Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
31971/15.1T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
CONVERSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO RESOLUTIVO
REFORMA POR VELHICE
DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 09/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: ANOTAÇÃO DE JOÃO LEAL AMADO, IN: ESCRITOS LABORAIS (2023), P. 511-528 - DTB.AMA 14060
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: JULGADA PROCEDENTE
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / CADUCIDADE DO CONTRATO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 143.
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 2012, 16.ª Edição, 458 e ss..
- Diogo Vaz Marecos, “Código do Trabalho” Anotado, Coimbra Editora, 2010, 1.ª Edição, 832.
- João Leal Amado, Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2014, 4.ª Edição, 359 e ss..
- José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 645 e ss..
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 6.ª Edição, Almedina, 2010, 787 e ss..
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, 444.
- Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, 2013, 6.ª Edição, 878 e ss..
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1967, 152 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 236.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 343.º, 348.º, 351.º, N.º 1.
Sumário :
I. Tendo o trabalhador atingido os 70 anos de idade ou obtido a reforma, tais factos não possuem a virtualidade de, per se, fazerem extinguir o contrato de trabalho por caducidade.

II. Com efeito, o contrato de trabalho converte-se em contrato de trabalho a termo resolutivo se o trabalhador, após a reforma ou ter completado 70 anos de idade, permanecer ao trabalho por mais 30 dias e caso as partes pretendam manter a relação laboral, por força do disposto no art. 348º do Código do Trabalho de 2009.

III. Nessas circunstâncias, o contrato de trabalho convertido em contrato a termo resolutivo vigora por seis meses, sendo renovável por períodos iguais e sucessivos, nos termos da lei, sem sujeição a limites máximos, caso nenhuma das partes lhe ponha termo.

IV. No caso dos autos, tendo o empregador conhecimento de que o trabalhador irá atingir os 70 anos de idade, dentro de alguns meses, e não estando interessado na continuação desse vínculo laboral, pode fazer operar a caducidade do contrato de trabalho e impedir a conversão do contrato em contrato a termo resolutivo, comunicando ao trabalhador, com antecedência, que não pretendia a manutenção desse vínculo a partir da data em que o mesmo completasse 70 anos de idade.

V. Em tais circunstâncias, a cessação do contrato de trabalho é lícita, não ocorrendo a conversão do contrato de trabalho em contrato a termo resolutivo, produzindo-se a caducidade do contrato de trabalho por manifestação expressa da vontade real da Ré empregadora.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I – 1. AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra:

C.P. – Caminhos de Ferro Portugueses, E.P.

Pedindo que o Tribunal declare ilícito o seu despedimento e condene a Ré a pagar-lhe:
a) A quantia ilíquida de € 587,09, que deve ser contabilizada desde o dia 19 de Outubro de 2015 até ao trânsito em julgado da decisão que vier a declarar a ilicitude do despedimento, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação da Ré e até integral pagamento, tudo nos termos dos nºs 1 e 2, do artigo 390º, do Código do Trabalho;
b) Uma indemnização no valor de € 80.608,00, se se atender ao critério dos 15 dias por cada ano ou fracção de antiguidade, ou no valor de € 161.260,00, se tal critério for fixado em 30 dias, ou ainda de € 241.868,00, se tal critério for fixado em 45 dias, face ao disposto no nº 1, do artigo 391º, do Código do Trabalho;
c) O proporcional do subsídio de Natal relativo ao ano de 2014, no valor ilíquido de € 3.632,75;
d) O proporcional do subsídio de férias relativo ao ano de 2014, no valor ilíquido de € 3.602,73;
e) Juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias referidas em a) e b), desde a data da citação da Ré até integral pagamento;
f) Juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias referidas em d) e e), desde a data de vencimento das mesmas, em 29 de Novembro de 2014, até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para o efeito e em síntese, que:
O Autor trabalhou sob a direcção e autoridade da Ré desde 1 de Outubro de 1971 até 28 de Novembro de 2014, data em que completou 70 anos de idade.
Porém a Ré, antes daquela data, em 30 de Junho de 2014, entregou-lhe uma carta na qual lhe comunicou que uma vez que o Autor iria completar 70 anos de idade em 28 de Novembro de 2014 e já não necessitava dos seus serviços, cessava por caducidade o vínculo laboral com o mesmo a partir do dia 29 de Novembro de 2014.
O Autor, na data em que perfez 70 anos, não auferia qualquer subsídio ou complemento de reforma, sendo que apenas deu início a tal processo em 3 de Dezembro de 2014, pelo que entende que a Ré não podia operar a caducidade do seu contrato de trabalho na referida data.
Pelo que, ao actuar dessa forma, a Ré mais não fez do que proceder ao despedimento do Autor, despedimento esse ilícito por inexistência de justa causa.
Por isso, tem o Autor direito a receber todas as quantias que deixou de auferir, e que peticiona, desde a data do seu despedimento, que deve ser declarado ilícito, até ao trânsito em julgado da decisão que assim o decidir, excluídas as quantias auferidas ou previstas nas alíneas a) a c), do nº 2, do art. 390º do CT.
 
2. A Ré contestou argumentando que o contrato de trabalho do Autor cessou validamente por caducidade, por o Autor ter atingido os 70 anos de idade, nada lhe sendo devido uma vez que os créditos laborais lhe foram integralmente pagos.
Invocou também que, se acaso se considerar ter ocorrido uma situação de despedimento ilícito, as legais consequências sempre seriam as previstas nas regras especiais dos contratos a termo.

3. O Autor respondeu à contestação, mas aceitou expressamente que a Ré lhe pagou as quantias vertidas nos recibos juntos aos autos.

4. Foi proferido saneador-sentença no qual se decidiu:

«A) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilicitude do despedimento do Autor e, consequentemente, os pedidos formulados sob os pontos 2 e 3 do pedido;
B) Condenar a Ré CAMINHOS DE FERRO PORTUGUESES, EP, no pagamento ao Autor AA da quantia de € 229,81 (duzentos e vinte e nove euros e oitenta e um cêntimos), absolvendo-a do mais peticionado.
Custas por ambas as partes, na proporção de 99% para o Autor e 1% para a Ré

5. Inconformado, o Autor apelou.

6. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu Acórdão, em 08 de Fevereiro de 2017, tendo deliberado nos seguintes termos:

«Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por AA, revogando a sentença recorrida e, em consequência,
   - declara-se que não operou a caducidade do contrato de trabalho a que se referem os autos;
  - declara-se a ilicitude do despedimento do Autor;
  - condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia que se liquidar posteriormente à sentença, relativa a salários intercalares, desde 19 de Outubro de 2015 e até à data do trânsito em julgado da presente decisão, descontadas as quantias entretanto auferidas, a título de pensão por velhice, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento;
  - condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de 65.508,52 € (sessenta e cinco mil, quinhentos e oito euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de indemnização em substituição da reintegração, quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.»

7. Irresignada a Ré interpôs recurso de revista, no qual formulou, em síntese, as seguintes conclusões:

A) A R. não se conforma com a decisão recorrida, uma vez que, em seu entender, a Relação não julgou bem a questão, ao contrário da 1a Instância que decidiu em conformidade com a lei e com os factos assentes;
B) A MMª Juíza considerou, e bem, que a caducidade invocada está prevista e regulamentada no Código do Trabalho em vigor, uma vez que não há qualquer dúvida que foi invocada para a data em que o trabalhador completava 70 anos de idade, data em ela pode operar se, nesse sentido, houver manifestação da empregadora, como aconteceu;
C) A simples análise dos presentes autos demonstra, claramente, a total falta de razão do Tribunal da Relação de Lisboa, ao decidir como decidiu, para mais numa questão meramente de Direito;
D) O Tribunal da Relação não aceitou que a idade de 70 anos constitui fundamento para se invocar a caducidade do contrato de trabalho, o que contraria até o próprio entendimento do A., por um lado, e o disposto no Código do Trabalho, por outro;
E) De acordo com a Doutrina do Acórdão recorrido, o contrato de trabalho nunca vai caducar por efeito da idade, tenha o trabalhador 70, 80 ou 90 anos, o que retira qualquer utilidade ao disposto nas invocadas disposições do Código do Trabalho, no que à idade diz respeito;
F) O art. 348° do CT que tem por epígrafe "Conversão em contrato a termo após a reforma por velhice ou idade de 70 anos", está incluído no respectivo Capítulo VII, sob a epígrafe "Cessação de contrato de trabalho", e na Secção II, que tem por epígrafe "Caducidade de contrato de trabalho", o que significa que a idade de 70 anos é causa tanto de caducidade de contrato de trabalho como de reforma do trabalhador;
G) Se as duas situações têm tratamento idêntico, tal como se preconiza no art. 348° do CT, tem que ser possível ao empregador, em ambas, pôr termo ao contrato antes que ele se converta em contrato a termo, pois só assim se garante a igualdade de regime;
H) Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento de forma adequada;
I) Mas mesmo admitindo, por mera hipótese de raciocínio, e sem conceder, que a ora Recorrente não podia ter feito caducar o contrato de trabalho do A., a consequência não é, nem pode ser, a da aplicação ao caso dos efeitos da ilicitude do despedimento, mas das regras especiais relativas aos contratos de trabalho a termo – art. 393° do CT;
J) A não se entender assim estará a violar-se, como acontece com o Acórdão recorrido, o disposto nos arts 343°, 348° e 393°, todos do Código do Trabalho, e o art. 9o do CC;
K) Julgando em contrário o Acórdão recorrido violou as disposições legais invocadas nas precedentes conclusões.

Conclui, assim, a Ré pedindo a revogação do Acórdão da Relação de Lisboa com a sua consequente absolvição, nos termos que constam da sentença proferida pela 1ª instância.

8. O Autor, por seu turno, contra-alegou tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:
 
I. A alínea c), do art. 343º do Código do Trabalho, determina que o contrato de trabalho caduca, nos termos gerais, nomeadamente "com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez."
II. O art. 348º do Código de Trabalho determina quando é que se verifica a conversão em contrato a termo após a reforma por velhice ou idade de 70 anos.
III. Da interpretação conjugada dos dois dispositivos legais facilmente se conclui que o facto que determina a efectiva verificação da caducidade do vínculo laboral é a reforma efectiva do trabalhador, por velhice ou invalidez, quando complete 70 anos e se encontre ainda a trabalhar por conta e sob direcção de uma entidade patronal.
IV. Isto é, não basta que o trabalhador complete 70 anos para que a caducidade do contrato opere, é necessário que, simultaneamente, o trabalhador se encontre reformado, a essa mesma data, por invalidez ou reforma.
V. Com efeito, caso o trabalhador complete 70 anos de idade e não se encontre ainda reformado, o contrato de trabalho converte-se num contrato de trabalho a termo, por seis meses, renovável, sem sujeição a limites máximos, sendo que a sua caducidade depende da comunicação efectuada pela entidade patronal ou pelo trabalhador, com um aviso prévio de sessenta dias ou quinze dias, consoante a iniciativa parta daquela ou deste, tudo conforme dispõe o nº 1, alíneas b) e c), do nº 2, do art. 348º, do Código do Trabalho, por remissão do seu nº 3.
VI. Atendendo à prova produzida nos autos que confirma que o Apelante, à data em que completou 70 anos de idade, não se encontrava reformado por velhice ou invalidez, a caducidade não poderia ter operado.
VII. Assim, nada mais pode concluir-se que, tendo a Apelada utilizado um meio não admitido pela lei para pôr termo à relação laboral que mantinha com o Apelante, agiu contra o estabelecido na lei.
VIII.  Efectivamente, o acto ilícito não é mais do que um acto praticado contra o que dispõe a lei em vigor, pelo que o despedimento do Apelante não pode deixar de considerar-se ilícito, com as consequências que se encontram fixadas na lei, porquanto viola o disposto nos invocados arts 343º e 348º, tudo ao abrigo da alínea c), do artigo 381º, e todos do Código do Trabalho.
IX. De facto, três situações são possíveis, de acordo com a previsão da lei:
i. Primeira situação: O Autor atinge os 70 anos de idade e permanece ao serviço da entidade patronal, por mais trinta dias consecutivos, sem oposição desta. Neste caso, é claro que o trabalhar continua a trabalhar ao serviço daquela entidade patronal, agora mediante a contratação a termo, tudo nos termos do disposto nos nºs 3) e 1), do art. 348º, do Código do Trabalho.
ii. Segunda situação: O Autor atinge os 70 anos de idade, já reformado, por invalidez ou velhice. A entidade patronal usa da faculdade que lhe é conferida pela alínea c), do art. 343º, do Código do Trabalho, e comunica ao trabalhador a caducidade do contrato de trabalho; neste caso, opera efectivamente a caducidade.
iii. Terceira situação (a do caso concreto): O Autor atinge os 70 anos e não se encontra reformado; atendendo ao previsto no art. 343º, alínea c), do Código do Trabalho, o contrato de trabalho não caduca, porquanto o facto do qual a lei faz depender a caducidade do contrato não é o atingimento da idade dos 70 anos, mas o facto do trabalhador se encontrar reformado por invalidez ou velhice, sendo que no caso concreto, encontra-se provado que tal facto não se verificou (articulação dos factos dados como provados nos nºs 3, 4 e 5).
X. Do que antecede, e face aos factos provados, documentos juntos e subsunção jurídica dos factos aos artigos aplicáveis – e, aliás, vem sendo entendido pelos Tribunais Superiores – parece não haver quaisquer dúvidas quanto ao facto do aqui Apelante ter sido despedido ilicitamente pela Apelada.
XI. Os efeitos da declaração de ilicitude do despedimento decorrem do estatuído nos arts 389º, 390° e 391º, todos do Código do Trabalho.
XII. Determina ainda o nº 1, do artigo 391º, e sem prejuízo das indemnizações previstas arts 389º e 390º, todos do Código do Trabalho, que, em substituição da sua reintegração, pode o trabalhador optar por uma indemnização calculada entre 15 a 45 dias de remuneração, por cada ano ou fracção de antiguidade, cuja fixação está dependente do grau de ilicitude e do montante da remuneração auferida.
XIII. Sendo o despedimento considerado ilícito, o Apelante terá obrigatoriamente que receber a indemnização calculada nos termos gerais.

Deve, pois, ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa que condenou a Ré.

9. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal formulou Parecer sustentando a procedência da revista por entender, em síntese, que:

* Pese embora ser consensual na Doutrina o reconhecimento de que a lei laboral estabelece que a reforma do trabalhador faz extinguir o contrato de trabalho por caducidade, e o art. 348º do Código do Trabalho de 2009 permitir que o trabalhador, após a reforma, possa permanecer ao serviço decorridos 30 dias sobre tal facto – caso em que o seu contrato de trabalho se converte em contrato a termo, por seis meses, renovável nos termos da lei –, nem por isso o empregador está impedido de recusar a continuação desse vínculo laboral a partir da data em que o trabalhador completar os 70 anos de idade.

10. O mencionado Parecer, notificado às partes, mereceu a resposta do Autor que se insurgiu contra o entendimento do MP, reiterando a posição defendida nos autos, com os argumentos que constam de fls. 280 e segts., do II Vol.

11. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2, e 679º, ambos do CPC.
Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[1]


II – QUESTÕES A DECIDIR:

- Em sede recursória, as questões suscitadas consistem em saber se:

1. Ocorreu a caducidade do contrato de trabalho do Autor em virtude de ter completado os 70 anos de idade e por força da carta que lhe foi enviada pela Ré, em 30-06-2014;
2. Ou se, ao invés, tal caducidade não operou.

E se acaso se concluir pela não caducidade do contrato impõe-se aferir das consequências daí decorrentes, nomeadamente saber se:

§ Existiu, ou não, despedimento do Autor;
§ Se esse despedimento é ilícito por inexistência de justa causa;
§ E quais os efeitos da ilicitude atento o regime legal aplicável ao caso sub judice.

Ou seja, decidir se:
  a) Se produzem os efeitos gerais da ilicitude de acordo com o regime legal previsto nos arts. 389º e 391º, ambos do Código do Trabalho de 2009;
  b) Ou se os efeitos são os consagrados nas regras especiais relativas ao contrato de trabalho a termo estipuladas no art. 393º do mesmo Código.

Analisando e Decidindo.


III – FUNDAMENTAÇÃO:

I – DE FACTO

- A factualidade considerada provada pelas Instâncias é a seguinte:

1. O Autor trabalhou sob a direcção e autoridade da Ré, desde 1/10/1971 até 28/11/2014.
2. No dia 28/11/2014, o Autor completou 70 (setenta) anos de idade.
3. Em 30/06/2014, a Ré expediu/entregou em mão ao Autor a carta onde consta, para além do mais:
«Assunto: Caducidade Contrato de Trabalho. Eng.º BB.
 Exmo. Senhor:
 Tendo em conta que irá completar 70 anos de idade, em ...2014, e não havendo necessidade de manter a sua colaboração para além da data indicada, comunicamos que o seu vínculo contratual com a Empresa cessará no dia 29/11/2014, dia em que não lhe será exigida qualquer prestação de trabalho, atendendo a que o seu contrato de trabalho se encontra caducado. (…)».
4. Em 28/11/2014, o Autor não beneficiava de qualquer subsídio/complemento de reforma.
5. O Autor apenas deu início ao processo da sua reforma em 3/12/2014.
6. Em 24/11/2014, o Autor enviou, através de mandatária constituída, carta através da qual informava que, no seu entendimento, a declaração de caducidade constituía despedimento ilícito, defendendo que “nos termos do disposto no art. 348º do CT, sempre que o trabalhador atinja 70 anos, o respectivo contrato converte-se em contrato a termo certo, pelo prazo de seis meses” – Facto aditado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
7. A Ré reiterou o seu entendimento jurídico, no sentido de que o contrato de trabalho caduca se o trabalhador fizer 70 anos, e se a intenção de fazer operar essa caducidade for comunicada no prazo legal ao trabalhador.
8. O Autor instaurou acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, que correu termos com o n.º 31971/15.1T8LSB, tendo a mesma sido indeferida liminarmente.
9. Em Outubro de 2014, o Autor auferia a quantia ilíquida de € 3.505,50, a título de retribuição, sendo € 2.864,17 a título de retribuição base, € 113,50 a título de diuturnidades, e € 572,83 a título de isenção de horário de trabalho. Recebeu, ainda, nesse mês, a quantia de € 412,50 a título de subsídios/prémios, onde se inclui o duodécimo do 13º mês (€ 295,88) e o subsídio de refeição (€ 116,62, referente a 17 dias).
10.  Em Novembro de 2014, o Autor auferiu a quantia ilíquida de € 3.313,80, a título de retribuição, sendo € 2.673,23 a título de retribuição base, € 105,93 a título de diuturnidades, e € 534,64 a título de isenção de horário de trabalho. Recebeu, ainda, nesse mês a quantia de € 453,66, a título de subsídios/prémios, onde se inclui o duodécimo do 13º mês (€ 295,88) e o subsídio de refeição (€ 157,57, referente a 23 dias).
11.  Em Dezembro de 2014, a Ré pagou ao Autor a quantia ilíquida de € 7.016,16, a título de subsídios/prémios, sendo € 130,34 a título de subsídio de alimentação (19 dias), proporcionais de subsídios de férias do ano da cessação no valor de € 2.958,75, férias do ano da cessação, no valor de € 2.958,75, e férias vencidas não gozadas no valor de € 968,32 (6 dias).
12.  Ao longo do ano de 2014, a Ré processou e pagou ao Autor, entre Janeiro e Novembro de 2014, a quantia mensal de € 295,88, a título de 13º mês.
13.  O Autor passou a auferir, em 10/01/2015, a quantia ilíquida de € 3.361,82, a título de pensão por velhice e, a partir de 10/03/2015, a quantia de € 3.375,91.
14. No dia 28/11/2014, o Autor gozou férias.


II – DE DIREITO

1. Está em causa, prima facie, a questão de saber se ocorreu ou não a caducidade do contrato de trabalho do Autor por este ter completado 70 anos de idade, nas circunstâncias que os autos retratam.

Sobre esta matéria quer as partes, quer as Instâncias divergiram quanto à interpretação das normas jurídicas aplicáveis.
Resultam, pois, dos autos os seguintes entendimentos dissonantes:

A) O Autor defende que não ocorreu a caducidade do seu contrato de trabalho, porquanto:

- A caducidade só operaria se ao atingir a referida idade se encontrasse, simultaneamente, já reformado;
- O que não constitui o caso, pois quando completou os 70 anos ainda não estava reformado, pelo que o seu contrato de trabalho converteu-se em contrato de trabalho a termo, por seis meses;
- Daí que, ao ser dispensado do serviço pela Ré – tendo esta posto fim ao seu contrato de trabalho – tal procedimento consistiu num verdadeiro despedimento, que é ilícito por inexistência de justa causa.
B) Por sua vez o Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Lisboa, na senda da posição assumida pelo Autor, considerou que:

- A caducidade do contrato de trabalho só opera com a reforma do trabalhador e não pelo facto de este completar 70 anos de idade;
- Uma vez que o trabalhador não requereu a sua passagem à situação de reforma, o contrato de trabalho manteve-se em vigor, tendo-se convertido em contrato a termo;
- E como a Ré fez cessar o contrato com a declaração de 30/06/2014, e sem razões legais para tal, procedeu a um despedimento ilícito do Autor, por falta de justa causa, com as legais consequências.

C) Opôs-se a Ré em sede recursória, secundando o entendimento da 1ª instância, nos termos que as suas conclusões espelham por considerar que:

- Todas as situações previstas no art. 348º do Código do Trabalho de 2009 determinam a conversão do contrato de trabalho em contrato a termo após a reforma por velhice ou a idade de 70 anos;
- Porém, no presente caso, e ao contrário do decidido pelo Tribunal da Relação, enquanto entidade empregadora assiste-lhe o direito de fazer operar a caducidade do contrato de trabalho por o Autor ter atingido o limite de idade dos 70 anos;
- Assim, ao comunicar ao trabalhador o fim do contrato de trabalho mais não fez do que impedir a conversão desse contrato em contrato a termo, o que é legítimo, pelo que se operou, tempestivamente, a caducidade do contrato de trabalho do Autor.

A questão mostra-se equacionada.
Há que dilucidá-la.

2. A Conversão do contrato de trabalho em contrato a termo resolutivo:

2.1. Dispõe o art. 343.º do Código do Trabalho[2]:

“O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
a) Verificando-se o seu termo;
b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;
c) Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.[3]

Por seu turno, estabelece o art. 348.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe de Conversão em contrato a termo após a reforma por velhice ou idade de 70 anos:

“1 - Considera-se a termo o contrato de trabalho de trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice.
2 - No caso previsto no número anterior, o contrato fica sujeito ao regime definido neste Código para o contrato a termo resolutivo, com as necessárias adaptações e as seguintes especificidades:
a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos;
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, consoante a iniciativa pertença ao empregador ou ao trabalhador;
d) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador.
3 - O disposto nos números anteriores é aplicável a contrato de trabalho de trabalhador que atinja 70 anos de idade sem ter havido reforma.”

Decorre da análise conjugada das referidas normas, conforme aliás tem sido reconhecido por diversos Autores e é igualmente salientado no âmbito dos presentes autos, que o art. 343º do Código do Trabalho de 2009 ao enunciar as causas de caducidade do contrato de trabalho não o fez taxativamente.

Com efeito, a inserção pelo legislador desse advérbio nomeadamentesugere uma mera exemplificação das causas, sem taxatividade, não estando, por isso, impedido o intérprete de proceder a uma integração nesse elenco de outras possíveis causas que determinem a caducidade do contrato de trabalho.
Sendo uma delas, sem dúvida, a que resulta do limite de idade atingido pelo trabalhador aos 70 anos de idade, nas circunstâncias previstas, v.g., nos nºs 1), 2), alínea c), e nº 3, todos do art. 348º, do Código do Trabalho de 2009.

Extrai-se igualmente dos referidos preceitos que um contrato de trabalho sempre poderá caducar pela reforma do trabalhador.

Porém, essa caducidade não resulta automaticamente desse facto, pois pode bem acontecer que as partes queiram manter a relação laboral, caso em que poderão fazê-lo nos termos preceituados no nº 1, do art. 348º, do Código do Trabalho, situação em que o contrato de trabalho em causa transforma-se num contrato de trabalho a termo resolutivo, com o prazo de 6 meses, que se pode ir renovando sem limite máximo de renovações e sem se convolar em contrato sem termo.
Nestas circunstâncias só se verificará a extinção do vínculo quando ambas as partes tiverem conhecimento da situação em causa – e não no momento em que o trabalhador se reforma – e se acaso decidirem pôr termo ao contrato de trabalho nos termos do citado normativo.
Podendo, contudo, a relação laboral prosseguir decorridos trinta dias sobre o conhecimento da reforma por velhice do trabalhador, caso em que não se extingue ipso jure e a relação jurídica converte-se num contrato a termo certo resolutivo. [4]

Daí que seja possível concluir que o limite de idade de 70 anos, tal como a reforma do trabalhador, tanto podem originar o fim do contrato de trabalho celebrado por tempo indeterminado, como a formação de um segundo contrato a termo resolutivo.

Só que este segundo contrato – com termo certo – depende da verificação dos pressupostos legais estatuídos no art. 348º do CT/2009.

Nessa medida, e face ao consignado na alínea c), do nº 2, de tal normativo, assiste igualmente ao empregador o direito de pôr termo ao contrato de trabalho, ficando a caducidade do contrato sujeita a aviso prévio de 60 dias, nos termos aí previstos.

Destarte, a questão que se coloca, no caso sub judice, é a de saber se:

- Poderá, ainda, o empregador exercer esse direito antes mesmo de o contrato de trabalho por tempo indeterminado se ter convertido em contrato de trabalho a termo?
- Ou melhor: poderá pôr termo à relação laboral na data em que o trabalhador perfizer os 70 anos de idade, avisando-o previamente, antes de este ter obtido a sua reforma?

- Quid juris?
2.2. A resposta às questões enunciadas não dispensa a ponderação da matéria factual provada no caso sub judice, pelo que, atentos os elementos fácticos dos autos teremos de ter presente que:

- Entre Autor e a Ré vigorou um contrato de trabalho, desde 1971, contrato esse celebrado por tempo indeterminado;
- Em 28/Novembro/2014, o Autor completou 70 anos de idade;
- Em data anterior, a 30/Junho/2014, a Ré entregou ao Autor uma carta, nos termos da qual lhe comunicou que o vínculo contratual entre ambos existente iria cessar no dia 29/Novembro/2014, data seguinte àquela em que o Autor iria perfazer os 70 anos de idade;
- O Autor apenas iniciou o processo com vista à sua reforma no dia 03/Dezembro/2014.

Destes factos resulta que existiu uma manifestação inequívoca da parte da Ré empregadora no sentido de que não pretendia manter o contrato de trabalho com o Autor para além do referido limite de idade dos 70 anos deste.
Importa, pois, saber, quais os efeitos decorrentes dessa manifestação de vontade, já que, como se referiu, a pretensão da Ré não mereceu acolhimento por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo esta decidido no sentido de que a caducidade do contrato de trabalho não podia ocorrer com base apenas no facto de o trabalhador ter completado os 70 anos de idade.
Vejamos se tal entendimento pode ser sufragado.

3. O regime jurídico da conversão após a reforma ou a idade de 70 anos:

3.1. O quadro factual provado remete-nos para o já enunciado regime jurídico estatuído nas seguintes normas[5]:
- art. 340.º, alínea a) - que consagra que uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho, «para além de outras legalmente previstas», é a «caducidade»;
- art. 343.º, alínea c) – que estabelece como uma das causas de caducidade do contrato de trabalho «a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez»;
- art. 348.º – que prevê a conversão do contrato de trabalho em contrato a termo após a reforma por velhice ou a idade de 70 anos.
É neste último normativo que a Relação estribou a solução para o diferendo equacionado, o que nos induz a uma análise mais detalhada deste preceito e do regime jurídico da conversão do contrato de trabalho em contrato a termo.

Nessa medida, para além da referência já feita ao seu conteúdo e à regra geral do seu nº 1, em que o legislador decidiu consignar que se considera como contrato de trabalho a termo o contrato de trabalho de trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma ou velhice, não pode deixar de se atentar nos restantes comandos enquanto elementos integradores do art. 348º do Código do Trabalho.
E assim, logo o seu nº 2 elenca as especificidades desse contrato convertido em contrato a termo resolutivo, estendendo também a sua aplicação ao seu n.º 1.
E o seu nº 3 remete-nos para os números anteriores ao determinar que «é aplicável o disposto nos números anteriores» à situação em que o trabalhador atinge os 70 anos de idade, sem ter havido reforma.

3.2. Interpretando este art. 348º refere Maria do Rosário Palma Ramalho[6]:

«A lei prevê um regime de transição para o contrato do trabalhador que requereu a reforma por velhice e que permanece ao serviço, bem como para a situação em que o trabalhador permaneça ao serviço, já tendo atingido os 70 anos e sem que o seu contrato tenha caducado por reforma (art. 348.º, nºs 1 e 3, respectivamente).
Este regime passa por uma conversão, ipso jure, do contrato de trabalho a termo resolutivo, decorridos 30 dias sobre o conhecimento, pelo empregador e pelo trabalhador, da situação de reforma deste por velhice (art. 348.º, n.º 1), ou, no segundo caso, logo que o trabalhador perfaça os 70 anos (art. 348.º, n.º 3).
Este contrato segue o regime geral do contrato de trabalho a termo, com as especificidades constantes do art. 348º, n.º 2: assim, o contrato não tem de ser reduzido a escrito; o contrato tem uma duração de seis meses, mas pode ser renovado por igual período sem limites máximos; o contrato pode cessar por caducidade por iniciativa de qualquer das partes, no final de qualquer período, e mediante um pré-aviso de 60 ou de 15 dias, consoante a iniciativa de cessação seja do empregador ou do trabalhador; da caducidade do contrato não decorre o direito do trabalhador a qualquer compensação.
Perante este regime, parece ser de considerar, como momento decisivo para a extinção do contrato, o momento em que o trabalhador deixar de comparecer ao trabalho, após o conhecimento da situação de reforma ou, se continuar ao serviço, decorridos 30 dias sobre esse momento, se não se verificar a conversão do contrato a termo, de acordo com o art. 348.º, n.º 1
António Monteiro Fernandes incidindo a sua análise sobre a reforma do trabalhador – que designa de causa atípica de caducidade – e a questão de saber se esta determina a caducidade do contrato, refere, na parte que aqui releva, que[7]:

«(…) O contrato não pode cessar sem que alguma das partes disso se aperceba. A reforma só opera, em suma, a partir do momento em que a entidade empregadora a conheça.

Questionando, a este propósito, quando é que tal acontece.
Para dar a seguinte resposta:

«Colocando-se numa perspectiva pragmática, a lei não fixa um momento preciso para a caducidade, tendo em conta que a reforma não é (ou pode não ser) materialmente impossibilitante da prestação de trabalho, oferece-se ao empregador certa margem para a escolha do momento em que o contrato há-de cessar. Esse momento localizar-se-á necessariamente dentro dos trinta dias subsequentes ao conhecimento, por ambas as partes, da reforma, como resulta do art. 348º/1 CT.»

Também João Leal Amado, referindo-se à solução inserida no actual art. 348º do CT[8], considera que a lei estabeleceu um sistema de tipo compromissório nesta matéria, fundado na seguinte dicotomia:
- Por um lado, permitindo que o trabalhador, ainda que reformado por velhice, permaneça ao serviço da empresa,
- Mas por outro, concedendo ao empregador também a facilidade de desvinculação daquele, “quando este entender que a presença do trabalhador reformado no seu posto deixa de ser útil” e a respectiva manutenção da ligação contratual deixou de corresponder ao seu interesse.

Solução legal que tem na sua génese «razões sociais e humanas, ligadas à salvaguarda dos interesses do trabalhador reformado, cuja pensão de reforma é amiúde muito escassa e cujo capital e experiência profissional pode ser valioso».[9]

Por sua vez Diogo Vaz Marecos, em anotação ao art. 348.º e reportando-se ao seu nº 3, que contempla a situação do trabalhador que atinja 70 anos de idade sem ter havido reforma, pronunciou-se expressamente sobre a possibilidade de ambas as partes porem fim ao contrato de trabalho caso não estejam interessados na continuação do vínculo laboral.

E fê-lo nos termos seguintes[10]:

«O n.º 3 permite a aplicação do regime da conversão, por força da lei, do contrato de trabalho sem termo, em contrato de trabalho a termo resolutivo certo, do trabalhador que, tendo atingido os 70 anos, não obteve a reforma. Também nesta situação pode o trabalhador continuar a prestar o seu trabalho para o empregador, convertendo-se o contrato celebrado anteriormente, no final do trigésimo dia subsequente à data em que completou os 70 anos, em contrato de trabalho a termo resolutivo.»

Porém, adverte:

«Caso o empregador, o trabalhador, ou mesmo ambos não pretendam a manutenção do vínculo, devem apenas comunicá-lo à contraparte dentro dos 30 dias subsequentes ao conhecimento de que o trabalhador completou os setenta anos, cessando a relação nesse momento, sem dependência de qualquer aviso prévio».

Eliminando possíveis dúvidas sobre o sentido do nº 3 do art. 348º explicita António Monteiro Fernandes, na obra citada[11], na sua nota de rodapé, nº 2, a fls. 460:

Esta norma «destina-se a cobrir as situações em que o trabalhador, depois de atingidas as condições (nomeadamente de idade) para a reforma, se abstém indefinidamente de a requerer, com o propósito de manter em vigor o seu contrato de trabalho.»

Ou então simplesmente porque o trabalhador não cuidou de o fazer em tempo oportuno.

Seja como for, em tais circunstâncias é a própria lei que, por remissão para o seu nº 1, ficciona essa situação como se o trabalhador tivesse requerido e obtido a reforma por velhice, determinando a aplicação do regime dos nºs 1 e 2, do art. 348º, do Código do Trabalho de 2009, para que se opere a conversão do contrato de trabalho em contrato a termo, transformando ope legis o vínculo quanto à duração e regime do contrato, para que fique igualmente sujeito às demais circunstâncias enunciadas nos nºs 1 e 2, do mesmo artigo.

3.3. Extrai-se, assim, da análise efectuada que o art. 348º tem subjacente uma realidade fáctica assente no conhecimento por parte da entidade empregadora da idade do trabalhador apenas em data posterior àquela em que este atingiu 70 anos de idade.
Caso em que, conforme se referiu supra, se converte o contrato celebrado anteriormente – no final do trigésimo dia subsequente à data em que o trabalhador completou os 70 anos – em contrato de trabalho a termo resolutivo, por força do preceituado no nº 1, do art. 348º.

Com a conversão consagrada na lei nesses termos procurou-se pôr fim às dúvidas existentes e que assentavam numa corrente expositiva que considerava que com a passagem à reforma ocorria o termo do contrato, erigindo-a como uma manifestação da impossibilidade definitiva do trabalhador para as funções que desempenhava.[12]
Orientação vertida pela preocupação de libertar postos de trabalho a partir da reforma do trabalhador e o objectivo de combater a crise de desemprego.
Estando igualmente associada a outras razões de natureza jurídica, v.g., o de não discriminação no acesso ao emprego, frequentemente aduzida para justificar a criação deste regime de prolongamento da idade activa profissional do trabalhador após atingir a reforma e os 70 anos de idade.

A este propósito, referindo-se às razões de política de emprego e de protecção social aprovadas pelo Conselho Europeu, pode ler-se em Maria do Rosário Palma Ramalho que, a conversão automática do contrato do trabalhador em contrato a termo, é também “justificada como um meio de promover o rejuvenescimento inter-geracional da força de trabalho e como acção positiva de promoção da empregabilidade dos jovens. Nesta óptica, este tipo de medidas tem sido admitida como um caso de tratamento diferenciado justificado por políticas de emprego, ao abrigo do art. 6º da Directiva nº 2000/78/CE, de 27 de Novembro de 2000”.[13]

Directiva esta que, como é sabido, em consonância com a Carta Comunitária dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores teve como objectivo fulcral, no que se refere ao emprego e à actividade profissional, eliminar todas as formas de discriminação e de desigualdade, nomeadamente a necessidade de adoptar medidas adequadas em prol da integração social e económica das pessoas idosas, quer através do favorecimento da sua inserção profissional, quer garantindo a protecção dos trabalhadores mais velhos com experiência profissional ou antiguidade no emprego.

Só que, salientamos nós, não se pode associar à reforma do trabalhador ou ao marco temporal dos seus 70 anos de idade como constituindo ambos, ou cada um de per se, o pressuposto que, uma vez verificado, gera de imediato uma incapacidade definitiva e automática para o trabalho.
Aliás, nem faria sentido conceber que num dia, o trabalhador possuía todas as condições para o exercício da sua função, porém no dia imediato e porque perfez os 70 anos de idade, essas condições já não existiam.

Daí que o legislador tivesse consagrado o citado regime jurídico de conversão do contrato de trabalho em contrato a termo resolutivo, criando um período transitório em que o trabalhador pode continuar no activo, período esse que se vai renovando, ou não, em função da vontade expressa por qualquer das partes.
Quiçá como forma de habituação do trabalhador a essa ideia futura de completa inactividade laboral e criação, paulatinamente, da percepção do término do seu contrato de trabalho em face da sua reforma ou limite de idade.

3.4. Em conclusão, pode dizer-se que o art. 348º do Código do Trabalho de 2009 depende, na sua aplicação, da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos factuais:

· Que o trabalhador tenha completado 70 anos de idade;
· Que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, de tal facto;
· Que tenha requerido a reforma (e mesmo que não o tenha feito, é-lhe aplicável igual regime, por força do preceituado no nº 3, do art. 348º);
· Que a vontade de ambas as partes seja coincidente no sentido de manter o contrato de trabalho em vigor.

Isto porque pode bem acontecer que o trabalhador não esteja interessado em continuar a exercer a sua profissão depois de obter a reforma ou de completar os 70 anos de idade.
Tal como não poderá deixar de se equacionar a situação contrária, em que essa manifestação de vontade parta, já não do trabalhador, mas sim da entidade empregadora por não estar ela própria também interessada em que aquele continue ao seu serviço depois de atingir esse status ou idade.

Aqui chegados é fácil percepcionar que não se antolham obstáculos para a solução que se perfilha.

4. O caso concreto:

4.1. Efectivamente, no caso sub judice, a situação fáctica não nos impele para o art. 348º do Código do Trabalho de 2009, ao contrário do decidido pelo Tribunal da Relação, porquanto diverge, factual e juridicamente, dos pressupostos contemplados na citada norma nos termos por nós supra analisados.

Com efeito, nem o trabalhador/Autor permaneceu ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, de que atingira a idade dos 70 anos, nem requereu a reforma nessa data, nem anteriormente – tendo-se provado que só o fez tempos depois, em 03/Dezembro/2014, quando se sabe que completara os 70 anos de idade em 28/Novembro/2014 – nem a vontade de ambas as partes convergiu em igual sentido: o de que o Autor continuasse ao serviço da Ré.
Tendo a Ré feito saber ao Autor, com a devida antecedência, que não pretendia manter o vínculo contratual laboral após este perfazer os 70 anos de idade, através de carta datada de 30/Junho/2014, e com a indicação de que os efeitos se produziriam depois dos referidos 70 anos, ou seja, a partir do dia seguinte, em 29/Novembro/2014.
O que se tornou possível porquanto, sendo o Autor seu trabalhador há longos anos (desde 1971), tinha a Ré perfeito conhecimento da data em que aquele atingiria os 70 anos de idade.

Tudo isto para dizer que, in casu, para que o contrato de trabalho do Autor se convertesse em contrato a termo de seis meses, necessário seria que tivesse continuado a exercer a sua actividade laboral ao serviço da sua empregadora depois de completar os 70 anos de idade, e que esta, por sua vez, soubesse desse facto e mesmo assim consentisse na prestação, para além dos 30 dias desse conhecimento, estatuídos no art. 348º, nº 1, do CT/2009.

O que, como se demonstrou e resultou provado, não aconteceu.

4.2. Acresce que, não pode deixar de se extraírem as respectivas consequências jurídicas da manifestação de vontade, expressa livre e voluntariamente e com um sentido inequívoco, por parte da entidade empregadora de que não pretendia manter o Autor ao seu serviço.
Extinguindo, por essa via, a vigência do referido contrato em virtude da superveniência de um facto com força bastante para produzir a tal declaração de não renovação do contrato.
Trata-se, sem dúvida, da expressão legítima da manifestação de vontade de uma das partes e, como tal, soberana, no contexto da relação contratual de trabalho existente, dando a conhecer à parte contrária que não estava interessado no prolongamento desse vínculo.
Tanto mais que, de acordo com o disposto no art. 236º do CC, a declaração vale de harmonia com a vontade real do declarante e com o sentido que um declaratário normal – medianamente atento e diligente – colocado na situação do declaratário real, possa deduzir do comportamento do declarante.
Sendo que a «normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante».[14]
É a chamada teoria da impressão do destinatário que, pelo seu carácter eminentemente objectivista, se entende ser aquela que dá «tutela plena à legítima confiança da pessoa em face de quem é emitida a declaração».[15]

Destarte, não estando em causa a interpretação da declaração negocial da Ré, porquanto a mesma é clara e legal, não se vislumbram obstáculos para que, no referido contexto, possa ter lugar.

Aliás, no quadro de uma economia de mercado, é legítimo que o empregador, nestas circunstâncias de reforma ou limite de idade do trabalhador, pretenda aproveitar a oportunidade para, no âmbito da gestão da sua organização empresarial, eliminar postos de trabalho, reduzir custos ou renovar a empresa através da contratação de pessoal mais jovem, ainda que dotado de menor experiência profissional.

Ponto é que o faça com observância das regras legais consagradas nesta matéria.

4.3. Assim sendo, e porque no âmbito dos presentes autos está provado que a entidade empregadora Ré comunicou ao Autor, seu trabalhador, que não pretendia manter o contrato de trabalho celebrado com o Autor para além dos 70 anos de idade, não se pode operar a conversão do contrato de trabalho para um contrato a termo resolutivo, uma vez que esta depende dos pressupostos consagrados no art. 348º do Código do Trabalho de 2009, que, aqui, não se verificam.
E essa manifestação de vontade, porque válida no quadro factual e jurídico definido, produz efeitos jurídicos: o efeito extintivo do contrato de trabalho pela reforma/idade de 70 anos, ou seja, a caducidade do contrato de trabalho.

Por conseguinte, conclui-se que a Ré, com a expressão dessa vontade manifestada com antecedência, impediu a conversão legal do contrato de trabalho em contrato a termo fazendo operar a caducidade da relação laboral.

5. Nestes termos, não se vislumbra base legal para a pretensão do Autor no sentido de se considerar que a Ré o despediu, despedimento que intitula de ilícito por inexistência de justa causa.
Tanto mais que o despedimento, enquanto decisão unilateral do empregador, assenta em factos ocorridos durante a execução do contrato, imputáveis ao trabalhador, visando pôr fim ao contrato de trabalho, fundada no incumprimento de deveres legais ou obrigacionais por parte do trabalhador e derivados de um comportamento culposo deste.
Ou seja: pressupõe um acto ilícito e censurável praticado pelo trabalhador que torne, no dizer da lei, «imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho» – cf. nº 1, do art. 351º, do Código do Trabalho.

Ora, no caso sub judice, a atitude da Ré empregadora no contexto da relação contratual existente, e nos termos supra assinalados, em que manifesta com a respectiva antecedência a vontade de não renovar o contrato a partir do dia em que o trabalhador completar os 70 anos de idade, não equivale a um despedimento, não só por falta do respectivo suporte fáctico inerente ao comportamento do trabalhador, como também pela inexistência dos requisitos legais plasmados nos arts. 351º e segts do Código do Trabalho de 2009.

Por conseguinte, prejudicadas se mostram as restantes questões suscitadas relativamente a tal matéria.


III – DECISÃO:

- Termos em que se acorda em julgar procedente a revista interposta pela Ré Recorrente, com os presentes fundamentos, repristinando-se a sentença proferida pela 1ª instância.

- Custas a cargo do Autor, parte vencida – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

- Anexa-se sumário do presente Acórdão.


Lisboa, 21 de Setembro de 2017.

Ana Luísa Geraldes (Relatora)

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto
______________
[1] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.
[2] Referimo-nos ao Código do Trabalho de 2009, porquanto os 70 anos de idade foram completados pelo Autor em 2014, já com este Código do Trabalho em vigor, sendo, pois, esse, o Código do Trabalho aplicável.
Doravante pertencem a este Código do Trabalho de 2009 todas as normas citadas sem qualquer outra menção.
[3] Os sublinhados são nossos, quer neste normativo quer no seguinte.
[4] Neste sentido, e para maior desenvolvimento sobre a matéria, cf. Pedro Romano Martinez, em “Direito do Trabalho”, Almedina, 2013, 6ª Edição, págs. 878 e segts.
[5] Normas essas sempre reportadas ao actual Código do Trabalho de 2009.
[6] Cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, em “Tratado de Direito do Trabalho”, Parte II, 6.ª Edição, Almedina, 2010, págs. 787 e segts. Sublinhado nosso.
[7] Cf. António Monteiro Fernandes, em “Direito do Trabalho”, Almedina, 2012, 16ª Edição, págs. 459 e segts. Sublinhado nosso.
[8] Cf., neste sentido, João Leal Amado, em “Contrato de Trabalho”, Coimbra Editora, 2014, 4ª Edição, págs. 359 e segts.
[9] Sobre esta matéria, pode ler-se em António Monteiro Fernandes, ibidem, pág. 458, que o legislador «ter-se-á limitado a atribuir à reforma o sentido correspondente à função social normal de assegurar ao trabalhador um ganho mínimo destinado a constituir sucedâneo da retribuição do trabalho, quando a sua actividade profissional chegar ao fim», sendo esse também o objectivo gizado e inerente ao regime legal instituído.
[10] Neste sentido, cf. Diogo Vaz Marecos, em “Código do Trabalho Anotado”, Coimbra Editora, 2010, 1ª Edição, pág. 832. Sublinhado nosso.
[11] Neste sentido cf. António Monteiro Fernandes, em “Direito do Trabalho”, Almedina, 2012, 16ª Edição. Sublinhado nosso.
[12] Cf., neste sentido, António Monteiro Fernandes, ibidem, págs. 458 e segts.
[13] Cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, em “Tratado de Direito do Trabalho”, Parte II, 6.ª Edição, Almedina, 2010, págs. 789 e segts.
[14] Este é o sentido que segundo Pires de Lima e Antunes Varela se deve extrair do art. 236º do CC, conforme ressalta do seu “Código Civil Anotado”, Vol. I, Coimbra Editora, 1967, págs. 152 e segts.
[15] Neste sentido, cf. Mota Pinto, em “Teoria Geral do Direito Civil”, 4ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 444.