Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8760/16.0T8VNG.P1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
SUBSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL RECORRIDO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
INQUÉRITO
INTERRUPÇÃO DA CADUCIDADE
Data do Acordão: 02/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDAS AS NULIDADES DO ACÓRDÃO. NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PODER DISCIPLINAR / CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / MODALIDADES DE DESPEDIMENTO / DESPEDIMENTO POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR.
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCESSO COMUM / SENTENÇA / ARGUIÇÃO DE NULIDADES DA SENTENÇA / RECURSOS / ADMISSÃO, INDEFERIMENTO OU RETENÇÃO DE RECURSO.
Doutrina:
- Abranches Pinto, Instituto Disciplinar Laboral, Coimbra Editora, p. 143/144;
- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.ª edição, Almedina, p. 563;
- José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, anotado, volume 2º, 3.ª edição, Almedina, p. 746;
- Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª edição, Principia, 2017, p. 200/204.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 329.º, N.º 2 E 352.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 77.º, N.º 1 E 82.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 615.º, N.º 1, ALÍNEA D), 641.º, N.º 2, ALÍNEA B), 665.º, N.º 2, 666.º E 674.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 09-02-2017, PROCESSO N.º 2913/14.3TTLSB.L1.S1;
- DE 23-05-2018, PROCESSO N.º 7489/15.1T8LSB.L1.S1.
Sumário :
I. Não se verifica nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia, quando o Tribunal da Relação em obediência ao princípio da substituição ao tribunal recorrido, nos termos do artigo 665º, n.º 2, do CPC, e sem ter havido recurso subordinado, conhece de questão que o tribunal da 1ª instância não conheceu por ter sido considerada prejudicada, pela solução dada ao pleito.

II. O inquérito prévio a que alude o artigo 352º, do CT, é um procedimento constituído, no seu essencial, pelo conjunto de atos necessários para se apurar factos com eventual relevo disciplinar, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os mesmos ocorreram e as consequências deles eventualmente decorrentes.

III. A abertura de um procedimento de inquérito prévio, nos termos do artigo 352º, do CT, para apurar as circunstâncias em que os factos ocorreram, com a realização de apenas duas diligências que demoraram dois dias, e que entre a sua abertura e a notificação da nota de culpa ao trabalhador decorreram 37 dias, não tem eficácia interruptiva da caducidade do prazo estabelecido no artigo 329º, n.º 2, do CT, por a sua condução não ter ocorrido com a diligência devida. 
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça[1]

           


I

            Relatório[2]:

                 

1). , com o benefício do Apoio Judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e dos demais encargos com o processo, mediante apresentação do formulário a que aludem os artigos 387º, n.º 2, do Código do Trabalho[3], e 98º-C e 98º-D, do Código de Processo do Trabalho[4], instaurou, em 17 de outubro de 2016, a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do seu despedimento, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia – Instância Central – 5ª Secção do Trabalho, Juiz 3, contra “BB, IPSS”, pedindo que seja declarada a sua ilicitude ou irregularidade.

2). Efetuou-se a audiência de partes, tendo-se frustrado a conciliação.

3). A Empregadora apresentou articulado motivador do despedimento, alegando, em síntese, que no dia 03 de maio de 2016, a Trabalhadora, no exercício das funções de auxiliar de ação educativa, desferiu uma pancada no rabo e outra na cabeça de uma criança de 3 anos, por não se ter controlado antes de chegar à sanita, e se ter sujado, bem como a sua roupa e a casa de banho.

Mais, alega, que apenas tomou conhecimento de tais factos dois dias depois, através da mãe da criança e que confrontada a Trabalhadora com os factos, por parte da educadora responsável, começou por negar a respetiva ocorrência, mas, após muita insistência, acabou por confirmar a pancada no rabo da criança.

Concluiu, pedindo que seja declarada a licitude do despedimento e requereu que, nos termos do artigo 98º-J, n.º 2, do CTP, se exclua a reintegração da Trabalhadora.

4). Por sua vez, também esta apresentou o seu articulado, invocando, por exceção, a caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar, alegando, para o efeito, que a Empregadora teve conhecimento dos factos no dia 05 de maio de 2016, que foi notificada da nota de culpa em 07 de julho de 2016, e que o processo prévio de inquérito levado a cabo pela Empregadora, e do qual nunca foi notificada, não tem a virtualidade de interromper o prazo de caducidade.

No mais, impugnou parcialmente a factualidade alegada pela Empregadora, apenas admitindo ter dado uma pequena pancada no rabo da criança, defendendo que tal facto não integra justa causa para o seu despedimento até porque continuou ao serviço da instituição durante a pendência do procedimento disciplinar.

Concluiu, pedindo que seja julgada procedente a caducidade do procedimento disciplinar ou, caso assim se não se entenda, seja declarada a ilicitude do seu despedimento, por inexistência de justa causa para o efeito.

5). A Empregadora respondeu, pugnando pela improcedência da exceção de caducidade invocada pela Trabalhadora, com o fundamento de que o processo prévio de inquérito levado a cabo interrompeu o respetivo prazo.

6). Por despacho proferido em 26.01.2017, ao abrigo dos artigos 6º, do Código de Processo Civil[5], e 61º, do CPT, foi formulado convite à Trabalhadora para, querendo, apresentar articulado complementar, em que procedesse à concretização do pedido e à alegação de factos omissos, nomeadamente qual a retribuição mensal que auferia à data do despedimento.

7). Pela Trabalhadora foi apresentado o sugerido articulado complementar em que, para além de dizer qual o montante da sua retribuição mensal, pediu que a Empregadora seja condenada a pagar-‑lhe:


a.  Uma indemnização em substituição da reintegração por referência a valor nunca inferior a 45 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, no montante já vencido de € 45.765,00;
b. Todas as retribuições que deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nos presentes autos.
                                                                                                                          .

8). A Empregadora respondeu a este articulado suplementar, concluindo como no articulado de motivação do despedimento.

9). Por despacho proferido, em 16.02.2017, o Tribunal formulou convite à Empregadora para apresentar articulado complementar em que concretizasse factos demonstrativos da instauração de processo prévio de inquérito.

10). A Empregadora acedeu a tal convite, apresentando o articulado, pedindo que sejam julgadas improcedentes todas as exceções invocadas pela Trabalhadora.

11). A Trabalhadora respondeu, concluindo como no seu articulado.

12). Foi proferido despacho saneador, relegando-se para final o conhecimento da exceção da caducidade do direito de a Empregadora instaurar o procedimento disciplinar, fixou-se os factos assentes e elaborou-se a Base Instrutória.

13). Realizada a audiência de julgamento, foi proferida, em 31 de outubro de 2017, a seguinte sentença:

“Nestes termos […], julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, em consequência do que:

-  Declaro ilícito o despedimento de que foi alvo a Trabalhadora;

-  Condeno a Empregadora a pagar à Trabalhadora:

-  Uma indemnização em substituição da reintegração, de valor mensal correspondente a 20 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade (452,00€), que na presente data ascende ao montante global de € 21 244,00;

-  Todas as retribuições que ela deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão, à razão mensal de € 783,00 (sem prejuízo das deduções previstas nas alíneas a) e c) do nº 2 do artigo 390º do Código do Trabalho).

Custas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento. Registe e notifique.

Ao abrigo do disposto no artigo 98º-P nº 2 do Código de Processo do Trabalho, fixo à ação o valor de € 32 374,37.”


II

                Inconformada com esta decisão ficou a Empregadora que interpôs recurso de apelação.
               
               Por acórdão proferido, em 7 de maio de 2018, julgou-se procedente o recurso e, em consequência, revogou-se a sentença recorrida e declarou-se a licitude do despedimento da Autora.

               Segundo o acórdão recorrido, houve violação do dever de lealdade por parte da Trabalhadora, cujo comportamento afetou a relação de confiança estabelecida com a Empregadora, causando-lhe ainda que potencialmente, uma violação dos seus interesses e que determinou não lhe ser exigível a manutenção da relação laboral.


III

a). Irresignada ficou, agora a Trabalhadora que recorreu de revista e arguiu a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, porque na sentença, em consequência da decisão tomada, foi considerado prejudicado o conhecimento da exceção de caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar, por si invocada.

Mais alega que, sendo a sentença revogada, devia o Tribunal da Relação ter dela conhecido.

A Empregadora na sua contra-alegação invocou a extemporaneidade do recurso da Trabalhadora, alegou a inexistência da arguida nulidade porque não se tendo interposto recurso subordinado, a questão em causa não podia ser conhecida, por não ter sido suscitada.

Colocou, também, a questão da inadmissibilidade da revista por não ter sido cumprido o ónus de alegação, por a Recorrente não ter indicado e nem explanado “os fundamentos que lhe permitiriam […] sustentar o [seu] recurso de revista”.  

b). Por despacho do Relator de 05.07.2018, do tribunal “a quoindeferiu-se a invocada extemporaneidade do recurso e ordenou-se a inscrição em tabela para apreciação, em conferência, da arguida nulidade.

Esse despacho tem o seguinte teor:


“Pois, pese embora, nas suas contra-alegações vir o apelado invocar a extemporaneidade da interposição do recurso, não lhe assiste qualquer razão.

Senão vejamos.
Alega o mesmo que o prazo para interposição do recurso, no caso, é de 15 dias, dado tratar-se de um processo urgente, os art.ºs 677° e 673° do CPC e o art.º 81°, n° 5, do CPT que dispõe que, "À interposição do recurso de revista aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil", pelo que conclui que, tendo o acórdão objeto do presente recurso sido expedido no dia 8 de maio e a recorrente apresentado o recurso no dia 30 de maio, o mesmo é extemporâneo devendo ser rejeitado, o que requer.
Mas, não tem razão, como já dissemos supra.

O recurso foi apresentado, dentro do tempo que a recorrente tinha para o fazer, 20 dias.

E, é assim, porque ao contrário do que defende o recorrido, no caso, não se aplicam, as disposições do Código de Processo Civil, nem o art.º 81°, n.º 5, do CPT, prescreve que, assim, seja.

Pois, conforme decorre dos art.ºs 1°, n.ºs 1 e 2, al. a) e 80° do CPT, o prazo para a interposição de recurso, no caso, é de 20 dias, já que quanto ao "Prazo de interposição" dos recursos, dispõe aquele diploma de norma que sobre ele regula.

Prazo que a apelante cumpriu, apresentando-o dentro daquele prazo de 20 dias, que a mesma dispunha, apesar de, só o ter apresentado no dia 01.06. 2018 e não no dia 30.05.2018, como o recorrido refere, após ter sido notificada da sentença recorrida, através do Citius, por notificação eletrónica datada de 08.05.2018, presumindo-se por isso notificada a 11.05.2018.

Assim, aquele prazo de 20 dias terminou no dia 01.06.2018, precisamente a data em que foi apresentado, dado o dia 31.05.2018 coincidir com dia feriado, no limite terminava no dia 04.06.2018 se nos termos do art.º 139°, n° 5, decidisse apresentar o recurso até ao terceiro dia útil depois do término do prazo, com o pagamento da multa respetiva.

Pelo que, não se suscitam dúvidas, que o recurso foi apresentado dentro do prazo legal que a recorrente dispunha, nos termos do n° 1 do art.º 80° do CPT.”

c). Por acórdão de 11 de julho de 2018, proferido em conferência, julgou-se procedente a arguida nulidade do acórdão e, suprindo-a, julgou-se procedente a exceção perentória da caducidade, mantendo-se, assim, com este fundamento, a sentença recorrida.


d). Inconformada com este acórdão ficou agora a Empregadora que dele interpôs recurso de revista, nos termos do artigo 617º, n.º 4, do CPC, e arguiu a sua nulidade, nos termos dos artigos 77º, n.º 2, do CPT, e 662º, n.º 2, e 615º, n.º 2, estes do CPC, quer por omissão quer por excesso de pronúncia.

                As conclusões da sua alegação são as seguintes:

               

1) “Vem a Recorrente interpor recurso de revista da douta decisão, nos termos do artigo 671º, n.º 2, do CPC, porquanto entende que a mesma enferma de nulidades e ainda que se fundamenta numa errada interpretação e aplicação do Direito, que urge reparar.

2) Em contra-alegações suscitou e invocou a Recorrente a inadmissibilidade do recurso de revista apresentado pela aqui Recorrida, na medida em que é sua convicção que o referido recurso não cumpriu o ónus da alegação, porquanto não se subsume aos fundamentos previstos nos artigos 674º do CPC, entendendo, assim que se deveria ter obstado o tribunal a quo ao seu conhecimento pela via da inadmissibilidade.

3) Acontece que, o Tribunal a quo não se pronunciou quanto à questão prévia suscitada pela Recorrente e, nos termos do artigo 615º, n.º 1, d), do CPC "É nula a sentença quando (...) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (...)".

4) Ainda, a acrescer à omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo, tal questão revela-se também crucial na medida em que, sendo considerado inadmissível o recurso interposto pela aqui Recorrida, não poderia o douto Tribunal se pronunciar quanto à invocada nulidade referente à exceção de caducidade, na medida em que a referida nulidade teria que ser apresentada em requerimento autónomo no prazo geral de 10 dias, encontrando-se, desse modo, precludido tal prazo.

5) Face ao supra exposto, requer-se aos Venerandos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça se dignem reconhecer e declarar a arguida nulidade por omissão de pronúncia e, em consequência, se dignem revogar a decisão proferida, na medida em que não deveria ter sido tomado conhecimento da nulidade da exceção de caducidade por extemporânea.

6) Sem prescindir, quanto à invocada extemporaneidade da interposição do recurso da Autora, entende a Recorrente que o Tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação e aplicação dos normativos legais, porquanto conclui que "ao contrário do que defende o recorrido, no caso, não se aplicam, as disposições do Código de Processo Civil, nem o art.º 81º, n.º 5, do CPT prescreve que, assim, seja".

7) Ora, não pode o Recorrente concordar com tais conclusões, pois que, prevê o Código do Processo de Trabalho normativo especial - artigo 81º. n.º 5, do CPT- que esclarece "À interposição do recurso de revista aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil", sem qualquer cominação, v.g., "em tudo quanto não estiver regulado neste Código" ou qualquer limitação aos seus dizeres, pelo que tal normativo terá necessariamente que derrogar, in casu, o previsto no artigo 80º, n.º 1, do CPT, o qual se aplica à generalidade das situações.

8) O escopo normativo do art.º 81º, n.º 5, do CPT passa, pois, por salvaguardar as especificidades do recurso de revista e, in casu, salvaguardar e regular os processos urgentes, através do artigo 677º do CPC.

9) Tratando os presentes autos de processo de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, tem a mesma natureza urgente (art.º 26º, n.º 1, al. a), do CPT), pelo que o prazo de interposição do recurso de revista da Autora era de 15 dias, prazo esse que terminou a 28 de maio (o acórdão foi expedido no dia 8 de maio) e a Recorrente apresentou o recurso a 30 daquele mês, pelo que contrariamente às conclusões assumidas pelo tribunal a quo, sempre deveria o mesmo ser considerado extemporâneo.

10) Concluímos assim que o douto Tribunal fez uma errada aplicação do direito ao caso subjudice, aplicando uma errada interpretação jurídica ao normativo legal previsto no art.º 81º, n.º 5, do CPT, na certeza que se aplicando ao supracitado normativo a interpretação e lógica atribuída pelo Recorrente e nesta sede explanada, deverá - e cremos será - determinada diferente decisão, o que se requer aos Venerandos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça se digne reconhecer e declarar.

11) Sem prescindir, quanto ao conhecimento da exceção de caducidade entende o Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao ter conhecido e se pronunciado sobre tal questão, na medida em que entende ter sido erradamente aplicado e interpretado o normativo legal previsto no artigo 665º do CPC.

12) Nos termos do disposto no art.º 665º, n.º 2, do CPC, tem que se verificar duas premissas para o conhecimento, por parte do tribunal recorrido, da questão suscitada, que são elas 1) nada obstar à apreciação daquelas questões; 2) dispor dos elementos necessários.

13) Não pode a Recorrente aceitar que a primeira premissa se encontre preenchida, pois que há um princípio basilar do nosso ordenamento jurídico que obsta à apreciação daquela questão: o Princípio da Segurança Jurídica (!) (vide a este propósito Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22/09/2015, disponível em www.dgsi.pt e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20/10/2015, disponível em www.dgsi.pt).

14) Recorde-se que a aqui Recorrida não promoveu recurso da sentença proferida, onde a questão da caducidade é afastada, por ser considerada prejudicada pela restante decisão, pelo que se formou caso julgado quanto a essa alegação/questão (ex vi do artigo 635º, n.º 5, do CPC), sendo certo que, da sentença proferida em 1ª instância apenas interpôs recurso de apelação o aqui Recorrente, não suscitando - por óbvio se tome - a questão da invocada caducidade, motivo pelo qual, a matéria sobre a qual o Tribunal a quo tomou agora posição, encontra-se há muito transitada em julgado, o que obstava, sem mais, a questão da caducidade.

15) Evidencie-se ainda que nem em sede de recurso subordinado, que poderia ter apresentado, colocou a aqui recorrida a questão da pronúncia a propósito da alegada caducidade, o que fez precludir todos os meios ao seu dispor para a ver reapreciada.

16) Tomou assim o tribunal a quo conhecimento da questão da caducidade, fundamentada numa errada interpretação ao normativo legal previsto no artigo 665º, n.º 2, do CPC, pelo que se requer aos Venerandos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça se digne reconhecer e declarar o excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, n.º 1, d), e, em consequência, declare a nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal a quo.

17) Sem prescindir, caso assim não se entenda, o que não se concebe, sempre terá o Recorrente que discordar da posição assumida pelo douto Tribunal quanto à alegada caducidade do procedimento disciplinar, na medida em que concluiu que a instauração do processo prévio de inquérito não teve a eficácia interruptiva prevista no art.º 352º, quanto ao prazo de 60 dias fixado no art.º 329º, n.º 2, do CT.

18) Reitera a Recorrente - e entende que resulta amplamente esclarecido nestes autos e em sede de julgamento - que se afigurou necessária a instauração de inquérito prévio para desencadear procedimento disciplinar (doravante p.d.), sendo certo que todos os seus pressupostos foram escrupulosamente cumpridos e recordando-se que o p.d. é um procedimento interno da empregadora, sendo-lhe atribuída alguma discricionariedade para gerir e tramitar o processo, para o qual tem competência.

19) No que respeita à essencialidade do processo prévio de inquérito, revelou-se o mesmo necessário para a elaboração da nota de culpa, sendo certo que, se por um lado não resultou que os factos chegaram à direção do Recorrido no dia 5 de maio, também, analisado o processo disciplinar, resulta claro que a única pessoa que estabeleceu contacto com a mãe da criança agredida foi a funcionária CC, pelo que, o seu testemunho se revelava essencial e crucial para o apuramento cabal dos factos, nomeadamente, para identificar as circunstâncias de modo e lugar em que teria sucedido os factos e para especificar e circunstanciar os factos que de forma bastante genérica foram levados ao conhecimento da Direção do Réu.

20) É convicção e certeza da Recorrente que, sem apuramento concreto dos mesmos e a inquirição, por parte da Instrutora, às testemunhas CC e DD, nunca permitiria a elaboração da nota de culpa devidamente circunstanciada nos exatos termos em que os factos ocorreram, na medida em que, se na comunicação de 26 de maio de 2016 temos um "diz que disse", após a elaboração diligente - como se constata do p.d. junto aos autos - do procedimento prévio de inquérito, deparamo-nos com factos que fundamentaram, de forma concisa, a nota de culpa, sendo certo que os artigos 10º, 11º e 12º, só se revelaram possíveis de concretizar devido ao inquérito prévio e, os restantes, só se encontram devidamente concretizados e fundamentados, face às inquirições dos intervenientes diretos - DD e CC - levadas a cabo em procedimento prévio.

21) Nos termos da comunicação inicial de 26 de maio que o tribunal a quo traz a colação, desconhecia-se as circunstâncias de modo e lugar e as consequências dos factos relatados ou, pelo menos, não teriam sido estas reportadas à Direção, a única entidade com poder disciplinar (vide a este propósito Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/05/2018, disponível em www.dgsi.pt), pelo que, in casu, só podemos concluir pela necessidade de instauração do procedimento prévio de inquérito e consequente interrupção do prazo de caducidade de 60 dias previsto no artigo 329º, n.º 2, do CT.

22) Não podemos também olvidar que estava em causa um relato de uma criança de apenas 3 anos de idade e de uma trabalhadora com antiguidade relevante, pelo que entende a Recorrente que não poderia - moral e legalmente - avançar para procedimento disciplinar com único fundamento no "Diz que disse", sem antes apurar, no mínimo, as circunstâncias de modo e lugar e consequências de tais factos.

23) Também não pode a Recorrente concordar que não tenha logrado provar - cf. afirma o douto Tribunal - que quando a educadora EE relatou à Diretora FF a ocorrência dos factos, mostrou-se muito nervosa e perturbada com a situação e apenas se limitou a reportar que a trabalhadora batera numa criança, sem sustentação temporal e circunstancial (isto porque, evidencie-se, também ela já teria sido alvo de procedimento disciplinar-cf. esclareceu em julgamento), na medida em que é crucial recordar que foi requerido pela Empregadora a inquirição da sua Diretora Geral - Dra. FF (certamente conhecedora destes factos) optando o Tribunal de 1ª Instância por indeferir tal pedido, certamente por entender desnecessária a sua inquirição, pelo que, se mais não se apurou, foi por omissão desse Tribunal.

24) Para além de considerarmos cabalmente demonstrada a necessidade do procedimento prévio de inquérito in casu, julgamos pois que, no limite, o livre arbítrio que a nossa lei laboral nos concede quanto à necessidade ou não de tal procedimento - não sendo taxativo tal normativo -, deve ser somente atribuída à Empregadora, a quem compete exercer competências disciplinares e, no caso subjudice, entendeu revelar-se tal processo prévio necessário e, atento tudo quanto foi exposto, mantém essa a sua convicção moral e legal.

25) Entende assim o Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao interpretar o normativo legal fixado nos artigos 352º e 329º do Código do Trabalho, motivo pelo qual, atribuindo-se o sentido e alcance supra expostos aos citados artigos 329º e 352º, do CT, deverá ser julgada improcedente a alegada exceção de caducidade e, em consequência, revogado a decisão recorrida, mantendo-se a decisão da licitude do despedimento da aqui Recorrida, com as demais consequências legais.

               Termina, pedindo que se reconheça e se declare a existência das nulidades invocadas, com as demais consequências legais, e, caso assim se não entenda, se revogue o acórdão recorrido, ordenando‑se a manutenção do primitivo acórdão – de 07.05.2018 - que considerou lícito o despedimento da Trabalhadora.

e). A Trabalhadora apresentou contra-alegação que termina pedindo a confirmação da decisão que julgou procedente a arguida nulidade e a, consequente, manutenção da decisão da 1ª instância.

d). Por acórdão de 10 de setembro de 2018, proferido em conferência, foi indeferida a arguida nulidade do acórdão de 07.05.2018 e do despacho de 11.07.2018, mantendo-os nos seus precisos termos.

                Parecer do Ministério Público:

        A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu parecer no sentido de que a revista deve ser julgada procedente por se verificar a nulidade de omissão de pronúncia, pois apesar de a Empregadora ter invocado, na sua contra-alegação, a inadmissibilidade do recurso de revista, interposto pela Trabalhadora, o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre esta questão.

                Notificado às partes, não houve qualquer pronúncia sobre o mesmo.


IV

                   

            Da revista:


Tendo a ação sido proposta em 27 de outubro de 2016 e o acórdão recorrido sido proferido em 11 de julho de 2018, são aqui aplicáveis os Códigos de Processo Civil e do Processo do Trabalho, nas suas versões atuais.

            Objeto do recurso:

1) Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia por não ter conhecido da questão da inadmissibilidade do recurso de revista da Trabalhadora;

2) Nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia por ter conhecido da exceção da caducidade do direito de instaurar procedimento disciplinar;

3) Extemporaneidade do recurso interposto pela Trabalhadora;

4) Eficácia interruptiva do Inquérito prévio do prazo de 60 dias, previsto no artigo 329º, n.º 2, do CT.

V

                - Fundamentação:        

            - Da matéria de facto:

                As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:


a) A Empregadora é uma instituição Particular de Solidariedade Social, exercendo a sua atividade em diversas valências, entre as quais as de Creche e Pré-Escolar. (A)
b) A Trabalhadora foi admitida ao serviço da Empregadora no dia 01 de outubro de 1971; exercendo em 2016 as funções inerentes à categoria profissional de "Auxiliar de Ação Educativa". (B)
c) No ano de 2016 a Trabalhadora auferia um vencimento base mensal no valor de € 678,00, acrescido de subsídio de alimentação, no valor mensal de € 105,00. (C)
d) O Presidente da Direção da Empregadora remeteu à Dra. GG um documento, datado de 26 de maio de 2016, através do qual, entre outras coisas, lhe comunicou que:

"(...) Foi trazido ao conhecimento da Direção (...) que a funcionária  terá batido numa criança, no passado dia 3 de maio, cf. nota de ocorrência que enviamos em anexo.
Perante a gravidade de tal facto, solicitamos que:
1. Promova um processo disciplinar, para apuramento da verdade;
2. Procedemos à nomeação da Senhora Doutora, como instrutora do processo.
Caso se venha a comprovar os factos que nos foram relatados, a nossa intenção é fazer cessar o contrato com a trabalhadora. (...)". (D)

e) No dia 30 de maio de 2016, a Dra. GG remeteu ao Presidente da Direção da Empregadora um documento, através do qual, entre outras coisas, lhe comunicou que:

"(...) Assunto: aceitação da nomeação
(...)
De imediato daremos início às diligências necessárias para o apuramento dos factos e análise da eventual prática de ilícitos disciplinares imputáveis à Trabalhadora.
Prima facie, no âmbito do Processo Disciplinar, proceder-se-á a um inquérito prévio, a fim de averiguar, ainda que indiciariamente, dos factos constantes da V/ Comunicação e nota de ocorrência junta, para então, no prazo legal, darmos o nosso parecer quanto à ocorrência dos ditos ilícitos disciplinares. (...)". (E)

f) No dia 31 de maio de 2016 a Instrutora do processo subscreveu um documento, que denominou "TERMO DE ABERTURA", com o seguinte teor:

"(...) face aos factos praticados pela trabalhadora , por serem os mesmos suscetíveis de procedimento disciplinar dá-se abertura a processo prévio de inquérito para averiguação de eventual responsabilidade da trabalhadora. (...)". (F)

g) Nesse mesmo dia 31 de maio de 2016, a Instrutora juntou ao processo cópia da Convenção Coletiva de Trabalho que regula as relações de trabalho do sector em causa; e determinou a inquirição das testemunhas EE e CC, que agendou para o dia 01 de junho de 2016, na sede da Empregadora e local de trabalho das mesmas. (G)
h) No dia 01 de junho de 2016 a Instrutora do processo ouviu em declarações as testemunhas CC e EE, nos exatos termos constantes dos autos juntos, respetivamente a fls. 112 e 113 e a fls. 114 e 115. (H)
i) A Instrutora do processo subscreveu um documento, que denominou de "Relatório Final de inquérito", datado de 08 de junho de 2016, no qual, entre outras coisas, declarou que:

"(...) resulta suficientemente indiciado que a trabalhadora (...) no dia 3 de maio último, deu uma palmada no rabo à criança de seu nome HH, com 3 anos de idade (...).
(...)
Pelo exposto, propõe-se desde já que seja elaborada a respetiva Nota de Culpa (...)". (I)

j) O Presidente da Direção da Empregadora subscreveu um documento, que denominou "TERMO DE ABERTURA", datado de 08 de junho de 2016, com o seguinte teor:


"(...) face à decisão proferida em sede de inquérito prévio, dá-se abertura a processo disciplinar contra a Trabalhadora .
Para tanto, mantém-se a nomeação da instrutora nomeada (...)". (J)

k) A Empregadora remeteu à Trabalhadora uma carta, datada de 20 de junho de 2016, através da qual lhe comunicou a instauração de um procedimento disciplinar, com intenção de proceder ao seu despedimento. (K)
l) Em anexo à carta mencionada em k), a Empregadora remeteu à Trabalhadora a nota de culpa, com o seguinte teor:

"(...)

A Arguente dedica-se a atividades de apoio social sem alojamento, nomeadamente, Creche, Pré-Escolar e C.A.T.L.

A trabalhadora AA foi admitida ao serviço da arguente em 1/10/1971, sendo que tal relação laboral não está sustentada por contrato escrito, usufruindo a Trabalhadora de um vínculo sem termo.

As funções da arguida consistem em vigiar e cuidar das crianças, garantir a sua segurança e bem-estar no recreio, acompanhá-las à casa de banho, ajudá-las a vestir a bata, apertar os cordões dos sapatos, auxiliá-las nos atos de alimentação, entre outras funções.

No pretérito dia 3 de maio, pelas 13 horas, a funcionária arguida entrou ao serviço, tendo ido dar apoio à vigilância do recreio,

Pois que as crianças de 3 anos de idade se encontravam no recreio da hora de almoço.

Nesse momento, a educadora da sala dos 3 anos, EE, solicitou à funcionária AA que cuidasse da criança de seu nome HH, nomeadamente, que procedesse à troca de roupa que lhe entregara,

Porquanto a referida criança teria feito cocó antes de chegar à sanita e, desse modo, sujado a roupa.

Tendo a educadora EE se ausentado, em cumprimento da sua hora de almoço.

Nesse momento, e encontrando-se a sós com a criança, a trabalhadora arguida terá desferido duas palmadas ao HH, uma no rabinho e outra na cabeça.
10°
No dia seguinte a estes factos, o HH não compareceu no Centro da arguente, sendo que, só no dia 5 de maio voltou ao infantário.
11°
Tendo-se apresentado choroso, não querendo vestir a bata e manifestando não querer ficar ali, dizendo repetidamente " não quero ir para a escola porque a CC me bate".
12°
Confrontada com estes factos pela educadora EE, a trabalhadora arguida primeiramente negou a sua ocorrência, mas, após insistência da educadora EE, a trabalhadora-arguida acabou por confirmar à responsável pela sala dos 3 anos que teria efetivamente dado uma palmada no rabinho ao HH.
13°
O que mereceu a censura da educadora, tendo, inclusive, este último ido relatar estes factos à Diretora Técnica da Instituição, Dra. FF. (...)". (L)

m) A carta mencionada em k) foi remetida pela Empregadora no dia 04 de julho de 2016 e recebida pela Trabalhadora no dia 07 de julho de 2016. (M)
n) A Trabalhadora apresentou resposta à nota de culpa, tendo requerido a inquirição de uma testemunha. (N)
o) No dia 30 de setembro de 2016 a Instrutora do processo elaborou o relatório final, que mereceu a concordância expressa do Presidente da Direção da Empregadora, no qual deu como provados todos os factos constantes da nota de culpa e propôs a aplicação à Trabalhadora da sanção disciplinar de despedimento com justa causa. (O)
p) A Empregadora remeteu à Trabalhadora uma carta, datada de 03 de outubro de 2016, através da qual lhe comunicou a decisão de proceder ao seu despedimento com justa causa, com base nos factos dados como provados no relatório final mencionado em o). (P)
q) A carta mencionada em p) foi remetida pela Empregadora no dia 11 de outubro de 2016 e recebida pela Trabalhadora no dia 13 de outubro de 2016. (Q)
r) No exercício das suas funções, competia à Trabalhadora vigiar e cuidar das crianças, garantir a sua segurança e bem-estar no recreio, acompanhá-las à casa de banho, ajudá-las a vestir a bata, apertar os cordões dos sapatos e auxiliá-las nos atos de alimentação. (R)
s) No dia 03 de maio de 2016, pelas 13:00 horas, a educadora da sala dos 3 anos, EE, solicitou à Trabalhadora que cuidasse da criança de nome HH, nomeadamente que procedesse à troca de roupa que lhe entregara, uma vez que a referida criança teria feito cocó antes de chegar à sanita e, desse modo, sujado a roupa. (S)
t) A educadora EE ausentou-se então do local, em cumprimento da sua hora de almoço. (T)
u) Nesse momento, e encontrando-se a sós com a criança, a Trabalhadora desferiu uma palmada no rabo da criança. (U)
v) O HH não compareceu no infantário no dia 04 de maio, apenas voltando a comparecer no dia 05 de maio. (2°)
w) Aquando do mencionado em v), o HH apresentou-se na portaria do infantário choroso e recusando-se a vestir a bata. (3°)
x) Nessa altura, a mãe do HH transmitiu à auxiliar de ação educativa que os recebeu, CC, que o filho lhe tinha dito que não queria ficar porque a Trabalhadora lhe batia. (8°)
y) No dia 05 de maio de 2016 a educadora EE confrontou a Trabalhadora quanto ao que teria sucedido no dia 03 de maio. (V)
z) Aquando do mencionado em y), a Trabalhadora começou por negar os factos; apenas tendo confirmado o mencionado em u) após insistência daquela. (4°)
aa) No dia 06 de maio de 2016 a EE relatou à Diretora Técnica da Instituição, Dra. FF, a ocorrência de factos entre a Trabalhadora e a criança HH. (W e 5°)
bb) Durante toda a pendência do procedimento disciplinar, a Trabalhadora manteve-se sempre ao serviço efetivo da Empregadora, exercendo as funções referidas em r). (X)

                - Do Direito:

       Das Nulidades:

         1) - Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia por não ter conhecido da questão da inadmissibilidade do recurso de revista da Trabalhadora:

Alega a Empregadora que invocou, a título prévio, em sede de contra-alegação, a inadmissibilidade do recurso de revista interposto pela Trabalhadora do acórdão de 07.05.2018, por incumprimento do ónus de alegação nos termos previstos no artigo 674.º, do CPC, e que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre tal questão.

.

~~~~

               Na contra-alegação ao recurso de revista interposto pela Trabalhadora a, agora, Recorrente levantou a questão prévia da sua inadmissibilidade nos seguintes termos:

                “Dispõe o n.º 2, do artigo 674.º, do CPC, que:

                "A revista pode ter por fundamento:


a) A violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável;

                b) A violação ou errada aplicação da lei de processo;

                c) As nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º".

 

                Acontece que,

 

               Analisado o corpo das alegações apresentadas pela Recorrente e, bem assim, as respetivas conclusões de recurso - objeto delimitador do dito recurso - não vislumbramos que se refira ou apresente a Recorrente qualquer um dos fundamentos supra, que haviam de sustentar a admissibilidade do recurso ora interposto.

               O que determina que, também por essa via, seja o presente recurso rejeitado.

                Ademais,

                Discorrida toda a alegacão não alega a Recorrente nem invoca qualquer erro na interpretação/aplicação/determinação da norma aplicável, também omissa,

                Também não alega a violação ou a errada aplicação da lei, ignorando e omitindo, em toda a sua alegacão, qual a lei ou o normativo legal que havia de ser aplicado.

 

               Constituindo as alegações apresentadas um simples desabafo ou expressão por uma diferente forma de analisar os factos.

                Deve, pois, esse Venerando Tribunal, também pela via da inadmissibilidade, obstar ao conhecimento do recurso de revista apresentado,

                Na medida em que não foi cumprido o ónus da alegação legalmente exigido, nomeadamente, não indicou nem explanou a Recorrente os fundamentos que lhe permitiriam, nos termos do supracitado normativo, sustentar o recurso de revista, o que se requer a esses Venerandos Conselheiros se dignem reconhecer e declarar, com as demais consequências legais.”

~~~~~~       

               Aduz, agora, a Recorrente, na sua alegação, que o acórdão recorrido, proferido em 11.07.2018, é nulo, nos termos dos artigos 615º, n.º 1, alínea d), e 666º, ambos do CPC, por não se ter pronunciado sobre tal questão.

               Ora, a Trabalhadora, no seu recurso de revista, arguiu a nulidade do acórdão de 07 de maio de 2018, em separado e autonomamente, como exigido pelo artigo 77º, n.º 1, do CPT, e apresentou, seguidamente, a sua alegação com as respetivas conclusões.

               

               De acordo com o disposto no artigo 82º, n.º 1, do CPT, o juiz mandará subir o recurso desde que a decisão seja recorrível, o recurso tenha sido interposto tempestivamente e o recorrente tenha legitimidade.

               Acresce que o disposto no artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC, que determina que o requerimento de interposição de recurso é indeferido quando não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões é aplicável em sede de processo do trabalho, por força do artigo 1º, n.º 2, alínea a), do CPT,

               

                Compete, assim, ao tribunal “a quo” rejeitar o recurso de revista quando faltarem a alegação e/ou conclusões, mas já não lhe incumbe averiguar se o recurso está ou não fundamentado, de acordo com o disposto no artigo 674º, do CPC.

                Com efeito, essa análise compete ao tribunal de recurso, sendo que a falta de fundamentação da revista, que não é igual à inexistência total das alegações e/ou das conclusões, como dá a entender a Empregadora, dá lugar à improcedência e não à rejeição do recurso.

                No caso concreto, a Trabalhadora apresentou alegação e respetivas conclusões, o que a Empregadora, agora Recorrente, não questiona.

               Segundo ela, “analisado o corpo das alegações apresentadas pela Recorrente e, bem assim, as respetivas conclusões de recurso”, não vislumbra qualquer dos fundamentos constantes do artigo 674º, do CPC, e refere que as alegações apresentadas constituem “um simples desabafo ou expressão por uma diferente forma de analisar os factos”.

              Verifica-se, assim, que para a Empregadora não está em causa a existência da alegação e/ou conclusões propriamente ditas, mas apenas questiona a sua bondade, o seu mérito, porque, em seu entender, elas não cumprem e não integram os fundamentos exigidos para se recorrer de revista.

    Assim sendo, não competindo ao tribunal “a quo” analisar a fundamentação da revista interposta pela Trabalhadora, inexiste, em consequência, a invocada nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que não se estava perante questão que aquele tribunal devesse apreciar.

    

 2) - Nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia, por ter conhecido da exceção da caducidade do direito de instaurar procedimento disciplinar:

Alega a Empregadora que no acórdão de 11 de julho de 2018 não se podia ter conhecido da caducidade do direito de instaurar procedimento disciplinar porque, além do mais, a Trabalhadora não interpôs recurso subordinado da sentença recorrida,

~~~

                Não tem razão.

A questão da caducidade, colocada pela Trabalhadora no seu articulado, não foi conhecida na sentença por se afigurar, em consequência de declaração da ilicitude do seu despedimento, desnecessário o seu conhecimento.

Ora, o Tribunal da Relação ao entender que a apelação da Empregadora iria proceder, e que iria revogar a sentença recorrida, devia ter tomado conhecimento desta exceção, em obediência ao princípio da substituição do tribunal recorrido

Princípio que se encontra consagrado no artigo 665º, n.º 2, do CPC, que determina que “se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.

Invocada a nulidade, no âmbito do recurso de revista interposto pela Trabalhadora sucumbente, o Tribunal da Relação, em conferência, conheceu-a e supriu-a, tudo nos termos dos artigos 615º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte e n.º 4, 617º, n.ºs 1 e 2, 666, n.º 2, e 679º, 674º, n.º 1, alínea c), todos do CPC.

      Não se verifica, pois, a nulidade arguida de excesso de pronúncia, pois o conhecimento dessa exceção resulta da própria lei, ou seja, do artigo 665º, n.º 2, do CPC.

               

                - Da revista:

               3). Extemporaneidade do recurso interposto pela Trabalhadora:

Esta questão prende-se com o prazo para a interposição do recurso de revista – se o previsto no artigo 80º, n.º 1, do CPT ou se o previsto no artigo 638º, n.º 1, do CPC, por força do artigo 85º, n.º 5, do CPT.

Advoga a Empregadora que esse prazo é o de 15 dias, previsto no artigo 638º, n.º 1, do CPC, por se tratar de processo urgente, pelo que, no seu entender, o Tribunal da Relação errou ao decidir que tal prazo é o de 20 dias, estipulado no artigo 80º, n.º 1, do CPT, e, em consequência, ao admitir, por tempestivo, o recurso de revista interposto pela Trabalhadora.

            Ora, esta questão, da intempestividade do recurso de revista da Trabalhadora, foi indeferida no Tribunal da Relação por despacho do Relator de 05 de julho de 2018.

E bem.

Com efeito, o Código do Processo do Trabalho tem norma própria sobre o prazo de interposição do recurso de revista, nele se estabelecendo, também, os casos em que o prazo de interposição do recurso deixa de ser o geral para passar a ser mais reduzido.

Ora, o prazo de interposição do recurso de apelação e de revista é, nos termos do artigo 80º, n.º 1, do CPT, de 20 dias, ao contrário do estabelecido no artigo 638º, n.º 1, do CPC.

Este prazo, nos casos previstos no artigo 79º-A, n.ºs 2 e 4, do CPT, e nos casos do artigo 671º, n.ºs 2 e 4, do CPC, reduz-se para 10 dias, dado o disposto no artigo 80º, n.º 2, do CPT.

De acordo com o disposto no artigo 81º, n.º 5, do CPT, à interposição do recurso de revista aplica-se o regime estabelecido no CPC, mais concretamente o que consta nos artigos 671º a 678º, 637º, 638º (à exceção do prazo para a interposição – artigo 80º, n.º 1, do CPT), 639º e 641º.

Como salienta António Santos Abrantes Geraldes[6] “tendo em conta que o CPT constitui lei especial que faz ceder o que porventura decorra da aplicação subsidiária da lei geral, o prazo geral do recurso de revista no foro laboral é de 20 dias (em lugar dos 30 dias que, em regra, vigoram no CPC). Nos recursos de acórdãos da Relação previstos nos artigos 671º, n.ºs 2 e 4 (artigo 80º, n.º 2, do CPT) o prazo é de 10 dias (e não de 15, como decorre dos artigos 638º, n.º 1, 677º e 671º, n.º 4, do CPC).

Ademais, não há lugar a qualquer redução que tenha em conta a natureza urgente dos processos, nos termos que decorreriam do artigo 638º, n.º 1, do CPC, tendo em conta não só a preferência pelo regime especial como ainda o facto dos prazos especiais previstos no foro laboral já integrarem essa componente de celeridade na resolução final dos litígios.”

Ora, sendo o prazo de interposição do recurso de revista, mesmo nos processos urgentes, de 20 dias, não foi extemporânea a interposição do recurso de revista pela Trabalhadora e, consequentemente, a arguição da nulidade do acórdão ali recorrido foi feita atempadamente.  

      4). Eficácia interruptiva do Inquérito prévio, feito pela Empregadora, do prazo de 60 dias, previsto no artigo 329º, n.º 2, do CT:

      

       Este recurso foi interposto nos termos do artigo 617º, n.º 4, do CPC, que estabelece que se o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, desistir do recurso interposto, pode o recorrido, no mesmo prazo, requerer a subida dos autos para decidir da admissibilidade da alteração introduzida na sentença, assumindo a partir desse momento, a posição do recorrente.

               Como ensina José Lebre de Freitas[7] “[o] termo admissibilidade é incorreto; o tribunal superior pronunciar-se-á, sim, sobre o conteúdo da alteração, isto é, sobre o novo conteúdo da sentença (que a alteração integra) e não sobre se era admissível alterar a sentença.

                […]

               A alteração da decisão traduz uma segunda leitura da lei, que a parte com ela desfavorecida deve ter o direito de demonstrar que, afinal, não devia ser feita, por a primeira ser a correta ou por falharem os pressupostos para a alteração, sem prejuízo da exequibilidade imediata da decisão em conformidade com a regra do artigo 647-1.”

~~~~

               Sendo assim, deve conhecer-se desta questão, ou seja, se quando a Empregadora iniciou o procedimento disciplinar posto à trabalhadora já havia caducado o prazo do exercido desse direito.

               Ou seja, o que está aqui em causa é saber quando é que o inquérito prévio tem eficácia interruptiva do prazo de caducidade de previsto no artigo 329º, n.º 2, do CT.

               

O acórdão recorrido entendeu que, no caso concreto, a existência do inquérito não teve essa eficácia.

Vejamos:

 

“[…] Por referência aos factos que motivaram o despedimento da autora, dada a sua ostensividade e direta imputação à mesma, sempre com o devido respeito por diferente opinião, em nosso entender, não se justificava a instauração de inquérito prévio para desencadear o procedimento disciplinar, razão pela qual, consideramos, o recurso a tal procedimento por parte do réu foi injustificado, situando-se fora do âmbito da previsão do supra referido art.º 352º não podendo, consequentemente, reconhecer-se-lhe qualquer eficácia interruptiva dos prazos de caducidade e de prescrição legalmente cominados para o exercício da ação disciplinar – sublinhado nosso.

Para a Empregadora havia essa necessidade, além do mais, porque não se pode esquecer que estava em causa um relato de uma criança de apenas 3 anos de idade e de uma trabalhadora com antiguidade relevante, pelo que entende a Recorrente que não poderia - moral e legalmente - avançar para procedimento disciplinar com único fundamento no "Diz que disse", sem antes apurar, no mínimo, as circunstâncias de modo e lugar e consequências de tais factos” – sublinhado nosso.

De acordo com o artigo 329º, n.º 2, do CT “o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração”.

                                                                                                         

Contudo, estabelece o artigo 352º, do CT, que ”caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo” – sublinhado nosso.

               Ora, desta norma resulta que a instauração de inquérito prévio só tem eficácia interruptiva da caducidade do prazo para se instaurar procedimento disciplinar, se se verificarem cumulativamente, os seguintes requisitos:

               
a. Se houver necessidade do mesmo para se fundamentar a nota de culpa;
b. Se for conduzido de forma diligente;
c. Se for iniciado dentro dos 30 dias subsequentes ao conhecimento da suspeita de comportamentos irregulares;
d. Se a nota de culpa for notificada ao infrator no prazo de 30 dias contados desde a conclusão das averiguações.

               

Para Pedro Furtado Martins[8] o artigo 352º, do CT, ao referir-se ao «procedimento prévio de inquérito», determina que o seu início interrompe a contagem dos prazos de caducidade e de prescrição, mas, para tanto, o inquérito deve mostrar-se necessário e conduzido de forma diligente.

               Mais diz que se deduz do regime legal que “[o] inquérito prévio pressupõe que está identificado o trabalhador que incorreu no comportamento ilícito que deu origem à instauração do procedimento, pois na formulação do artigo 352º, o efeito que o inquérito tem de interromper os prazos do procedimento de despedimento «caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para determinar a nota de culpa».

                […]

               Não há qualquer prazo para finalizar o inquérito, não estando o empregador obrigado a concluí-lo dentro de certo período. A lei exige que o processo prévio de inquérito seja «conduzido de forma diligente».

               O que antecede não exclui que nalgumas situações a duração excessiva do inquérito e, sobretudo, da sua condução negligente possam configurar um comportamento ilícito do empregador juridicamente relevante.

[…].

É certo que a consequência direta do incumprimento das regras que disciplinam o inquérito, inscritas no artigo 352º, será a desconsideração do mesmo para efeitos de interrupção da contagem dos prazos do artigo 329º, nºs 1 e 2. Assim nas situações em apreço, sempre o trabalhador poderá aguardar pela instauração do procedimento de despedimento e, nessa sede, invocar a nulidade do mesmo por incumprimento dos referidos prazos.”

                 

               

               Nuno Abranches Pinto[9] refere que “[o] inquérito constitui uma fase de instrução procedimental prévia à elaboração e notificação da nota de culpa. O inquérito tem precisamente como objetivo preparar a elaboração dessa nota de culpa – art.º 352.º. Isto é, a nota de culpa exige uma descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador e o empregador, através do inquérito, recolhe elementos que lhe permitam cumprir essa exigência legal.

               Na fase do inquérito o empregador suspeita da existência de comportamentos irregulares e pretende apurar as condições concretas em que ocorreram esses comportamentos.

                O inquérito não é obrigatório. Poderá ocorrer por livre iniciativa da entidade patronal e quando se revele necessário à fundamentação da nota de culpa.

[…] A instauração do inquérito interrompe os prazos do art.º 329.º, nos 1 e 2. Se a decisão de instaurar ou não o inquérito é livre, já o efeito de interrupção apenas terá lugar mediante a verificação cumulativa de duas circunstâncias: mostrar-se o procedimento necessário para fundamentar a nota de culpa; ter início e ser conduzido de forma diligente, não mediando mais de trinta dias entre a suspeita de existência de comportamentos irregulares e o seu início, nem entre a respetiva conclusão e a notificação da nota de culpa.»

               Sobre a instauração do procedimento prévio, a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem sido a seguinte:

               - Acórdão de 09.02.2017, proferido no Processo n.º 2913/14.3TTLSB.L1.S1:


               “Caso os factos conhecidos e as suas circunstâncias sejam insuficientes para fundamentar a nota de culpa, poderá proceder-se a inquérito prévio a iniciar nos 30 dias subsequentes àquele conhecimento, destinado ao apuramento dos factos e à recolha das respetivas provas, interrompendo-se então o prazo de caducidade de 60 dias prescrito no art.º 329º, n.º 2, do CT.”

               - Acórdão de 23/05/2018, proferido no Processo n.º 7489/15.1T8LSB.L1.S1:


               “Se os factos conhecidos e as circunstâncias em que foram praticados, não estiverem suficientemente esclarecidos, de forma a fundamentar a nota de culpa, poderá o empregador proceder a um inquérito prévio a iniciar nos trinta dias subsequentes àquele conhecimento, para proceder ao apuramento dos factos e à recolha das respetivas provas, interrompendo-se assim o prazo de caducidade de sessenta dias a que alude o art.º 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho.”


               De acordo com a doutrina e a jurisprudência citadas, o inquérito prévio, a que alude o artigo 352º do CT, é um procedimento que deve ser instaurado apenas quando os factos conhecidos e as suas circunstâncias não estejam suficientemente claros para fundamentarem a nota de culpa, nomeadamente quanto ao tempo, modo e lugar em que os mesmos ocorreram e quanto às suas consequências.

                Assim sendo, a existência de um inquérito prévio não faz operar automaticamente a suspensão dos prazos, ou seja, a sua existência, por si só, não tem a virtualidade de os suspender imediatamente.

               

Acresce que, não sendo o inquérito obrigatório, tem o empregador total liberdade de o instaurar, ou seja, a sua instauração pode ocorrer por sua decisão espontânea.

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Porém, para que interrompa os prazos contidos no artigo 329º, do CT, exige-se, entre outros pressupostos, que o mesmo seja necessário para fundamentar a nota de culpa.

               Ora, devendo esta conter um relato pormenorizado da ocorrência constituinte da infração disciplinar, nomeadamente com indicação das condições de tempo, modo e lugar em que os factos se verificaram, e não estando suficientemente apuradas, pode o empregador socorrer-se do inquérito para suprir essas deficiências, com vista à dedução da nota de culpa.

               Esta exigência, da descrição pormenorizada, tem por finalidade permitir ao trabalhador o perfeito conhecimento dos factos que lhe são imputados, a fim de organizar adequadamente a sua defesa.

~~~~~

               

Acresce  que também é necessário, para que se verifique essa interrupção, que o inquérito seja conduzido de forma diligente, ou seja de forma cuidadosa, eficiente e rápida.

Ora, a diligência na condução do inquérito deve ser aferida pela diligência de um homem médio, normal e capaz, colocado no caso concreto, mas sem olvidar as características e as capacidades do empregador real.

               

               No que concerne ao ónus de prova nesta sede, cabe ao empregador provar que ordenou a instauração de um procedimento prévio de inquérito, e cabe ao trabalhador, que pretenda ver reconhecida a inoperância da interrupção, o ónus da prova de que os requisitos exigidos pelo artigo 352º, do CT, não se verificaram.

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                Há, então, que analisar se o processo de inquérito prévio tramitado pela Empregadora no âmbito do procedimento disciplinar que moveu à Trabalhadora teve a eficácia interruptiva, prevista no artigo 352º, do CT, em relação ao prazo de caducidade referido no artigo 329º, nº 2, do CT.

                Vejamos:

               Resulta da matéria de facto provada que chegou ao conhecimento da Direção um documento no qual se relatava que a trabalhadora AA teria batido numa criança de 3 anos e, por isso, o Presidente da Direção, solicitou à Dr.ª GG que promovesse a instauração de um processo disciplinar, nomeando-a sua instrutora, para apuramento dos factos, e que no caso de os mesmos se comprovarem, era intenção da Direção efetuar o seu despedimento.

               A Dr.ª GG comunicou à Empregadora que iria abrir um processo prévio de inquérito para averiguação de eventual responsabilidade disciplinar.

               

               Ora, quem tomou primeiramente conhecimento dos factos foi a Auxiliar de Ação Educativa CC pois foi ela quem recebeu a criança, um dia após o acontecido, que se encontrava a chorar, não querendo entrar e vestir a bata, porque não queria ficar no infantário, tendo, então, a sua mãe contado o que tinha acontecido dois dias antes.

Resulta, igualmente, provado que foi a educadora EE, que tinha a criança sob seu cuidado e que naquele dia 03 de maio pediu à Auxiliar de Ação Educativa AA, por estar na hora do seu almoço, para limpar a criança e mudar-lhe de roupa, pois “teria feito cocó antes de chegar à sanita”, quem relatou à Diretora Técnica a ocorrência dos factos “entre a criança HH e a Trabalhadora”.

Era, assim, necessário inquirir-se estas duas funcionárias para que a Empregadora ficasse com um conhecimento dos factos suficientemente esclarecido para poder deduzir a nota de culpa contra a Trabalhadora.


                Assim sendo, verifica-se que o inquérito prévio foi necessário para que a Direção da Empregadora tivesse cabal conhecimento dos factos, das circunstâncias em que foram praticados e do grau de responsabilidade da Trabalhadora, factos estes necessários para a dedução da nota de culpa.

               Pelo exposto, verifica-se que houve necessidade da instauração do inquérito prévio, pelo que, quanto a este pressuposto, o inquérito assumiu eficácia interruptiva.

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               Contudo, o mesmo já não acontece quanto à conduta da Empregadora na condução do inquérito, pois a mesma não decorreu de forma diligente.

               Vejamos, pois, cronológica e sequencialmente o que aconteceu desde o conhecimento dos factos:


1) Os factos ocorreram em 03 de maio de 2016[10];
2) Em 05 de maio foram os mesmos conhecidos pela Auxiliar de Ação Educativa, CC e pela Educadora, EE, e nesse mesmo dia a Trabalhadora foi confrontada por esta quanto ao que acontecera no dia 03;
3) A EE relatou os factos em 06 de maio à Diretora Técnica da Instituição;
4) No dia 26 de maio, o Presidente da Direção solicitou à Dr.ª GG que promovesse um processo disciplinar, nomeando-a sua instrutora:
5) Em 30 de maio a Dr.ª GG informa o Presidente da Direção que aceitava a nomeação e que, em primeiro lugar iria abrir um inquérito prévio;
6) O que fez no dia seguinte, ou seja, em 31 de maio;
7) Também neste dia a instrutora juntou-lhe o CCT aplicável e determinou a inquirição das funcionárias EE e de CC, que agendou para o dia 01 de junho;
8) Nesse dia foram ambas ouvidas em declarações na sede da Empregadora e no seu local de trabalho;
9) No dia 08 de junho a instrutora do processo, propôs a elaboração da nota de culpa, tendo, nesse mesmo dia, o Presidente da Direção, declarado aberto o procedimento disciplinar, com intenção de proceder ao despedimento da Trabalhadora;
10) A Empregadora remeteu uma carta datada de 20 de junho à Trabalhadora, na qual lhe comunicou a instauração do Procedimento Disciplinar com intenção de proceder ao seu despedimento;
11) Em anexo à carta remeteu-lhe a nota de culpa;
12) Esta carta, apesar de datada de 20 de junho, apenas foi remetida pela Empregadora no dia 04 de julho, tendo sido recebida pela Trabalhadora em 07 de julho.
13) A trabalhadora apresentou resposta à nota de culpa e requereu a inquirição de uma testemunha;
14) Em 30 de setembro a instrutora elaborou o relatório final;
15) A Empregadora remeteu à Trabalhadora uma carta datada de 03 de outubro, através da qual lhe dá conhecimento da decisão tomada do seu despedimento com justa causa;
16) A carta só foi efetivamente enviada em 11 de outubro e recebida em 13 de outubro.

               Ora, decorreram 20 dias entre o conhecimento dos factos pela Empregadora e a sua ordem de se promover a abertura de um processo disciplinar nomeando, para o efeito, uma instrutora.

               Também, entre tal ordem e a efetiva instauração do procedimento disciplinar, ocorreram 13 dias, e entre aquela e a data da remessa da carta, que em anexo continha a nota de culpa, passaram 27 dias.

               

               A referida carta apesar de ter a data de 20 de junho apenas foi remetida a 04 de julho.

                As diligências efetuadas no inquérito foram tão-somente a inquirição de duas testemunhas, no mesmo dia e no seu local de trabalho, e a junção do CTT, aplicável ao sector.

               Desta cronologia resulta que a Empregadora não agiu com a diligência devida, pois não se vislumbra qualquer razão válida para que a ordem para a abertura do “processo disciplinar”, o inquérito prévio e o envio da nota de culpa tenham ultrapassado o limite do razoável, porque não havia qualquer dificuldade em apurar os factos e porque a nota de culpa não era trabalhosa ou complicada.


                A mesma falta de diligência verifica-se no facto de a carta enviada à Trabalhadora, comunicando-lhe a instauração do Procedimento Disciplinar e a intenção de se proceder ao seu despedimento, e que tinha anexada a nota de culpa, ter a data de 20 de junho e ter sido enviada somente a 04 de julho.
               
               Diga-se, pois, que a Empregadora não procedeu à condução do inquérito prévio, com o cuidado devido, com a rapidez que ele permitia, em suma, com diligência.

               
               Ora, não se verificando este requisito, de condução do inquérito com diligência, exigido pelo artigo 352º, do CT, que é de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 5º, n.º 3, do CPC, não pode, em consequência, atribuir-se, ao inquérito prévio instaurado pela Empregadora à Trabalhadora, eficácia interruptiva do prazo de caducidade previsto no artigo 329º, n.º 2, do CT.

                 
VI

                Decisão:

         Pelo exposto, delibera-se:


- Indeferir as nulidades invocadas.
- Negar a revista e, consequentemente manter o acórdão recorrido, mas com fundamentação diversa.
- Condenar a Recorrente nas custas da revista.


Notifique.

Anexa-se o respetivo sumário.

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                                                                                                              Lisboa, 2019.02.13

Ferreira Pinto (Relator)

Chambel Mourisco

Pinto Hespanhol

__________________________
[1] - (FP – Relator) - (CM) - (PH)
Registo n.º 031/2018
[2] - Feito com base na decisão da 1ª instância e no acórdão recorrido.
[3] - Doravante CT.
[4] - Doravante CPT.
[5] - Doravante CPC.
[6] - Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª edição, Almedina, página 563.
[7] - Código de Processo Civil, anotado, volume 2º, 3ª edição, Almedina, página 746.
[8] - Cessação do Contrato de Trabalho, 4ª edição revista e atualizada, Principia, 2017, páginas 200/204.
[9] - Instituto Disciplinar Laboral, Coimbra Editora, páginas 143/144.
[10] - Serão deste ano todos os meses que não estejam acompanhados do ano a que respeitam.