Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
598/17.4YRLSB.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: CABRAL TAVARES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
ANULAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL
COMPETÊNCIA MATERIAL
CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
INTERPRETAÇÃO
TRIBUNAL ARBITRAL
INCOMPETÊNCIA
Data do Acordão: 12/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DECISÕES QUE ADMITEM RECURSO.
Doutrina:
- Mariana França Gouveia, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2.ª Edição, 2012, p. 253.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 237.º E 238.º.
671.º, N.º 3;
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 629.º, N.º 2, ALÍNEA A),
LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA (LAV): - ARTIGOS 1º, 18.º, N.ºS 1 E 5 E 47.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 30-06-2016;
- DE 13-10-2016;
- DE 07-12-2016;
- DE 15-02-2017;
- DE 20-06-2017;
- DE 08-10-2018, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :         

I -  O acórdão da Relação que, em recurso de anulação, confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, decisão arbitral interlocutória, a qual, à luz da convenção invocadamente celebrada entre as partes, se atribuiu competência para conhecer do litígio, é passível de revista para o STJ circunscrita a essa questão – arts. 671.º, n.º 3, primeira parte, e 629.º, n.º 2, al. a), do CPC.
II -  A decisão arbitral, para declarar a sua própria competência, nos termos do nº 1 do art. 18º da LAV/2011 (regra da Kompetenz-Kompetenz), sindicou a existência, validade, eficácia e aplicabilidade da convenção habilitante.
III – O ato de designação de árbitro pela parte não priva esta do direito de arguir a incompetência do tribunal arbitral para conhecer do litígio que lhe foi submetido – nº 5 do art. 18º da LAV.
IV – Na interpretação do acordo firmado pelas partes relevam os critérios previstos nos arts. 236º a 238º do CC; importa, no caso, distinguir entre o acordo constante da ata de reunião de 2009 e a invocada convenção de arbitragem técnica, objeto do último item do mesmo acordo.
V - O acordo de 2009, como vem referido na anterior decisão arbitral de 20015, sucede a outros e quadra-se na previsão do nº 8 da cláusula primeira do contrato de empreitada de 2007, onde se estabelecia que «as condições de execução dos trabalhos objecto da empreitada serão os constantes do presente contrato e as que, eventualmente, vierem a ser acordadas pelas partes, por escrito, posteriormente à sua assinatura».
VI – A anterior decisão arbitral de 2015, pendente de impugnação ainda por resolver, sentenciou as partes «em condenação a liquidar em execução de sentença, no cumprimento das obrigações por ambas assumidas» no acordo de 2009, modificando e redefinindo o quadro obrigacional emergente desse mesmo acordo, dando por cumpridas as vistorias e fixando o início da contagem dos prazos aí previstos.
VII - Devendo o objeto do presente litígio reconduzir-se à liquidação da condenação genérica proferida pela sentença arbitral de 2015 (com a modificação e redefinição pela mesma produzidas no acordo de 2009) – condenação que terá tido lugar, porque, embora os elementos constitutivos da liquidação tivessem já ocorrido, eles não haviam ainda sido determinados por prova pericial –, a decisão aqui impugnada, ao declarar que pretende dela conhecer, nos termos do nº 2 do art. 47º, a conjugar com o art. 1º, ambos da LAV, atribuiu-se competência para proceder à liquidação de uma sentença não transitada, tendo-se, embora, no mesmo despacho, prudencialmente determinado a suspensão da instância.
VIII - O acordo estabelecido em 2009, no que respeita à previsão de específica convenção de arbitragem na matéria, considerou esta como projeto de acordo, não tendo sequer esta fase preliminar (elaboração do projeto da convenção de arbitragem, bem como do auto de receção provisória, do qual aquele seria dependência, auto a minutar conforme as indicações então precisadas no acordo) da celebração da convenção sido realizada, com prejuízo desta última: inexiste convenção firmada que habilite o presente tribunal arbitral, constituído em Setembro de 2016, a conhecer do litígio.
     
Decisão Texto Integral:

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 22.9.2016, procedeu-se à instalação de tribunal arbitral ad hoc, sendo Requerente, AA, S.A. e Requerida, BB, S.A., com vista ao julgamento das questões enunciadas em acordo exarado na ata da reunião, de 2 de novembro de 2009 e, com uma disposição complementar, assinado em 20.1.2010. A requerida, tendo expressado reservas quanto à natureza e alcance da arbitragem, considerada outra já realizada, após o acordo em causa, dispôs-se a fornecer aos árbitros então designados os documentos necessários à decisão das questões por si suscitadas (ata de instalação, a fls. 410/8).

Em 13 de Fevereiro de 2017, nos termos do art. 18º da LAV (Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei 63/2011, de 14 de Dezembro), foi pelo tribunal proferida decisão interlocutória do seguinte teor (deliberação, a fls. 268/74):

«a) Julgar-se competente para conhecer do presente litígio, tal como o mesmo decorre das peças processuais apresentadas pelas partes;

b) Suspender os trâmites subsequentes do processo arbitral até haver decisão com trânsito em julgado do tribunal estadual competente sobre o pedido de anulação da sentença arbitral proferida em 6 de Outubro de 2015». 

2. A Requerida impugnou para a Relação a decisão arbitral, ao abrigo do disposto no nº 9 do art. 18ºda LAV, pedindo a anulação da mesma.

A Relação, tendo designadamente entendido que, com o referido acordo de 2.11.2009, as partes deixaram claro que pretendiam a intervenção de um novo tribunal arbitral, julgou a ação improcedente.

3. Pede revista a Ré/Requerida, assim concluindo a respetiva alegação:

«1. A "arbitragem técnica" prevista no Acordo lavrado em ata de reunião entre as partes que teve lugar em 2 de Novembro de 2009, tendo sido assinada já em 2010, não se deve realizar, por o Tribunal Arbitral constituído não ter competência para julgar o litígio;

2. A previsão no Acordo de realização de uma "arbitragem técnica" não está em vigor, tendo sido revogada pela realização de uma arbitragem, com um objeto que compreendeu todo o objeto da "arbitragem técnica" e ainda o excedeu largamente;

3. O Acordo, formalizado em 2009 e em 2010, não regula nem atribui competência para a liquidação da Sentença Arbitral proferida por um outro tribunal arbitral em 2016;

4. Nos seus precisos termos, essa previsão contratual estabeleceu que a "arbitragem técnica" seria constituída em termos a acordar em anexo ao auto de receção provisória da obra;

5. Ora, esse acordo não existiu, e nem mesmo existe um auto de receção provisória, por o R. Recorrido se ter recusado a assiná-lo, pelo que este não pode impor à A. Recorrente a realização da arbitragem técnica;

6. Baseando-se a arbitragem na vontade das partes, se as partes livremente acordarem que a realização da arbitragem fica dependente da efetivação de certos procedimentos, a vontade das partes produz efeitos jurídicos, pelo que, se esses procedimentos não se realizarem, as partes terão de recorrer à justiça estadual;

7. Acresce que, no caso, os procedimentos previstos pelas partes, maxime o auto de receção provisória, não existiu por o R. Recorrido se ter recusado a assiná-lo, pelo que este não pode impor à A. Recorrente a realização dessa arbitragem;

8. O objeto da presente arbitragem só pontualmente coincide com a convenção de arbitragem técnica, em muito a excedendo, e assim sem qualquer acessoriedade.

9. Existe um conjunto de questões litigiosas em aberto, não decididas pela sentença arbitral, que excedem o objeto da "arbitragem técnica" definido no Acordo, não tendo o tribunal arbitral, por conseguinte, competência para analisar e julgar essas questões;

10. 0 douto acórdão recorrido viola o disposto nos arts. 405º, 406º, 236º e 238º do C.C., e 1º, n.º 1, 2°,18°, n.º 5, 46º, n.º 3, iii) e iv), da Lei da Arbitragem Voluntária.»

Contra-alegou a Recorrida, na abertura suscitando a questão da inadmissibilidade do recurso e concluindo do seguinte modo:

«1.ª O presente recurso de revista tem por objecto unicamente a matéria que justificou a sua admissão, ou seja, a alegada violação das regras de competência em razão da matéria, porquanto, qualquer outra questão invocada pelo Recorrente não deverá ser conhecida pelo douto tribunal (vd. art. 671.°, n.º 2, al. a), art. 629.°, n.º 2, al, a) do CPC, … . …);

2.ª O tribunal arbitral foi validamente constituído para decidir a "arbitragem técnica", consubstanciado na convenção de arbitragem celebrada entre as partes no Acordo de 02.11.2009, com o entendimento e nos termos da condenação genérica prevista na decisão arbitral de 2015;

3.ª A convenção de arbitragem do acordo de 02.11.2009 é válida e está em vigor, porquanto, não existiu, nem existe, qualquer revogação tácita, em qualquer sentido, verbal, escrita ou comportamental, uma vez que, as partes não trocaram qualquer tipo de comunicação no sentido de revogarem a cláusula de arbitragem técnica, sendo inexistente qualquer diálogo, correspondência ou documento que colocasse sequer essa hipótese;

4.ª Ao contrário do alegado pelo Recorrente, o objecto da arbitragem técnica tem total correspondência com a previsão da convenção de arbitragem prevista no Acordo celebrado entre as partes, em 02.11.2009, com o entendimento referido na condenação da decisão arbitral de 2015, com o intuito de resolver definitivamente o litígio decorrente do contrato de empreitada do Empreendimento ...;

5.ª Da simples comparação entre os artigos 9.° e 30.° da petição inicial do Recorrente, onde são referidos os objectos dos dois litígios, é clara a distinção do objecto das arbitragens, sendo certo que a segunda arbitragem consubstancia a liquidação da condenação genérica que resulta da decisão arbitral de 2015, não estando por isso esgotado, de nenhuma forma, o seu objecto;

6.ª Ao contrário do invocado pelo Recorrente, quanto à alegada falta de competência do tribunal arbitral para proceder à liquidação de sentença arbitral de condenação genérica, desde já se conclui que carece de qualquer fundamento ou suporte legal, pelo que não poderá ser fundamento da presente acção de anulação nos termos e para os efeitos do art. 46.º n.º 3, alínea a) iii) da LAV, não merecendo qualquer censura o entendimento da decisão arbitral e do douto acórdão recorrido;

7.ª A inexistência do auto de recepção provisória de obra não abala, nem atinge, a validade da convenção de arbitragem prevista no Acordo celebrado entre as partes em 02.11.2009, nem a competência do douto tribunal arbitral que proferiu o despacho que o Recorrente pretende anular;

8.ª A arbitragem técnica consubstancia o entendimento das partes na convenção de arbitragem presente no Acordo de 02.11.2009 e a condenação genérica da decisão proferida por tribunal arbitral em 2015;

9.ª O douto acórdão recorrido não enferma assim de quaisquer erros de julgamento.»

4. Neste tribunal, foi pelo relator mandado notificar a Recorrente para (i) se pronunciar, querendo, sobre a questão da inadmissibilidade do recurso, atento o disposto nos arts. 679º e 655º, nº 2 e os termos de abertura da alegação da Recorrida e (ii) informar se a instância arbitral se mantém suspensa, bem como do estado atual da ação de anulação parcial da sentença arbitral, de 6 de Outubro de 2015, igualmente por si intentada.

Respondeu a Recorrente, sustentando a admissibilidade do recurso e prestando as informações solicitadas; a ação de anulação da anterior decisão arbitral não foi ainda submetida à apreciação do tribunal da 1ª instância, após este tribunal, por acórdão de 21.9.2017, ter confirmado o acórdão da Relação que, por aplicação da LAV de 86, se julgara incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer da ação.

4. Vistos os autos, cumpre decidir.

II

Admissibilidade do recurso e respetivos termos

5. Possibilitada a existência de tribunais arbitrais pela Constituição (art. 209º, nº 2), a sentença arbitral é equiparada à do tribunal estadual, nos termos previstos no art. 42º, nº 7 da LAV (naturalmente admitindo tal equiparação «realidades desiguais, com distintas fontes de legitimação, percursos processuais diversos e características variadas» – Mariana França Gouveia, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2ª ed., 2012, pág. 253).

Da decisão proferida pelo tribunal arbitral coube recurso diretamente para a Relação, nos termos dos arts. 18º, nº 9 e 46º, nºs. 2, alínea e), 3, alínea a) - iii) [a subalínea iv), no presente recurso invocada pela recorrente, não está contida no âmbito de previsão do nº 9 do art. 18º] e 9 e 59º, nº 1, alínea f), todos da LAV.

Recurso de anulação (com efeitos meramente cassatórios, não sendo atribuída ao tribunal estadual competência substitutiva), sendo, pois, o acórdão da Relação proferido em sede recursória.

O subsequente recurso para este tribunal, por expressa remissão do nº 8 do art. 59º da LAV, é regido pela lei geral do processo.

O acórdão da Relação, ao confirmar a decisão impugnada (decisão interlocutória, mas que não versa sobre matéria adjetiva), não aduziu fundamentação essencialmente diferente da que naquela decisão fora produzida, antes a ela, com desenvolvimentos pontuais, se reconduzindo, como adiante melhor se verá.

Cabe, deste modo, admitir o recurso nos termos excecionados nos arts. 671º, nº 3, primeira parte e 629º, nº 2, alínea a) do CPC, enquanto fundado na incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral (neste sentido, quadrando a situação na previsão do nº 2 do art. 671º do CPC, acórdão deste tribunal, de 20.3.2018; na jurisprudência do STA, relativamente à disposição paralela constante do nº 2 do art. 59º da LAV, para a qual remete o art. 185º-A do CPTA, é corrente o entendimento da inadmissibilidade do recurso, como regra, sendo apenas admitido como revista excecional, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA – v. g., acórdãos de 8.10.2018, 20.6.2017, 15.2.2017, 7.12.2016, 13.10.2016, 30.6.2016; todos os citados acórdãos, e o adiante referido, publicados em www.dgsi.pt).

Mesmo a entender-se, porventura, que haveria que configurar o acórdão proferido pela Relação como decisão em 1ª instância (com esse diverso entendimento, acórdãos de 10.11.2016 e 27.9.2018), vindo a incompetência do tribunal arguida em razão do pacto de arbitragem que deveria fundamentar a sua constituição e sendo sobre tal relação que nuclearmente incidem as conclusões da alegação da Recorrente, não resultaria, no caso, sensivelmente alterado (ampliado) o âmbito de conhecimento da revista.

III

Delimitação do objeto do recurso

6. Considerados os termos em que o presente recurso é admitido (supra, 5) e as transcritas conclusões da alegação da Recorrente (CPC, art. 639º, nºs 1 e 2), a questão a decidir respeita a saber se o tribunal arbitral, à luz da invocada convenção arbitral – e em razão da sua existência, validade, eficácia e aplicabilidadeé competente para decidir do litígio, tal como lhe fora apresentado.

Designadamente, em termos de aplicabilidade da convenção em causa, a questão confronta-se com a do alcance a atribuir à anterior arbitragem, que teve lugar já depois daquela convenção.

7. Factos a considerar.

7.1. Na decisão arbitral foram considerados os seguintes factos, tais como transcritos no acórdão da Relação:

«a) O Demandante celebrou em 18 de Janeiro de 2007 com a CC, S.A., designação anterior da Demandada, um contrato de empreitada para a execução de trabalhos de construção civil no empreendimento denominado «...», sito em Lisboa.

b) Da execução desse contrato resultaram diversas divergências entre as Partes, relativas à existência de alegados defeitos nos trabalhos realizados pela Demandada, assim como à existência de facturas alegadamente em dívida pelo Demandante.

c) Em reunião havida em 2 de Novembro de 2009, foi celebrado um acordo entre as Partes, consignado em ata junta à petição inicial como documento 5, que aqui se dá como reproduzido.

d) Nesse documento, que foi assinado em 20 de Janeiro de 2010, estipulou-se que as Partes se comprometiam a «envidar esforços para chegarem a acordo para fecho da empreitada até ao dia 30.11.2009».

e) Caso não fosse possível lograr a celebração de acordo até essa data, seria «constituída arbitragem técnica nos termos de acordo anexo ao auto de recepção provisória, sendo nomeado um árbitro por ambas as Partes e o Presidente por acordo entre os árbitros nomeados, ou na falta de acordo, pelo Tribunal da Comarca de Lisboa».

f) O Tribunal Arbitral assim constituído deveria decidir sobre o seguinte:

«- A existência dos defeitos/obras mal executadas imputáveis à CC e respectiva valorização;

- Existência dos pagamentos efectuados invocados pelo Dono da Obra bem como dos trabalhos a mais e demais encargos invocados pela CC, valorando o montante que se mostrar devido por força da execução do contrato acima referido e atribuindo o mesmo à parte credora;

- Concluindo por uma decisão que atribua à parte credora o direito ao recebimento do montante que vier a ser apurado».

g) Entretanto, foi constituído Tribunal Arbitral ao abrigo da convenção de arbitragem constante da cláusula 19ª do contrato celebrado pelas Partes em 18 de Janeiro de 2007.

h) Em 6 de Outubro de 2015, foi proferida por esse Tribunal a sentença arbitral junta à petição inicial como documento n.° 2, que aqui se dá por reproduzido.

i) Essa sentença declara, no seu n.° 4, o seguinte (transcreve-se apenas a parte tida como relevante para os efeitos da presente decisão): «Sendo inválida a declaração de resolução do contrato de empreitada declarada pelo Demandado, por carta datada de 6 de Setembro de 2010 dirigida à demandante e por esta recebida, e encontrando-se assim em vigor o mesmo contrato, com a configuração que lhe foi dada pelo acordo celebrado entre as Partes em 2 de Novembro de 2009, com o "Aditamento" datado de 20 de Janeiro de 2010 - conferir as considerações supra, feitas em VIII "MULTA" - ao abrigo da autorização dos árbitros para julgar de acordo com a equidade, condenam-se as partes, em condenação a liquidar em execução de sentença, no cumprimento das obrigações por ambas assumidas nesse acordo, dando-se por reproduzida a acta de reunião referira no n.° 34 dos factos provados, e que se encontrarem com actualidade e em mora».

j) Em acórdão sobre um pedido de aclaração da decisão arbitral, proferido em 6 de Novembro de 2015, declarou ainda o mesmo Tribunal Arbitral: «será no âmbito da liquidação em execução de sentença que se determinará se os custos as eventuais reparações de defeitos assinalados nos autos de vistoria, que tenham já sido realizados por conta do Demandado e que sejam considerados da responsabilidade da Demandante, são correctos e razoáveis, de acordo com cada obra correspondente, fixando o seu justo valor».

k) A Demandada intentou subsequentemente acção de anulação dessa sentença arbitral, encontrando-se pendente o respectivo processo.

l) Por seu turno, o Demandante instaurou em 28 de janeiro de 2016 a arbitragem prevista no acordo de 2 de novembro de 2009, por carta remetida à Demandada, em que designou o respetivo árbitro.

m) A Demandada respondeu em 25 de fevereiro de 2016, designando o árbitro que lhe competia nomear ao abrigo do mesmo acordo.

n) O Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa nomeou o Árbitro Presidente por despacho de 7 de julho de 2016.

o) O Demandante peticionou na presente arbitragem o seguinte: «Deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência: a) Fixar-se a valoração dos defeitos existentes no Empreendimento "..." em, pelo menos, € 5.373.793,71 (cinco milhões trezentos esetenta e três mil setecentos noventa e três euros e setenta e um cêntimos), correspondente à soma das reparações já efectuadas pelo Demandante às que faltam concretizar para eliminação dos defeitos existentes; b) Ser a Demandada condenada a ressarcir o Demandante de todos os montantes já despendidos com a reparação de vícios e defeitos no Empreendimento "...", que nesta data se cifram em € 1.628.793,71 (um milhão seiscentos e vinte e oito mil, setecentos e noventa e três euros e setenta e um cêntimos); c) Ser a Demandada condenada a ressarcir o Demandante por todos os montantes necessários para a correcção dos trabalhos de reparação dos vícios e defeitos da Empreitada em que este ainda vier a incorrer na decorrência do presente processo; d) Ser a Demandada condenada a pagar ao Demandante o valor necessário para a eliminação dos defeitos ainda existentes no Empreendimento "..." e que actualmente se estima em € 3.750.000,00 (três milhões setecentos e cinquenta mil euros), nos termos do acordo celebrado em 02.11.2009, ou, alternativamente ao presente pedido: e) Ser a Demandada condenada a reparar os defeitos identificados nos autos de vistoria assinados pelas partes em 2010 e dos demais defeitos entretanto verificados; f) Em qualquer dos casos, deve ainda a Demandada ser condenada a pagar ao Demandante juros legais, acrescidos, a partir do trânsito em julgado da decisão de condenação que vier a ser proferida, de juros à taxa anual de 5%, nos termos do disposto no art. 829°-A/4 do Código Civil, tudo com as legais consequências.»».

7.2. Vista a ata da reunião, de 2.11.2009, a fls. 147/52, precisa-se, com referência aos factos enunciados na sentença arbitral, sob as alíneas c) a f):

c') A reunião acordada seguiu-se ao envio de carta pela empreiteira, em 27.10.2009, comunicando a suspensão dos trabalhos de reparações  e dos trabalhos a mais, até pagamento da dívida invocada e o exercício do direito de retenção do empreendimento, cujos efeitos ficaram suspensos por carta de 30 do mesmo mês, em vista da mesma reunião.

c'’) O objetivo da reunião consistia em procurar solucionar a existente «discordância quanto à verificação das condições necessárias para ser efectuada a recepção provisória da obra atentos os diversos defeitos e má execução de trabalhos alegados pelo dono da obra».

d) Após diversas intervenções de ambas as partes, foi sugerido «que fosse celebrado acordo, nos seguintes termos:

- O dono da obra procederá ao início da vistoria para recepção provisória no dia 05.11.2009, mediante a elaboração de auto de recepção  onde constarão todos os defeitos e trabalhos de empreitada mal executados, prazo para a reparação, posição do empreiteiro no que respeita aos defeitos e prazo, mencionando ainda os trabalhos a mais e demais pagamentos ao dono da obra objecto de divergência;

- A CC irá proceder à obtenção do certificado da ..., entregando-o ao dono da obra aquando da recepção provisória bem como à entrega das garantias e manuais de utilização do AVAC (…);

- Para o feito, a CC remeterá ao (…) [indicação de representante do dono da obra] minuta de auto de recepção provisória de forma a ser adaptada nos termos do ponto anterior;

- Após a recepção provisória, a CC compromete-se a iniciar, no prazo de 10 dias, a execução de todos os trabalhos que se verifiquem necessários à reparação dos defeitos / trabalhos mal executados constantes dos relatórios anexos ao referido auto de recepção sobre os quais exista acordo e/ou a apresentar resposta fundamentada sobre os danos / obras mal executadas sobre as quais não se considere responsável ou considere devidamente elaborados;

- Contra a assinatura do auto de recepção provisória, o dono da obra procederá ao pagamento de 1.000.000,00 (…) à CC bem como à entrega de garantia pelo restante valor, considerando a facturação emitida com base em trabalhos aceites pelo dono da obra / fiscalização;

- Após o prazo de reparação das anomalias reconhecidas pela CC será feito uma quantificação das reparações não aceites por aquela, mediante a intervenção das partes, assessoradas pelos respectivos técnicos;

- Caso o valor do seguro de caução seja seja superior ao montante determinado, terão de ser liquidados à CC, de forma integral, os valores em dívida;

- Caso seja inferior, manter-se-á o seguro-caução e ainda o montante que seja necessário para assegurar a totalidade do valor que resulte da quantificação feita pelas partes, sendo o excedente liquidado de imediato à CC;

- As partes comprometem-se a envidar esforços para chegarem a acordo para fecho da empreitada até ao dia 30.11.2009;

e) E, como último item do sugerido acordo:

«- Caso não seja possível lograr a celebração de acordo até essa data, será constituída arbitragem técnica nos termos de acordo anexo ao auto de recepção provisória, sendo nomeado um árbitro por ambas as partes e o Presidente por acordo entre os árbitros nomeados, ou na falta de acordo, pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, que deverá decidir até 30.12.2009 sobre o seguinte:

- A existência dos defeitos/obras mal executadas imputáveis à CC e respectiva valorização;

- Existência dos pagamentos efectuados invocados pelo Dono da Obra bem como dos trabalhos a mais e demais encargos invocados pela CC, valorando o montante que se mostrar devido por força da execução do contrato acima referido e atribuindo o mesmo à parte credora;

- Concluindo por uma decisão que atribua à parte credora o direito ao recebimento do montante que vier a ser apurado.»

f) Foi discutida a proposta, «tendo ficado acordado que se iria elaborar a presente acta de reunião, bem como projecto de acordo e auto de recepção provisória nos termos sugeridos (…)».

f’) Aquando da assinatura da ata, em 20.1.2010, consignou-se em disposição complementar que o início da vistoria para a receção provisória iria ocorrer entre 25.1.2010 e 5.2.2010, devendo os demais prazos ser acrescidos de 80 dias (5.11.2009 passaria a corresponder a 25.1.2010; 30.11.2009 a 20.2.2010; 30.12.2009 a 20.3.2010).

7.3. Relativamente à anterior arbitragem – alíneas g) a j) dos factos enunciados –, vistos o acordo de instalação, de 2.3.2011 e a sentença arbitral, de 6.10.2015 (fls. 37/44 e 45/69), a eles será feita referência pontual no decurso do exame subsequente, deixando-se apenas precisado, relativamente à matéria contida na alínea g):

g') A convenção de arbitragem, constante da cláusula 19ª do contrato de 2007, previa uma fase prévia com realização de tentativa de conciliação e dispunha acerca da constituição do tribunal, da definição do objeto do litígio, da irrecorribilidade da decisão, estabelecendo designadamente:

«(…)

3. Todas as questões e litígios que se suscitem quanto à interpretação, execução e validade do presente contrato que não possam ser resolvidos nos termos supra [através de tentativa de conciliação], serão resolvidos mediante o recurso à arbitragem

4. A arbitragem será realizada por um tribunal constituído nos termos da presente cláusula e, supletivamente, de acordo com o disposto na Lei nº 31/86, de 26 de Agosto.

(…)».

8. Do Direito.

8.1. Presentes o comedido âmbito de apreciação pela lei cometido ao tribunal estadual no recurso de anulação da decisão arbitral e a restrição do objeto da revista (supra, 5 e 6).

A dilucidação da questão decidenda assenta, no caso dos autos, na interpretação do acordo entre as partes realizado em 2.11.2009 e assinado em 20.1.2010.

No mesmo acordo – rectius, na última cláusula desse acordo –, encontrar-se-ia estabelecido, para os efeitos previstos no art. 2º da LAD, um pacto de jurisdição, devidamente escrito e assinado, com a identidade das partes, a clara determinação do objeto do litígio.

A sentença arbitral, ao decidir da sua própria competência, nos termos do nº 1 do art. 18º da LAV (regra da Kompetenz-Kompetenz), declarando-a, para tanto sindicando a existência, validade, a eficácia e a aplicabilidade do pacto habilitante, sufragou na matéria o entendimento da Demandante; a Relação veio confirmar tal decisão.

A Demandada, ora Recorrente, reitera, em primeira linha, nas conclusões da sua alegação, a inexistência de pacto, tendo, aquando da instalação do tribunal e ao designar o árbitro, logo formulado reservas quanto à natureza e alcance da arbitragem (o ato de designação de árbitro, contudo, não a privaria do direito de arguir a incompetência do tribunal arbitral para conhecer do litígio que lhe foi submetido – nº 5 do art. 18º da LAV).

Na prosseguida indagação interpretativa importa seguir os critérios previstos nos arts. 236º a 238º do CC.

8.2. Importa, antes do mais, distinguir, nos exatos termos constantes da ata da reunião de 2.11.2009 (acima, em 7.2, contextualizada e mais detidamente transcrita), entre o acordo da mesma constante e o pacto de arbitragem objeto do último item desse mesmo acordo.

Esse acordo é, desde logo, invocado pela Demandante da 1ª arbitragem, ora Recorrente.

Conforme consta do acordo de instalação dessa arbitragem, a Demandante definiu o objeto do litígio, nos seguintes termos: «(…) determinação dos direitos da CC relativamente às seguintes questões: (…); 2. Incumprimento pela Interfundos das obrigações que assumiu pelo acordo que ficou lavrado em acta de reunião datada de 2 de Novembro de 2009, incluindo a recepção provisória da obra, a omissão de entrega de garantia bancária e pagamento de EUR 1.000.000, e condenação da Interfundos no pagamento de todos os danos causados por esse incumprimento; (…)» (realce acresc.).

A reunião de 2 de Novembro de 2009, bem como as comunicações que imediatamente a antecederam, constam dos factos 32 a 35 dados como provados na anterior arbitragem.

O acordo de 2009, como vem referido na decisão arbitral de 20015, sucede a outros e quadra-se na previsão do nº 8 da cláusula primeira do contrato de empreitada de 2007, onde se estabelecia que «as condições de execução dos trabalhos objecto da empreitada serão os constantes do presente contrato e as que, eventualmente, vierem a ser acordadas pelas partes, por escrito, posteriormente à sua assinatura» (realce acresc.).

8.3. Decidindo do que lhe fora demandado, a sentença arbitral de 2015 sentenciou as partes «em condenação a liquidar em execução de sentença, no cumprimento das obrigações por ambas assumidas» no acordo de 2009 [supra, 7.1 facto i)], mas, conforme os nºs. 3, 4 e 5 da decisão [sobre o nº 5 incide o aclaramento constante do facto i)], modificando e redefinindo o quadro obrigacional emergente desse mesmo acordo, designadamente isentando as partes do cumprimento das obrigações estabelecidas nos 2º e 3º itens [supra, 7.2 facto d)], dando por cumpridas as vistorias e fixando o início da contagem dos prazos aí previstos.

Considera o acórdão da Relação «claramente evidenciado que o objecto da 2ª arbitragem não está esgotado»; a decisão impugnada entende ser «manifesto que o litígio sub judice não foi integralmente resolvido pelo Tribunal Arbitral que proferiu a sentença arbitral de 6 de outubro de 2015, entretanto impugnada pela Demandada».

Devendo o objeto do presente litígio reconduzir-se à liquidação da condenação genérica proferida pela sentença arbitral de 2015 (com a modificação e redefinição pelo mesmo produzidas no acordo de 2009) – condenação que terá tido lugar, porque, embora os elementos constitutivos da liquidação tivessem já ocorrido, eles não haviam ainda sido determinados por prova pericial –, a decisão impugnada, ao declarar que pretende dela conhecer, nos termos do nº 2 (por lapso, vem referido o nº 1) do art. 47º, a conjugar com o art. 1º, ambos da LAV, atribuiu-se competência para proceder à liquidação de uma sentença não transitada, tendo-se, embora, no mesmo despacho, prudencialmente determinado a suspensão da instância.  

8.4. A convenção de arbitragem, objeto, como referido, do último item do acordo de 2009, não é, direta ou indiretamente, considerada na sentença arbitral de 2015: não pode, pois, com todo o devido respeito pela posição expressa na decisão impugnada, reafirmada no acórdão da Relação, extrair-se a ilação de que a eficácia da convenção de arbitragem de 2009 resulta reforçada, na medida em que aquela primeira decisão condena as Partes a cumprirem o acordo de que essa convenção consta.

Que a convenção arbitral é parte integrante do acordo alcançado em 2009 constitui, justamente, o quod erat demonstrandum.

As decisões das instâncias, no entanto, supõem a existência da convenção arbitral de 2009, situando o exame da questão no plano da eficácia da convenção, nessa linha vindo referido o anexo ao auto de receção provisória da obra como condição da eficácia daquela, remetendo a alegação da Recorrente à condição de argumento de natureza meramente formal.

O acórdão da Relação reafirma o entendimento expresso na decisão impugnada de que «a divergência surgida entre as partes, impeditiva da elaboração do auto de recepção provisória da obra, não pode privar qualquer uma delas de constituir o tribunal arbitral nos termos contratualmente previstos».

Transcreve passo da decisão arbitral: «(...) se assim fosse a efetiva realização da arbitragem ficaria na disponibilidade de uma das Partes, que a poderia impedir, recusando-se (como sucedeu no caso vertente) a assinar o auto de receção provisória, o que não pode ter-se como admissível à luz do princípio da boa fé e da proscrição, a ele inerente, do venire contra factum proprium».

E acrescenta: «(…). Tanto assim é que tanto o primeiro como o segundo tribunal arbitral foram regularmente constituídos sem que a A. tivesse suscitado oportunamente a questão, optando antes por designar o seu árbitro e reagindo apenas na sequência da declaração de competência».

Deve, quanto a este último ponto, serem consideradas as reservas quanto à natureza e alcance da arbitragem, logo manifestadas pela ora Recorrente aquando da instalação do tribunal, bem como o regime contido no nº 5 do art. 18º da LAV (supra, 1 e 8.1).

8.5. A questão conduz-nos, por uma última vez, ao estabelecimento do acordo de 2009 e, sem descurar o contexto, à sua interpretação, mais precisamente dirigida à previsão, no último item, de uma convenção de arbitragem (supra, 7.2).

O acordo de 2009, como se referiu (supra, 8.2), inscreve-se na sucessão de outros e no quadro de previsão do nº 8 da cláusula 1ª do contrato de empreitada de 2007.

A decisão arbitral de 2015, para a decisão do litígio, teve de detidamente examinar o acordo de 2009 e determinar o seu alcance.

Escreveu-se nela (pp. 31/2): «(…). O último desses consensos foi obtido a 2 de Novembro (com confirmação e “aditamento” – novos prazos de execução do acordado – de 20 de Janeiro seguinte). Através dele estabeleceu-se o método e a forma para se encontrar, com equilíbrio, o que mais haveria a fazer na obra para ela se concluir, incluindo a reparação de defeitos, bem como para se encontrar quem devia o quê, a quem. No fundo, as Partes vieram ao encontro do entendimento convencionado na cláusula 14ª do contrato de empreitada [conforme consta do nº 13 dos factos provados, foi aí acordado que «logo que os trabalhos estivessem concluídos, a empreiteira notificaria por escrito o dono da obra para efeitos de vistoria e recepção provisória, a qual deverá ter lugar no prazo máximo de dez dias de calendário a contar do envio daquela notificação (…)»], “aperfeiçoando-o” com os detalhes que as circunstâncias impuseram. (…) toda a economia do consenso então obtido aponta para soluções de transacção na resolução do conflito, que, ultrapassando e derrogando acordos anteriores, passou a definir o futuro da concertação dos interesses de ambas as Partes (…) Dono da Obra e Empreiteira tinham nessa altura por prioritário encontrar o entendimento necessário para a obra chegar ao seu termo, transigindo na exacta medida em que se viabilizassem os acabamentos e o consequente acerto de contas entre as Partes».

Observou-se que esse último acordo alcançado «se configurava, ao tempo, ser manifestamente hábil para pôr termo às divergências então estabelecidas» (pág. 28).

8.6. No último item do acordo, para a hipótese de as Partes não «chegarem a acordo para fecho da empreitada até ao dia 20.2.2010» (conforme nova data constante da disposição complementar, consignada aquando da assinatura da ata, em 20.1.2010), ficou previsto que «será constituída arbitragem técnica nos termos de acordo anexo ao auto de recepção provisória», logo aí ficando (i) indicada a sua composição, (ii) determinado o objeto do litígio e (iii) fixado o prazo, com termo em 20.3.2010 (ibidem), para a sentença arbitral ser proferida.

Após discussão, ficou «acordado que se iria elaborar a presente acta de reunião, bem como projecto de acordo e auto de recepção provisória nos termos sugeridos».

O acordo estabelecido em 2009, no que respeita à previsão de específica convenção de arbitragem na matéria, considerou esta como projeto de acordo, não tendo sequer esta fase preliminar (elaboração do projeto da convenção de arbitragem, bem como do auto de receção provisória, do qual aquele seria dependência, auto a minutar conforme as indicações então precisadas no acordo) da celebração da convenção sido realizada, com prejuízo desta última.

Inexiste, pois, convenção que habilite o presente tribunal arbitral, constituído em Setembro de 2016, a conhecer do litígio.

Bem se compreenderá que, tendo «toda a economia do consenso (…) soluções de transacção na resolução do conflito», a que alude a decisão arbitral de 2015, pela derradeira vez cristalizadas no acordo de 2009/2010, entretanto consumidas pela declaração de resolução do contrato de empreitada (por aquela decisão julgada inválida), que as Partes não tivessem avançado no procedimento de celebração de convenção arbitral, verdadeiro fecho de abóbada do que, à altura, supunham ser a fórmula final de resolução do conflito.

Desnecessário acessoriamente cuidar de saber se, porventura a ter-se por firmada a convenção de arbitragem em causa, vindo o estabelecimento da mesma temporalmente condicionado à prolação de sentença arbitral em prazo fixado (válida estipulação facultada às partes e exorbitante do âmbito de previsão do nº 3 do art. 43º da LAV), tal convenção careceria de eficácia, quando invocada para a constituição do presente tribunal arbitral.

IV

Nos termos expostos, acorda-se em conceder a revista e, revogando-se o acórdão recorrido, tem-se por anulada a decisão impugnada, por falta de atribuição de competência ao tribunal arbitral para conhecer do litígio.

Custas, em ambos os recursos, pela Recorrida.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2018

J. Cabral Tavares (Relator)

Fátima Gomes

Acácio das Neves