Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
359/15.5T8STR.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
IPATH
SUBSÍDIO DE ELEVADA INCAPACIDADE
JUNTA MÉDICA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSO CIVIL / PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCESSO COMUM / SENTENÇA.
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / RETRIBUIÇÃO E OUTRAS PRESTAÇÕES PATRIMONIAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.º 1, ALÍNEA C), 674.º, N.º 3, 682.º, N.º 2 E 683.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO DE TRABALHO (CPT): - ARTIGO 77.º, N.ºS 1, 2 E 3.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 258.º E SS..
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 18.º, N.ºS 2 E 3.
REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADO PELA LEI 98/2009, DE 4 DE SETEMBRO: - ARTIGO 71.º, N.ºS 1, 2 E 3.
REGIME JURÍDICO DOS ACIDENTES DE TRABALHO E DAS DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADO PELA LEI N.º 100/97, DE 13 DE SETEMBRO: - ARTIGO 26.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 17-03-2010, PROCESSO N.º 436/09.1YFLIS;
- DE 13-04-2011, PROCESSO N.º 216/07.9TTCBR.C1.S1;
- DE 01-10-2015, PROCESSO N.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 403/2000, DE 27-09-2000, IN DR, 2.ª SÉRIE, DE 13-12-2000.
Sumário :

I - Conforme resulta do nº 2 do artigo 71º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, constitui retribuição, para efeito de acidentes de trabalho, «todas as prestações recebidas pelo sinistrado com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios».

II – Um subsídio de prevenção que visava compensar o constrangimento pessoal decorrente de o trabalhador ter que estar facilmente contactável e disponível para interromper o seu período de descanso e ir prestar trabalho, se necessário, e que é pago apenas nos meses em que o trabalhador está de prevenção, mesmo que pago apenas durante 7 meses no ano anterior ao sinistro, deve ser incluído na retribuição relevante para a reparação das consequências do acidente, nos termos do número anterior.

III – A reparação das consequências dos acidentes de trabalho resulta de imperativos de ordem pública inerentes ao estado de direito social, pelo que o Juiz, quando do processo resultem elementos com reflexo na fixação das consequências do acidente sobre que deva ser ouvida a Junta Médica, deve formular os quesitos necessários para o efeito.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I

Em 13 de maio de 2014, AA foi vítima de um acidente de trabalho que consistiu numa queda nuns degraus de uma escadaria ao carregar uma garrafa de oxigénio, quando trabalhava sob autoridade e direção de CC, S.A., que tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a COMPANHIA DE SEGUROS BB, S.A.

Instaurado o competente processo no MINISTÉRIO PÚBLICO da comarca de Lisboa Oeste, foi o sinistrado submetido a exame médico e, realizada a tentativa de conciliação, as partes não se conciliaram.

Apresentou então o sinistrado petição inicial contra a Empregadora e contra a Seguradora, pedindo que a segunda seja condenada «a indemnizar o sinistrado, aqui autor nos precisos termos em que se vier a ser apurado»; que «os senhores peritos médicos que vierem a constituir a junta médica que se requereu te[nham] em conta o facto de o sinistrado ser esquerdino, devendo ainda a IPP que vier a ser atribuída ser bonificada pelo fator 1.5, tendo em conta o facto de o sinistrado não ser reconvertível no seu posto de trabalho» e que se condene a «primeira Ré a indemnizar o sinistrado na parte não transferida para a segunda Ré, ou seja o subsídio de prevenção, considerando-se o mesmo parte integrante da retribuição».

A ação instaurada foi contestada pelas Rés, considerando a Empregadora que o subsídio de prevenção não pode ser qualificado como retribuição mensal, uma vez que tal subsidio só era pago quando o Sinistrado estava de prevenção o que não acontece todos os anos. A Seguradora, por sua vez, alegando que apenas se responsabiliza pela remuneração anual transferida.

Foi ordenado o desdobramento do processo para exame por junta médica.

Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, consequentemente, condenou as Rés a pagar ao Autor:

«- Uma pensão anual e vitalícia de € 7.719,54 (sete mil setecentos e dezanove euros e cinquenta e quatro cêntimos), devida desde 24.01.2015; acrescida do subsídio por situação de elevada incapacidade no montante de 3.987,80 (três mil novecentos e oitenta e sete euros e oitenta cêntimos), e o montante de 522,73 (quinhentos e vinte e dois euros e setenta e três cêntimos) a título de indemnização por incapacidades temporárias, sendo a cargo:

1 - da Ré COMPANHIA DE SEGUROS BB, SA.:

- Uma pensão anual e vitalícia no montante de € 7.119,72 (sete mil cento e dezanove euros e setenta e dois cêntimos), devida desde 20.01.2015; e

- Um subsídio por elevada capacidade no montante de € 3.987,80 (três mil novecentos e oitenta e sete euros e oitenta cêntimos).

Valores estes acrescidas de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.

2 - da Ré CC, S.A,

- Uma pensão anual e vitalícia no montante de € 599,83 (quinhentos e noventa e nove euros e oitenta e dois cêntimos) devida desde 20.01.2015; e

- Indemnizações por incapacidade temporária no montante de € 522,73 (quinhentos e vinte e dois euros e setenta e três cêntimos)

Montantes estes acrescidos de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.»

Inconformados com esta decisão, dela apelaram as Rés para o Tribunal da Relação de Lisboa que conheceu dos recursos interpostos por acórdão de 6 de dezembro de 2017, com um voto de vencido, e que integrou o seguinte dispositivo:

«Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar:

a) A apelação interposta por CC, SA. procedente e, em consequência, revogar a sentença na parte em que condena esta Ré, absolvendo-se a mesma do pedido.

b) A apelação interposta por DD, SA. procedente e, em consequência, modificar a matéria de facto como sobredito, e a sentença, condenando-se a Apelante a pagar ao Apelado o capital de remição de uma pensão anual vitalícia no valor de setecentos e quinze euros e noventa e cinco cêntimos (715,95€), desde 24/01/2015.

c) Mantém-se o decisório quanto ao mais (juros de mora).

d) Custas da 1ª apelação pelo Apelado e da 2ª por ambas as partes, na proporção de vencidas.

Notifique.»

Irresignado com o assim decidido, vem o sinistrado recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«A. O sinistrado, aqui recorrente, não se conforma com o douto acórdão do tribunal da relação e daí o presente recurso.

B. Por um lado entende que não se pode retirar o valor ao parecer dos peritos especializados, sem mais, revogando a sentença do Tribunal a quo sem ordenar que seja ordenada nova perícia médica complementar, prova essencial para que se determine a IPATH.

C. Violando dessa forma o acórdão do Tribunal da Relação o artigo 615°, n° 1, al. c) aplicável ex vi do artigo 674°, n° 1, al. c) do CPC, e ainda o artigo o artigo 20° da CRP, que consagra o principio da proibição de indefesa.

D. O sinistrado, aqui recorrente entende que o princípio da proibição de indefesa está a ser violado, pois que se por um lado entende o tribunal da relação que o parecer de peritos especializados deve ser prévio e submetido à apreciação médico-legal, por outro lado, com o devido respeito, deveria anular a decisão da primeira instância a fim de ser efetuada nova perícia médica complementar, a fim de que se apurasse IPATH.

Ao decidir como decidiu está a postergar o direito de defesa do sinistrado.

E. Salvo o devido e o merecido respeito, a sentença revogada não merece qualquer censura e por isso deve ser mantida na íntegra. O que se requer.

F. I - Do conceito de retribuição

G. Com o devido respeito, mal andou o tribunal da relação quando entendeu que o subsídio de prevenção não integra o conceito jurídico de retribuição porque não foi regularmente pago nos doze meses anteriores.

H. No conceito de retribuição o C.T. no seu artigo 258° determina no seu n° 1 que "Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho."

I. Continua o n° 2 do mesmo artigo que "A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou espécie".

J. Ora, no domínio da sinistralidade laboral, o que o legislador pretende é compensar o sinistrado pela falta ou diminuição dos rendimentos provenientes do trabalho, entendendo-se que as prestações reparatórias atendam ao salário médio onde se integram todos os valores que a entidade patronal satisfazia regularmente e em função das quais o trabalhador programava a sua vida, neste sentido o acórdão do STJ de 17.03.2010, processo 436/09.1YFLIS.

K. Entende o tribunal da relação que tal subsídio porque pago apenas em 7 meses do ano que antecedeu o sinistro, não integra o conceito de retribuição para efeitos de cálculo da pensão.

L. Salvo o devido respeito não se aceita tal posição que é no mínimo violadora dos direitos do sinistrado a ser ressarcido pelos valores que auferia à data do sinistro e dos que deixou de auferir por ocasião do mesmo.

M. Pelo exposto deve o acórdão ser revogado mantendo-se na íntegra a sentença proferida no tribunal de primeira instância. O que se requer.

N. II - Do reconhecimento de IPATH e consequente atribuição de subsídio de elevada incapacidade.

O. Entende o Tribunal da relação que o sinistrado não alegou que não está capaz de conduzir o veículo, nem de proceder à carga, descarga e movimentação dos equipamentos. Que esta matéria não foi levada à base instrutória e é essencial para a qualificação da incapacidade. "E não foi ali conduzida porque nunca foi alegada".

P. Que "nem esta nem qualquer outra matéria capaz de sustentar um juízo de incapacidade tão grave como veio a ser invocado apenas no desenvolvimento dos autos".

Q. Que "é as partes que cabe a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, factos esses sobre os quais virá a incidir a prova"

R. Salvo o devido respeito tais factos foram alegados pelo sinistrado na sua petição inicial, nomeadamente artigos 32.°, 33.º e 34.°, onde o recorrente alegou o facto de não ter sido reconvertível no seu posto de trabalho, devido a ter deixado de poder desempenhar as funções que desempenhava à data do sinistro, estando agora a desempenhar funções de telefonista.

S. Sendo certo que para além de alegados na PI, foram provados em sede de julgamento, veja-se a prova gravada, onde foi provado nomeadamente que não mais pôde manusear as garrafas de oxigénio, não mais pôde conduzir o carro que lhe estava distribuído, não podendo transportar todo o material do armazém para o carro e deste para casa dos utentes e vice-versa.

T. Tendo ainda sido emitido parecer de peritos especializados no âmbito do artigo 217.º da Lei 98/2009 onde de forma detalhada de explanou quais as tarefas que o sinistrado desempenhava antes do sinistro e quais as que deixou de desempenhar de forma permanente. Tal relatório foi completamente arrasado pelo tribunal da relação porque entende que deveria ter sido submetido à apreciação médico-legal.

U. Porém, ao invés de anular a sentença da primeira instância a fim de se ordenar nova perícia médica complementar, o tribunal da relação, mal a nosso ver, mas sempre com o devido respeito, revogou, sem mais, a sentença proferindo acórdão prejudicial ao sinistrado, numa clara violação do princípio de proibição de indefesa, denegando assim justiça.

V. Por outro lado tal posição assumida pelo tribunal da relação, salvo o devido respeito, faz tábua rasa dos poderes de condenação extra vel ultra petitum estatuídos no artigo 74° do CPT, que determina que "o juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se (...)".

W. Acresce que, segundo o n° 1 do artigo 72° do CPT "se no decurso da produção de prova surgirem factos que, embora não articulados o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão."

X. Salvo o devido respeito o tribunal recorrido fez tábua rasa dos poderes do juiz em processo laboral.

Y. Não só o sinistrado alegou os factos e os logrou provar em julgamento como o juiz tem poderes para ampliar quer a base instrutória, quer ainda o pedido.

Z. Entende o tribunal da relação que embora o artigo 217º da Lei 98/2009 permita que se requisite parecer de peritos especializados dos serviços competentes do ministério responsável pela área laboral sempre que esteja em causa a qualificação da incapacidade como permanente absoluta para o trabalho habitual, a verdade é que daqui emerge que tal parecer é prévio à avaliação. E só faz sentido porquanto a fixação da natureza da incapacidade é, antes de mais - mas não só -, uma questão de natureza médica. E, assim, podendo o parecer dar um contributo muito valioso, não se pode prescindir de o submeter à apreciação médico-legal.

AA. Entendendo ainda que em presença dos autos não deverá a junta ser chamada de novo a pronunciar-se.

BB. Não concorda o sinistrado com tal posição porque desde logo fica prejudicado na sua defesa, pois que se de uma penada o tribunal da relação retira todo o valor ao relatório dos peritos especializados porque deveria ser prévio a junta médica para que a mesma se pronunciasse sobre o mesmo, por outro lado com esta decisão estamos perante a violação clamorosa do princípio da proibição de indefesa.  Requerendo o sinistrado desde já que seja ordenada nova junta médica a fim de que se pronuncie sobre o parecer apresentado pelos peritos especializados. Assim se requer.

CC. Devendo para tanto revogar-se o acórdão recorrido, mantendo-se a sentença do tribunal de primeira instância, ou se assim não se entender, anular-se a sentença a fim de ser efetuada nova perícia médica complementar que determine a IPSTH e a IPP. Assim se requer.

DD. Mais  entendeu  o  tribunal   da  relação  revogar  o   subsídio  por  elevada incapacidade, entendendo ser apenas devido nos casos de IPATH ou IPP superior a 70%.

EE. Salvo o devido respeito, não concorda o sinistrado com tal decisão tendo em conta que o mesmo deixou de poder exercer a sua profissão de técnico de oxigenoterapia estando agora relegado a um mero telefonista e ainda assim não podendo exercer as novas funções na plenitude em face das lesões permanentes que lhe limitam a função da sua mão e do seu punho, vendo o seu rendimento ser diminuído, substancial e permanentemente.

FF. A manter-se a decisão como está, salvo o devido respeito estamos perante uma denegação de justiça.

GG. O certo é que o recorrente não mais poderá desempenhar as suas funções de técnico de oxigenoterapia, estando agora a exercer funções de mero telefonista e ainda assim com alguma incapacidade.

HH. Salvo o devido respeito que é muito o Tribunal da Relação, ao decidir como decidiu, violou desta forma o princípio basilar do direito da proibição de indefesa, plasmado no artigo 20° da CRP, assim como o artigo 615°, n° 1, al. c) aplicável ex vi do artigo 674°, n° 1, al. c) do CPC.

II. A decisão recorrida deve ser revogada, devendo manter-se na íntegra a decisão da primeira instância, ou se assim não se entender, o que se refere sem conceder mas apenas por mero dever de patrocínio, deverá revogar-se o acórdão recorrido, anulando-se a sentença da primeira instância, a fim de ser efetuada nova perícia médica complementar que determine a IPATH e a IPP. Reconhecendo-se assim o direito de defesa do recorrente.»

A recorrida CC, S.A. respondeu ao recurso interposto pelo sinistrado, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«(1)O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não merece qualquer censura, quanto à parte decisória, aderindo-se igualmente à respetiva fundamentação, exceto no que respeita ao  subsídio de prevenção. Com efeito,

(2) Como decorre do art. 71° da Lei n.° 102/2009, só as prestações regulares que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios é que são incluídas no cálculo das responsabilidades por acidente de trabalho.

(3) Para efeitos de acidente de trabalho, como também para outros efeitos, uma prestação só é regular se tiver uma permanência, frequência ou habitualidade em termos tais que o trabalhador fica a contar que, quando recebe a retribuição base, também receberá as outras atribuições patrimoniais, todas integrando o seu orçamento.

(4) Ora, por um lado, no caso dos autos nem o subsídio de prevenção integra o conceito técnico-jurídico de retribuição, por lhe faltar o caráter de contrapartida do trabalho, na medida em que se destina a compensar a disponibilidade do trabalhador para interromper o seu período de descanso, e não a retribuir a disponibilidade para uma prestação.

(5) E, por outro lado, por lhe faltar caráter regular, na medida em que nos 12 meses anteriores ao acidente o sinistrado apenas auferiu o subsídio de prevenção em 6 meses, e só é regular uma prestação que seja paga durante todos os meses de atividade do ano, isto é, durante 11 meses, tipicamente.

(6) Em face do exposto, no caso dos autos, resulta que a Entidade Empregadora transferiu efetivamente todo o montante da retribuição auferida pelo sinistrado, uma vez que não tinha que transferir a responsabilidade pelo subsídio de prevenção, devendo consequentemente responder somente a Seguradora.»

Neste Tribunal, a Exm.ª Procuradora-geral Adjunta proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, pronunciando-se no sentido da concessão da revista, relativamente à questão do reconhecimento ao autor de uma situação de IPATH, referindo, conclusivamente o seguinte:

«7. É, assim, insubsistente a insuficiência da base factual considerada pelo acórdão recorrido necessária para a qualificação da incapacidade, e destarte para afastar a possibilidade de confronto da junta médica com o parecer do IEFP, pelo que, pelo menos, na dúvida, que se tem por legítima, sobre a qualificação da incapacidade, no entendimento que foi o do acórdão recorrido, de que era indispensável a confrontação do relatório do IEFP pelos peritos médicos, impunha‑se, como se impõe, fosse a junta médica chamada a pronunciar-se de novo, tanto mais que, não estando embora vinculado à respetiva apreciação, não cabe ao tribunal presumir do parecer o resultado, em face desse elemento da perícia médica.

Constada a omissão de uma diligência que se teve por essencial para a boa decisão do mérito da causa – não imputável ao Autor, com reflexos na decisão ulteriormente proferida, relativamente à qual, nas circunstâncias dos autos não era razoavelmente de exigir ao Autor/recorrente que reagisse – impunha-se, como se impõe, o reenvio dos autos à 1.ª instância, a fim de se realizar a avaliação médica pluridisciplinar que se considerou ser indispensável.»

Notificado este parecer às partes, não motivou qualquer tomado de posição.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se o acórdão se mostra afetado da nulidade prevista na alínea c) do n.º do artigo 615.º do Código de Processo Civil, se o subsídio de prevenção auferido pelo autor deve ser considerado como retribuição, para os efeitos do disposto no artigo 71.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro e se o Tribunal da Relação podia recusar o reconhecimento de uma situação de IPAH ao Autor, sem que a Junta Médica fosse novamente chamada a pronunciar-se sobre essa incapacidade.


II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

1. A 13 de maio de 2014, o Autor trabalhava sob a autoridade e direção da Ré desempenhando a função de Técnico de Oxigenoterapia (A)

2. Nesse dia, em ..., por ocasião do seu trabalho e no exercício das suas funções o sinistrado sofreu um acidente. (B)

3. Tal acidente resultou de uma queda do Autor nos degraus de uma escadaria, quando carregava uma garrafa de oxigénio. (C)

4. Em consequência dessa queda o Autor magoou o seu pulso esquerdo. (D)

5. Tendo sofrido um entorse do punho esquerdo com fratura; luxação e instabilidade traumática da cartilagem triangular (E), que lhe determina limitação da mobilidade do punho na sua extensão - mobilidade entre 35º e 70º -, na flexão – mobilidade entre 45º e 80º - e na supinação – mobilidade entre 45º e 90º.

6. À data do acidente o sinistrado auferia a retribuição mensal de 858,50x14 meses, acrescida de subsídio de alimentação de 165,00 C x 11 meses. (E)

7. O Sinistrado sofreu os seguintes períodos de incapacidade temporária:

8. ITA de 8. 14.05.2014 a 30.10.2014 (212 dias), ITP de 30% de 31.10.2014 a 25.11.2014 (26 dias), ITP de 25% de 26.11.2014 a 11.12.2014 (16 dias) ITP de 15% de 12.12.2014 a 23.01.2015 (43 dias). (G)

9. Submetido a exame médico neste Tribunal foi fixada ao autor a IPP de 6,88% desde a data da alta a 23 de janeiro de 2015. (H)

10. A Ré Empregadora transferiu para a seguradora a responsabilidade do acidente, pela retribuição anual 13.858,08 (860,22 X 14 - retribuição base+165,00x11- subsidio de refeição). (I)

(11 a 14 da numeração da sentença). [1]

15 - A Ré Seguradora pagou ao Autor as indemnizações devidas pelas Incapacidades Temporárias com referência à retribuição referida em I). (N)[2]

16. O Autor auferiu, no ano que antecedeu o acidente sob o item "prevenção":

- No mês de abril de 2013 a quantia de €137,36.

- No mês de novembro de 2013 a quantia de € 171,70;

- No mês de dezembro de 2013 a quantia de € 171,70";

- No mês de janeiro de 2014 a quantia de € 171,70;

- No mês de fevereiro de 2014 a quantia de € 171,70;

- No mês de março de 2014 a quantia de € 171,70; e

- No mês de abril de 2014 a quantia de € 171,70.(1)[3]

17. (…).[4]

18 - Porque a sua mão esquerda não desempenha as tarefas com a destreza que desempenhava até então (4°)[5]

19. Por essa razão está agora a desempenhar as funções de telefonista (5°)

20. O Sinistrado é esquerdino (6°)[6].

21. Nos recibos mês de setembro, outubro de 2013 não consta o pagamento ao Autor do item "prevenção". (7°)

22. O subsídio de prevenção visava compensar o constrangimento pessoal decorrente de o trabalhador, ter que estar facilmente contactável. (8.º)

23. E disponível para interromper o seu período de descanso e ir prestar trabalho, se necessário (9°).

24. O subsídio de prevenção é nos meses em que o trabalhador está de prevenção. (10°)

25. Apenas nos meses em que lhe foi pago o subsídio é que o Autor esteve em regime de prevenção. (11°)

26. Em sede de incidente de fixação de incapacidade foi proferida decisão considerando-se o Autor afetado de uma 1PP de 7,3805% (4.9204%x1,5) com IPATH, desde 21 de janeiro de 2015.

27. A. apresenta limitação da mobilidade do punho na sua extensão - mobilidade entre 35º e 70º -, na flexão – mobilidade entre 45º e 80º - e na supinação – mobilidade entre 45º e 90º.» [7]


III


1 – Nas conclusões A) a E) da alegação apresentada, o recorrente refere que a decisão recorrida se mostra afetada da nulidade prevista na alínea c), do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Resulta de fls. 286 e ss. que o recorrente interpôs o presente recurso de revista por requerimento dirigido aos Digníssimos Senhores Desembargadores, a que se seguem as alegações, estas dirigidas aos Colendos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça.

É no contexto das alegações, já a fls. 289, que o recorrente em segmento dirigido aos Juízes Conselheiros introduz a questão da nulidade que imputava à decisão proferida pelo Tribunal da Relação.

O requerimento de interposição do recurso apresentado é deste modo completamente omisso sobre a arguição de nulidades imputada ao acórdão, sendo imediatamente seguido das alegações de recurso.

Constata-se, deste modo, que o recorrente não deu cumprimento ao disposto no artigo 77.º do Código de Processo de Trabalho relativamente à arguição de nulidades.

Resulta do n.º 1 daquele dispositivo que «a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso» e do n.º 3 do mesmo artigo resulta que «a competência para decidir a arguição pertence ao tribunal superior ou ao juiz conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso».

A atribuição de competência ao juiz do processo, fundamentada em razões de celeridade, prende-se também com a situação referida no n.º 2 do mesmo artigo relativo às situações em que o processo não admite recurso.

Na verdade, as exigências de natureza formal decorrentes do artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, são ditadas por razões de economia e celeridade processuais e destinam-se a permitir que o Tribunal recorrido detete os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento, objetivo que só se alcança se tal arguição constar do requerimento de interposição de recurso que é dirigido ao Tribunal de 1.ª Instância, ou, no caso, ao Tribunal da Relação.

Deste modo, essa exigência não se apresenta como anómala e também não pode ser considerada arbitrária, face à preocupação de maior celeridade e economia processual que domina o processo do trabalho.

Tal como afirma o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 403/2000, de 27 de setembro de 2000)[8], «trata-se de formalidade que, sobretudo quando o requerimento de interposição do recurso e as alegações constam da mesma peça processual, pode parecer excessiva e inútil, mas que ainda se justifica por razões de celeridade e economia processual» e que «não implica a constituição, para o recorrente, de um pesado ónus que pudesse dificultar de modo especialmente oneroso o exercício do direito ao recurso», sendo que «não pode considerar-se incluído, dentro do direito ao acesso dos tribunais, o direito à obtenção de um despacho de aperfeiçoamento, quando se verifiquem obstáculos ao conhecimento do objeto do recurso».

A interpretação do citado artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho subjacente àquele segmento da decisão recorrida não viola, pois, o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.

À luz da abordagem que a jurisprudência deste Tribunal vem fazendo da norma do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, fácil é concluir que a arguição da nulidade do acórdão do Tribunal da Relação não foi feita de forma expressa e separada no requerimento de interposição de recurso, pelo que este Tribunal da mesma não poderá conhecer.

Face ao exposto, não se conhece da nulidade da decisão recorrida, invocada pelo recorrente nas mencionadas conclusões das alegações.

2 - Nas conclusões F) a M) insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida na parte em que conheceu do recurso de apelação da empregadora CC, SA, relativamente à questão da consideração do subsídio de prevenção que o sinistrado auferia como retribuição para os efeitos do disposto no artigo 71.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.

As instâncias divergiram relativamente à resposta a dar a esta questão.

Assim, a 1.ª instância, apesar de o subsídio em causa só ter sido pago ao sinistrado no ano anterior ao acidente durante 7 meses, considerou que o suplemento em causa tinha carácter regular e como tal devia ser considerado para os efeitos daquele dispositivo.

Invocou em abono dessa posição a jurisprudência desta Secção, nomeadamente o acórdão de 17 de março de 2010, proferido na revista n.º  436/09.1YFLSB.

A decisão recorrida considerou, em síntese, que, porque pago apenas em 7 meses do ano que antecedeu o sinistro, o valor pago a título de subsídio de prevenção não integra o conceito de retribuição para os efeitos do cálculo da pensão.

Invocou em abono desta posição o acórdão desta Secção proferido em 1/10/2015 no processo n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1.

3 - Resulta do artigo 71.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que «a indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente» e decorre do n.º 2 do mesmo artigo que «entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios» e do n.º 3 do mesmo dispositivo decorre que «entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade».

Analisados estes dispositivos, decorre dos mesmos que o conceito de retribuição assumido como elemento de base do cálculo da reparação das consequências do acidente não coincide com o conceito de retribuição que emerge dos artigos 258.º e ss. do Código do Trabalho.

Para os efeitos daquele artigo 71.º, são retribuição «todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios».

Não se faz apelo à contrapartida da efetiva prestação de trabalho, estando-se antes perante uma noção mais ampla onde cabem todas as prestações recebidas pelo sinistrado que não se destinem a compensar custos aleatórios.

Outro dos elementos que permitem incluir estas prestações na base de cálculo das reparações é o conceito de regularidade.

O conceito de regularidade tem aqui implícita uma dimensão temporal que aponta para a repetição dos pagamentos e a partir daí a dimensão dos rendimentos normalmente auferidos pelo sinistrado.

Importa que na ponderação deste conceito não se esqueça que o que está em causa é a perda da capacidade para o futuro do sinistrado e não a fixação da dimensão de rendimentos devidos ao sinistrado.

Carece, deste modo, de sentido o apelo que a decisão recorrida faz ao critério subjacente ao acórdão desta Secção proferido em 10 de outubro de 2015, consagrado no processo n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1[9].

Neste acórdão estava apenas em causa a consideração da natureza retributiva de uma específica prestação para saber da integração da mesma no cálculo do valor do subsídio de férias e da retribuição de férias.

A jurisprudência aí fixada nada tem a ver com o reflexo da perda da capacidade de ganho do sinistrado e com a sua projeção em termos de rendimentos futuros.

Com efeito, apesar de proferida sobre a norma do artigo 26.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, continua inteiramente válida a jurisprudência fixada nesta Secção no acórdão invocado na sentença proferida na 1.ª instância[10], onde a este propósito se referiu o seguinte:

«Por seu turno, o n.º 3 do falado artigo 26.º prescreve deste modo:

“Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”.

Se este normativo começa por apelar ao critério geral de retribuição – que já alude, ele próprio, à regularidade da prestação – para depois adicionar aquelas prestações regulares que não se destinem a compensar custos aleatórios, é forçoso reconhecer que perfilha um conceito mais abrangente, apenas aludindo, para efeitos de exclusão retributiva, à variabilidade e contingência das prestações.

No domínio da sinistralidade laboral, o que o legislador pretende é compensar o sinistrado pela falta ou diminuição dos rendimentos provenientes do trabalho: assim se compreende que as prestações reparatórias atendam ao “salário médio”, onde se integram todos os valores que a entidade patronal satisfazia regularmente e em função das quais o trabalhador programava regularmente a sua vida.»

E mais recentemente, embora tendo por base a mesma Lei dos Acidentes de Trabalho, no acórdão proferido por esta Secção em 13/04/2011, proferido no processo n.º 216/07.9TTCBR.C1.S1 de que foi extraído, o seguinte sumário: «I- Conforme resulta do nº 3 do artigo 26º da Lei 100/97 de 13 de Setembro, constitui retribuição, para efeito de acidentes de trabalho, tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.»[11]

Neste contexto, o subsídio de prevenção auferido pelo sinistrado durante 7 meses no ano anterior ao do acidente tem natureza retributiva para os efeitos dos n.ºs 1, 2, e 3 do artigo 71.º da Lei n.º 98/2009 e, como tal, deve ser tomado em consideração no cálculo das pensões e indemnizações ali previstas.


IV

1 - A decisão proferida pela 1.ª instância no apenso relativo à fixação da incapacidade, reconheceu ao Autor uma IPATH e na sentença proferida no processo principal foi-lhe atribuído subsídio de elevada incapacidade.

Na decisão recorrida considerou-se, em síntese, que esta questão nunca foi colocada nas perícias médicas e que do acervo fáctico não resulta como fundamentar uma IPATH.

Entendeu ainda que a Junta Médica não deveria ser chamada, de novo a pronunciar-se sobre esta particular questão, uma vez que não foi alegada matéria capaz de a sustentar, o que passava por carrear para os autos factos dos quais emergissem, com clareza, quais as funções desempenhadas antes e quais as que deixaram de se poder efetuar e, bem assim, quais as funções inerentes ao desempenho profissional em causa.

É efetivamente verdade que a questão de o sinistrado estar afetado de uma IPATH só veio a ser colocada já perante as diligências da Junta Médica, quando aquele, na sequência da 1.ª Junta Médica, requereu a realização de inquérito profissional de estudo do posto de trabalho «para se determinar com rigor e fundamento se o sinistrado está afetado por IPATH».

Com efeito, o sinistrado, até ali, não invocou essa situação na fase inicial do processo, e nem na tentativa de conciliação formulou qualquer pedido com esse fundamento, embora na petição inicial tenha referido que se encontrava impossibilitado de desempenhar as anteriores funções (artigo 33.º) estando a desempenhar funções de telefonista (artigo 34.º).

Suscitada, no âmbito da atividade da Junta Média, a questão da eventual IPATH do sinistrado, foram recolhidos vários elementos no âmbito da medicina no trabalho e antes da decisão e por despacho da Juiz do processo foi solicitado parecer ao IEFP «sobre eventual IPATH».

Junto o relatório solicitado veio a ser proferida sentença em que se fixou a incapacidade em IPP de 7,3805, tendo em conta o fator de bonificação de 1.5, com IPATH.

É manifesto que a Junta Médica não foi confrontada com o parecer do IEFP, alegadamente tomado em consideração pelo tribunal na fixação das consequências do acidente.

Mau grado as limitações ao desempenho das tarefas que caracterizavam o posto de trabalho do sinistrado não tenham sido alegadas pelas partes e, nomeadamente, as invocadas limitações em ordem a caracterizar a situação do sinistrado como de IPATH não tenham sido quesitadas, a verdade é que nada impedia o tribunal de, oficiosamente, aditar quesitos com esse sentido e, pelo menos, de confrontar os peritos com o relatório elaborado pelo IEFP sobre a caracterização do posto de trabalho do sinistrado e as limitações ao desempenho das tarefas iniciais decorrentes das lesões sofridas.

Na verdade, em matéria de acidentes de trabalho o juiz não pode alhear-se dos termos em que o litígio lhe é apresentado e responsabilizar as partes pelas eventuais insuficiências que decorram da intervenção processual destas.

Estão em causa interesses de ordem pública de cuja realização o tribunal não se pode alhear e que inspiram a oficiosidade inerente à reparação das consequências dos acidentes de trabalho, que mais não são do que formas de afirmação do direito à reparação das consequências dos acidentes constitucionalmente consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República.

Evidenciada uma situação em que, para além da mera bonificação da incapacidade por insusceptibilidade de reconversão no posto de trabalho, que esteve subjacente à petição inicial apresentada pelo sinistrado, poderia estar em causa uma situação de IPATH, o tribunal deveria ter suscitado oficiosamente essa situação aos peritos e, uma vez recolhido o parecer do IEFP, deveria voltar a ouvir os peritos sobre essa situação.

Ao relegar essa omissão para a falta de iniciativa das partes relativamente à articulação dos factos relevantes para a decisão, o Tribunal da Relação abstraiu da dimensão oficiosa inerente ao processo emergente de acidente de trabalho e dos elementos que já resultavam do processo que permitiriam o aditamento de novos quesitos sobre a IPATH e sua submissão à Junta Médica, superando a ausência de parecer médico sobre a existência daquela IPATH, elemento que objetivamente é relevante para a fixação das consequências do acidente, nomeadamente, tendo em conta o ponto 5A das Instruções Gerais do Anexo I à Tabela nacional de Incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais que prevê:

«5.A — A atribuição de incapacidade absoluta para o trabalho habitual deve ter em conta:

a) A capacidade funcional residual para outra profissão compatível com esta incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional do sinistrado ou doente;

b) A avaliação é feita por junta pluridisciplinar que integra:

b.1) Um médico do Tribunal, um médico representante do sinistrado e um médico representante da entidade legalmente responsável, no caso de acidente de trabalho (AT);

b.2) Um médico do Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais (CNPRP), serviço do Instituto da Segurança Social, I. P., um médico representante do doente e um especialista em Medicina do Trabalho, no caso de doença profissional (DP);

c) O especialista em Medicina do Trabalho, referido na alínea anterior, pode ser substituído por perito médico de outra especialidade sempre que, as condições concretas de cada caso a isso aconselhem e seja determinado pelo CNPRP.»

Pode, deste modo, concluir-se que a matéria de facto dada como provada e tomada em consideração pelo Tribunal da Relação como base do decidido é insuficiente para a decisão da causa, mas que existem elementos no processo que permitem a respetiva ampliação, no sentido da caracterização efetiva das funções que o sinistrado hoje estará impossibilitado de levar a cabo, no quadro das tarefas anteriormente realizadas, impondo-se igualmente que sobre esses factos, a quesitar oficiosamente, recaia o parecer da Junta Médica.

2 - Com efeito, decorre do parecer do IEFP que na sequência do acidente, o sinistrado «não mais teve condições para desempenhar o tipo de tarefas atrás descrito, devido a diversas dificuldades, tais como:

1.2.1 O trabalhador não está capaz de proceder, de forma rigorosa, salvaguardando a saúde dos pacientes com os quais lida no seu dia a dia de trabalho, à regulação de diferentes mecanismos, respeitando escrupulosamente, várias normas de procedimento, como por exemplo, o débito de oxigénio prescrito pelo médico assistente de cada paciente;

1.2.2 O trabalhador não está capaz de conduzir uma viatura automóvel para transporte dos produtos, materiais e equipamentos que utiliza na sua atividade laboral diária, dado que não consegue segurar o volante de forma segura com ambos os braço/mãos;

1.2.3 O trabalhador não está capaz de proceder à carga/descarga dos equipamentos que utiliza, taos como reservatórios de oxigénio, com pesos que podem atingir os 60 quilos de peso, tendo frequentemente de subir e descer escadas;

1.2.4 O trabalhador não está capaz para escrever, de forma segura, com desembaraço e rapidez, todas as anotações necessárias no decurso dos tratamentos – de salientar que o trabalhador sinistrado é esquerdino, tendo sido a mão esquerda aquela que foi alvo de traumatismos e lesões aquando do acidente».

O quadro fáctico tomado em consideração pelas instâncias é, assim, insuficiente em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito atinente à concreta necessidade do sinistrado de assistência de terceira pessoa e ao montante da respetiva prestação suplementar.

Ora, como é sabido, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, previstas nos conjugados artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos estabelecidos no n.º 3 do artigo 682.º citado.

Especificamente, nos termos dos artigos 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça, depois de definir o direito aplicável, manda «julgar novamente a causa, em harmonia com a decisão de direito, pelos mesmos juízes que intervieram no primeiro julgamento, sempre que possível», quando «entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».

No caso vertente, mostrando-se insuficiente a matéria de facto apurada pelas instâncias para sobre ela assentar a decisão de direito relativa ao facto de o sinistrado se encontrar afetado de uma IPATH, impõe-se determinar, oficiosamente, nos termos do n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil, que o processo volte ao Tribunal da Relação do Porto para suprir a insuficiência apontada, julgando-se de novo a causa, com observância do preceituado no n.º 1 do artigo 683.º do Código de Processo Civil e de harmonia com o regime jurídico acima definido atinente à atribuição da questionada prestação suplementar.


V

Em face do exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista e:

a) Em revogar o acórdão recorrido na parte relativa à integração na retribuição do sinistrado do subsídio de prevenção, recuperando nesse segmento a sentença proferida pela 1.ª instância; 

b) Em anular a decisão recorrida no que se refere ao decidido quanto ao reclamado direito do sinistrado ao subsídio de elevada incapacidade por IPATH, e determinar a remessa do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa, a fim de se efetivar, nos termos sobreditos, o suprimento da insuficiência da matéria de facto dada como provada, nomeadamente, para que para que formulados, oficiosamente, novos quesitos, com base no parecer do IEFP sobre as anteriores tarefas que o sinistrado não pode executar na sequência do acidente, nomeadamente, sobre se:

1) Está capaz de proceder, de forma rigorosa, salvaguardando a saúde dos pacientes com os quais lida no seu dia a dia de trabalho, à regulação de diferentes mecanismos, respeitando escrupulosamente, várias normas de procedimento, como por exemplo, o débito de oxigénio prescrito pelo médico assistente de cada paciente;

2) Está capaz de conduzir uma viatura automóvel para transporte dos produtos, materiais e equipamentos que utiliza na sua atividade laboral diária, dado que não consegue segurar o volante de forma segura com ambos os braço/mãos;

3) Está capaz de proceder à carga/descarga dos equipamentos que utiliza, tais como reservatórios de oxigénio, com pesos que podem atingir os 60 quilos de peso, tendo frequentemente de subir e descer escadas;

4) Está capaz para escrever, de forma segura, com desembaraço e rapidez, todas as anotações necessárias no decurso dos tratamentos – de salientar que o trabalhador sinistrado é esquerdino, tendo sido a mão esquerda aquela que foi alvo de traumatismos e lesões aquando do acidente,

venha a Junta Médica a tomar posição sobre se o sinistrado se encontra ou não afetado de IPATH, julgando-se de novo a causa, com observância do disposto no n.º 1 do artigo 683.º do Código de Processo Civil.

No mais, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo Autor e Rés em conformidade com o que vier a ser decidido a final.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 31 de outubro de 2018

António Leones Dantas (Relator)

Júlio Gomes

Ribeiro Cardoso

______________
[1] Os pontos n.º 11 a 14 da matéria de facto fixada na sentença foram eliminados pela decisão recorrida.
[2] Corresponde ao ponto n.º 11 da matéria de facto fixada na decisão recorrida.
[3] Corresponde ao ponto n.º 12 da decisão recorrida.
[4] O ponto n.º 17 da matéria de facto fixada na 1.ª instância foi eliminado pela decisão recorrida e era do seguinte teor: «17. Em face do acidente o Autor não pode desempenhar as funções que exercia à data do acidente».
[5] Corresponde ao ponto n.º 16 da decisão recorrida.
[6] Corresponde ao ponto n.º17 da decisão recorrida.
[7] Aditado pela decisão recorrida.
[8] In Diário da República, 2.ª Série, de 13 de dezembro de 2000.
[9] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI e de que foi extraído o seguinte sumário: «No cálculo das retribuições de férias e de subsídio de férias do tripulante de cabina deve atender-se à média das quantias auferidas pelo mesmo, a título de prestação retributiva especial a que alude a cláusula 5.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, nos doze meses que antecedem aquele em que é devido o seu pagamento, desde que, nesse período, o tripulante tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses».
[10] Proferido no processo n.º 436/09.1YFLIS, datado de 17 de março de 2010, disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI, onde, além do mais se referiu em sede de sumário, o seguinte: «XVII - O art. 26.º, da LAT, adota um conceito de retribuição que, aproximando-se, num primeiro momento, do conceito genérico vertido no art. 249.º, do Código do Trabalho de 2003, acaba por nele integrar, num segundo momento, todas as prestações que assumam carácter de regularidade, o que significa que perfilha um conceito mais abrangente, apenas aludindo, para efeitos de exclusão retributiva, à variabilidade e contingência das prestações.»
[11] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.