Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
240/19.9T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DUPLA CONFORME
REVISTA
ADMISSIBILIDADE
DECISÃO MAIS FAVORÁVEL
Data do Acordão: 07/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- De acordo com a doutrina mais relevante e jurisprudência constante do STJ é de equiparar à situação de dupla conformidade decisória aquela em que a Relação profira uma decisão, que embora não seja rigorosamente coincidente com a primeira instância se revele “mais favorável” à parte que recorre.

II- Sempre que o apelante obtenha uma procedência parcial do recurso na Relação, isto é, sempre que a Relação pronuncie uma decisão mais favorável – tanto no aspeto quantitativo, como no aspeto qualitativo – para esse recorrente do que a decisão da primeira instância, está-se perante duas decisões conformes, que impedem essa parte de interpor recurso de revista para o STJ.

Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 240/19.9T8FAR.E1.S1, da 4.ª S.

(Reclamação para a Conferência)

     

Acordam, em Conferência, na Secção Social, do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

O recorrente AA veio reclamar para a Conferência do despacho do Juiz Relator, de 01/04/2022, que não admitiu, nos termos do disposto no art. 671.º n.º 3, do C.P.C., a revista que havia interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, apresentando as seguintes Conclusões, que passamos a transcrever:

A) No douto despacho reclamado, todas as questões levantadas pelo Recorrente foram reconduzidas, de uma maneira ou de outra, à existência da dupla conforme. O ora reclamante não se pode conformar com este entendimento.

B) Como resulta em concreto das conclusões E, F, M a P, T, W, X, Z, AA a MM e OO (e alegações e conclusões conexas), a revista interposta prende-se em exclusivo com a análise da forma como a Relação exerceu os poderes que a lei lhe confere em sede de reapreciação da matéria de facto e como aplicou as regras sobre a repartição do ónus da prova.

Questões que, em nossa opinião, em nada contendem com a figura da dupla conforme e que estão para além desta.

C) Por outro lado ainda, o facto de o Recorrente ter obtido vencimento parcial em certas questões apenas em sede de apelação não o poderá impedir de prosseguir o vencimento total, se a isso tiver direito e alçada para tal.

D) O douto despacho recorrido viola o art.º 674.º n.º 1 al. b) do C.P.C. por referência à violação das normas dos art.ºs 640.º e 662.º nº 1 do C.P.C.

Nestes termos e nos demais de direito doutamente supríveis, deverá ser dado provimento à presente reclamação e em consequência deverá ser revogado o despacho inicial e recebida a Revista interposta a fim de ser julgada.

Submetidos os autos à Conferência, importa, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Resulta dos autos que por sentença do Juízo de Trabalho de Faro -J2, de 29/03/2021, foi julgada procedente a exceção perentória de erro na forma de processo e de caducidade e, em consequência, absolveu-se a Ré Tavisal, LDA de todo o peticionado pelo referido Autor AA.

Na sequência de recurso da apelação do mesmo Autor, veio a ser proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora, em 25/11/2021, que julgou, por unanimidade, a apelação parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao Autor os montantes devidos a título de trabalho suplementar, descanso compensatório e férias não gozadas, a apurar na fase ulterior de liquidação, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até pagamento, e confirmou a sentença da primeira instância quanto ao mais.

2. Na sequência de tal, o Juiz Relator, no seu mencionado despacho de 01/04/2022[1], considerou existir “dupla conformidade”, quanto à questão do erro na forma de processo, tanto mais que foi utilizada pela segunda instância fundamentação idêntica.

Do mesmo modo, também relativamente à matéria referente aos montantes devidos a título de trabalho suplementar, descanso compensatório e férias não gozadas, uma vez que a apelação foi favorável ao recorrente.

E mesmo em relação ao pagamento de salários e subsídio de alimentação não pagos, bem como da compensação pelo impedimento culposo de gozo de férias por parte do Autor, questões só apreciadas no acórdão do Tribunal da Relação, esta situação, na esteira da doutrina e jurisprudência do STJ, sobretudo, a mais recente, deverá ser equiparada à figura da Dupla conforme, atendendo ao facto da Relação ter proferido uma decisão que, embora não rigorosamente coincidente, com a da primeira instância, revela-se, contudo, mais favorável à parte que recorreu.

3. Com efeito, na esteira de António Santos Abrantes Geraldes[2], é de equiparar à situação de dupla conformidade decisória aquela em que a Relação profere uma decisão, que embora não seja rigorosamente coincidente com a da 1.ª instância se revele “mais favorável” à parte que recorre.

Sempre que o apelante obtenha uma procedência parcial do recurso na Relação, isto é, sempre que a Relação pronuncie uma decisão mais favorável – tanto no aspeto quantitativo, como no aspeto qualitativo – para esse recorrente do que a decisão da 1.ª instância, está-se perante duas decisões conformes que impedem que essa parte possa interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

Esta tese, inicialmente projetada pelo Professor Teixeira de Sousa, é também a solução que, desde há vários anos, flui da jurisprudência constante do Supremo[3].

III. Decisão

Em face do exposto, sem necessidade de outros considerandos, acorda-se em desatender a reclamação apresentada pelo recorrente AA e, em consequência, manter o despacho do Juiz Relator, de 01/04/2022, que não admitiu a revista interposta.

Custas pelo Autor/recorrente, com 2 UC de taxa de justiça, tendo-se em consideração eventual benefício de que goze.

Anexa-se Sumário (art. 663. n.º 7, do C.P.C.).

Lisboa, 06/07/2022

(Processado e revisto pelo Relator)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Ramalho Pinto

Júlio Manuel Vieira Gomes

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[1] Observou, previamente, o contraditório, dando cumprimento ao disposto no art. 655.º n.º 1, do C.P.C.
[2] In Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição atualizada, Almedina, pgs. 422 e 423.
[3] Veja-se, por todos, o acórdão de 9/12/2021, do qual é relatora a Senhora Conselheira Maria da Graça Trigo, in www.dgsi.pt.