Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
211/12.6YRCBR.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO
PROCEDIMENTO CRIMINAL
NON BIS IN IDEM
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PENA DE MORTE
DOENÇA
CUMPRIMENTO DE PENA
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
Data do Acordão: 01/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EXTRADIÇÃO/M.D.E.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO COMUNITÁRIO - MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
DIREITO PENAL - APLICAÇÃO DA LEI PENAL - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 6.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 4.º, 5.º, 171.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 24.º, 25.º.
LEI N.º 65/2003, DE 23-08: - ARTIGOS 1.º, 11.º, AL. D), 12.º, N.º1, ALS. E), G), H), I), 13.º, AL. C).
Legislação Comunitária:
CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA, CAPÍTULO VI.
DECISÃO QUADRO 2002/584/JAI, DO CONSELHO, DE 13-06.
TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA: - ARTIGOS 6.º, 7.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19/1/2012, PROCESSO N.º 242/11.3YRCGR.S1;
-DE 3/5/2012, PROCESSO Nº 205/11.9YRCBR.S2.
Sumário : I -O funcionamento das causas de recusa facultativa de cumprimento do MDE vêm ao encontro da necessidade de convocar mecanismos preventivos que permitam decisão que evite futuros conflitos positivos de jurisdição ou uma invocação do princípio non bis in idem. Nesta perspectiva, as causas de recusa facultativa não podem (não devem) ser vistas isoladamente, mas, antes, consideradas e aplicadas tendo como critérios de decisão os feixes referenciais que constituem a teleologia da categoria no regime de execução do instrumento europeu de cooperação.

II - Por outro lado, cumpre dizer que não é invocável nulidade por omissão de pronúncia, de decisão que deferiu a execução de MDE, desde que a sentença tenha de facto analisado a causa facultativa de recusa invocada independentemente de se saber se a decisão de recusa foi ou não a mais correcta, ou de se apurar se foi bem fundamentada.

III - A ordem jurídica portuguesa garante o direito à vida e à integridade física como bens fundamentais constitucionalmente tutelados – arts. 24.º e 25.º da CRP –, o que impõe obrigatoriamente ao Estado Português uma liminar recusa de execução do mandado se a infracção nele indicada importar punição que a lei portuguesa não reconheça, por ser contrária à ordem pública nacional, conforme o art. 11.º, al. d), da Lei 65/2003, de 23-08.

IV - Ora, não tem qualquer aplicação ao caso, o alegado, desde logo porque a pena aplicável em França tem como limite máximo, no caso em apreço, 7 anos de prisão.

V - Por outro, não basta alegar que irá ter incómodos pessoais, familiares ou profissionais com a detenção e entrega a França, pois que esses incómodos são consequências normais decorrentes de uma situação como a dos autos, em que se toma necessário ponderar entre a apresentação de alguém perante a justiça penal do país requerente em face da indiciação de valores protegidos pela lei penal e os eventuais transtornos de ordem pessoal e familiar que lhe são inerentes.

VI -Aliás, sendo a França, um dos países mais evoluídos do mundo, também no campo da assistência médica e social, tal como é do conhecimento geral e, tendo o requerido vivido toda uma vida de desempenho profissional em França, também a eventual situação de diabético, não constitui razão ponderosa para integrar a previsão do art. 11.º, al. d), da Lei 65/2003, de 23-08.

VII - A norma do art. 11.º, al. d), da Lei 65/2003, de 23-08, é de ordem pública, e a punição prevista como causa de recusa, não se traduz em interpretação acomodatícia às circunstâncias do caso. Os limites punitivos da tipicidade estruturam e são adstritos à infracção, identificando a respectiva sanção, correspondente a essa ilicitude, constante do ordenamento jurídico do Estado emissor do mandado. Não são as características da pessoa em concreto, que definem a pena constante do tipo legal, pois ela integra o tipo legal consagrando a dimensão punitiva da i1icitude. Não se trata de fazer interpretação extensiva ou restritiva da norma, mas, de atender ao seu enunciado declarativo. Donde ser irrelevante a produção de prova sobre a condição ou situação pessoal do recorrente sobre tal matéria.

VIII - Outra questão seria a de saber se houve ou não averiguação da existência da causa de recusa facultativa de execução perante os pressupostos da al. g) do n.º 1 do art. 12.º da Lei 65/2003, de 23-08, ou seja, se perante a situação e as condições de vida da recorrente e as finalidades da execução da pena, se justificaria a recusa de execução do mandado, por haver vantagens no cumprimento da pena em Portugal segundo a legislação interna. Mas o que está em causa é a execução do mandado para efeitos de procedimento penal e não para cumprimento de pena.

IX -E, mesmo se, eventualmente, o procedimento penal redundar em condenação em pena de prisão, que o condenado tenha de cumprir, há sempre, independentemente de qualquer prova, uma salvaguarda legal, prevista na al. c) do art. 13.° da Lei 65/2003, de 23-08, consubstanciada em que a entrega do requerido fique sujeita à condição resolutiva ali prevista.

X - Somente quando os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do MDE é que se aplicam os prazos de prescrição do procedimento criminal (ou da pena), de acordo com a lei portuguesa.

XI - Uma das condições para que seja aplicável a lei portuguesa a factos praticados fora do território nacional, é a de que o agente dessa prática seja encontrado em Portugal e não possa ser entregue em resultado de execução de um MDE. O recorrente foi encontrado em Portugal e os crimes em causa circunscrevem-se no âmbito do art. 171.º do CP. Recusa facultativa poderia haver se a pessoa procurada não pudesse ser entregue em execução de MDE, o que não é o caso.

XII - A execução de um MDE não se confunde com o julgamento de mérito da questão de facto e de direito que lhe subjaz, julgamento esse a ter lugar, se for o caso, perante a jurisdição e sob a responsabilidade do Estado emissor no qual convirá proceder a instrução e julgamento conjunto, onde se pondere a actividade imputada em toda a sua amplitude, de forma a ter uma panorâmica geral da conduta desenvolvida pelo requerido, a permitir um julgamento que tenha em consideração o pleno de todas essas condutas, a imagem global do facto, evitando-se procedimentos penais múltiplos e sobrepostos com todos os inconvenientes que daí normalmente advêm.

XIII - Ao Estado de execução, apenas incumbe indagar da respectiva regularidade formal e dar-lhe execução, agindo nessa tarefa com base no princípio do reconhecimento mútuo (Lei 65/2003, de 23-08, e Decisão Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-06).

XIV - A entrega da pessoa procurada ao Estado de emissão, tem natureza temporária, é apenas para efeitos de procedimento penal, como aliás é objecto do presente mandado e, apenas ocorrerá se o Estado de emissão prestar a garantia de que após ser ouvida, será devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que seja eventualmente condenada no Estado membro de emissão.

XV - In casu, a pessoa procurada é cidadão nacional do Estado de execução, e aqui residente, e o presente mandado foi emitido não para cumprimento de pena, mas para efeitos de procedimento penal e essa garantia foi prestada. Por isso, corrobora-se o acórdão recorrido quando explicita que não são válidos os argumentos da oposição deduzidos pelo requerido à execução do MDE, sendo certo que sendo o requerido de nacionalidade portuguesa e residente em Portugal se procurou e obteve junto do Estado emissor a garantia prevista no art. 13.º, al. c), da Lei 65/2003, de 23-08.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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No processo nº 211/12.6YRCBR do Tribunal da Relação de Coimbra, foi requerido pelo Ministério Público, nos termos do disposto no art. 16º, nº1, da Lei nº 65/2003, de 23/08, a execução de Mandado de Detenção Europeu (MDE), emitido pela Autoridade Judiciária do Tribunal de Sens, França, referente a AA, de nacionalidade portuguesa, nascido em 02.05.1940, com última residência sita na R. L… de M…, n.º xx, S.. R…, Seia, tendo o referido Tribunal, por seu acórdão de 12 de Dezembro de 2013, proferido a seguinte:

“III- DECISÃO.

Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em deferir a execução do mandado de detenção europeu a que se reportam os presentes autos emitido pela autoridade judiciária competente do Tribunal de Sens, França, para efeitos de procedimento criminal, contra o cidadão português AA, passando-se oportunamente os devidos mandados de condução e entrega com a menção dos dias em que esteve detido à ordem destes autos.

A entrega à autoridade de emissão será efectuada tendo-se em atenção que o requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade e que se mostra prestada a garantia a que alude o artigo 13º al. c) da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto.

Sem custas (artigo 35º da Lei nº 65/2003).

Notifique e comunique à Polícia Judiciária, ao Gabinete Nacional Sirene, à PGR, bem como à autoridade judiciária de emissão através da Autoridade Central (PGR).

Notifique e deposite.”


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Inconformado com a decisão, dela recorreu o referido AA, apresentando a motivação com as seguintes CONCLUSÕES:

1º- Vem o presente recurso interposto, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, mediante o qual foi deferida a execução do Mandado de Detenção Europeu emitido, pela Autoridade Judiciária competente junto do Tribunal de Sens, França, para efeitos de procedimento criminal contra o ora recorrente AA.

2°- Todavia, e salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a argumentação invocada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ao considerar como não verificadas, as causas de recusa, invocadas na oposição, carece de fundamento, não tendo o referido Tribunal analisado devidamente, as três questões aí suscitadas, questões essas, cuja apreciação se submete a este Tribunal:

A)- Existência de causa de recusa obrigatória, ao abrigo do disposto no artigo 11° alínea d) da Lei 65/2003 de 23 de Agosto;

B)- Existência de causa de recusa facultativa prevista no artigo 12° n°1 alínea e) da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, respeitante às alegadas vítimas BB, CCe DD;

C)- Existência de causa de recusa facultativa prevista no artigo 12° n°1 alínea h) i) da Lei 65/2003 de 23 de Agosto respeitante às alegadas vítimas FF e GG;

3°- O Recorrente alegou como fundamento de recusa do MDE, a alínea d) do artigo 11° da Lei 65/2003, nos termos da qual, a execução do mandado de detenção será recusada quando a infração for punível com pena de morte ou com outra pena de que resulte lesão irreversível da integridade física, invocando para o efeito, a factualidade constante dos artigos 40° a 48° da sua oposição.

4°- O Tribunal recorrido antes mesmo de se pronunciar sobre esta questão, referiu não ter sido feita prova documental de todos os factos supra alegados;

5º- Todavia o Recorrente/Requerido, para além de um documento que juntou, indicou especificamente para prova dos factos alegados nos artigos 41° a 48° da sua oposição, prova testemunhal, ao qual foi considerada desnecessária, e como tal prescindida a sua audição.

6º- O tribunal não pode indeferir um meio de prova, considerando-o desnecessário, para depois vir dizer que não foi feita qualquer prova documental dos factos alegados.

7º- Sem prejuízo do ora referido, sempre se dirá que os factos n°s 40°, 41°, 42° se encontram documentados nos autos; para prova dos factos alegados em 45° procede-se à junção como documento n° 1, de declaração emitida pelo EE; para prova dos factos alegados nos artigos 46° e 47°, protesta juntar declaração médica subscrita pelo Clínico que acompanha o ora Recorrente/Requerido.

8º- A alínea d) do artigo 11° da Lei 65/2003 deverá ser objeto de uma interpretação extensiva, e não restritiva como resulta do entendimento do acórdão recorrido.

9º- A análise desta alínea não se pode ficar pura e simplesmente pela consideração da pena, seja principal, seja acessória, em termos abstratos, mas ir mais longe e relacioná-la com a pessoa, potencial objeto da sua aplicação. Com efeito é a própria lei que nos fala em pena de que resulte lesão irreversível da integridade física, e isso só se pode aferir relacionando a pena com as características da pessoa em concreto.

10º- Atenta a avançada idade do Recorrente/Requerido, a sua condição física e os seus problemas de saúde; também o facto de poder ficar longe do seu médico que o acompanha, que é conhecedor do seu historial clínico e lhe providência toda a assistência de que necessita;

11º- Dúvidas não temos, de que, o eventual cumprimento de uma pena de prisão em França, terá graves consequências no agravamento do seu estado de saúde.

12º- Os pressupostos, de que depende a verificação das causas de recusa facultativas previstas nas alíneas e) e h) ponto i) do n° 1 do artigo 12º encontram-se preenchidos, devendo em consequência ser recusado o cumprimento do presente mandado de detenção.

13º- Contrariamente, ao defendido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, os factos, que fundamentaram a emissão do MDE, comportam diversas situações de facto e de direito, distintas entre si, e como tal, não podem ser vistos e analisados como um todo unitário, a considerar globalmente e de forma homogénea, sob pena de prejudicar os direitos fundamentais, mais concretamente, os direitos de defesa do Recorrente/Requerido que é para todos os efeitos um cidadão português.

14º- Impõe-se assim - por se tratar, quanto a nós, de um método mais equitativo e consentâneo com o direito constitucional de defesa do Recorrente/Requerido - uma análise compartimentada de cada uma das situações, das alegadas vítimas, analisando se relativamente a cada uma delas, se verifica ou não causa de recusa facultativa de execução do MDE. Ainda que não seja Portugal, nesta sede, a apreciar os concretos factos imputados, para efeitos de um julgamento e condenação (não esquecendo que nesta situação, o apuramento da responsabilidade é sempre feito caso a caso), é Portugal de acordo com a sua lei nacional, que tem o ónus de efetuar uma análise ponderada dessa verificação.

15º- Os factos respeitantes às alegadas vítimas BB, CC e DD, ESTÃO PRESCRITOS, pelo que se mantém, para além do mais toda a argumentação defendida em sede de oposição, constante do artigo 8o ao artigo 26° a qual se dá aqui por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais, a fim de ser objeto de apreciação por parte deste Tribunal.

16º- Contrariamente ao defendido pelo Tribunal recorrido, tal prescrição deve ser aferida de acordo com a lei do Estado de execução e não de acordo com a lei do Estado de emissão.

17º- O artigo 12° n° 1 alínea e) é bastante claro e não dá lugar a qualquer dúvida de que, a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando tiverem decorrido os prazos de prescrição do procedimento criminal, ou da pena, de acordo com a lei portuguesa.

18º- Em nenhuma parte do referido preceito ou do respetivo diploma é dito que tal prescrição é analisada por referência á lei do Estado de emissão.

19º- É a lei portuguesa que nos diz se os factos estão prescritos ou não, sendo completamente irrelevante a menção por parte das Autoridades Francesas que os factos ocorridos entre 1993 e 2006, ainda não estão prescritos, sendo certo que relativamente aos alegados factos praticados em 1985, nem as ditas Autoridades nem o Tribunal recorrido se pronunciaram.

20º- Demais, em nenhuma parte do referido preceito ou do respetivo diploma é referida ou sequer exigida necessidade ou obrigatoriedade de existência prévia de procedimento criminal, instaurado em Portugal.

21º- E sendo Portugal competente nos termos do disposto na alínea c) do artigo 5º do Código Penal, para o conhecimento dos factos, serão estes investigados e julgados apenas em Portugal e nunca em França, não ocorrendo por isso qualquer violação do princípio "ne bis in idem".

22º- Efetivamente, estamos no âmbito dos crimes previstos no artigo 171°, o Recorrente/Recorrido foi encontrado em Portugal; e o mesmo não poderá ser entregue a França, em cumprimento do mandado de detenção europeu, porquanto os factos que o fundamentam estão prescritos face á lei penal portuguesa.

23º- Não é admissível a alegação de inconvenientes processuais e de produção de prova, para afastar a aplicação de uma causa de recusa existente.

24º- Tal alegação, para além de desprovida de qualquer assento legal, será mesmo inconstitucional!

25º- No que diz respeito às alegadas vitimas FF e GG, o Tribunal recorrido refugia-se em argumentos de índole formal, deixando de apreciar a questão verdadeiramente essencial.

26º- A verificação desta causa de recusa, tal como já foi defendido, não está dependente de procedimento criminal existente ou a instaurar, pelos mesmos factos em Portugal.

27º- Não ocorre qualquer violação do princípio ne bis in idem, porquanto é Portugal que é competente para apreciar estes factos, que ocorreram só em Portugal, no caso de FF, e em parte em Portugal, no caso de GG.

28º- Mantém-se toda a argumentação defendida em sede de oposição, constante do artigo 27° ao artigo 39°, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais, a fim de ser objeto de apreciação por parte deste Tribunal.

29°- Foram violadas as seguintes disposições legais: artigos 11° alínea d),12° n° 1 alínea e) e h) ponto i), 34° da Lei 65/2003 de 23 de Agosto; e artigos 118°, 5º n° 1 alínea c), 4°, 7° n° 1 e 30° n° 2 do Código Penal; 19° e 22° do Código de Processo Penal e 33° n° 5 da Constituição da República Portuguesa;

Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!


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Respondeu o Ministério Público à motivação do recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. O cumprimento do MDE funda-se no princípio do reconhecimento e respeito mútuo e da confiança entre os Estados membros, previsto no art. 1º, n° 2, da Lei n° 65/2003, de 23/08, e na Decisão Quadro n° 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Julho.

2. Não se verifica no caso presente qualquer causa de recusa obrigatória prevista no art. 11o, designadamente a fixada na al. d), ou ocorre sequer qualquer causa atendível de recusa facultativa, nomeadamente as previstas no art. 12°, n° 1, als. e) e h), ambos da referida Lei n.° 65/2003, de 23/08.

3. Pelo que, não ocorre qualquer vício, quer de natureza substantiva, quer de natureza formal ou adjectiva, nos necessários pressupostos e fundamentos que conduziram à decisão em recurso.

4. Entendemos pois que nenhuma censura pode merecer o Acórdão proferido em 2012.12.12 pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que, deferindo a execução do mandado de detenção europeu, emitido pela autoridade judiciária competente do Tribunal de Sens, França, determinou a entrega do recorrente AA, razão pela qual o mesmo deverá ser confirmado, improcedendo assim o recurso.

V.ªs Ex.ªs. porém, como sempre, não deixarão de fazer a costumada JUSTIÇA


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Cumprida a legalidade dos vistos, seguiu o processo para julgamento.

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Consta do acórdão recorrido:

“II. FUNDAMENTAÇÃO.

Com relevo para a decisão acerca do cumprimento do MDE em causa, importa considerar a seguinte materialidade fáctica:

a) Pela Autoridade Judiciária competente do Tribunal de Sens, França, no âmbito do Processo de Inquérito nº 1/11/15, acusação n.º 1000005739, foi em 04/05/2012, emitido um Mandado de Detenção Europeu e inserido no Sistema de Informação Schengen (SIS) com a indicação, nos termos do disposto no art.° 95.° da Convenção do Acordo Schengen de 14.06.1985, da necessidade de detenção do cidadão português AA (o requerido).

b) Mandado e inserção esses emitidos para efeitos de procedimento criminal, pela circunstância de o requerido estar indiciado de, entre o ano de 1985 e o ano de 2006, na sua residência em França, em Pont sur Yone e na sua residência em Portugal ter praticado agressões sexuais, como autor, sendo vítimas as suas três netas: GG, DD, FF; a sua afilhada da BB e da amiga de infância desta, CC, menores de 15 anos de idade. Agrava a sua responsabilidade o facto de ser familiar das vítimas na linha ascendente.

c) Pormenorizando os termos e as circunstâncias da acusação referida em a) dela decorre imputado ao requerido:

“- De no departamento de Yonne, em território nacional francês, entre 1 de junho de 1985 e 30 de setembro de 1985 ter cometido abusos sexuais sob coação e de forma inesperada contra:

-- CC, nomeadamente em Vinneuf, sendo que os factos foram cometidos contra uma menor com menos de 15 anos, tendo esta nascido em 07/07/1972, em França

Factos esses previstos e punidos pelos artigos 222.°-22, 222.°-29, 222.°-31, 222.°-.44, 222.°- 45, 222.°-47, 222.°-48, 222.°-48-1 do Código penal

De no departamento de Yonne, em território nacional francês e em Portugal, entre 1 de junho de 1985 e 30 de setembro de 1986 ter cometido abusos sexuais sob coação e de forma inesperada contra:

-- BB, nomeadamente entre 1 de junho de 1985 e 30 de setembro de 1985, em Pont sur Yonne, entre 1 de junho de 1986 e 30 de setembro de 1986, em Portugal, factos agravados pelas circunstâncias de terem sido cometidos por uma pessoa com autoridade de facto sobre a vítima, visto tratar-se do seu padrinho e contra uma pessoa com menos de 15 anos, tendo esta nascido em 30/12/1971, em França

Factos previstos e punidos pelos artigos 222.°-22, 222.°-29, 222.°-31, 222.°-44, 222.°-45, 222.°-47, 222.°-48, 222.°-48-1, 113º -7 do Código penal

De entre 1 de dezembro de 1993 e 31 de dezembro de 2006, em todo o caso não sujeito a prescrição, no departamento de Yonne, em território nacional francês e em Portugal, ter cometido abusos sexuais sob coação e de forma inesperada contra:

- - DD, nomeadamente entre 1 de dezembro de 1993 e 31 de dezembro de 1993, em Pont sur Yonne, factos agravados pelas circunstâncias de terem sido cometidos por um ascendente, dado que o autor é avô da vítima e ainda contra uma menor com menos de 15 anos, sendo que esta nasceu em 29/12/1987, em França

-  GG, nomeadamente entre 1 de janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2003, em Pont sur Yonne, entre 1 de janeiro de 2005 e 31 de dezembro de 2006, em Portugal, factos agravados pelas circunstâncias de terem sido cometidos por um ascendente, dado que o autor é avô da vitima e ainda contra uma menor de menos de 15 anos, sendo que esta nasceu em 14/02/1996, em França

-- FF, nomeadamente entre 1 de junho de 1997 e 30 de setembro de 1997, em Portugal, factos agravados pelas circunstâncias de terem sido cometidos por um ascendente, dado que o autor é avô da vítima e contra uma menor com menos de 15 anos, sendo que esta nasceu em 10/11/1990, em França

Factos esses previstos e punidos pelos artigos 222.°-22, 222.°-29, 222.°-31, 222.°-44, 222°- 45, 222.°-47 222.°-48, 222.°-48-1 do Código penal”

d) Segundo a Lei Francesa os factos que integram os crimes atrás referidos são puníveis com pena de prisão até 7 anos;

e) O requerido não foi ainda ouvido naqueles autos porque, apesar de ter sido convocado pelas autoridades francesas, ausentou-se para Portugal.

f) Os factos que justificam a emissão do Mandado de Detenção Europeu e a inserção SIS, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua aplicação, constituem também infracções puníveis em Portugal, pelos arts 171.º n.º 1, agravado pelo art.° 177.º n.º 1, todos do Código Penal Português, com uma pena de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão;

g) o requerido tem nacionalidade Portuguesa, conta actualmente com 72 anos de idade e é residente em Portugal desde 2005;

h) quando ouvido no âmbito destes autos, o requerido declarou não consentir na sua entrega às Autoridades Francesas no âmbito do presente MDE, tendo ainda expressamente declarado não renunciar ao princípio da especialidade;

i) mais declarou ainda nos autos que - na eventualidade de ser satisfeito o cumprimento do presente MDE e na eventualidade de vir a ser condenado em alguma pena – pretende que essa eventual pena venha a ser cumprida em Portugal;

j) pela autoridade judiciária de emissão do MDE foi prestada a garantia a que alude o artigo 13º c) da Lei nº 65/2003.


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Cumpre apreciar e decidir:

Foi em cumprimento da Decisão Quadro nº 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho, que a Lei nº 65/2003 de 23 de Agosto, publicada no Diário da República I Série. A, nº 194 de 23 de Agosto de 2003, veio aprovar o regime jurídico do mandado de detenção europeu, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004.

Essa Decisão-Quadro de 13 de Junho de 2002 relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros (2002/584/JAI), teve em vista a execução do princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais, referido no ponto 37 das conclusões do Conselho Europeu de Tampere e aprovado pelo Conselho em 30 de Novembro de 2000, constituindo o mandado de detenção europeu (MDE) a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de «pedra angular» da cooperação judiciária (ponto 6).

O mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros. A execução desse mecanismo só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado-Membro, dos princípios enunciados no n. 1 do artigo 6. do Tratado da União Europeia, verificada pelo Conselho nos termos do n. 1 do artigo 7. do mesmo Tratado e com as consequências previstas no n. 2 do mesmo artigo (ponto 10).

  Considerou-se que o objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. Acresce que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleceram entre Estados-Membros devem dar lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça (ponto 5).

O mandado de detenção europeu deverá substituir, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição, incluindo as disposições nesta matéria do título III da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen (ponto 11).

Em conformidade com o princípio da proporcionalidade a referida Decisão-Quadro conteve-se no necessário para atingir aquele objectivo (ponto 7), sendo que as decisões sobre a execução do mandado de detenção europeu devem ser objecto de um controlo adequado, o que implica que deva ser a autoridade judiciária do Estado-Membro onde a pessoa procurada foi detida a tomar a decisão sobre a sua entrega (ponto 8).

A Decisão-Quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.º do Tratado da União Europeia e consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,, nomeadamente o seu capítulo VI. Nenhuma disposição da Decisão-Quadro poderá ser interpretada como proibição de recusar a entrega de uma pessoa relativamente à qual foi emitido um mandado de detenção europeu quando existam elementos objectivos que comportem a convicção de que o mandado de detenção europeu é emitido para mover procedimento contra ou punir uma pessoa em virtude do sexo, da sua raça, da sua religião, da sua ascendência étnica, da sua nacionalidade, da sua língua, da sua opinião política ou da sua orientação sexual, ou de que a posição dessa pessoa possa ser lesada por alguns desses motivos.

A mesma Decisão-Quadro não impede que cada Estado-Membro aplique as suas normas constitucionais respeitantes ao direito a um processo equitativo, à liberdade de associação, à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão noutros meios de comunicação social (ponto 12).

Ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes (ponto 13).

Nesta ordem de ideias, veio o artº 1º da Lei 65/2003, dispor que:

1. O mandato de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa de liberdade.

2 - O mandado de detenção europeu é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto nas supra referidas Lei e Decisão quadro.

O recorrente alega que o Tribunal da Relação de Coimbra, ao considerar como não verificadas, as causas de recusa, invocadas na oposição, carece de fundamento, não tendo o referido Tribunal analisado devidamente, as três questões aí suscitadas, questões essas, cuja apreciação submete a este Tribunal, a saber:

A)- Existência de causa de recusa obrigatória, ao abrigo do disposto no artigo 11° alínea d) da Lei 65/2003 de 23 de Agosto;

B)- Existência de causa de recusa facultativa prevista no artigo 12° n°1 alínea e) da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, respeitante às alegadas vítimas BB, CCe DD;

C)- Existência de causa de recusa facultativa prevista no artigo 12° n°1 alínea h) i) da Lei 65/2003 de 23 de Agosto respeitante às alegadas vítimas FF e GG

            O recorrente alega ainda um outra no sentido de que os factos que fundamentaram a emissão do MDE, comportam diversas situações de facto e de direito, distintas entre si, e como tal, não podem ser vistos e analisados como um todo unitário, a considerar globalmente e de forma homogénea, sob pena de prejudicar os direitos fundamentais, mais concretamente, os direitos de defesa

            Analisando:

A - Como fundamento de recusa do MDE, na alínea d) do artigo 11° da Lei 65/2003 – os artigos abaixo citados reportam-se, na falta de outra indicação, a esta Lei - o recorrente invocou a factualidade constante dos artigos 40° a 48° da sua oposição, e que o Tribunal recorrido antes mesmo de se pronunciar sobre esta questão, referiu não ter sido feita prova documental de todos os factos supra alegados, se bem que o recorrente para além de um documento que juntou, indicou especificamente para prova dos factos alegados nos artigos 41° a 48° da sua oposição, prova testemunhal, ao qual foi considerada desnecessária, e como tal prescindida a sua audição, considerando o recorrente que “O tribunal não pode indeferir um meio de prova, considerando-o desnecessário, para depois vir dizer que não foi feita qualquer prova documental dos factos alegados.”.

Vejamos:

O artº 11º, refere que: - A execução do mandado de detenção europeu será recusada quando:

(…)

d)         A infracção for punível com pena de morte ou com outra pena de que resulte lesão irreversível da integridade física


As causas de recusa facultativa são os motivos de não execução facultativa do mandado de detenção europeu, como constitui epíteto do artº 4º da aludida Decisão-Quadro,
Trata-se de alcançar o equilíbrio entre as exigências da ordem publica do estado membro de execução, no caso as exigências da ordem pública portuguesa, e a manifestação do ordenamento jurídico do Estado membro de emissão, submetidos à mesma balança de fiel comum, a cooperação internacional em matéria penal.

 Tal equilíbrio exige à autoridade judiciária de execução ponderação de interesses em que o critério decisivo, é fundamentado nas circunstâncias jurídico-penais em que se encontra a pessoa procurada nos termos previstos no artº 12.

O funcionamento das causas de recusa facultativa de cumprimento do MDE vêm ao encontro da necessidade de convocar mecanismos preventivos que permitam decisão que evite futuros conflitos positivos de jurisdição ou uma invocação do princípio non bis in idem.

Nesta perspectiva, as causas de recusa facultativa não podem (não devem) ser vistas isoladamente, mas, antes, consideradas e aplicadas tendo como critérios de decisão os feixes referenciais que constituem a teleologia da categoria no regime de execução do instrumento europeu de cooperação.
Por outro lado, cumpre dizer que não é invocável nulidade por omissão de pronúncia, de decisão que deferiu a execução de M D E, desde que a sentença tenha de facto analisado a causa facultativa de recusa invocada independentemente de se saber se a decisão de recusa foi ou não a mais correcta, ou de se apurar se foi bem fundamentada.

Refere a decisão recorrida:

               

“Não se descortinando (nem sendo invocada) qualquer causa de recusa obrigatória a que aludem as alíneas a) a c) e e), invoca o requerido que se verifica a causa de recusa obrigatória a que alude a alínea d) do artigo 11º, com fundamento de que:

- Conta actualmente 72 anos de idade;

- Reside em Portugal desde 2005 com a sua esposa com quem está casado há 48 anos, conforme documento da Junta de Freguesia que se junta como doc. n° 1;

- Estando ambos reformados desde essa altura;

- Tem a sua casa, os seus bens e todos os seus pertences aqui em Portugal, mais concretamente em S. R…;

- Tem a sua vida pessoal, familiar e profissional centrada em Portugal e em locais, bem conhecidos das autoridades;

- Tem uma condição física débil, porquanto é diabético, estando sujeito a vigilância médica e a medicação permanente, o que jamais conseguiria que acontecesse em França.

-É de facto em Portugal que tem o seu médico que o acompanha há vários anos e lhe prescreve a medicação e os tratamentos a que tem de se submeter.

- Não pode ser arrancado ao seu país, á sua casa, e ir para França onde actualmente não tem ninguém nem qualquer suporte.

Todavia, salvo o devido respeito por opinião contrária, para além de não ter feito prova documental de todos esses alegados factos, importa dizer que mesmo assim tais fundamentos não se enquadram no âmbito da alínea d) do nº 1 do artigo 11º que estabelece que “A execução do mandado de detenção europeu será recusada quando:

(…);

d) A infracção for punível com pena de morte ou com outra pena de que resulte lesão irreversível da integridade física”.

Ora, os crimes em causa não são puníveis com pena de morte nem com pena da qual resulte lesão irreversível da integridade física. A punição dos crimes em causa circunscreve-se a uma pena de carácter puramente detentivo, sem quaisquer outras penas acessórias das quais possa resultar lesão irreversível da integridade física decorrente da especificidade da própria pena. Outra coisa, serão as eventuais condições de saúde do requerido para cumprir uma eventual pena (caso venha a ser alvo de condenação em meio prisional), mas não a isso que se reporta tal normativo legal.

Por tal razão, consideramos não se verificar a invocada causa de recusa a que alude o artigo 11º nº 1 d) da Lei nº 65/2003.”

A ordem jurídica portuguesa garante o direito à vida e à integridade física como bens fundamentais constitucionalmente tutelados – artºs 24º e 25º da Constituição da República Portuguesa, o que impõe obrigatoriamente ao Estado Português uma liminar recusa de execução do mandado se a infracção nele indicada importar punição que a lei portuguesa não reconheça, por ser contrária à ordem pública nacional, conforme o citado artº 11º al. d).

    

Ora, como bem salientou o Exmo. Magistrado do Ministério Público na resposta à oposição,” não tem qualquer aplicação ao caso, o alegado, desde logo porque a pena aplicável em França tem como limite máximo, no caso em apreço, 7 anos de prisão.

Por outro, não basta alegar que irá ter incómodos pessoais, familiares ou profissionais com a detenção e entrega a França, pois que esses incómodos são consequências normais decorrentes de urna situação como a dos autos, em que se toma necessário ponderar entre a apresentação de alguém perante a justiça penal do País requerente em face da indiciação de valores protegidos pela lei penal e os eventuais transtornos de ordem pessoal e familiar que lhe são inerentes.

Neste sentido se pronunciou recentemente o Supremo Tribunal de Justiça, a propósito de norma legal semelhante relativa a processo de extradição (art.º 18°, n.o 2 da lei 14499de 31-8), nos seus acórdãos 19-1-2012, no proc. n.o 242/11.3YRCGR.S1 e de 3-5-29012, no proc. nº 205/11.9YRCBR.S2”,  oriundos ambos do mesmo Tribunal da Relação de Coimbra.

Na verdade, a propósito da norma do art. 18°, n° 2, da Lei n° 144/99, de 31/08 -extradição - o STJ, no Ac. de 2012.01.19, proc. nº 242/11.3YRCGR.S1, entendeu que "Não estão em causa consequências ao nível da saúde ou da idade do extraditando e não se poderão considerar consequências graves devido a outros motivos de carácter pessoal aquelas consequências que são a regra para quem tem família e emprego e vai ter que cumprir uma pena de prisão".

Aliás, sendo a França, ”um dos Países mais evoluídos do mundo, também no campo da assistência médica e social, tal como é do conhecimento geral e, tendo o requerido vivido toda uma vida de desempenho profissional em França”, como refere o Exmo. Magistrado do MºPº, também a eventual situação de diabético, não constitui razão ponderosa para integrar a previsão do art.º 11°, al. d) da lei 65/2005.

            A norma do artº 11º al. d) da Lei nº 65/2005, é de ordem pública, e a punição prevista como causa de recusa, não se traduz em interpretação acomodatícia às circunstâncias do caso.

Os limites punitivos da tipicidade estruturam e são adstritos à infracção, identificando a respectiva sanção, correspondente a essa ilicitude, constante do ordenamento jurídico do Estado emissor do mandado,

Não são as características da pessoa em concreto, que definem a pena constante do tipo legal, pois ela integra o tipo legal consagrando a dimensão punitiva da ilicitude.

Não se trata de fazer interpretação extensiva ou restritiva da norma, mas, de atender ao seu enunciado declarativo.

Donde ser irrelevante a produção de prova sobre a condição ou situação pessoal do recorrente sobre tal matéria

Outra questão seria a de saber se houve ou não averiguação da existência da causa de recusa facultativa de execução perante os pressupostos da al. g) do n.º 1 do art. 12.º da Lei 65/2003, ou seja, se perante a situação e as condições de vida da recorrente e as finalidades da execução da pena, se justificaria a recusa de execução do mandado, por haver vantagens no cumprimento da pena em Portugal segundo a legislação interna.

Mas o que está em causa é a execução do mandado para efeitos de procedimento penal e não para cumprimento de pena,

E, mesmo se, eventualmente, o procedimento penal redundar em condenação em pena de prisão, que o condenado tenha de cumprir, há sempre, independentemente de qualquer prova, uma salvaguarda legal, prevista na aI. c) do art° 13° da lei 65/2003, consubstanciada em que a entrega do requerido fique sujeita à condição resolutiva ali prevista.


-

B - Sobre a invocada existência de causa de recusa facultativa prevista no artigo 12° n°1 alínea e) da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, respeitante às alegadas vítimas BB, CC e DD

O artº 12º refere:
1 - A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando:
[…]
e) Tiverem decorrido os prazos de prescrição do procedimento criminal ou da pena, de acordo com a lei portuguesa, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu;
 
Assim, somente quando os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu; é que se aplicam os prazos de prescrição do procedimento criminal (ou da pena), de acordo com a lei portuguesa.

Daqui resulta imediatamente outra questão: mesmo quando os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu, encontrando-se no Estado de emissão a decorrer o processo crime pelos mesmo factos, que justificou a emissão do MDE e não constando a existência de processo crime no Estado de execução, sobre os mesmos factos, à data da emissão do MDE, não poderia agora instaurar-se procedimento criminal em território português, sobre os mesmos factos, sob pena de se violar a proibição ne bis in idem, e que constitui causa de recusa obrigatória do MDE, nos termos do artº 11º nº 1 al. b). e prevista no artº 29º nº 5 da Constituição da República Portuguesa

 A execução do mandado de detenção europeu apenas pode ser facultativamente recusada quando: - “Estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu;”

Aplica-se, pois, in casu, à prescrição do procedimento criminal, o ordenamento jurídico-penal francês.

Ora, como bem salienta o Exmo. Magistrado do Ministério Público na resposta â motivação do recurso, “não se verifica qualquer prescrição do procedimento criminal em causa quanto aos factos referidos pela razão de que a fls. 47 e 112 as Autoridades Francesas informam que pela prática de factos ocorridos entre 1993 a 2006, não se encontram prescritos, face à lei penal francesa".

C - Relativamente à existência de causa de recusa facultativa prevista no artigo 12° n°1 alínea h) i) da Lei 65/2003 de 23 de Agosto respeitante às alegadas vítimas FF e GG;

            O artº 12º nº 1 permite a recusa facultativa do mandado de detenção europeu, como dispõe nas suas alíneas, nomeadamente:

h) O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que:

i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses;

Dispõe o artigo 5º nº 1 c) do Código Penal:

“1 - Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional:

(…)

b) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 159º a 161, 171º 172º, 175º, 176º e 278º a 280, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de mandado de detenção europeu ou outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português;”

A aplicação extraterritorial da lei penal justifica-se quando estão em causa bens ou interesses que não admitem a impunidade da respectiva ofensa, entrando-se no campo do princípio da universalidade ou da aplicação universal, que tem na cooperação internacional a sua mais lídima expressão, e daí a ressalva dos tratados e convenções, procurando-se com a mesma garantir a tutela de interesses ou bens que importam a toda a Humanidade e partilhando outros interesses com alguns ou todos os demais Estados, em termos de se justificar, a propósito, a punição dos crimes correlativos, sejam quais forem os seus agentes.

 Uma das condições para que seja aplicável a lei portuguesa a factos praticados fora do território nacional, é a de que o agente dessa prática seja encontrado em Portugal e não possa ser entregue em resultado de execução de um mandado de detenção europeu.

O recorrente foi encontrado em Portugal e os crimes em causa circunscrevem-se no âmbito do artigo 171º do Código Penal.

Recusa facultativa poderia haver se a pessoa procurada não pudesse ser entregue em execução de MDE.

Ora pelas razões já supra expostas, no âmbito do presente MDE, não está verificada a cumulativa condição a que alude a parte final da alínea c) do nº 1 do artigo 5º do Código Penal,

Acresce que segundo o MDE os factos delituosos, ocorreram em França e por indicação das autoridades francesas foram praticados pelo requerido, ora recorrente, português, que foi detido em Portugal, sendo que, referente a ele está pendente um processo-crime apenas em França que pede a sua entrega no âmbito do presente MDE, instrumento de cooperação internacional que vincula ambos os Estados em presença.

Como bem salienta a decisão recorrida “tal como refere o Ministério Público na resposta à oposição,

E tendo naquele país ocorrido os factos, é também aí que se encontram todos os elementos de prova relacionados com os factos, a tomar naturalmente mais eficaz a acção da justiça com vista ao esclarecimento dos mesmos, em contraponto com eventual instauração de procedimento criminal em Portugal pela prática dos mesmo factos.

Digamos, tal como refere o Ministério Público “que a competência em Portugal no caso só seria residual em relação a eventual não acção da Justiça Francesa, com todos os inconvenientes processuais ao nível probatório acima referidos”.

Por esta mesma razão, e dado que apenas estamos no domínio da recusa facultativa, também não se verificam razões ponderosas para os tribunais portugueses negarem, como motivo definitivo o solicitado cumprimento do MDE em relação aos factos.(…)”

Como pretensão para a recusa facultativa do cumprimento MDE e alegando que em relação à vítima FF os factos terão sido praticados todos em território nacional e em relação à vítima GG os factos terão ocorrido entre o dia 1/01/2000 e 31/12/2003 em Pont sur Yonne, França e entre 1/01/2005 e 31/12/2006 em Portugal, invoca o requerido o artigo 12º nº 1 alínea h), ponto i, da Lei 65/2003.

Dispõe tal art. 12º nº 1 alínea, ponto i) que: “A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando:

(…)

h) O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que:

i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses; ou

De acordo com o alegado, estaríamos perante uma causa de recusa facultativa a ponderar.

Todavia, apesar de todos os alegados actos praticados sobre a vítima FF terem alegadamente ocorrido em Portugal, importa ter bem presente que o MDE em apreciação não tem apenas como vítima a referida FF, sendo que como atrás referimos o MDE tem que ser apreciado como um todo, e não de forma espartilhada.

Para além disso concordamos com o que é dito pelo Ministério Público na resposta a esta questão e que aqui passaremos a reproduzir:

“De tal norma [do artigo 12º nº 1 al. h) e i) da Lei nº 65/2003] apenas se pode conceber uma recusa nos apontados termos, se existir ou for instaurado um processo-crime em Portugal pelos mesmos factos, o que não se afigura possível neste momento, por causa do conhecimento da existência do processo-crime pendente em França e aí instaurado, sem que em Portugal houvesse qualquer conhecimento dos factos. De outro modo estar-se-ia a permitir violar o princípio geral de direito penal, com assento constitucional, ne bis in idem, segundo o qual ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime (art.° 29°, n.° 5 da CRP).

Não existindo, nem podendo ser determinada a instauração de processo crime em Portugal pela prática dos apontados crimes, resta às autoridades judiciais Portuguesas apreciar o pedido formulado pelas autoridades Francesas no âmbito da citada cooperação penal internacional e que se traduz na aplicação da lei 65/2003.

Volvendo à apontada causa de recusa facultativa, somos de parecer que não pode assim a mesma ser usada nos termos pretendidos pelo recorrente, nem numa apreciação em que tal fosse possível, nos parece ser de deferir por se afigurar inconveniente para uma boa apreciação de toda prova existente, bem assim de uma apreciação global e conjunta de todos os factos, que segundo se depreende se situa em França e não em Portugal, desde logo pela residência das vítimas.

O Supremo Tribunal de Justiça, apreciando o âmbito de aplicação da al. h), ponto i) do art.° 12° da lei 65/2003, em acórdão de 15-3-2006, no proc. n.° 06P782, em situação em que tinha até sido instaurado em Portugal um inquérito crime sobre alguns dos factos relacionados com os que estavam em apreciação no MDE em causa, decidiu no sentido da inaplicabilidade da referida causa de recusa facultativa, nos seguintes termos:

«…Mas, à míngua de outros desenvolvimentos do inquérito, não se pode afirmar que está em curso procedimento criminal contra o ora recorrente por todos os factos referidos na queixa, designadamente porque é duvidoso que os tribunais portugueses sejam competentes para conhecer de todos eles.

É que, parecendo líquido que a os tribunais portugueses são competentes para conhecer de um eventual crime de tráfico de pessoas, previsto e punido no artigo 169.° do Código Penal, já é duvidoso que o sejam para a factualidade relativa ao cerceamento da liberdade da ofendidas (sequestro) e para o lenocínio ocorridos em Espanha, que o mandado de detenção caracteriza, face à lei espanhola, como crimes de detenção ilegal e de favorecimento da prostituição.

Em suma: não se pode ter como assente que o mandado de detenção tenha por objecto infracção que segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional.

Mas mesmo que se entenda que tal se verifica nalguma medida, a circunstância da maior parte dos factos ter ocorrido em Espanha, envolvendo um outro arguido, e de o processo em curso nos tribunais portugueses se encontrar numa fase incipiente, conhecendo-se neste momento apenas o teor da queixa apresentada por uma das ofendidas, enquanto o processo em Espanha se encontra em fase adiantada, já com acusação deduzida, é de considerar que inexistem razões ponderosas para que o Estado português recuse a execução do mandado de detenção emitido pela autoridade judiciária espanhola.

Daí que não se possa lançar do disposto no artigo 12.°, n.° 1, alíneas b) e h)-i), da Lei n.° 65/2003, para a recusa facultativa de execução do mandado.” (sublinhado nosso)

Ou seja, e depois de reproduzido quer este excerto do mencionado Ac do STJ quer a posição evidenciada pelo Ministério Público em relação a esta questão, correndo procedimento criminal no Estado de emissão do MDE por factos alegadamente praticados sobre diversas vítimas, tendo uns ocorrido em França (país do Estado de emissão do MDE) e outros no nosso país mas que são mencionados no MDE, e nem sequer estando a decorrer qualquer processo em Portugal por factos alegadamente ocorridos no nosso país, inexistem razões ponderosas para recusar a execução do mandado de detenção emitido o cumprimento do MDE ao abrigo do artigo 12º nº 1 h) –i) da Lei nº 65/2003.”“


Apenas no caso de o arguido condenado ser cidadão português, se encontrar em território nacional, onde reside, e o M D E ter sido emitido para cumprimento de pena, o mesmo poderá ser indeferido, de acordo com a al. g) do nº 1 do art. 12º da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, se o Estado Português se comprometer a executar aquela pena em território nacional de acordo com a lei portuguesa.
Quer dizer, a protecção do cidadão português, ou de pessoa residente ou que se encontre em Portugal seria caucionada pela al. g): - a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal - mas desde que o mandado de emissão tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa.

 Somente nestas situações em que a pessoa procurada se encontre em território nacional, tenha nacionalidade portuguesa ou resida em Portugal, o Estado Português pode recusar sem mais formalidades que as previstas na lei (compromisso de executar em território nacional e de acordo com a lei portuguesa a pena ou medida de segurança a que a pessoa procurada tenha sido condenada) a entrega desta ao Estado emitente

Fora destes casos, a competência do tribunal português é subsidiária e instrumental no caso de se vir a operar a transferência de processo, através do mecanismo previsto desde 1999, na lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal – Lei 144/99 – mais concretamente do previsto no Capítulo II (Delegação num Estado estrangeiro da instauração ou continuação de procedimento penal) do Título III (Transmissão de processos penais).

            Situação esta não verificável na situação em análise.

            D - O recorrente entende que os factos que fundamentaram a emissão do MDE, comportam diversas situações de facto e de direito, distintas entre si, e como tal, não podem ser vistos e analisados como um todo unitário, a considerar globalmente e de forma homogénea, sob pena de prejudicar os direitos fundamentais, mais concretamente, os direitos de defesa do Recorrente/Requerido que é para todos os efeitos um cidadão português.

            Porém, como referiu o Ministério Público junto do Tribunal da Relação: - “No entanto, é consabido que o mandado de detenção europeu se funda no princípio do reconhecimento e respeito mútuo e da confiança entre os Estados membros (art. 1º n° 2, da Lei n° 65/2003).

E, por outro lado, quanto às questões constitucionais sobre a nacionalidade e as garantias do requerido, cabe dizer, para além de o art. 33° n°s 3 e 6 da CRP permitir a entrega de cidadãos nacionais, que também os Estados envolventes são membros da União Europeia, e ainda que e o diploma disciplinador é transposição da Decisão-Quadro n° 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Julho de 2002, estando assim a Lei n.° 65/2003, de 23/08, imbuída de todas as garantias do indivíduo, e está conforme a CRP, quer quanto à limitação da liberdade ou sua privação, quer quanto aos prazos (curtos), em que todo o processo de execução do MDE se tem de processar.

Acresce que, quanto aos factos objecto do MDE, estes não podem ser avaliados por este Tribunal da Relação, pois, com a execução do MDE, não se visa a sindicância do julgamento ou decisões que demandam o pedido, substituindo-se assim o Estado Português ao Estado reclamante, mas tão só garantir e verificar que estão reunidas as condições e garantias de respeito pela dignidade da pessoa humana próprias de um Estado de Direito, por forma a que o requerido tenha um processo e tratamento justo no Estado que o reclama, pressuposto, aliás, inserto, como se disse supra, no princípio do respeito e reconhecimento mútuo entre os Estados, previsto no art.º 1° n° 2 da Lei n° 65/2003, de 23/08, e na Decisão Quadro n.° 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho da referida Lei.”


Consagrando o CP a chamada solução plurilateral ou de ubiquidade, poderia ser admissível, em face da própria lei portuguesa, considerar competente a lei e a jurisdição portuguesa, no caso de terem aqui sido praticados factos, ou a francesa, onde se verificou o resultado típico, nos termos do artºs 4º e 5º do CP e 6º do CPP,

Há porém que ter em atenção que, a execução de um mandado de detenção europeu não se confunde com o julgamento de mérito da questão de facto e de direito que lhe subjaz, julgamento esse a ter lugar, se for o caso, perante a jurisdição e sob a responsabilidade do Estado emissor no qual convirá proceder a instrução e julgamento conjunto, onde se pondere a actividade imputada em toda a sua amplitude, de forma a ter uma panorâmica geral da conduta desenvolvida pelo requerido, a permitir um julgamento que tenha em consideração o pleno de todas essas condutas, a imagem global do facto, evitando-se procedimentos penais múltiplos e sobrepostos com todos os inconvenientes que daí normalmente advêm.
 Aliás, estando o crime a ser investigado em França, este é o país que se posiciona em melhores condições para conhecer de toda a actividade criminosa e para proceder ao julgamento do conjunto dos factos, independentemente do lugar em que tenho tido lugar cada uma das parcelas da actividade criminosa ou em que tenha actuado cada um dos respectivos agentes.

Ao Estado de execução, apenas incumbe indagar da respectiva regularidade formal e dar-lhe execução, agindo nessa tarefa com base no princípio do reconhecimento mútuo (Lei 65/03, de 23-08, e Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-06).

Todo o sistema de emissão e execução do MDE está estruturado com o objectivo único de obter a detenção de uma pessoa que se encontre num Estado membro para ser entregue ao Estado membro emissor.

Cabe à autoridade judiciária emitente (que dirige o processo no estado de emissão) escolher os meios legais adequados à prossecução dos fins do mesmo, estando vedado ao Estado da execução sindicar as opções daquela autoridade, desde que conformes aos instrumentos internacionais aplicáveis
Ainda que um dos Estados membros não possa tratar uma determinada questão de forma igual ou análoga à forma como seria tratada no Estado interessado, os resultados serão considerados equivalentes às decisões do seu próprio Estado, ou seja, na medida do possível, o objectivo geral do reconhecimento mútuo é dar a uma decisão (final) um efeito pleno e directo em toda a União.
O STJ tem entendido que uma decisão judicial tomada pela autoridade de um Estado membro, segundo a sua lei, é exequível directamente pela autoridade judiciária de outro Estado membro, isto é, tem um efeito pleno e directo sobre todos os Estados membros.
           

Por outro lado, nos termos do artº 13º:

A execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das seguintes garantias:

(…);

c) Quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão.

O art. 13.º da Lei 65/2003 trata das garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em determinados casos especiais e esclarece no seu corpo que a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias a que se referem as suas alíneas, que retratam procedimentos comuns para as duas primeiras e diverso para a última.

No que se refere às als. a) e b) não só a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias (corpo do artigo) a que se referem as suas alíneas, como a própria decisão de entrega só poderá ser proferida depois de prestada tal garantia [als. a) e b)], sendo essas alíneas explícitas quanto à prestação de tais garantias, de natureza e proveniência diferentes.

Mas o regime aplicável ao caso da al. c) é diverso: a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução (para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão), se for nacional ou residente no Estado membro de execução.

A alínea c) do artº 13º da Lei nº 65/2003 delimita o modo de cooperação internacional, ao conceder potestas ao Estado nacional, salvaguardando a sua soberania como Estado membro da execução, na protecção dos seus nacionais ou residentes, para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativas de liberdade a que foi condenada a pessoa procurada no estado membro de emissão.

Uma vez que a al. c) não explicita qual é essa garantia, terá a mesma de ser deduzida de tal alínea e estar em consonância com a condição, se ele vier a ser determinada: a garantia de que o Estado membro de emissão aceitará devolver a pessoa requerida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada naquele Estado membro, se essa for também a vontade da pessoa requerida.

Interpretação que se ajusta ao pensamento do STJ sobre o MDE e se revê na Decisão-Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-06-2002, em cujo cumprimento foi aprovado o regime jurídico do MDE e que permite no seu art. 5.º que cada Estado membro de execução possa sujeitar a execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária a condições previstas nos seus números, como a do n.º 3, que se refere à sujeição da entrega para efeitos de procedimento penal de nacional ou residente do Estado membro de execução, à condição de que a pessoa, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade proferida contra ela no Estado membro de emissão.

A entrega da pessoa procurada ao Estado de emissão, tem natureza temporária, é apenas para efeitos de procedimento penal, como aliás é objecto do presente mandado e, apenas ocorrerá se o Estado de emissão prestar a garantia de que após ser ouvida, será devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que seja eventualmente condenada no Estado membro de emissão.

In casu,, a pessoa procurada é cidadão nacional do Estado de execução, e aqui residente,  e o presente mandado foi emitido não para cumprimento de pena, mas para efeitos de procedimento penal  e essa garantia foi prestada

Por isso, corrobora-se o acórdão recorrido quando explicita:

“Entende-se, por conseguinte, que não são válidos os argumentos da oposição deduzidos pelo requerido à execução do presente MDE, sendo certo que sendo o requerido de nacionalidade portuguesa e residente em Portugal se procurou e obteve junto do Estado emissor a garantia prevista no artigo 13º c) da Lei nº 15/2003 (cfr. 171, 172 e 175 a 177).”

Sendo que, na parte decisória do mesmo, ficou expressamente consagrado que: - “A entrega à autoridade de emissão será efectuada tendo-se em atenção que o requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade e que se mostra prestada a garantia a que alude o artigo 13º al. c) da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto.”

Pelas razões expostas e, tendo em conta o teor da decisão recorrida, inexistiu qualquer ilegalidade ou preterição do exercício de direitos fundamentais, nomeadamente dos direitos de defesa do requerido, ora recorrente, pelo que a mesma decisão, é de manter, sendo  assim, o recurso  improcedente.


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Termos em que, decidindo

Acordam os deste Supremo – 3ª Secção -, em negar provimento ao recurso e, em consequência, mantêm o acórdão recorrido.

            Notifique

            Tributam o recorrente em 6 UC de taxa de justiça nos termos da tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Janeiro de 2013

Elaborado e revisto pelo relator

Pires da Graça (Relator)

Raul Borges