Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3014/14.0T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE DIREITO
MATÉRIA DE FACTO
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
DANOS PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 02/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A determinação de indemnizações por dano biológico, na sua vertente patrimonial, e particularmente por danos não patrimoniais, obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum.

II - Esse «juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido.

III – Só assim não acontecerá, se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade».

Decisão Texto Integral:
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Relatório[1]

«AA, veio deduzir contra a “Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.”, com incidente de intervenção principal provocada da “Açoriana Seguros, S.A.”, pedido de condenação da Ré, a pagar-lhe:

A. € 79.933,25, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude do acidente de viação, melhor descrito nos autos;

B. Montante cuja integral quantificação se relega para posterior liquidação em incidente de liquidação ou em execução de sentença, a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros:

a) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de efetuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas sofridas;

b) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Cirurgia Plástica, Neurocirurgia, Ortopedia, Fisioterapia e Fisiatria para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas sofridas;

c) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de realizar tratamento fisiátrico 2 (duas) vezes por ano, com a duração mínima de 20 sessões cada, para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas sofridas;

d) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de ajuda medicamentosa – antidepressivos, anti-inflamatórios e analgésicos – para superar as consequências físicas das lesões sofridas;

e) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de se submeter a intervenções cirúrgicas e plásticas, a internamentos hospitalares, de efetuar despesas hospitalares, de efetuar tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correcção das lesões sofridas. 

C. Juros:

a) vencidos e vincendos calculados à taxa legal anual em vigor sobre o montante oferecido pela Ré no valor € 4.715,00, a partir do dia 18.05.2014 e até à data da decisão judicial ou que vier a ser estabelecida na decisão judicial;

b) vencidos e vincendos, calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré no valor € 4.715,00 e o montante que vier a ser fixado na decisão judicial, contados a partir do dia 18.05.2014 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial;

c) vincendos a incidir sobre a referidas indemnizações, calculados à taxa legal anual, a contar da data da sua citação e até efetivo e integral pagamento.

Alegou para o efeito que os valores peticionados correspondem aos danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreu em virtude do acidente de viação no qual foi interveniente, cuja ocorrência imputa à conduta voluntária, ilícita e culposa do condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ...-DV-..., cuja responsabilidade civil se encontrava, na data do acidente, transferida para a Ré seguradora, mediante contrato de seguro.


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A Ré contestou (fls. 136 e ss.).

Excecionou a renúncia ao direito de opção pelo direito de indemnização conexo com a vertente viária do acidente, com o argumento de que este foi simultaneamente de trabalho e viação, estando a responsabilidade civil pelo acidente de trabalho transferida para a “Açoriana” que assumiu perante o Autor, com a aceitação deste, o encargo dos tratamentos para além do pagamento de indemnização por perdas salariais, despesas de transporte e capital de remição anual e vitalício, pelo que o Autor optou pela indemnização dos seus danos patrimoniais pela lei laboral, tendo renunciado à indemnização dos mesmos danos na vertente civil.

Admitiu ter reconhecido a responsabilidade do condutor do veículo seu segurado na ocorrência do acidente e impugnou a matéria referente aos danos alegadamente sofridos pelo Autor. 

Negou o direito do Autor a receber os juros em dobro peticionados, pois que a proposta indemnizatória dirigida pela Ré, se mostra adequada ao apuro do dano corporal então efetuado, de acordo com as regras previstas pelo DL n.º 291/2007.

Suscitou o incidente de intervenção principal da “Açoriana”.


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Admitida a intervenção principal provocada (cfr. despacho de 08.04.2015 – fls. 201), veio a “Açoriana” contestar (fls. 206 e ss.).

Admitiu a qualidade de seguradora de acidentes de trabalho no sinistro em apreço, que é simultaneamente de viação, tendo, na sequência de decisão proferida em processo que correu termos no Tribunal de Trabalho ..., pago ao Autor o montante indemnizatório total de € 16.039,15.

Pediu a condenação da Ré “Tranquilidade” a pagar-lhe a supra aludida quantia, acrescida de juros de mora vincendos desde a notificação até integral pagamento.


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A Ré “Tranquilidade” contestou (fls. 258 e ss.) o pedido feito pela interveniente “Açoriana”, negando o direito de reclamar o reembolso das quantias pagas a título de honorários a advogados/peritos e despesas judiciais e impugnando, por desconhecimento, os demais valores.

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Por despacho proferido a 11.10.2015, foi determinada a realização de perícia para avaliação do dano corporal em direito civil à pessoa do Autor, de que foram juntos os relatórios, preliminares e definitivos, constantes de fls. 396 e ss., 412 e ss., 428 e ss. respetivamente.

Foi proferido despacho-saneador (fls. 447 e ss.) identificando o objeto do litígio, enunciando os temas da prova, seguido de despacho de apreciação dos restantes meios de prova requeridos pelas partes.

Por força de reclamações apresentadas pelas partes ao despacho-saneador, realizou-se audiência prévia, na qual foram proferidos despachos sobre as questões suscitadas, de que resultaram alterações à matéria assente e aos temas da prova, e indeferida ampliação do pedido, suscitada pelo Autor (fls. 602 e ss. dos autos)».


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Designada data para o efeito, realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença que decidiu nos termos seguintes:

“Julgo parcialmente procedente a presente acção, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 22.097,37 (vinte e dois mil, noventa e sete euros e trinta e sete cêntimos), acrescida de juros calculados:

- no dobro da taxa legal, sobre o montante de € 17.382,14 (dezassete mil, trezentos e oitenta e dois euros e catorze cêntimos), desde 18.05.2014 até à data da prolação da presente sentença;

- à taxa legal, sobre o montante de € 4.715,23 (quatro mil, setecentos e quinze euros e vinte e três cêntimos), desde a citação da Ré até efectivo e integral pagamento;

- à taxa legal, sobre o montante de € 22.097,37 (vinte e dois mil, noventa e sete euros e trinta e sete cêntimos), desde a presente data até efectivo e integral pagamento.

Custas do pedido por Autor e Ré, na proporção do decaimento (artigo 527º do CPC), sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário.”


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Inconformados com o decidido, o autor e a ré seguradora interpuseram recurso de apelação.

Apreciando os recursos o Tribunal da Relação ... proferiu acórdão onde decidiu «julgar parcialmente procedentes as apelações e, consequentemente, alteram a decisão recorrida nos seguintes termos:

1. Condenam a ré seguradora a pagar ao autor a título de indemnização por danos patrimoniais a quantia de 16.318,26€ a que acrescem juros moratórios, à taxa legal, desde 18/05/2014.

2. Condenam a ré seguradora a pagar ao autor, a título de compensação por danos não patrimoniais, a quantia de 25.000€, a que acrescem juros moratórios a partir da data da decisão recorrida».


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Mais uma vez irresignada veio a R. Seguradoras Unidas SA.,  interpor recurso de revista. O A. por sua vez interpôs recurso subordinado. Este recurso não foi admitido pelo relator,  tendo sido, na sequência de reclamação do autor, confirmada tal decisão por acórdão deste Tribunal.

A ré apresentou alegações que rematou com as seguintes  

Conclusões:

«I - São, salvo melhor opinião, excessivas as verbas indemnizatórias atribuídas com referência ao dano decorrente do défice funcional permanente e danos não patrimoniais

II - O dano biológico do A foi excessivamente valorizado, sendo mais adequado fixá-lo em 7.200,00€, com recurso à equidade e outros elementos coadjuvantes.

III - Uma vez que o A já recebeu a título de capital de remição, fruto da incapacidade permanente de que ficou portador, a verba de 6.681,74€ e porque essa verba deve ser abatida à indemnização – como se entendeu, com acerto, na douta sentença e no douto acórdão – deve ser reduzida para a quantia de 518,26€ a indemnização a atribuir ao A pela sua incapacidade permanente, o que se requer

IV - No douto acórdão sob censura foi dada excessiva relevância à retribuição que o autor auferia para o efeito da fixação da indemnização pelo défice permanente.

V - Porém, não se tendo provado que o autor tenha sofrido uma redução salarial em consequência do acidente, aquela retribuição não pode ser decisivamente valorada, antes se impondo que a indemnização seja fixada com base, no essencial, em critérios de equidade.

VI - Por outro lado, ainda que se partisse do salário do lesado para calcular esta indemnização (ainda que, posteriormente, corrigida com critérios de equidade), a retribuição a atender nunca poderia ser a bruta, mas sim a líquida.

VII - Tendo em conta que o autor auferia um rendimento anual bruto de 9.354,33€anuais, mesmo desconsiderando as retenções a que estaria sujeito tal rendimento para pagamento do IRS, pelo menos sobre ele incidiria um desconto de 11% para a contribuição obrigatória para a Segurança Social.

VIII - E, dessa forma, obteríamos um rendimento líquido anual de 8325,35€.

IX - Mesmo que se considerasse que o autor sofreria no futuro uma redução em 6% do seu rendimento anual (e tal não se provou), atendendo à sua idade (28 anos) e àquele rendimento líquido, a sua perda de rendimentos até aos 75 anos de idade, em singelo e sem qualquer abatimento, não seria superior a 23.477.49€ (8.325,35€ x 6% = 499,521 x 47 anos = 23 477,49€).

X - Apesar de ser de admitir que o autor obtivesse um acréscimo anual de rendimentos, também não restam dúvidas de que o recebimento imediato e antecipado de um montante destinado a compensar uma perda de réditos que só se verificaria ao longo de várias décadas constitui uma vantagem.

XI - Daí que, àquele valor, sempre se teria de abater, pelo menos, um terço, para que este equilíbrio fosse alcançado, o que reduziria aquela indemnização para 15 651,65€.

XII - Se se abatesse, ainda, o capital de remição, a indemnização, calculada com base nos critérios que os próprios julgadores de segunda instância adotaram, não deveria ser superior a 8 969,91€ (15.651,65€ - 6681,74€).

XIII - Disto decorre, portanto, que mesmo tendo em conta os critérios perfilhados no douto acórdão, a indemnização arbitrada pelo défice funcional permanente é excessiva e mereceria redução.

XIV - Mas, como também já se disse, aqueles critérios não serão, a nosso ver, adequados ao caso concreto, na medida em que no douto acórdão sob censura se quantificou a indemnização pelo défice funcional permanente numa perspetiva de redução efetiva de rendimentos, a qual não se confirmou.

XV - Daí que, voltando ao que acima se sustentou, entende a recorrente que a valorização do dano sofrido pelo autor pelo seu défice funcional permanente em 7.200€, ao qual se deve ainda abater a verba de 6681,74€, fixando-se, assim, tal compensação em 518,26€ é a mais ajustada.

XVI - E, mesmo que se entenda que esta valor não é ajustado, sempre se imporia, pelas razões acima assinaladas, a sua redução para montante inferior ao fixado no douto acórdão, o que, subsidiariamente, se requer.

XVII - danos não patrimoniais do A foram sobrevalorizados, sendo mais adequado a compensá-los a verba de 8.000,00€, para a qual se requer que seja reduzida tal indemnização

XVIII - E, ainda que se entenda que esta quantia não é a adequada, o que não se concede, sempre se imporia a redução da verba fixada no douto acórdão, o que, subsidiariamente, se requer.

XIX - O douto acórdão sob censura violou as normas dos artigos 496.º e 566.º do Cod. Civil.»


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Respondeu a parte contrária pedindo a improcedência da revista.

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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do  novo Cód. Proc. Civil ). No caso sub judicio o objecto da revista respeita apenas ao quantum indemnizatório.

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Dos Factos

Mostra-se consolidada a seguinte factualidade:

«1. No dia … de Abril de 2012, cerca das 5 horas e 50 minutos, na ...., freguesia de ..., ao KM ..., concelho de ..., distrito de ..., ocorreu um acidente de viação no qual intervieram os seguintes veículos automóveis: - ligeiro de passageiros, com o número de matrícula ...-DV-..., de propriedade e conduzido por BB, e; - ligeiro, de mercadorias, com o número de matrícula ...-...-GC, de propriedade de CC, conduzido pelo Autor AA (artigos 1º e 2º da p.i.);

2. No dia, hora e local mencionados no facto provado anterior, a …, ao KM ..., dispunha de uma faixa de rodagem única, com dois sentidos de trânsito contrários, delimitados entre si por uma linha longitudinal contínua, marcada no pavimento a cor branca, com marcação de vias e iluminação pública de carácter permanente (artigo 4º da p.i.);

3. No dia, hora e local mencionados, o veículo de matrícula ...-...-GC, circulava no sentido de marcha ... / ..., atento às condições da via e demais trânsito (artigos 10º e 14º da p.i.);

4. No mesmo dia, hora e local mas em sentido de marcha ... / ..., contrário ao GC conduzido pelo Autor, circulava o veículo de matrícula ...-DV-... (artigo 15º da p.i.);

5. O condutor do ...-DV-... perdeu o domínio do veículo por si conduzido, entrando em despiste para a sua esquerda, transpondo o eixo da via e a linha longitudinal contínua, e saindo da metade direita da faixa de rodagem atento o seu sentido de trânsito (artigo 20º da p.i.);

6. Invadindo e passando a circular totalmente dentro da metade esquerda da faixa de rodagem, por onde circulava em sentido oposto o veículo ...-...-GC conduzido pelo Autor (artigo 21º da p.i.);

7. Obstruindo e cortando com o ...-DV-... o sentido de marcha do ...-...-GC e acabando por embater com a sua parte frontal, sobretudo esquerda, na parte frontal esquerda do ...-...-GC (artigos 22º a 24º da p.i.);

8. Ao avistar o ...-DV-... invadir a metade da faixa de rodagem e obstruir por completo a passagem do ...-...-GC, o Autor diminuiu a velocidade deste veículo, travou e encostou-se o mais possível para a sua direita, junto à berma, atento o seu sentido de marcha (artigo 25º da p.i.);

9. O embate frontal entre os veículos ...-DV-... e ...-...-GC, deu-se totalmente dentro da metade esquerda da faixa de rodagem, a cerca de 2,125 metros de distância da berma esquerda, a cerca de 2,00 metros de distância do eixo da via e a cerca de 6,125 metros de distância da berma direita, atento o sentido de marcha do DV (artigos 26º a 30º da p.i.);

10. Em resultado do embate ficaram na metade esquerda da faixa de rodagem atento o sentido de marcha do DV, peças, plásticos e vidros partidos de ambos os veículos intervenientes (artigo 31º da p.i.);

11. À data e no local onde ocorreu o supra descrito embate, a … tinha uma faixa de rodagem que media cerca de 8,25 metros em toda a sua largura, dispondo cada metade da faixa de rodagem de uma largura de 4,125 metros, descrevia uma curva para a sua esquerda, constituída por uma descida de inclinação acentuada atento o sentido de marcha do DV (artigos 36º e 37º da p.i.);

12. O supra descrito embate ocorreu em plena curva, dispondo o condutor do veículo DV de reduzida visibilidade em relação ao veículo matrícula GC (artigo 37º da p.i.);

13. À hora e no local onde ocorreu o acidente de viação descrito nos presentes autos, o piso betuminoso da … encontrava-se molhado e escorregadio devido à chuva que na altura caía (artigo 38º da p.i.);

14. À hora e no local onde ocorreu o acidente de viação, a … encontrava-se com tráfego de veículos automóveis (artigo 39º da p.i.);

15. O local onde ocorreu o acidente situava-se entre placas indicativas de que se tratava de uma localidade e dispunha de iluminação pública de carácter permanente (artigos 39º e 40º da p.i.);

16. O Autor usava, no momento do acidente, o cinto de segurança (artigo 41º da p.i.);

17. Em consequência do descrito acidente, o Autor sofreu ferimentos e lesões traumáticas, tendo sido assistido no serviço de urgências do “Centro Hospitalar …, E.P.E.”, em ..., no próprio dia … .04.2012, pelas 7:23 horas, onde foi examinado, apresentando diagnóstico de politraumatizado com as seguintes lesões e contusões traumáticas: a) Traumatismo crânio encefálico e cefaleias; b) Ferida corto contusa na região frontal sangrante; c) Traumatismo da face; d) Traumatismo do joelho direito; e) Entorse do joelho direito; f) Ligeiro edema no joelho direito e dor no compartimento interno; g) Dores na perna direita; h) Traumatismo e edema do tornozelo esquerdo; i) Traumatismo e entorse do tornozelo esquerdo; j) Dores no tornozelo esquerdo; k) Traumatismo do ombro esquerdo; l) Parestesias nos MI's; m) Omalgia esquerda; o) Hematoma periorbitário esquerdo (artigos 44º e 45º da p.i.);”

18. O Autor, no “Centro Hospitalar ..., E.P.E.”, realizou sutura das feridas da face e exames complementares de diagnóstico: RX do tornozelo e tomografia axial computorizada do crânio (artigo 46º da p.i.);

19. O Autor teve alta hospitalar no dia … .04.2012, pelas 17:18 horas (artigo 47º da p.i.);

20. No dia … .04.2012, o Autor foi assistido no Centro de Saúde …, sito na freguesia  ..., ..., concelho ... (artigo 48º da p.i.);

21. Em … .05.2012, o Autor foi encaminhado para os serviços clínicos da Açoreana Seguros, S.A., no Hospital …, sito em …, onde realizou sessões de fisioterapia durante 4 a 5 semanas (artigos 50º e 51º da p.i.);

22. O Autor, em … .07.2012, foi observado na “Clinica …”, sita na Rua …, n.º …, …, para continuação de tratamento da cicatriz da região frontal e do traumatismo do tornozelo (artigo 52º da p.i.);

23. Em … .07.2012, o Autor foi observado no Hospital de …, no …., por manter queixas no tornozelo, dor e edema, tendo realizado RMN que revelou: edema medular do astrágalo, pós-contusional, mas sem lesões osteocondrais e lesões ligamentares (artigo 53º da p.i.);

24. O Autor, realizou tratamento conservador das lesões do tornozelo, analgesia e fisioterapia e correcção da cicatriz da face (artigo 54º da p.i.);.

25. No Hospital ...., no …, o Autor foi observado por Cirurgia Plástica no dia 13.07.2012, apresentando cicatriz semi-circular em evolução (artigo 55º da p.i.);

26. O Autor, no dia … .11.2012 foi sujeito a correcção da cicatriz, com plastia em Z múltiplos no Hospital ...., no … (artigo 56º da p.i.); 

27. As lesões sofridas pelo Autor em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos estabilizaram em … .02.2013 (artigo 59º da p.i. e 36º da contestação);

28. Em consequência das lesões sofridas no acidente, o Autor ficou a padecer das seguintes sequelas definitivas: Crânio: área cicatricial ovalada e com ligeiro relevo, localizada na região frontal esquerda, com perda de continuidade das rugas/fibras elásticas da pele, com aparente ligeira reacção quelóide, com diminuição da sensação de temperatura e prurido, cm parestesias contínuas, com 5 por 2,5 centímetros de maiores dimensões, claramente visível à distância social. Vestígio cicatricial ao nível do terço lateral da sobrancelha esquerda com 1 centímetro de comprimento; Membro inferior esquerdo: sem cicatrizes ou deformidades. É audível um som de fricção durante o movimento de dorsiflexão forçada. Sem aparente instabilidade do tornozelo. Sem limitação na mobilização do tornozelo e pé. Força muscular normal e simétrica. Sem limitações na marcha em calcanhares e em pontas dos pés (artigos 58º, 63º e 109º da p.i.);

29. Em consequência das lesões sofridas no acidente o Autor apresenta as seguintes queixas: 1. A nível funcional:

a) Postura, deslocamentos e transferências:

dificuldades em caminhar em terreno plano após cerca de 20/30 minutos, em realizar corrida ou passo acelerado, subir ou descer escadas, carregar objectos de alto peso e estar apoiado apenas no tornozelo esquerdo;

b) Cognição e afectividade:

não gosta de se ver ao espelho, nem em fotografias e refere que anda sempre de chapéu de forma a esconder a cicatriz. Nota que as pessoas olham, principalmente as crianças, o que o incomoda;

c) Fenómenos dolorosos:

rigidez matinal, com dor em ambos os maléolos, que se agravam com as alterações climatéricas; desconforto e prurido ao nível da cicatriz da região frontal;

d) Outras queixas:

edema vespertino. Refere que sente “…o tendão a roçar no osso e a fazer barulho.”

2. A nível situacional:

a) Actos da vida diária:

autónomo e independente nas actividades da vida diária, dificuldades em caminhar em terreno plano após cerca de 20/30 minutos, em realizar corrida ou passo acelerado, subir ou descer escadas, carregar objectos de alto peso e estar apoiado apenas no tornozelo esquerdo, em conduzir “no pára-arranca” por períodos prolongados;

b) Vida afectiva, social e familiar:

deixou de fazer longas caminhadas, andar de bicicleta e jogar futebol com os amigos;

c) Vida profissional:

dificuldades em subir e descer o camião e  transportar objectos de elevado peso quando trabalhava como cantoneiro (artigos 58º e 63º da p.i.);

30. Em consequência do acidente o Autor:

a) sofreu um período de Défice Funcional Temporário Parcial de 307 dias;

b) sofreu um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 113 dias;

c) sofreu um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 194 dias;

d) sofreu um quantum doloris de grau 5, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7;

e) sofre de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares;

f) sofre Dano Estético Permanente de grau 4, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7;

g) sofre de Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer de grau 2, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 (artigos 58º, 69º, 72º, 97º, 112º e 116º da p.i. e 37º a 40º e 106º da contestação);

31. O Autor sente actualmente e continuará a sentir no futuro dificuldades acrescidas e necessidade de realizar esforços suplementares no seu dia-a-dia de ”Cantoneiro”, ou de outras categorias profissionais semelhantes, que até à data do acidente dos presentes autos não sentia (artigo 73º da p.i.);

32. As sequelas de que o Autor é portador, implicam esforços suplementares na realização das suas tarefas diárias - laborais, recreativas e sociais - que exijam muita força, resistência ao esforço e velocidade do membro inferior esquerdo e que sejam predominantemente efectuadas de pé (artigo 74º da p.i.);

33. Em consequência das lesões sofridas no acidente, o Autor sofreu dores no momento do acidente e, posteriormente, no decurso dos internamentos hospitalares, das intervenções cirúrgicas, dos tratamentos médicos e da sua recuperação funcional (artigo 96º da p.i.);

34. Na altura do acidente, o Autor sofreu angústia de poder a vir a falecer (artigo 98º da p.i.);

35. Antes e à data da ocorrência do acidente de viação, o Autor era uma pessoa sem incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional, sendo saudável, trabalhador e com projectos para o futuro (artigos 104º e 105º da p.i.); 

36. O Autor sente-se actualmente e desde a data da ocorrência do acidente, diminuído esteticamente (artigo 107º da p.i.);

37. A cicatriz aludida no facto provado número 28, causa ao Autor desgosto e inibição (artigo 110º da p.i.);

38. O recurso a outras operações plásticas à referida cicatriz, não a eliminará (artigo 111º da p.i.);

39. À data do acidente, o Autor exercia actividade profissional por conta de “S…..., S.A.”, com quem, anteriormente, celebrara contrato de trabalho (artigo 3º da contestação);

40. À data da ocorrência do acidente de viação, o Autor tinha a categoria profissional de “….”, auferindo uma retribuição anual bruta de 9.354,33 €, composta por: 485,00 € x 14 meses, a título de vencimento base mensal; 137,50 € em média x 12 meses, a título de subsídio de refeição; e 76,19 € em média x 12 meses, a título de outras remunerações (designadamente trabalho nocturno, descanso compensatório e horas extraordinárias) (artigos 78º a 80º da p.i.);

41. Por contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, válido e eficaz à data do acidente, celebrado entre a “S….., S.A.” e a “Açoreana Seguros, S.A.”, titulado pela apólice n.º ….52, foi transferida para a Interveniente a responsabilidade emergente por acidentes de trabalho sofridos por AA (cfr. apólice junta a fls. 216 e ss. dos autos);

42. O sinistro ocorreu no trajecto normal entre a residência do Autor e o seu local de trabalho (artigo 2º da contestação);

43. O sinistro em apreço foi participado à “Açoreana Seguros, S.A.”, que deu início aos procedimentos necessários à reparação dos danos sofridos pelo Autor, prestando-lhe cuidados médicos, fornecendo-lhe ajudas técnicas e abonando-o com prestações pecuniárias indemnizatórias da sua incapacidade temporária e permanente (artigo 5º da contestação);

44. Em virtude do acidente descrito nos presentes autos, correu termos pelo Tribunal do Trabalho ...., o processo Especial de Acidente de Trabalho com o número ...., em que figura como sinistrado o aqui Autor e como entidade seguradora a “Açoreana Seguros, S.A.”, no âmbito do qual aquele recebeu desta as seguintes quantias: a) indemnizações por I. T. Absoluta e I. T. Parcial no montante global de 2.961,89 €; b) 6.681,74 € a título de capital de remição; c) 20,00 €, a título despesas de transportes; e d) 297,67 €, a título de juros de mora (artigo 43º da p.i.); 

45. Por contrato de seguro obrigatório, válido e eficaz à data do acidente, celebrado entre BB e a “Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.”, titulado pela apólice n.º …09, foi transferida para a Ré a responsabilidade civil por danos provocados a terceiros, bem como a pessoas transportadas e pela sua carga, emergente da circulação do veículo com a matrícula ...-DV-... (cfr. apólice junta aos autos);

46. A Ré “Tranquilidade”, através do seu gestor de processo de nome Paula Dias, reconheceu por escrito perante o Autor, a responsabilidade e culpa exclusivas do condutor do veículo segurado na Ré, com a matrícula ...-DV-... (artigo 127º da p.i.);

47. A Ré “Tranquilidade” enviou ao Autor a carta datada de 09.05.2012, que este recebeu, na qual, sob a epígrafe: “Data do Sinistro: 26-04-2012” e “Assunto: responsabilidade” a Ré declarou: “Reportando-nos ao sinistro em título e em cumprimento da lei do Seguro Obrigatório, cumpre-nos informar que estamos a assumir a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do presente sinistro (...)” (artigo 129º da p.i.);

48. Em 20.06.2012, a Ré procedeu ao pagamento ao Autor das despesas com bens de uso pessoal e objectos danificados (roupa, sapatilhas e telemóvel) no montante de 115,00 € (artigo 130º da p.i.);

49. A Ré procedeu ao pagamento, junto do proprietário do veículo conduzido pelo Autor, da quantia de 1.230,00 €, a título de perda total do ...-...-GC (artigo 132º da p.i.);

50. O Autor foi sujeito a uma consulta de avaliação do dano corporal em direito civil, pelos serviços médicos convencionados com a Ré, em 02.05.2014 (assente por acordo das partes, cfr. fls. 603 dos autos);

51. A Ré, em 16.10.2014, através do seu gestor de processo DD, apresentou ao Autor uma proposta de indemnização final por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor em consequência do descrito acidente de viação, oferecendo-lhe o montante indemnizatório no valor global de 4.715,23 €, discriminado da seguinte forma: a) IPG (6 pontos): € 518,26 (€ 7.200,00 - € 6.681,74 de capital de remição), b) Q.D. (4): € 800,00; c) D.E. (3): € 2.400,00; d) ITA: € 996,97 (com base no rendimento  liquido anual de € 8.936,20 e tendo em conta o valor liquidado pela congénere de AT) (artigo 135º da p.i.);

52. O Autor nasceu a … de Março de 1985 (cfr. certidão de assento de nascimento junta a fls. 47 dos autos).”


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 Do Direito

Como se disse supra, o que vem questionado na revista é o quantum indemnizatório tanto a título de dano biológico como de dano não patrimonial em sentido estrito.

Antes de mais, convém ter presente que a determinação de indemnizações por dano biológico, na sua vertente patrimonial, e particularmente por danos não patrimoniais obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum, que não se reconduzem, rigorosamente, a questões de direito ou à aplicação de critérios normativos estritos para que está vocacionado o tribunal de revista[4]. Apesar disso e como bem se observa no Ac. deste Tribunal de 2/6/2016, na revista nº  3987/10.1TBVFR.P1.S1, relatado por Tomé Gomes, «caberá a este tribunal sindicar os limites de discricionariedade das instâncias, no recurso à equidade, mormente na busca de uniformização dos critérios jurisprudenciais, de modo a garantir o respeito pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, nos termos proclamados no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição e conforme o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do CC».

Como se assume no recente acórdão do STJ, de 21/01/2016, proferido no processo n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1[5]:

«Não poderá deixar de ter-se em consideração que tal juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade».

Será, pois, esta a linha de orientação a seguir aqui no tratamento das questões que envolvem juízos de equidade.


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No acórdão recorrido e no tocante à fixação do valor a atribuir a título de dano biológico, fundamentou-se a decisão nos seguintes termos:

« Para o cálculo da indemnização pelo dano biológico, que se traduz em lucros cessantes ou dano patrimonial futuro teremos de lançar mão dos artigos 562, 564 nº 2 e 566 do Código Civil.

A jurisprudência do S.T.J., que vem sendo aceite e aplicada nas instâncias, assenta em três pontos:

1 – Determinação dum capital produtor dum rendimento que se venha a extinguir no final do período provável de vida ativa do lesado, suscetível de lhe garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.

2 – Utilização de fórmulas abstratas ou critérios, como elemento auxiliar, com o objetivo de tornar o mais possível justas, atuais e minimamente discrepantes, as indemnizações.

3 – Uso de juízos de equidade como complemento para ajustar o montante encontrado à solução do caso concreto, uma vez que não é possível determinar um valor exato dos danos sofridos pelo lesado.

Estes três pontos são indissociáveis, necessários para se encontrar, em cada caso, o montante indemnizatório mais adequado.

Há quem utilize fórmulas matemáticas mais ou menos sofisticadas, ligadas a tabelas financeiras, reduzindo substancialmente, para não dizer totalmente, a intervenção do julgador na determinação do montante indemnizatório, através de juízos de equidade.

Tabelas essas que, além de serem redutoras da intervenção do julgador, são complicadas, e, por vezes, de difícil utilização.

Através dum estudo apresentado pelo Juiz Conselheiro Sousa Dinis, na Coletânea de Jurisprudência, ano IX, Tomo I, 2001, do S.T.J., a fls. 6 a 12, foram delineados dois critérios, que atingem os mesmos resultados, que se revelam menos rígidos, e, em que o julgador acaba por ter grande intervenção na determinação do montante indemnizatório, através de juízos de equidade.

Um dos critérios assenta numa regra de três simples, tendo em conta uma determinada taxa de juro, adequada à realidade económica e financeira do país, ao aumento pecuniário que o lesado ou seus dependentes economicamente, deixaram de auferir, durante 14 meses, num ano, a idade ativa provável do mesmo, fazendo um primeiro ajustamento com um desconto que variará com o nível de vida do país, do custo de vida, em que predominará o prudente arbítrio do juiz, tendo em conta estes dados ou outros relevantes.

E, encontrado um determinado valor, este poderá sofrer alterações para mais ou para menos, de acordo com juízos de equidade, tendo em conta a idade do lesado, a progressão na carreira e outros fatores influentes, que possam existir.

O outro critério traduz-se na determinação do montante que o património do lesado deixou de auferir durante 14 meses, num ano, multiplicando-o pelo período de tempo provável de vida ativa, reduzindo o montante encontrado de acordo com regras de equidade já apontadas, e finalmente, ajustando o respetivo valor ao caso concreto, recorrendo a juízos de equidade, de acordo com a progressão na carreira, ganhos de produtividade e outros elementos influentes existentes em cada caso.

Julgamos que estes critérios, e, em especial, o último, são mais fáceis de utilizar, mantendo critérios mínimos de segurança, e com a vantagem de o julgador expressar o seu cunho pessoal ao caso concreto, recorrendo a juízos de equidade que a lei impõe, e que são a expressão jurisdicional mais rica e criativa.

Em face do exposto, julgamos que é de aplicar ao caso subjudice, o último critério enunciado, em detrimento das fórmulas matemáticas complicadas, apresentadas e usadas nas alegações da recorrente.

Para a resolução desta questão, objeto do recurso, interessa a seguinte matéria de facto dada como assente na decisão recorrida – 27 anos, 10 meses e 10 dias à data da alta clínica, 6% de incapacidade geral permanente parcial, retribuição anual bruta de 9.354,33€ à data do acidente.

Atendendo a esta matéria de facto e ao critério apontado, iremos calcular o montante indemnizatório mais ajustado ao caso concreto, tendo em conta ainda que a idade provável de vida ativa não se esgota com a reforma (apesar de ser controversa esta posição na jurisprudência do STJ, mas defendida em vários acórdãos, com destaque para os Ac. de 7/6/2011, 2/5/2012, 10/10/2012 disponíveis em www.dgsi.pt ), mas prolonga-se, em termos médios, no nosso país, pelo menos até aos 77 anos, para os homens (a esperança média de vida e não apenas laboral), conforme dados estatísticos oficiais (I.N.E. e Pordata).

Efetuados os cálculos e ponderando as variáveis mais influentes, como a idade do autor, o nível de vida económico no país, o custo de vida, a nossa integração na U.E., é de concluir que o montante adequado ao caso concreto é de 23.000€.

Tendo em conta que o autor já recebeu, a título de capital de remissão, a quantia de 6.681,74€ da Seguradora Açoriana, hoje integrada na Seguradoras Unidas S.A., ré e interveniente principal, deverá esse montante ser subtraído à indemnização de 23.000€. Assim o autor terá direito a receber da ré a quantia de 16.318,26€».


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Quanto à indemnização por danos não patrimoniais o Tribunal “ a quo”, ponderou, que «em consequência do acidente o autor foi assistido, de urgência, no Hospital onde foi sujeito a vários exames, tendo dado entrada pelas 7,23h e saiu pelas 17,18 horas, tendo acompanhamento ambulatório. Sofreu um traumatismo crânio encefálico, tendo sido submetido a um TAC CE, que apresentou alterações não relevantes, mas que merecerem uma atenção especial de vigilância durante um determinado período de tempo. Foi suturado a uma ferida na testa, a que mais tarde foi sujeito a uma intervenção cirúrgica para retirar a cicatriz, o que não foi conseguido. Foi atingido, essencialmente, no tornozelo esquerdo, que, depois de vários tratamentos, inclusive fisiátricos, não conseguiu a recuperação total. Teve um período de incapacidade temporária absoluta de 113 (dias) e 194 (dias) de incapacidade temporária parcial. Foi-lhe fixada uma incapacidade permanente parcial de 6% que lhe afeta as suas capacidades gerais físico psíquicas, exigindo-lhe maior esforço na execução das suas atividades pessoais e profissionais. Foi-lhe fixado um quantum doloris de 5 pontos e de 4 pontos de dano estético. Foi afetado nas suas atividades desportivas e de lazer, quantificado em 2 pontos. Sofreu, no momento do acidente, a angústia de vir a morrer e tem desgosto de ter ficado com a cicatriz na testa, o que o inibe, socialmente» e julgou adequado fixar a compensação por tais danos em € 25.000,00.

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O recorrente defende, sem grande fundamentação e com base em critérios de equidade que a indemnização devida deva ser substancialmente inferior (€7200.00), para o dano biológico e €8000.00 para os danos não patrimoniais.

Como acima referimos a determinação de indemnizações por dano biológico, na sua vertente patrimonial, e particularmente por danos não patrimoniais, obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum. Esse «juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade».

Ora, como se demonstra no acórdão recorrido e facilmente se constata em qualquer base de dados jurisprudencial os montantes fixados tanto a título de dano biológico (vertente patrimonial) como a título de danos não patrimoniais, não se afasta dos valores que este STJ vem atribuindo em casos semelhantes. Ao invés está em sintonia com a jurisprudência maioritária deste Tribunal[6].

Assim sendo, é manifesta a falta de razão da recorrente para impugnar o acórdão recorrido, que não merece qualquer censura e consequentemente é de manter.


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Em síntese:

I - A determinação de indemnizações por dano biológico, na sua vertente patrimonial, e particularmente por danos não patrimoniais, obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum.

II - Esse «juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido.

III – Só assim não acontecerá, se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade».    


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Concluindo

Pelo exposto, acorda-se na improcedência da revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.


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Consigna-se, nos termos do disposto no art.º 15-A do DL nº 10-A/2020 e para os efeitos do nº 1 do art.º 153º do CPC, que os Srs. Juízes Adjuntos, têm voto de conformidade, mas não assinam, em virtude do julgamento ter decorrido em sessão (virtual) por teleconferência.

Lisboa, em 25 de Fevereiro de 2021.

José Manuel Bernardo Domingos (relator)

António Abrantes Geraldes

Manuel Tomé Gomes

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[1] Parcialmente transcrito do acórdão recorrido.
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil antigo e 635º nº 2 do NCPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, hoje 636º nº 1 e 2 do NCPC). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[4] Veja-se, a este propósito, a título exemplificativo, o acórdão do STJ, de 04/06/2015, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, no processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, em que se referem outros acórdãos anteriores do mesmo Tribunal e disponível in http://www.dgsi.pt/jstj .
[5] Relatado por Lopes do Rego, acessível in http://www.dgsi.pt/jstj...
[6] Cfr. Entre outros os seguintes acórdãos do STJ:
De 7.6.18, revista 418/13, Relatora Rosa Tching; de 12.11.2020, revista 4212/18, relator, Pinto de
Oliveira; de  16.6.2016, revista 1364/06, relator Tomé Gomes; de  5.3.2015,  revista 46/09, relator Pires da Rosa.