Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
872/10.0TYVNG-8P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DIREITO DE RETENÇÃO
PROMITENTE-COMPRADOR
CONSUMIDOR
Data do Acordão: 04/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: PROVIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / SINAL.
DIREITO FALIMENTAR – EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS SOBRE OS NEGÓCIOS EM CURSO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 442.º, N.º 2.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 102.º, N.º 3, ALÍNEA C) E 104.º, N.º 5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/2014 DE 20 DE MARÇO;
- DE 29-07-2016, PROCESSO N.º 6193/13.0TBBRG-H.G1.S1;
- DE 11-05-2017, PROCESSO N.º 1308/10.2T2AVR-R.P1.S1, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 18-09-2018, PROCESSO N.º 1210/11.0TYVNG-D.P1.S1;
- DE 18-09-2018, PROCESSO N.º 1210/11.0TYVNG-D.P1.S1.
Sumário :

I – Resultando provado nos autos que foi fixado (judicialmente) o prazo de 60 dias para a promitente-vendedora cumprir o contrato-promessa (proceder à marcação da escritura de compra e venda de imóvel) e que esta, após mais de um ano do trânsito em julgado de tal decisão, foi declarada insolvente, não podia o tribunal da Relação ter inferido que o contrato-promessa havia cessado em consequência de recusa tácita e antecipada da promitente-vendedora em cumprir o contrato e que a conduta da Administradora da Insolvência, ao optar pelo não cumprimento do acordo, constituía a confirmação de um incumprimento definitivo já ocorrido (em data anterior à declaração da insolvência).

II – Tal conclusão desrespeitou a factualidade provada consubstanciando juízo de extrapolação que não se mostra consentâneo com os critérios legais e da lógica, sendo, por isso, sindicável pelo STJ.

III - Não ocorrendo incumprimento definitivo do contrato antes da declaração da insolvência, está-se em presença de negócio jurídico em curso, para efeitos do disposto nos artigos 102.º e ss. do CIRE, justificando a possibilidade da Administradora da Insolvência optar por o não cumprir.

IV – Mantendo-se o contrato-promessa em vigor à data da declaração da insolvência, os direitos do credor promitente-comprador perante a recusa (lícita) por parte da Administradora da Insolvência em não cumprir o contrato não podem ser encontrados por aplicação do regime do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil, mas no âmbito do CIRE, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5 e 102.º, n.º 3, alínea c).

V – O incumprimento do contrato promessa determinado por opção do administrador da insolvência radica num direito ope legis (opção potestativa) que é independente da actuação/conduta do insolvente, carecendo de sentido fazer apelo à aplicação a regime legal que tem subjacente o dever de cumprimento.

VI - Não tendo ficado provada a existência de qualquer diferença entre o valor do imóvel objecto do contrato-promessa na data da recusa de cumprimento e o preço convencionado entre os contraentes, o crédito dos promitentes-compradores terá de se reconduzir ao montante do sinal prestado e seus reforços.

VII - Configurando o contrato-promessa negócio jurídico em curso, para efeitos do disposto nos artigos 102.º e ss. do CIRE, há que fazer observar a jurisprudência fixada no AUJ n.º 4/2014; como tal, o reconhecimento do direito de retenção ao promitente-comprador depende da sua qualidade de consumidor ao intervir nos negócios que firmou com a sociedade declarada insolvente.

VIII – É consumidor para tal efeito o promitente-comprador que destina o imóvel a uso particular no sentido de não o comprar para revenda nem o afectar a uma actividade profissional ou lucrativa.

Decisão Texto Integral:



Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório

1. Nos autos de reclamação de créditos apensos ao processo de insolvência referente a AA, Lda. declarada insolvente por sentença transitada em julgado, a Sra. Administradora da Insolvência veio apresentar a lista dos créditos a que se refere o artigo 129.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), tendo sido apresentadas várias impugnações [BB e mulher CC, a fls. 22-24; DD – Construção Civil, Lda., a fls. 25-29; EE, SA. (a que sucedeu, em parte, mediante habilitação de cessionário, FF, Lda.), a fls. 100-118].

2. Realizada audiência prévia (fls. 225e v), proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova (fls. 228-229), foi realizado julgamento, tendo sido proferida sentença (em 04.05.2018) decidindo[1] nos seguintes termos:

I. Julgo a impugnação de DD – Construção Civil, Lda. procedente e, em consequência, declaro verificado o respectivo crédito, no montante total de 94.793,42 €.

II. Julgo a impugnação de EE, S.A./FF, Lda. parcialmente procedente e, em consequência:

- declaro verificado o crédito de “EE, S.A.” no montante total de 1.008.090,77 € e qualifico-o como garantido, sendo, relativamente ao valor parcial de 727.596,41 €, crédito sob condição suspensiva;

- declaro verificado o crédito de “FF, Lda.”, no montante total de 1.122.829,26 € e qualifico-o como garantido;

- declaro verificado o crédito de BB e CC no montante de 10.000 € e qualifico-o como garantido.

III. Julgo verificados os créditos constantes da lista dos credores reconhecidos a fls. 3-8, sob os nºs 2 a 4 e 6 a 15.

IV. Procedo à graduação dos créditos verificados, nos seguintes termos (por referência ao auto de apreensão a fls. 21-29 do apenso A):

(…) i) Quanto ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº...(verba nº9):

1º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, atinente a IMI, respeitante a este imóvel;

2º) O crédito garantido (por direito de retenção) de BB e CC;

3º) O crédito garantido (por hipoteca) de FF, Lda.;

4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;

5º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;

6º) Os créditos comuns; e

7º) Os créditos subordinados.

j) (…) uu) Quanto ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…(verba nº47):

1º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, atinente a IMI, respeitante a este imóvel;

2º) O crédito garantido (por hipoteca) de EE, S.A.;

3º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;

4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;

5º) Os créditos comuns; e

6º) Os créditos subordinados.

vv) Quanto ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…(verba nº48):

1º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, atinente a IMI, respeitante a este imóvel;

2º) O crédito garantido (por hipoteca) de EE, S.A.;

3º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos;

4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social;

5º) Os créditos comuns; e

6º) Os créditos subordinados.

Custas pela impugnante “FF, Lda.”, pelos impugnados BB e CC e pela massa insolvente, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 1%, 2% e 96,7%, respectivamente (cf. artigos 303.º e 304.º do CIRE e artigo 527.º, nºs 1 e 2, do NCPC)”.

4. BB e CC interpuseram recurso da sentença impugnando a matéria de facto fixada, tendo o Tribunal da Relação do Porto (por acórdão de 07-06- 2018), julgado procedente a apelação e, alterando a matéria de facto[2], alterou parcialmente sentença (na parte em que decidiu “declaro verificado o crédito de BB e CC no montante de 10.000 € e qualifico-o como garantido”) tendo declarado “ verificado o crédito de BB e CC no montante de 125.800.000 € e qualifico-o como garantido.

5. Interpôs a credora FF - CONSULTORES DE GESTÃO, LDA. recurso de revista, formulando as seguintes conclusões (transcrição)

1. A promitente vendedora, entretanto declarada insolvente, apenas se constituiu em mora, face ao retardamento no cumprimento da obrigação, sendo esta ainda possível à data da declaração de insolvência, não se tendo por isso a mora convertido em incumprimento definitivo.

2. No contrato promessa não foi sequer fixado qualquer prazo para a celebração do contrato prometido, tendo-se apenas convencionado o seguinte: "A Escritura Pública de Compra e Venda da moradia aqui prometida vender será efectuada logo que toda a documentação se encontre pronta para o efeito em Hora e Cartório a indicar pelo PRIMEIRO OUTORGANTE" (cfr. cláusula quarta do contrato junto a fls. 234-238).

3. Mesmo quando intentada a acção para fixação judicial de prazo, na qual veio a ser proferida sentença, em 20.11.2009, que fixou o prazo de 60 dias, contados da data do trânsito em julgado da sentença, para a celebração da escritura de compra e venda, o inadimplemento do devedor continua a configurar simples mora, pois a prestação (celebração do contrato prometido) ainda era possível à data da declaração de insolvência (15.03.2010) e só não foi efectuada no tempo devido.

4. Para que a mora do devedor se pudesse converter em incumprimento definitivo era necessário que, ou o credor demonstrasse a perda de interesse no cumprimento da obrigação, ou a prestação não tivesse sido realizada pelo devedor dentro do prazo admonitório, adicional e peremptório, que razoavelmente lhe fosse fixado pelo credor, sendo que nada disto foi alegado.

5. O contrato promessa ainda se mantinha em vigor à data de declaração de insolvência da promitente vendedora, subsistindo todos os seus efeitos jurídicos, não se podendo ter por resolvido, não obstante a mora.

6. Pelo que, os promitentes compradores terão que fazer valer os seus direitos no quadro do instituto dos "Efeitos sobre os negócios em curso", nos termos previstos no art. 102° n.° 3 do CIRE, aplicável ex-vi do art. 106° n.° 2 e 104° n.° 5 do CIRE, e não nos termos previstos no art. 442° do Código Civil, como seria norma.

7. Ao administrador de insolvência foi conferido um direito de escolha ou de opção - o direito de dar ou recusar cumprimento aos contratos - que aquele deve exercer sempre em função dos interesses da massa insolvente e que se enquadra perfeitamente no quadro das suas funções típicas do administrador de insolvência, sendo um direito potestativo.

8. Ainda que se admita que houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, a favor dos promitentes compradores, ao contrato promessa não foi atribuída eficácia real, ficando afastada a aplicabilidade da norma do n.° 1 do art. 106° do CIRE.

9. A Administradora de Insolvência optou pelo não cumprimento do contrato promessa, tendo procedido à apreensão da fracção objecto do contrato promessa a favor da massa insolvente e, posteriormente, à sua venda em sede de liquidação do activo.

10. Sendo tal recusa lícita, legítima e adequada aos fins do processo de insolvência, face ao disposto no artigo 106.° do CIRE, ao direito potestativo de recusa de cumprimento dos negócios em curso.

11. Será de aplicar o disposto no n.° 2 do art. 106° do CIRE que, ainda que indirectamente, remete para as regras gerais quanto aos efeitos da recusa de cumprimento do contrato pelo administrador de insolvência {cfr. art. 104° n.° 5 e 102° n.° 3 do CIRE).

12. Os promitentes compradores não têm direito à indemnização correspondente ao sinal em dobro, por falharem os pressupostos da ilicitude e da culpa, plasmados no art. 442° n.° 2 do Código Civil; têm apenas um direito de crédito, qualificado como crédito sobre a insolvência, calculado com base na diferença de valor entre as prestações.

13. Não tendo sido alegada nem provada qualquer diferença entre o valor do imóvel objecto do contrato prometido na data da recusa de cumprimento do contrato promessa e o preço convencionado, apenas será de reconhecer aos credores/impugnados um crédito no valor de 62.900,00 Euros (sessenta e dois mil e novecentos euros), correspondente ao sinal e aos reforços de sinal pagos à insolvente, em singelo.

14. Crédito esse que será de qualificar como crédito comum, não estando garantido por direito de retenção, pelas mesmas razões e fundamentos expendidos a propósito do quantum indemnizatório.”.

6. Em contra alegações os Recorridos BB e CC pugnam pela manutenção do acórdão recorrido.

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC) mostram-se submetidas à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
ð Do direito dos Recorridos BB e CC ao sinal em dobro;
ð Do reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel objecto do contrato promessa que celebraram com a devedora insolvente  

1.1 Os factos provados

1. A Garantia Bancária nº…-…, no valor de 254.221,08 €, prestada pelo credor “EE, S.A.”, não foi accionada.

2. A Garantia Bancária nº…, no valor de 473.375,33 €, prestada pelo credor “EE, S.A.”, não foi accionada.

3. Por escrito particular de 13.11.2008, denominado «contrato de promessa de compra e venda», GG, na qualidade de gerente de AA, Lda., declarou prometer vender e os impugnados BB e CC declararam prometer comprar, pelo preço de 150.000 €, a moradia sita na Rua …, nº…, freguesia de ..., concelho da ..., do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…– cf. doc. de fls. 234-238, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4. Do escrito particular referido em 3) consta, sob a Cláusula Terceira: “a-) Como sinal e princípio de pagamento, o(s) segundo(s) entrega(m) ao(s) primeiro(s) a quantia de € 10.000,00 (…), de que se dá quitação”; b-) Reforço de sinal com o valor de € 42.500,00 (…); c-) O restante pagamento no valor de € 97.500,00 (…), serão liquidados no acto da escritura de compra e venda” – cf. doc. de fls. 234-238, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5. Do escrito particular referido em 3) consta, sob a Cláusula Quinta, consta: “A Escritura Pública de Compra e Venda da moradia prometida vender será efectuada logo que toda a documentação se encontre pronta para o efeito em Hora e Cartório a indicar pelo PRIMEIRO OUTORGANTE” – cf. doc. de fls. 234-238, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

6. Relativamente ao preço indicado em 3), os impugnados BB e CC pagaram à Insolvente a quantia de 10.000 €.

7. Em 2009, a Insolvente entregou as chaves da moradia referida em 3) aos impugnados BB e CC.

8. Desde Setembro de 2009, os impugnados BB e CC tomam as suas refeições, pernoitam e recebem amigos na moradia referida em 3).

9. No Processo nº4464/09.9TBSTS, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso, proposta pelos impugnados BB e CC contra AA, Lda., foi proferida sentença em 18.11.2009, fixando-se à ré o prazo de 60 dias, contado do respectivo trânsito em julgado, para a realização da escritura mencionada em 5) – cf. doc. de fls. 239-241, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

10. DD, Lda. requereu a declaração de insolvência de AA, Lda., mediante petição inicial entrada em 4.11.2010, no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia – cf. fls. 2-33 dos autos principais.

11. Por sentença proferida em 14.01.2011 e transitada em julgado em 24.02.2011, foi declarada a insolvência de AA, Lda. – cf. fls. 55-63 dos autos principais.

12. A Sra. Administradora da Insolvência optou pelo não cumprimento do acordo referido em 3).

13. Foram apreendidos para a massa insolvente 48 imóveis da Insolvente – cf. auto de arrolamento e apreensão a fls. 21-29 do apenso A, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

14. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº..., sobre o prédio urbano situado em Lugar de … ou …, freguesia de ..., lote nº…, encontra-se inscrita, mediante a ap. 10, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 1.944.812,99 €, e, mediante a ap. 9, de 3.03.2003, a sua ampliação até ao montante máximo de mais 596.676,70 € – cf. doc. de fls. 320-322 v.º.

15. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…, sobre o prédio urbano situado na Rua ..., nº…, freguesia de ..., encontra-se inscrita, mediante a ap. 10, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 1.944.812,99 €, e, mediante a ap. 9, de 3.03.2003, a sua ampliação até ao montante máximo de mais 596.676,70 € – cf. doc. de fls. 296-298 v.º.

16. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…, sobre o prédio urbano situado na Rua ..., nº…, freguesia de ..., encontra-se inscrita, mediante a ap. 10, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 1.944.812,99 €, e, mediante a ap. 9, de 3.03.2003, a sua ampliação até ao montante máximo de mais 596.676,70 € – cf. doc. de fls. 299-301 v.º.

17. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…, sobre o prédio urbano situado na Rua ..., nº…, freguesia de ..., lote nº…, encontra-se inscrita, mediante a ap. 10, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 1.944.812,99 €, e, mediante a ap. 9, de 3.03.2003, a sua ampliação até ao montante máximo de mais 596.676,70 € – cf. doc. de fls. 332-334 v.º.

18. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…, sobre o prédio urbano situado na Rua ..., nº…, freguesia de ..., lote nº…, encontra-se inscrita, mediante a ap. 10, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 1.944.812,99 €, e, mediante a ap. 9, de 3.03.2003, a sua ampliação até ao montante máximo de mais 596.676,70 € – cf. doc. de fls. 335-336.

19. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº..., sobre o prédio urbano situado na Rua ..., freguesia de ..., encontra-se inscrita, mediante a ap. 10, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 1.944.812,99 €, e, mediante a ap. 9, de 3.03.2003, a sua ampliação até ao montante máximo de mais 596.676,70 € – cf. doc. de fls. 44-49 do apenso E.

20. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…, sobre a fracção autónoma “A” do prédio urbano situado na Rua ..., nº…, freguesia de ..., encontra-se inscrita, mediante a ap. 10, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 1.944.812,99 €, e, mediante a ap. 9, de 3.03.2003, a sua ampliação até ao montante máximo de mais 596.676,70 € – cf. doc. de fls. 38-43 do apenso E.

21. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…, sobre o lote nº26, do prédio urbano situado em Lugar ..., freguesia de ..., encontra-se inscrita, mediante a ap. 13, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 2.222.643,43 € – cf. doc. de fls. 338-340.

22. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…, sobre o prédio urbano situado em Lugar ..., freguesia de ..., lote nº…, encontra-se inscrita, mediante a ap. 13, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 2.222.643,43 € – cf. doc. de fls. 345-347.

23. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…, sobre o prédio urbano situado em Lugar ..., freguesia de ..., lote nº…, encontra-se inscrita, mediante a ap. 13, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 2.222.643,43 € – cf. doc. de fls. 348-351.

24. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…, sobre o prédio urbano situado em Lugar ..., freguesia de ..., lote nº…, encontra-se inscrita, mediante a ap. 13, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 2.222.643,43 € – cf. doc. de fls. 352-354.

25. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº..., sobre o prédio urbano situado em Lugar ..., freguesia de ..., lote nº…, encontra-se inscrita, mediante a ap. 13, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 2.222.643,43 € – cf. doc. de fls. 361-363.

26. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…, sobre o prédio urbano situado em Lugar ..., freguesia de ..., lote nº..., encontra-se inscrita, mediante a ap. 13, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 2.222.643,43 € – cf. doc. de fls. 364-366.

27. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…, sobre o prédio urbano situado em Lugar ..., freguesia de ..., lote nº…, encontra-se inscrita, mediante a ap. 13, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A., para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 2.222.643,43 € – cf. doc. de fls. 367-369.

28. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…, sobre o prédio urbano situado em Lugar ..., freguesia de ..., lote nº…, encontra-se inscrita, mediante a ap. 13, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 2.222.643,43 € – cf. doc. de fls. 370-372.

29. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº..., sobre o prédio urbano situado em Lugar ..., freguesia de ..., lote nº…, encontra-se inscrita, mediante a ap. 13, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 2.222.643,43 € – cf. doc. de fls. 373-375.

30. Na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…, sobre o prédio urbano situado em Lugar ..., freguesia de ..., lote nº…, encontra-se inscrita, mediante a ap. 13, de 3.11.2000, hipoteca voluntária a favor de “HH, S.A.”, para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir”, até ao montante máximo de 2.222.643,43 € – cf. doc. de fls. 376-378..
FACTO ADITADO - Os impugnados BB e CC entregaram à Insolvente outras quantias para além da indicada em 6), como reforço do sinal, no total de 52.900,00€.
2. O direito


ð Do direito dos Recorridos ao sinal em dobro

2.1 Em causa está determinar os efeitos do não cumprimento do contrato-promessa de compra e venda de prédio urbano[3], celebrado em 13-11-2008 entre BB e CC (promitentes-compradores) e a devedora AA, Lda. (promitente-vendedora)[4], declarada insolvente por sentença de 14-01-2011, transitada em julgado em 24-02-2011.

2.1.1 Ao invés do concluído na sentença (que considerou inaplicável à situação o regime do artigo 442.º, do Código Civil, entendendo que integrava a previsão do artigo 102.º, n.º1, do CIRE - negócio em curso - tendo o Administrador da Insolvência exercido o direito potestativo de recusar o cumprimento do contrato), o acórdão recorrido entendeu que os promitentes-compradores tinham direito à devolução do dobro do sinal prestado, nos termos do n.º2 do artigo 442.º do Código Civil.

Refere o acórdão a tal respeito: “No que concerne ao incumprimento definitivo, o Supremo, através do seu acórdão de 25-06-2009, Proc.º 1219/2002. S1, in www.dgsi.pt, veio evidenciar, que: “1. A mora – ou incumprimento transitório – traduz-se num mero retardamento da prestação (que, contudo, ainda é possível) e converte-se em incumprimento definitivo se incumprido o prazo suplementar razoável concedido em interpelação admonitória; 2. A interpelação admonitória deve conter, inequívoca e expressamente, a cominação de resolução por incumprimento se decorrido o prazo suplementar o renitente não cumprir; 3. O incumprimento definitivo terá de resultar de uma das inequívocas situações de facto: declaração antecipada de não cumprir; decurso de termo essencial (ou prazo fatal); verificação de condição resolutiva expressa; perda de interesse na prestação”.

Em face da matéria de facto que vem provada, tendo, por sentença de 18.11.2009, sido fixado à ré o prazo de 60 dias, contado do respectivo trânsito em julgado, para a realização da escritura mencionada, prazo que não foi cumprido, sendo a insolvência decretada em 14/01/2011, tal comportamento corresponde, a nosso ver, a uma tácita declaração antecipada de não cumprir nos termos acordados, equivalente ao incumprimento definitivo. O que resultou posteriormente confirmado pela Administradora da Insolvência, ao optar pelo não cumprimento do contrato. Conferindo, nessa conformidade, aos apelantes o direito de exigirem o sinal em dobro, como reclamaram.

Como se refere no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2014 “Não se aduza ainda, contra o entendimento exposto, que não há imputação de culpa a fazer em caso de insolvência porque com a declaração desta última, a relação jurídica existente, então reconfigurada, não a poderá comportar, já que ao insolvente se substitui e passa a figurar em juízo apenas a massa falida e o administrador; é para nós claro o cariz redutor deste entendimento; a insolvência não surge do nada, radicando antes e à partida no comportamento de uma entidade que se mostrou não ter cumprido as suas obrigações. Nestes casos já foi decidido e bem, neste Supremo Tribunal de Justiça, que se verifica uma imputabilidade reflexa considerando o comportamento da insolvente na origem do processo falimentar; acresce que, seria sempre a esta última que cumpriria afastar a culpa, que se presume, em matéria de responsabilidade civil contratual – artigo 799º nº 1 do Código Civil”.

Neste processo, provou-se que a Sr.ª AI recusou a celebração do contrato prometido, do que se extrai o incumprimento definitivo. E não foi afastada a culpa da promitente vendedora incumpridora, sendo que esta culpa se presumia.

Logo, é a insolvente devedora do valor do sinal prestado, em dobro (cfr. artº 442º, nº 2, do Cód. Civil).

Provando-se que os Apelantes entregaram, a título de sinal e reforço do mesmo, o valor total de esc. 62.900,00€ (sessenta e dois mil e novecentos Euros) conforme resulta dos factos provados, com o alterado por este tribunal da Relação, por força do disposto no artº 442º, nº 2, do Cód. Civil, terão assim os AA. direito ao sinal prestado em dobro (assim o peticionaram), ou seja, ao valor de €125.800,00 (cento e vinte e cinco mil e oitocentos euros).”

O entendimento do tribunal a quo quanto à aplicabilidade, ao caso, do regime do artigo 442.º, n.º2, do Código Civil, assenta no incumprimento definitivo do contrato-promessa imputável, a título de culpa, à promitente vendedora, consubstanciado em declaração tácita e antecipada por parte desta em não cumprir o contrato-promessa.

A referida decisão, partindo da factualidade provada – ter sido fixado (judicialmente) o prazo de 60 dias, em 18-11-2009, para a promitente-vendedora cumprir o contrato-promessa sem que o tenha feito; ter a mesma sido declarada insolvente em 14-01-2011 – inferiu a recusa tácita da promitente-vendedora em cumprir o contrato.

Seguindo o entendimento do acórdão recorrido, o incumprimento definitivo do contrato-promessa consolidou-se com a declaração de insolvência; daí que a factualidade vertida no ponto n.º12 da matéria de facto provada – a Sra. Administradora da Insolvência optou pelo não cumprimento do acordo – tenha sido entendida enquanto confirmação de um incumprimento definitivo já ocorrido.

Tal raciocínio permitiu que na determinação da extensão do direito a reconhecer aos credores promissários o tribunal a quo tivesse afastado a aplicação do regime decorrente do disposto nos artigos 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5 e 102.º, n.º 3, alínea c), do CIRE, fazendo valer o regime ínsito no n.º2 do artigo 442.º do Código Civil, isto é, o direito ao dobro do sinal prestado.

De sublinhar que, não obstante o acórdão recorrido, em reforço do posicionamento por que optou, ter feito consignar um excerto do AUJ n.º 4/2014, de 13-03, evidenciando aderir à tese dos que defendem que o n.º2 do artigo 106.º do CIRE, só tem aplicação nos contratos-promessa com eficácia obrigacional sem tradição da coisa a favor do promitente-comprador[5], o certo é que a ratio da decisão não radica nesse entendimento, mas sim por concluir que à data da declaração da insolvência da sociedade promitente-vendedora já não subsistiam os efeitos do contrato-promessa.

2.1.2. Rebela-se a Recorrente relativamente ao acórdão sustentando que, no caso, não ocorreu incumprimento definitivo do contrato-promessa em data anterior à declaração da insolvência da promitente-vendedora.

Assiste-lhe razão.

Com efeito, o tribunal a quo ao concluir pela declaração tácita antecipada por parte da promitente-vendedora em não cumprir o contrato-promessa (e, bem assim, ao considerar que a declaração da Administradora da Insolvência ao optar pelo não cumprimento do contrato por parte constitui confirmação do incumprimento definitivo anterior), não teve em conta a factualidade provada enveredando por um juízo de extrapolação que não se mostra consentâneo com os critérios legais e da lógica[6].

A factualidade provada [no contrato-promessa firmado as partes não fixaram qualquer prazo para a celebração do contrato definitivo[7]; em acção de fixação judicial de prazo veio a ser proferida decisão (em 20-11-2009) fixando o prazo de 60 dias (contados do trânsito da sentença) para a celebração da escritura de compra e venda; a promitente-vendedora foi declarada insolvente por decisão de 14-01-2011, tendo a Administradora da Insolvência optado pelo não cumprimento do contrato-promessa], atento o que dispõem os artigos 801.º e 808.º, ambos do Código Civil, não permitia à Relação inferir a recusa antecipada e definitiva por parte daquela sociedade em cumprir o contrato-promessa uma vez que, após ter sido ultrapassado o prazo judicialmente fixado (para a promitente-vendedora proceder à marcação da escritura), nada se mostra apurado quanto à conduta dos promitentes-compradores (que continuaram a residir no imóvel) e quanto ao comportamento da sociedade promitente-vendedora.

Assim sendo, a não celebração do contrato definitivo no prazo de 60 dias judicialmente fixado[8], determinou a mora da promitente-vendedora, que não se mostra convertida em incumprimento definitivo (antes da declaração de insolvência) por ausência de demonstração da impossibilidade de cumprimento, de interpelação admonitória, de perda de interesse (objectivo) no cumprimento da prestação e de recusa de cumprimento

Por conseguinte, tal como entendido na sentença, não ocorreu incumprimento definitivo do contrato antes da declaração da insolvência, estando-se em presença de negócio jurídico em curso, para efeitos do disposto nos artigos 102.º e ss. do CIRE; justificando, nessa medida, a possibilidade da Administradora da Insolvência optar por o não cumprir.

2.1.3. Uma vez que o contrato-promessa sob apreciação se mantinha em vigor à data da declaração da insolvência, os direitos do credor promitente-comprador não podem ser encontrados por aplicação do regime do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil, uma vez que o mesmo, em nosso entender, pressupõe um incumprimento definitivo, ilícito e culposo do contraente ocorrido anteriormente à declaração da insolvência.

Na sequência do que se mostra decidido no Acórdão do STJ de 18-09-2018, desta 6ª Secção, proferido no Processo n.º 1210/11.0TYVNG-D.P1.S1[9], o direito do credor promissário deve ser encontrado exclusivamente no CIRE, nos termos das disposições conjugadas dos respetivos arts. 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5 e 102.º, n.º 3, al. c).

Nestas situações, o incumprimento do contrato promessa, determinado por opção do administrador da insolvência (que pode cumprir ou não o negócio em curso), radica num direito ope legis (opção potestativa) e, como tal, é independente da actuação/conduta do insolvente, carecendo de sentido fazer apelo à aplicação de um regime legal que tem subjacente o dever de cumprimento.

Refere o citado Acórdão de 18-09-2018, reportado a situação com similitude à dos presentes autos:

-“Importa observar que a opção pelo não cumprimento da promessa de venda em causa (que tinha eficácia meramente obrigacional) por parte do Administrador da Insolvência constituiu um ato lícito e não culposo. Tratou-se de um ato praticado no exercício discricionário (em benefício dos interesses da massa) de um poder potestativo conferido por lei (sendo certo que ninguém veio invocar a ilicitude do ato, nomeadamente sob a alegação de ser abusivo).

Sendo assim, como é (e sendo também certo que não estamos perante uma promessa incumprida definitivamente em momento anterior à declaração da insolvência), não é adequado trazer à discussão o nº 2 do art. 442º do CCivil, seja por aplicação direta seja por aplicação indireta (por analogia). A atuação do regime do sinal, tal como previsto nesta última norma, pressupõe um incumprimento definitivo, ilícito e culposo dos próprios contratantes (anteriormente à declaração da insolvência), não se podendo fazer equivaler a opção lícita de não cumprimento do administrador da insolvência a esse incumprimento ilícito e culposo dos contraentes.

Na realidade, a solução do caso não se encontra no nº 2 do art. 442º do CCivil, mas sim e exclusivamente no CIRE, nos termos das disposições conjugadas dos respetivos art.s 106º, nº 2, 104.º, nº 5 e 102º, nº 3, alínea c). O confronto destas normas com o que se prescrevia anteriormente no art. 164º-A do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e Falência (CPEREF), conjugado com o que se mostra escrito (propósito confesso de romper com as soluções do regime anterior) no relatório preambular do diploma (D.L. n.º 53/2004) que aprovou o CIRE, não deixam margem para dúvidas razoáveis acerca do afastamento do regime do sinal tal como previsto no nº 2 do art. 442º do CCivil.

Embora o que acaba de ser dito não se apresente incontroverso na doutrina - no sentido da aplicação do art. 442º, n.º 2 do CCivil aos casos de recusa de cumprimento pelo administrador da insolvência pronunciam-se Pestana de Vasconcelos (Cadernos de Direito Privado, n.ºs 24 e 33, pp. 3 e seguintes e 43 e seguintes, respetivamente) e Gravato Morais (Cadernos de Direito Privado, n.º 29, pp. 3 e seguintes) -, corresponde, com maior ou menor detalhe, ao entendimento maioritário da doutrina (assim, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, pp. 234 a 238; Pinto Oliveira e Catarina Serra, Revista da Ordem dos Advogados, ano 70, pp. 399 e seguintes; Pinto Oliveira, Cadernos de Direito Privado, n.º 36, pp 3 e seguintes; Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 3ª ed., pp. 472 e 473; Ana Prata et al., Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, p. 312 e 320; Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2ª ed., pp. 186 e 190; Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6ª ed., p. 187, Gisela César, Os Efeitos da Declaração de Insolvência Sobre o Contrato-Promessa em Curso, p. 203).

E corresponde também à solução preconizada pela jurisprudência (assim, acórdão da Relação de Guimarães de 14 de Dezembro de 2010, processo n.º 6132/08.0TBBRG-J.G1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Junho de 2011, processo n.º 6132/08.OTBBRG-J.G1.S1; acórdãos da Relação de Coimbra de 6 de Novembro de 2012 e de 18 de Outubro de 2011, processos n.ºs 729/09.8T2AVR-B.C1 e 259/09.8TBNLS-E.C1, respetivamente; acórdão da Relação do Porto de 13 de Dezembro de 2012, processo n.º 1092/10.0TBLSD-G.P1).”.

Nesta ordem de ideias, perante a recusa de cumprimento do contrato-promessa pela Administradora da Insolvência, há que aplicar o regime indemnizatório previsto no artigo 102.º, do CIRE, designadamente no seu n.º3, por forma a ressarcir os promitentes-compradores pelo incumprimento do contrato, regime que resulta da aplicação articulada do disposto nos artigos 102, n.º3, alínea c), 104.º, n.º4 e 106.º, n.º2, todos do CIRE: direito igual ao valor da prestação do devedor, na parte incumprida, deduzido o valor da contraprestação correspondente que ainda não tenha sido realizada, acrescido de indemnização pelos prejuízos sofridos em virtude do incumprimento.

Considerando que não ficou provada a existência de qualquer diferença entre o valor do imóvel objecto do contrato-promessa na data da recusa de cumprimento e o preço convencionado entre os contraentes, o crédito dos promitentes-compradores terá de se reconduzir ao montante do sinal prestado e seus reforços que, conforme apurado, tem o valor de 62.900,00€.

Procedem, pois, nesta parte, as conclusões das alegações.


ð Do reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel objecto do contrato promessa que celebraram com a devedora insolvente  

2.2 Insurge-se ainda a Recorrente quanto à qualificação do crédito dos promitentes-compradores que o acórdão recorrido entendeu garantido com direito de retenção sobre o imóvel aprendido (socorrendo-se da doutrina fixada no AUJ n.º 4/2014, de 20-03 e da qualidade de consumidores dos respectivos beneficiários).

Pugna no sentido de ser classificado como um crédito comum, não tendo em conta o que a tal respeito se mostra decidido no AUJ n.º 4/2014.

Carece, por isso, de razão.

        

2.2.1 Não merece controvérsia o âmbito de aplicação do segmento uniformizador do referido AUJ n.º 4/2014, de 20-03, porquanto o mesmo se circunscreve às situações em que o credor promitente-comprador não obteve cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência[10].

Como salienta o acórdão deste Tribunal e Secção (6ª), de 11-05-2017, o AUJ 4/2014 fez instituir um regime especial em sede insolvencial, por forma a que apenas os promitentes-compradores consumidores cujo contrato tenha sido resolvido após a declaração de insolvência, pudessem gozar de privilégio em relação à hipoteca, em sede de graduação de créditos.[11]

         Na situação dos autos, na sequência do acima decidido, estando em causa negócio jurídico em curso para efeitos do disposto nos artigos 102.º e ss. do CIRE, há que fazer observar a jurisprudência fixada no AUJ n.º 4/2014[12], mostrando-se, por isso, relevante para o reconhecimento aos Recorridos do direito de retenção a circunstância dos mesmos serem considerados consumidores ao intervirem como promitentes compradores no negócio que firmaram com a sociedade declarada insolvente.    

         À questão de saber qual o conceito de consumidor adoptado pelo AUJ n.º 4/2014, que tem dividido a Jurisprudência, não podemos deixar de sufragar o posicionamento assumido no acórdão recorrido, aderindo ao conceito restrito do mesmo, ou seja, definindo para efeitos de reconhecimento do direito de retenção o promitente-comprador que destina o imóvel a uso particular, no sentido de não o comprar para revenda nem o afectar a uma actividade profissional ou lucrativa.

         Assim sendo, tal como concluído no acórdão recorrido, perante a factualidade provada no ponto n.º 8 (desde Setembro de 2009, BB e CC tomam as suas refeições, pernoitam e recebem amigos na moradia referida em 3).), considerando o uso que os Recorridos deram ao imóvel, resulta demonstrada a sua qualidade de consumidores e, consequentemente, há que reconhecer aos mesmos o direito de retenção sobre o imóvel.  

        Improcedem, pois, quanto a este aspecto, as conclusões das alegações.                  

IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista parcialmente procedente, alterando o acórdão recorrido apenas quanto ao montante do crédito a reconhecer aos Recorridos BB e CC, que se fixa no valor de 62.9000,00€ (sessenta e dois mil e novecentos euros).
Custas pela Recorrente e Recorridos em partes iguais.


Lisboa, 9 de Abril de 2019

Graça Amaral (Relatora)
Henrique Araújo
Maria Olinda Garcia

___________________
[1] Destacando-se a bold a matéria que para a revista assume relevância.
[2] Dando como provada a matéria da alínea a) referente à factualidade não provada, do seguinte teor: Os impugnados BB e CC entregaram à Insolvente outras quantias para além da indicada em 6), como reforço do sinal, no total de 52.900,00€.
[3] Imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º …-A, que constitui a verba n.º 9 dos 48 imóveis apreendidos para a massa insolvente.
[4] Contrato com tradito pois que, posteriormente, em 2009, foram entregues as chaves aos promitentes-compradores – cfr. n.º 7 da matéria de facto provada.
[5] Importa realçar que na situação sobre que recaiu o citado AUJ, ao invés do que acontece nos presentes autos, não estava em causa saber se o credor tinha direito ao sinal em singelo ou em dobro. Como esclarece o Acórdão do STJ, de 18-09-2018, desta 6.ª Secção, proferido na Revista n.º 1210/11.0TYVNG-D.P1.S1, “o que estava em causa era (unicamente) saber se havia lugar ao direito de retenção para garantia do crédito resultante do não cumprimento da promessa por parte do administrador da insolvência, e foi sobre isto que se pronunciou decisoriamente (…) nada decidiu sobre o montante do crédito (se em singelo, se a dobrar)”, sendo que “(…), reconheceu aos Autores o direito de retenção para garantia do crédito correspondente ao sinal em singelo”.
[6] Ainda que não o refira expressamente, a Recorrente opõe-se ao uso que o tribunal a quo fez de presunção que o levou a concluir pela declaração tácita e antecipada de incumprimento.
O uso de presunções enquanto realidades fácticas - extracção de ilações lógicas dos factos provados para firmar um facto desconhecido - assumem pleno cabimento no âmbito dos poderes da Relação, cabendo ao STJ, na sua intervenção limitada no domínio factual (cfr. artigo 674.º, n.º3, do CPC), sindicar o juízo presuntivo levado a cabo pelo Tribunal da Relação nos casos de violação de lei e das normas disciplinadoras do instituto, designadamente sempre que ocorra ilogicidade e/ou a alteração da factualidade provada.
[7] Apenas convencionaram na cláusula V A Escritura Pública de Compra e Venda da moradia prometida vender será efectuada logo que toda a documentação se encontre pronta para o efeito em Hora e Cartório a indicar pelo PRIMEIRO OUTORGANTE.
[8] Com o recurso a este processo especial visa-se o preenchimento de uma cláusula acessória omissa do contrato, indispensável para exigir o cumprimento da prestação e com isso determinar o início da mora.
           Note-se que não resulta demonstrado ter sido estabelecido um prazo limite absoluto cujo decurso implicaria a perda do interesse no negócio.
[9] Em que a aqui Relatora e o 1.º Conselheiro Adjunto tiveram intervenção, respectivamente, como 1ª e 2º Adjuntos.
[10] Cfr. neste sentido Acórdão do STJ de 29-07-2016, Processo n.º 6193/13.0TBBRG-H.G1.S1.
[11] Processo n.º 1308/10.2T2AVR-R.P1.S1, a cujo sumário se pode aceder através de https://www.stj.pt/?page_id=4471.
[12] Que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: «No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º, n.1, alínea f) do Código Civil».