refere:

"Uma declaração inexacta perante um segurador ou uma reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem faz o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, torna este anulável e não nulo".

no conhecimento daqueles factos ou circunstâncias deve reportar-se ao momento da subscrição da proposta contratual a às inexactidões ou reticências têm de verificar-se no momento no momento da celebração do contrato e não no seu desenvolvimento".

"A invocação da anulabilidade do contrato só pode ser feita por parte de quem a aproveita".

nos factos que podem determinar a invalidade do contrato de seguro, constituem excepção peremptória e a alegação e prova dos mesmos, incumbe a quem os invoca - à seguradora - nos termos do disposto no artigo 342, n° 2, CC. Ou seja, compete à seguradora fazer a prova da influência da declaração inexacta ou reticente sobre a e existência ou as condições do contrato".

"Para além disso incumbe também à seguradora demonstrar a existência do nexo de casualidade entre a inexactidão/e ou omissão de elementos essenciais e o evento que faz desencadear a protecção do seguro, no caso do seguro de vida, o óbito do tomador de seguro".

71. Ainda neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proc., n° 5721/06.1 TBBRG.G.l, datado de 16/01/2010, cujo relator é KK, datado de 16/11/2010:

"Se o Tribunal da Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do Tribunal "aquo", conseguir formular, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção sobre a existência do erro, deve proceder à modificação da decisão, fazendo jus ao reforço dos poderes que lhe foram atribuídos enquanto Tribunal de 1 instância que garante o duplo grau de jurisdição em matéria de facto".

A declaração do segurado na proposta de seguro só será inexacta ou reticente se poder Influir sobre a existência ou condições do contrato".

"Traduzindo-se a celebração inexacta ou reticente num facto impeditivo ou extintivo da validade do contrato, incumbe à seguradora, nos termos do n° 2, do artigo 342° do CC, fazer a prova da sua Influência sobre a existência ou condições do contrato".

"O encargo que recai sobre o tomador do seguro de declarar o risco de sem omissões, reticências ou inexactidões não pode deixar de envolver a seguradora".

"Terá de haver nexo de casualidade entre as alegadas declarações inexactas ou factos omitidos na proposta na proposta de seguro e a verificação do risco/dano coberto pelo contrato de seguro, para que haja lugar à invalidade do contrato".

72. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proc n° 2095/08.0TVLSB.L1-7, datado de 26/06/2012, cujo relator é LL, refere:

"A/o contrato de seguro de execução sucessiva, o ónus de declarar o risco que impende sobre a seguradora não se esgota aquando da formação do contrato, mas persiste durante a vigência do mesmo".

"A invalidade do contrato (anulabilidade) do contrato de seguro com fundamento em inexactidão do tomador do seguro, ínsita no artigo 429° do CC, reporta-se apenas às situações em que em que a inexactidão seja susceptível de influir na aceitação do contrato por parte da seguradora ou nas condições do mesmo, impende sobre esta a prova do nexo de causalidade entre a inexactidão, omissão ou falsas declarações e a outorga do contrato".

"As cláusulas contratuais elaboradas sem prévia negociação individual devem ser redigida de modo claro e perfeitamente inteligível (artigo 8º do Dec-Lei n° 176/95, de 26 de Julho) e na fixação do sentido normal da declaração deve considerar-se que os termos utilizados na apólice exprimem o seu sentido ordinário e não cientifico ou filosófico".

"Na Interpretação das cláusulas gerais do contrato de seguro, designadamente, no que se refere às cláusulas menos claras ambíguas, e duvidosas, não pode deixar de se ter em linha de conta o princípio da protecção do contraente em posição mais desfavorecida, cabendo fazer assumir à seguradora o risco de uma defeituosa declaração uma vez que ela dispõe dos meios ao seu alcance para evitar toda a dúvida".

73. Deverão, também ser tidos em consideração os acórdãos, invocados pelo Meritíssimo Juiz Desembargador, o Dr. GG, nomeadamente, o acórdão do STJ, de 26/06/2014, 3220/07.3TBGDM-A.P1.SI,

"Age em manifesto abuso de direito, por violação manifestamente excessiva do princípio da boa fé, o Banco que numa mútuo, para habitação, garantido com um seguro de vida do mutuário, a seu favor, hipoteca fiança, fiança com cláusula de "principais pagadores" e seguro do imóvel, sendo informado da morte devedor, move execução contra o mutuário - com habilitação posterior de herdeiros - e aos fiadores invocando falta de pagamento das prestações, sem se dirigir primeiro àquela seguradora".

74. Embora, no caso sub judice não estamos perante uma situação que teve como consequência a morte do recorrente, entendemos que se aplica analogicamente o referido acórdão, em caso de invalidez por parte do mutuário.

75. No acórdão do TRC de 18/12/2013, acórdão 821/12.1TBGRD-.A.C1, pode ler-se:

"O banco financiador, beneficiário de seguro de vida e de invalidez permanente (conexo ao contrato de crédito) que cobre o pagamento do empréstimo, mantém o seu direito de crédito face ao mutuário, mesmo após o momento em que se verifica o sinistro garantido pelo seguro; pelo que, declinando a seguradora a assunção do sinistro e dispondo de título executivo, pode executar o mutuário."

"Actua, porém, em abuso de direito se, ao ser-lhe comunicado a ocorrência dum risco coberto, responde "que aquando do pagamento do valor em dívida pelo seguro fazem-se as contas" e, após Isso, ao contrário do que vinha fazendo até ali e sem qualquer específica advertência, não permite o pagamento/débito dos prémios do seguro (vencidos após a comunicação da ocorrência do risco) por a conta do cliente/segurado não estar provisionada, dando assim azo ao cancelamento do seguro por parte da seguradora (pertencente ao mesmo Grupo do banco financiador),"

"Efectivamente, quem (banco financiador) "condiciona" a concessão dum empréstimo à celebração dum seguro de vida (apresentado como vantagem para o segurado, que fica garantido perante a ocorrência de alguma das vicissitude previstas no contrato de seguro) fica obrigado/limitado, segundo a boa fé, na vigência e "gestão" de tal contrato de seguro, a considerar devidamente os interesses do segurado; peio que, quando o mutuário/segurado passa a padecer do grau de invalidez permanente que o seguro cobre e comunica/invoca tal situação - há meses manifestada - o que se exige e espera (do banco em que negociou os empréstimos e o seguro), à luz das relações - e do desnível/assimetria informativos - que um banqueiro estabelece com os seus clientes, é que lhe sejam dadas todas as informações e advertências, tendo em vista o efectivo funcionamento do seguro."

"A um tal exercício abusivo corresponde, como sanção, a extinção, por "compensação", da obrigação do mutuário; uma vez que, face ao cancelamento do seguro (a que tal comportamento ilegítimo deu causa), fica o banco financiador devedor de indemnização de montante idêntico ao da prestação pecuniária a que a seguradora, não fora tal cancelamento, estaria adstrita para com ele."

76. E o acórdão da Relação de Coimbra de 02/03/2010, 320/05.8TBANS-A.C2.

"O abuso de direito constitui matéria de excepção susceptível de ser alegada como defesa em processo de declaração, por isso igualmente viável no âmbito da oposição à execução não baseada em sentença.

"A sanção para o abuso de direito consiste na neutralização da acção executiva, dada a inexigibilidade do crédito exequendo."

77. De acordo com o Decreto-Lei n° 298/ 92 de 31/21/1992, o Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, dispõe no seu artigo, n° 73° nas instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência."

78. Dispõe o artigo 74° do referido Decreto-lei:

"Os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados,"

79. E, finalmente, o artigo 75° do aludido Decreto-lei:

nos membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direcção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral."

80. Conforme resultou provado, em audiência de discussão e julgamento da causa, nomeadamente pelo testemunho do Sr. JJ, funcionário da AA, em todo este processo não houve por parte da referida Entidade a diligência expectável de um bom pai de família, razão pela qual não deverá ser reconhecido o crédito da mesma, porque uma solução diversa implica necessariamente a violação do princípio da boa fé, consignado no disposto do artigo 762°, do CC.

81. O acórdão em apreço viola, entre outros, o disposto do artigo 762°, n° 2 e artigo 334°, ambos do CC, artigos 73°, 74 e 75° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o disposto nos artigos, 4º, 5º, 6º e 8º do Dec-Lei n° 220/95 de 31 de Agosto e ainda os artigos n° 731 e 729, a), ambos do CPC.

82. Deverá, também ser tido em consideração o acórdão, invocado pelo Meritíssimo Juiz Desembargador, o Dr. GG, do STJ, de 25/11/2014, 3220/07.3TBGDM-B.PI.SI.

Em face do exposto, deverá improceder a reclamação de créditos e ser revogada a decisão do tribunal da Relação, na parte da decisão que confirma a Ia Instância e ser declarada improcedente a reclamação de créditos feita peia AA.

FAZENDO-SE ASSIM JUSTIÇA


A AA SA recorrido apresentou contra- alegações, pugnando perla confirmação do Acórdão recorrido, discordando, no entanto, do voto de vencido que o mesmo mereceu.


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir:


II - Fundamentação:


Os factos dados como provados na ação:


1. Por escritura pública de mútuo com hipoteca, celebrada em 08.05.2007, no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada do Porto, o Banco EE, S.A. – em cujos direitos a ora reclamante sucedeu por cessão de créditos – concedeu um empréstimo aos aqui executados, no montante de 70.000 euros (setenta mil euros), destinado a finalidades diversas não especificadas, do qual estes se confessaram e constituíram devedores;

2. O empréstimo foi concedido pelo prazo de 240 (duzentos e quarenta) meses e seria amortizado em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira em mês após a data do contrato, com taxa Euribor a três meses, acrescida de “spread” de 1% que, na data da outorga do contrato, correspondia à taxa anual nominal (TAN) de 4,975% e, por sua vez, à taxa anual nominal (TAN) referida correspondia a taxa anual efetiva de 5,153% que seria acrescida da taxa de juro de 4% a título de cláusula penal em caso de mora, sendo os juros pagos mensal e postecipadamente;

3. A reforçar a garantia de bom e pontual pagamento do referido empréstimo, dos juros contratuais e moratórios, bem como eventuais encargos e despesas, judiciais e extrajudiciais, os executados constituíram hipoteca em favor do Banco EE, sobre o prédio urbano penhorado nestes autos, até ao montante máximo de assegurado de 102.200 euros, garantia que se encontra devidamente registada;

4. Por força do incumprimento dos executados, a reclamante resolveu o contrato de mútuo celebrado;

5. Estando em dívida, e à presente data, o valor de 66.815,15 euros, a título de capital;

6. A que acresce o montante 697,71 euros, a título de juros de mora;

7. De acordo com a cláusula 18.ª, n.º 2 do contrato de mútuo referido em 1, os executados obrigaram-se a contratar um seguro de vida em que a entidade mutuante era beneficiária, em caso de invalidez absoluta e definitiva de qualquer das pessoas seguras, pelo valor total do empréstimo;

8. Em cumprimento de tal cláusula, os executados subscreveram tal contrato de seguro de vida na FF e Seguros, S.A., titulado pela apólice 4../….

9. Nos termos do art.º 1.º das Condições Gerais do seguro de vida referido em 8, a situação de invalidez absoluta e definitiva ocorre se, em consequência de doença ou acidente, a pessoa fica impossibilitada de exercer qualquer atividade remunerada e tiver de recorrer à assistência de uma terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente.

Findo o julgamento, o tribunal, tendo com base o que invocou serem as provas produzidas, os temas da prova selecionados, os factos alegados pelas partes e, bem assim, os factos instrumentais que resultaram da instrução da causa, julgou ainda provados os seguintes factos:

10 - A proposta de seguro foi preenchida ao balcão do Banco EE tendo sido posteriormente apresentada por aquele banco à Seguradora FF e Seguros, S.A, que a aceitou;

11 - Os Executados assinaram as respectivas propostas de adesão ao respectivo seguro;

12 - Os executados remeteram carta à seguradora comunicando que o executado se encontra “em situação de incapacidade permanente global por motivo de invalidez”, solicitando o acionamento do seguro do crédito á habitação, juntando atestado médico;

13 - O executado aufere pensão por invalidez do Centro Nacional de Pensões desde Setembro de 2008, no valor de 236,76 euros;

14 - O executado necessita da ajuda de terceiros no dia-a-dia;

15 - A seguradora comunicou aos executados, por escrito, que declinava a responsabilidade, com fundamento em que de acordo com os documentos analisados o Sr. CC não se encontrava em situação de incapacidade absoluta e definitiva e ainda por entender ter o segurado prestado declarações inexatas, no questionário de saúde, omitindo ter sofrido um enfarte em 2001 e que iria proceder à anulação do seguro.


A 1ª instância deu como não provada a seguinte materialidade:

a) - Na altura da adesão por parte dos Executados ao respectivo seguro, apenas foi entregue a estes as respectivas cópias das condições particulares da apólice e da respectiva proposta de adesão.

b) - Não foram dadas oralmente, nem por escrito, quaisquer explicações, por parte dos funcionários do Banco EE, do teor do respectivo contrato.

c) - Em finais de Dezembro de 2007, o Executado CC foi vítima de um acidente cerebral vascular.

d) - O Executado, CC ficou a padecer de uma incapacidade de 64%.


Apreciando:


Antes de mais importa salientar que estamos no domínio da impugnação de créditos reclamados, onde se questiona se é possível nesta sede discutir matéria relacionada com um contrato de seguro de vida, que garante um contrato de mútuo para habitação, o qual além dessa garantia tem ainda a seu favor uma hipoteca.

Desde já se adianta, aliás, em consonância com o estatuído no art. 789 nº 4 do CPC que a impugnação pode ter” por fundamento qualquer das causa que extinguem ou modificam a obrigação ou que impedem a sua existência” .

No caso dos autos os recorrentes pretendem sobretudo com a impugnação que a reclamante accione o seguro, com vista à satisfação do seu crédito, considerando que não fazê-lo incorre numa situação de abuso de direito (art. 334 do C. Civil) e, isso, porque consideram que ocorreu o sinistro que o seguro pretendia cobrir e, nessa medida, parece não haver dúvidas, que o fundamento invocado está ao abrigo do citado nº 4 do art. 789 do CPC e, como tal, é licita a impugnação nessa base.


Passando agora às conclusões de recurso, as mesmas começam por se insurgir contra o Acórdão recorrido ao nível da decisão da matéria de facto por não ter dado como provada factualidade alegada pelos recorrentes como seja:

a) Na altura da adesão por parte dos executados ao respectivo seguro, apenas foi entregue a este as respectivas cópias das condições particulares da apólice e da respectiva proposta de adesão

b) Não foram dadas oralmente, nem por escrito, quaisquer explicações, por parte dos funcionários do Banco EE, do teor do respectivo contrato

c) Em finais de Dezembro de 2007, o executado foi vítima de um acidente cerebral vascular.

d) O executado ficou a padecer de uma incapacidade de 64%.


Como é sabido o STJ e como se diz no Ac. deste Supremo de 2.11.2010 acessível in www.dgsi.pt salvo situações de excepção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova. (cfr. Art. 674 nº 3 do CPC)

De acordo com as regras do art. 342 do C. Civil o ónus da prova recai sobre ambos os litigantes, devendo o autor provar os factos constitutivos do direito que alega, sendo que o réu terá de provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que invoca. (cfr. o citado Acórdão).

Isto para dizer que o STJ em sede revista limita-se a aplicar os factos definitivamente fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado (Cfr. art. 682 nº1 do CPC).

Significa que o STJ não vai, aqui, sindicar a decisão de facto tomada pela Relação, mas apurar a legalidade da mesma.

E considerando agora os factos mencionados sob as als a) e b) acompanhamos a declaração do voto de vencido quando fazendo apelo aquelas regras do ónus da prova refere que não tem sentido dá-las como não provadas, porquanto aquilo que tinha de ser objecto de prova seriam antes as afirmações que a reclamante (do crédito) tivesse feito – mas não fez- sobre o cumprimento do dever de prestar todos os esclarecimentos e informações das condições do contrato de seguro e em geral da comunicação, informação e explicação das cláusulas contratuais gerais aos consumidores e estriba-se esta sua posição quer na Lei do Contrato de Seguro – arts. 2 e 4nº1 do DL 176/95 de 26.07 e 179 a 181  e também  no regime relativo às cláusulas contratuais gerais dos arts. 5º e 6º fazendo referência ao determinante nesta matéria nº 3 do art. 5º que é expresso no sentido de que “o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.

Significa que à luz das regas probatórias aquelas cláusulas relacionadas com o contrato de seguro competia á reclamante do crédito fazer a respectiva prova e não o fazendo, equivale à sua não impugnação, nos termos do art. 574 nº2 do CPC e, daí que tais factos devem ter sido admitidos por acordo.


No que concerne ao facto sob a alínea d) seguimos também a posição da declaração de voto de vencido, porquanto afinal existe um documento emitido pela Administração Regional de Saúde do Norte IP Ministério de Saúde denominado “ Atestado Médico de Incapacidade Multiuso “ , documento esse subscrito e assinado pelo Presidente da Junta Médica, datado de 7.08.2008, onde se atesta que o executado apresenta deficiências conforme o quadro seguinte que de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo DL 352/2007 de 23/10 lhe conferem uma incapacidade permanente global de 64%..


Estamos perante um documento autêntico (art. 369 do C. Civil), sendo que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial respectivo, assim como os factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (art. 371 do C. Civil), força probatória esta que só pode ser ilidida pela via da falsidade, o que, aqui, manifestamente não se verificou. (atr. 372 nº 1 do C. Civil)..

Tudo isto para dizer que, no caso em apreço o Acórdão recorrido, ao não dar como provados os factos referenciados, violou de forma expressa as apontadas regras do direito probatório material.


Fixada a matéria de facto nos termos descritos e nomeadamente que o executado tem uma incapacidade permanente global de 64% e que necessita de ajuda de terceiros no dia a dia, que configura, como bem observa o voto de vencido, uma situação de invalidez absoluta e definitiva e como vem definida no identificado contrato de seguro de vida, o que significa que se verifica o sinistro coberto pelo âmbito do contrato de seguro de vida.


Acrescendo ao mais que vem provado resulta de relevante que:


O Banco EE actualmente AA, celebrou com os executados um contrato de mútuo garantido por hipoteca e com um seguro de vida que impôs aos executados como condição do mútuo, seguro esse de que é beneficiário o Banco EE;

O executado através da carta de fls. 99 informa o Banco EE (Dependência das Antas) Porto “que pelo motivo de me encontrar na situação de incapacidade permanente global por motivo de invalidez, solicito que procedam a activação do seguro feito para efeitos do crédito à habitação”.

Não obstante esse conhecimento o Banco EE o certo é que não só não acionou o seguro junto da seguradora, com vista á satisfação do crédito e decidiu, antes, exigir esse pagamento aos executados.


O banco ao exigir dos executados/ mutuários a satisfação do crédito em vez de accionar o seguro de vida com vista à liquidação do crédito junto da seguradora, configura um procedimento censurável do Banco/ AA que o voto de vencido para efeitos do art. 334 do C Civil acentuou e bem quando considera “ chocante que se dê a alguém, colocado no lugar de um banco (por ter adquirido o respectivo crédito, (como é caso da actual AA) - banco que, para além de uma hipoteca da casa de habitação dos executados, tem o crédito garantido por uma seguradora contratada obrigatoriamente para tal pelos executados- a possibilidade (bem contra o espírito da lei 58/2012 de 9/11) de forçar a venda da casa de habitação dos executados, em vez de simplesmente, exigir da seguradora o pagamento do referido crédito. Isto nas circunstâncias do caso, em que a seguradora começou por invocar, sem razão, falta de verificação do risco coberto e, dois anos depois, a invalidade do contrato de seguro, por inexactidões que, a verificarem-se, poderão de algum modo ser imputáveis à esfera jurídica do banco, que poderá mesmo ser responsabilizado por elas, para além de que a possibilidade de os executados ficarem sem a casa nunca será verdadeiramente compensada com o exercício futuro do direito de regresso contra a seguradora.”.


Em caso semelhante este entendimento vem sufragado no Ac. deste Supremo de 26.06.2014 acessível via www.dgsi.pt e também citado no voto de vencido que concluiu “ age em abuso de direito, por violação manifestamente excessiva do princípio da boa fé, o banco que, num mútuo para habitação, garantido com seguro de vida do mutuário a seu favor, hipoteca, fiança com a cláusula de “ principais pagadores “e seguro do imóvel, sendo informado do devedor, move execução ao mesmo mutuário- com habilitação posterior dos herdeiros – e aos fiadores, invocando falta de pagamento das prestações, sem se dirigir primeiro àquela seguradora”.



III - Decisão:


Nesta conformidade e considerando o exposto, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão recorrido de forma a que o crédito reclamado pela AA SA não seja admitido para efeitos de graduação por não ter direito à sua reclamação.


Custas pela recorrida.


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Novembro de 2016


José Tavares de Piava (Relator)

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes