Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
617/16.1T8VNG.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
INTERVENÇÃO PROVOCADA
IRRECORRIBILIDADE
INDEFERIMENTO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
CASO JULGADO FORMAL
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DESPACHO DO RELATOR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NÃO SE CONHECE DO OBJECTO DO RECURSO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A decisão tomada pelas instâncias sobre a admissibilidade do requerimento de intervenção acessória provocada é, por sua própria natureza, irrecorrível, conforme resulta do disposto no art. 322.º, n.º 2, do CPC.
II - Não havendo a 1.ª instância emitido pronúncia sobre tal pedido por ter decidido aguardar a junção aos autos de determinada documentação em poder de terceiros, sob pena de deserção da instância nos termos do art. 281.º do CPC, mas tendo o tribunal da Relação conhecido efectivamente dessa matéria, é evidente que essa posterior decisão daquele tribunal superior (revogatória da proferida pelo juiz a quo) no sentido do indeferimento deste chamamento de terceiros (proferida, em termos definitivos, num único grau de jurisdição, como exige a lei) é insusceptível de impugnação através de revista.
III - De resto, não faria logicamente o menor sentido que sendo, por imperativo legal expresso, definitiva a pronúncia sobre o indeferimento do requerimento de intervenção acessória provocada em 1.ª instância, não o fosse igualmente no caso (invulgar, reconheça-se) desse conhecimento ter lugar em 2.ª instância, pelo respectivo tribunal superior e no âmbito do recurso de apelação oportunamente interposto, obrigando nessas anómalas circunstâncias o STJ, enquanto órgão de cúpula do sistema judicial, de intervenção especialmente reservada e excepcional em questões de tramitação processual ou incidental, a apreciar matéria que nem sequer, por sua própria natureza, admite recurso quando decidida em primeira e única mão.
IV - Pelo que não há lugar ao conhecimento do objecto do recurso que, nos termos dos arts. 652.º, n.º 1, al. b), e 679.º do CPC, é julgado findo.
Decisão Texto Integral:



 Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão).

Apresentado ao relator o presente recurso de revista para apreciação liminar foi por este proferida decisão singular nos seguintes termos:
“Na sequência da apresentação do requerimento de intervenção acessória provocada de FUNDO DE REESTRUTURAÇÃO EMPRESARIAL, FCR, representado pela sua sociedade gestora OXY CAPITAL- SOCIEDADE DE CAPITAL DE RISCO, S.A., requerido pela Ré ATLANTICPAR, SGPS, S.A., e da subsequente tramitação processual que teve lugar, veio a ser proferida em 1º instância decisão nos seguintes termos:
“CABELTE-CABOS ELECTRICOS E TELEFÓNICOS, S.A., CABELAUTO-CABOS PARA AUTOMÓVEIS, S.A., CABELTE INCASA INDUSTRIA NAVARRA DE CABLES, S.A., e CABELTE METALS, TRANSFORMAÇÃO DE METAIS S.A., intentaram a presente ação, com processo comum, contra ATLANTICPAR, SGPS, S.A., pedindo que se declare a nulidade dos contratos de fees de gestão datados de 01.01.2009 e de 01.10.2010 e a condenação da Ré na restituição das quantias de €3.986.968,50 à Autora Cabelte, €149.076,00 à Autora Cabelauto, €289.790,46 à Autora Cabelte Incasa e €183.968,64 à Autora Cabelte Metals, acrescidas de juros de mora vencidos e vencidos, a contar desde a data da citação, à taxa supletiva, e, subsidariamente, caso se entenda que o negócio dissimulado pretendido pelas partes era a distribuição antecipada de dividendos, devem também tais negócios jurídicos ser também declarados nulos nos termos e com os fundamentos alegados e com as mesmas consequências.
Regularmente citada, contestou a Ré, tendo ainda deduzido pedido reconvencional, para a hipótese de procedência da ação, no qual peticiona a condenação das Autoras no pagamento da quantia de €4.591.344,00, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Mais requereu a intervenção acessória provocada do FUNDO DE REESTRUTURAÇÃO EMPRESARIAL, FCR, representado pela sua sociedade gestora OXY CAPITAL-SOCIEDADE DE CAPITAL DE RISCO, S.A.
Requereu ainda a junção aos auto de cópia integral da Due Diligence legal, laboral, comercial, operacional, financeira, contabilística e fiscal, realizada ao Grupo Cabelte e Sociedades Subsidiárias ora autoras, no âmbito do Contrato de Opção de Compra e Venda de Ações de 07.12.2012 celebrado entre o Fundo de Reestruturação Empresarial FCR (representado pela sociedade gestora Oxy Capital – Sociedade de Capital de Risco, S.A.), a Ré e AA a fim de, caso a ação venha a ser julgada procedente, acionar judicialmente o Fundo de Reestruturação Empresarial, FCR e para que em tal eventual ação que a Ré venha a instaurar contra aquele cujo chamamento é requerido, no sentido de demandar a invalidade do contrato de opção de compra de ações e a sua anulabilidade, atenta a essencialidade da condição prévia ou concomitante da exoneração da responsabilidade da Ré Atlanticpar e bem assim, em ação de regresso exercer o direito que lhe assiste a ser indemnizada de todos os danos causados, não se venham a discutir questões de facto que tenham já sido discutidas na presente ação com intervenção do Fundo.
A oposição ao incidente de intervenção acessória foi deduzida pelas Autoras no requerimento datado de 27.05.2016, no essencial, com duas ordens de razões: por violar cláusula compromissória e o direito de regresso invocado ser manifestamente improcedente.
Para instruir a decisão do incidente foi determinado, por despacho proferido em 18.10.2017, para além do mais, a notificação da OXY-Sociedade de Capital de Risco, S.A no sentido de remeter aos termos destes autos o relatório de “Due Diligence” supra referido.
De tal despacho e nesse segmento foi interposto recurso pelas Autoras em 13.11.2017, admitido por despacho de 6.12.2017, o qual subiu em separado (Apenso A), tendo o Venerando Tribunal da Relação do Porto confirmado o despacho recorrido, tendo-se afirmado no douto Acórdão proferido que “Tem assim perfeito cabimento a necessária instrução do pedido de intervenção acessória provocada da co-contratante da Ré com o teor da auditoria que esteve na base da cessão da parte maioritária do capital social da sociedade de que as Autoras são subsidiárias, para apreciação pelo tribunal daquilo que efetivamente era do conhecimento da obrigada ao regresso ou à indemnização (e, sublinhe-se, por força de documento do qual a Ré/Requerente também não tem a posse, consoante invoca).
Os autos baixaram à 1ª instância e desde então têm sido proferidos despachos tendentes à junção da referida auditoria, cujo cumprimento tem vindo a ser recusada, nomeadamente com fundamento no sigilo profissional a que tal documento está sujeito.
As partes foram chamadas a fim de ser encontrada uma solução para que a situação dos autos se desbloqueasse, o que resultou infrutífero.
Isto posto, e considerando que os tribunais inferiores devem obediência às decisões proferidas pelos tribunais superiores (cfr. art. 4º da Lei 62/2013 de 26.08), que pese embora o caso julgado formado pelo despacho proferido não se imponha a terceiros, a entidade a quem foi requisitado o documento tem especiais relações com as Autoras e, por fim, que nenhuma das partes encetou qualquer esforço proactivo, nomeadamente requerendo a quebra do sigilo através do mecanismo próprio, sendo que o tribunal oficiosamente lhe não pode dar início por desconhecer em absoluto o teor da eventual cláusula que o impõe, e visto o impasse processual gerado, mais não resta do que determinar que os autos aguardem que as partes, Autoras e Ré, lhe deem o impulso necessário para que possam prosseguir os seus termos, que no caso é o cumprimento do ordenado para a decisão a proferir sobre o incidente de intervenção acessória requerida, sem prejuízo do decurso do prazo de deserção da instância a que aludem os art.s 277º alínea d) e 281º, ambos do C.P.C.”.
As AA. interpuseram recurso de apelação contra tal decisão, tendo sido, nessa sequência, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto acórdão, datado de 22 de Fevereiro de 2022, que revogou a decisão de 1ª instância, decidindo o indeferimento do incidente de intervenção acessória provocada requerido pela Ré, ao abrigo do disposto no artigo 322º, nº 2, do Código de Processo Civil.
A Ré Interpôs seguidamente recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:
I - Analisando o teor das decisões anteriormente proferidas no processo relativamente à junção da Due Diligence, nomeadamente o douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de 16/01/2018 supra citado, verifica-se que em todas elas a junção da Due Diligence se prende, também, com a instrução do incidente de intervenção acessória provocada.
II - Afirmar, como faz o Venerando Tribunal a quo que tendo o juiz ordenado a junção de um documento, a não junção do mesmo não tem qualquer consequência processual ( “(…) não sendo junto aos autos o documento em causa o juiz pode e deve, com os elementos disponíveis, decidir o incidente de intervenção de terceiro,(…)” ), não faz, com todo o respeito, qualquer sentido, pois tal posição colide com todas as decisões proferidas anteriormente no processo em sentido oposto, ainda para mais depois de as mesmas terem transitado em julgado.
III - Acresce, ainda, que o argumento de tal documento se documento se encontrar na posse de um terceiro não estando na disponibilidade das partes a sua junção, não tem, no caso concreto dos autos, qualquer correspondência com a realidade, pelo simples facto de o terceiro em causa não ser terceiro juridicamente indiferente ao desfecho do litígio, pois, conforme resulta do próprio requerimento apresentado pelas autoras nos autos em 11/05/2021, a Coax Investimentos, SGPS, S.A., é uma sociedade relacionada com aquelas, verificando-se mesmo uma relação de domínio por parte desta última – cfr. artº 486º do Cód. Soc. Comerciais -.
IV - Só depois de constatar que a Coax Investimentos, SGPS, S.A. tem um interesse concreto no resultado da presente acção é que o Meritíssimo Tribunal de 1ª instância proferiu o douto despacho que foi revogado pela igualmente douta decisão aqui em crise.
V - Na presente acção, tal como a mesma foi configurada pelas autoras, não está em causa qualquer matéria relacionada com o Contrato de Opção de Compra de Acções, sendo este apenas um meio de prova de factos impeditivos dos alegados, inexistentes e/ou hipotéticos, direitos invocados pelas autoras.
VI - O Contrato de Opção de Compra de Acções, e os seus anexos, constituem um meio de prova do alegado pela recorrente relativamente à causa de pedir invocada pelas autoras na presente acção, não sendo ele próprio objecto da presente acção, razão pela qual, a sua interpretação e valoração probatória podem ser feitas pelo tribunal a que foi distribuído o presente processo.
VII - A não ser assim, estar-se-ia perante uma situação incompreensível, pois as autoras poderiam avançar com uma acção nos tribunais judiciais sabendo que a factualidade consubstanciadora de excepção peremptória, que permitiria à recorrente obter imediato ganho de causa, apenas poderia ser invocada numa jurisdição diferente, o que, por si só, implicaria uma intolerável limitação dos meios de defesa, em flagrante violação do disposto no artº.20º, nº 4, da CRP, na medida em que o processo seria tudo menos equitativo.
VIII - E, o mesmo se dirá quanto ao direito de regresso, pois, a seguir-se o douto entendimento do Venerando Tribunal a quo seria possível um qualquer Fundo de “Investimento”, celebrar acordos sujeitos à apreciação de um tribunal arbitral e, posteriormente, instruir sociedades participadas para avançarem com acções em tribunais judiciais e, ao mesmo tempo, recusarem a entrega de documentação essencial para o apuramento da verdade material, sabendo que nenhuma responsabilidade lhes pode ser assacada num tribunal judicial.
IX - Tal entendimento contraria o disposto no artº. 91º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, a qual, para além das questões incidentais administrativas e penais, é igualmente aplicável em situações em que estejam em causa questões incidentais que possam estar relacionadas com a competência de um tribunal arbitral, ou seja, questões que caso integrassem o objecto da acção – v.g. a causa de pedir -, fossem da competência do referido tribunal.
X - Isto porque, as decisões a proferir sobre tais questões nunca constituem caso julgado fora do processo respectivo, por força do disposto no nº 2 do artº. 91º do Cód. Proc. Civil.
XI - Pelo exposto, verifica-se que a douta decisão do Venerando Tribunal a quo aqui em crise, violou o disposto nos artºs. 91º, 620º, nº 1, e 625º todos do Cód. Proc. Civil.
Contra-alegaram as AA., invocando em primeiro lugar a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação do Porto e, em qualquer caso, a improcedência do recurso.
Apreciando liminarmente da admissibilidade da revista:
O presente recurso de revista foi apresentado ao abrigo dos artºs. 671º, nº 2, alínea a) e nº 3, a contrario, e 673º, alínea a), ambos do Cód. Proc. Civil).
Ora, a decisão tomada no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ora recorrido, foi a de indeferir o incidente de intervenção acessória provocada requerida pela Ré, ao abrigo do disposto no artigo 322º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Assim sendo, e nos precisos termos desta disposição legal, a decisão em que o juiz procede à apreciação da relevância do interesse que está na base do chamamento e, em consequência disso, defere ou não, o incidente de intervenção de terceiros pretendido, é, por sua própria natureza e por imposição expressa da lei, irrecorrível.
Trata-se, com efeito, de uma opção legislativa no sentido da definitividade do despacho em causa, que assim se consolida imediatamente, abrangendo aquele que não admite a intervenção acessória provocada, por ausência de verificação dos respectivos pressupostos, como foi o caso.
(Sobre este ponto, vide, entre outros, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2021, Volume I, a página 646; João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, in “Manual de Processo Civil”, Volume II, AAFDL Editora, a páginas 176 a 177; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado, Parte Geral e Processo de Declaração. Artigos 1º a 702º”, Almedina 2020, I Volume, a página 395, no qual se sublinha: “Qualquer que seja o entendimento do juiz, deferindo ou indeferindo o chamamento, a sua decisão é irrecorrível, estando sujeita a tributação (artigo 527º, nº 1”).
Pelo que não existe fundamento legal para a impugnação do acórdão recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo absolutamente irrelevantes e inócuas as considerações expendidas pela recorrente em sentido oposto, sendo certo que inexiste nenhuma decisão judicial, transitada em julgado, em directa e relevante contradição com o acórdão recorrido (isto é, que tivesse deferido, em circunstâncias de facto análogas e perante o mesmo enquadramento jurídico, o requerimento de intervenção acessória provocada).
Basicamente, o Tribunal da Relação do Porto funcionou neste tocante, por via da indicada previsão legal, como primeira e última instância nesta matéria, não competindo ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer da mesma, atendendo ainda a que a 1ª instância não havia, pelo motivos enunciados supra, procedido a qualquer efectiva pronúncia sobre o deferimento ou indeferimento do chamamento (que seria, a acontecer e do mesmo modo, definitiva), optando por ordenar que os autos aguardassem a junção de determinada documentação que nunca chegou aos autos (nem se prevê que possa chegar brevemente).
Por outro lado, a revogação do despacho de 1ª instância a que o Tribunal da Relação procedeu implicou, naturalmente, a eliminação - por inteiramente prejudicados - de todos os respectivos pressupostos, nos quais se incluía, como não podia deixar de ser, a questão da possibilidade legal de ordenar a uma terceira entidade que procedesse à junção de determinado documento aos autos e que, por isso mesmo, que deixou de revestir qualquer interesse ou utilidade face à afirmação – definitiva – da falta de fundamento legal para ordenar o chamamento de terceiro a título de intervenção acessória provocada.
Não faz assim sentido falar-se em “colisão com todas as decisões anteriores”, para justificar a recorribilidade – não permitida por norma especial – do acórdão recorrido.
Acresce também que sendo matéria que se configura como excepção peremptória, o respectivo ónus de prova ficará naturalmente a cargo da excepcionante, uma vez que se trata de facto modificativo, impeditivo ou extintivo do direito invocado pela contraparte, nos termos gerais do artigo 342º, nº 2, do Código Civil, não podendo servir tal argumentário para procurar contornar o carácter vinculativo da disposição legal que prevê a citada situação de irrecorribilidade.
Pelo que a presente revista não é admissível, não sendo de conhecer do respectivo objecto e julgando-se findo o recurso, nos termos gerais do artigo 652º, alínea a), do Código de Processo Civil e artigo 679º do mesmo diploma legal”.
Notificado nos termos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, a recorrente manifestou-se inequivocamente no sentido de que a revista é, a seu ver, admissível, não concordando, portanto, com a posição assumida pelo relator.
Referiu a este propósito:
1. Considerando a factualidade resultante dos autos, constata-se que na situação sub judice a recorribilidade do douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto não pode ser dissociada dos pressupostos factuais e jurídicos anteriores à prolação da mesma.
2. Em termos factuais não vale a pena repisar o histórico do processo, sendo apenas relevante referir que:
a) O incidente de intervenção principal acessória foi requerido em 1ª instância;
b) O Meritíssimo Juiz titular do processo considerou que para poder decidir sobre a admissibilidade do incidente, era necessária a junção aos autos de uma due diligence;
c) A recorrida entendeu que tal posição não era acertada, pelo que recorreu para o Venerando Tribunal a quo, o qual confirmou o entendimento do Meritíssimo Juiz de 1ª instância;
d) A douta decisão do Venerando Tribunal a quo transitou em julgado;
e) Foram proferidos vários despachos a ordenar a junção da due diligence, tendo todos já transitado em julgado, com excepção daquele que deu origem ao presente recurso;
f) O despacho que deu origem ao presente recurso mantém o entendimento de que só após a junção da due diligence poderia decidir sobre a admissibilidade do incidente.
3. No que concerne ao incidente de intervenção acessória propriamente dito, estipula o artº. 322º, nº 2, do Cód. Proc. Civil, o juiz, ouvida a parte contrária, aprecia, em decisão irrecorrível (Nota: negrito e sublinhado nosso ), a relevância do interesse que está na base do chamamento, deferindo-o quando a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo e, face às razões invocadas, se convença da viabilidade da ação de regresso e da sua efetiva dependência das questões a decidir na causa principal.
4. Relativamente à irrecorribilidadede tal decisão, em termos doutrinais, José Lebre de Freutas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º., 4ª Edição, Almedina, pág. 646, na anotação 3, ao artº.322º, referem o seguinte:
“(…) A decisão do juiz é irrecorrível. Segundo os mesmos RAMOS DE FARIA – LUÌSA LOUREIRO, ibidem, estamos perante um pode discricionário, mas esta qualificação é discutível, antes parecendo que o juiz, convencido da verificação dos requisitos, está vinculado a deferir o requerimento, não obstante a opção da lei pela irrecorribilidade do despacho que venha a proferir.
5. Nos termos do disposto na parte final do no nº 4 do artº.152º do Cód. Proc. Civil, consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador, sendo que tais despachos são irrecorríveis de acordo com o previsto no artº. 630º, nº 1, do mesmo diploma legal.
6. Quanto a esta questão, no que concerne à jurisprudência, podem-se citar, v.g., os dois seguintes doutos Acórdãos, ambos publicados in www.dgsi.pt:
- Ac. do TRP de 07-10-2019, proc. nº 4743/18.4T8MAI-A.P1 ( Relator: Jerónimo Freita ), em cujo sumário se pode ler:
III - O actual n.º 2, do art.º 322.º, CPC, trouxe uma alteração significativa em relação à correspondente norma do pretérito CPC, isto é, o n.º 2 do art.º 331º, em concreto, prevendo expressamente que o juiz aprecia a relevância do interesse que está na base do chamamento em “decisão irrecorrível”.
IV - Por conseguinte, na parte em que é dirigida a pôr em causa o decidido pelo Tribunal a quo quanto à requerida intervenção provocada acessória, o recurso não é admissível.
- Ac. do TRP de 15-12-2021, proc. nº1708/19.2T8PVZ-A.P1 ( Relator: Mendes Coelho ), que na sua fundamentação refere o seguinte: Como previsto no art. 322º nº 2 do CPC, a decisão sobre o chamamento de terceiro em sede de incidente de intervenção acessória provocada é, como ali expressamente se preceitua, uma “decisão irrecorrível”.
A sufragar esta evidente previsão daquele preceito, vide José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 4ª edição, Almedina, 2018, pág. 646, anotação 3 ao art. 322º, onde se diz que “A decisão do juiz é irrecorrível”, e também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa no seu “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª Edição, pág. 395, onde se diz que “Qualquer que seja o entendimento do juiz, deferindo ou indeferindo o chamamento, a sua decisão é irrecorrível”.
Sendo a decisão em causa irrecorrível, tal circunstância obsta ao conhecimento do objecto do recurso.
7. Independentemente de se considerar que o despacho previsto no artº. 322º, nº 2, do Cód. Proc. Civil é, ou não, um despacho proferido no exercício de um poder discricionário, a verdade é que resulta claro da letra da lei que tal despacho é irrecorrível.
8. Ora, e sempre salvo sempre o devido respeito por melhor opinião, se relativamente a matérias concretamente especificadas na lei é expressamente atribuído a um tribunal de 1ª instância um poder de decisão, que é irrecorrível, só esse tribunal poderá decidir sobre tais matérias.
9. Por isso, devendo o incidente de intervenção acessória ser decidido em 1ª instância, por decisão irrecorrível, a competência para conhecer da sua admissibilidade ou inadmissibilidade, é exclusivamente do juiz titular do processo.
10. Se o Meritíssimo Juiz de 1ª instância entende que para decidir sobre a admissibilidade, ou inadmissibilidade, de um incidente de intervenção acessória necessita de ver junto aos autos um determinado documento, poderá ordenar a sua junção sempre que o entender, ao abrigo do disposto no artº. 411º do Cód. Proc. Civil, sendo que tal despacho não é um despacho proferido no exercício de um poder discricionário, podendo por isso ser objecto de recurso (cfr. neste sentido Ac. do TRL de 14-12-2004, proc. nº 9255/2004-7 (Relator: Pimentel Marcos) e Ac. do TRG de 19-03-2020, proc. nº 20175/19.0T8VNF-E.G1 (Relator: Jorge Teixeira ), ambos publicados in www.dgsi.pt ).
11.Caso o recurso seja julgado provado e procedente, o Meritíssimo Juiz de 1ª instância terá que decidir sobre a admissibilidade, ou inadmissibilidade, do incidente sem a junção de tal documento; se, pelo contrário, o recurso for julgado não provado e improcedente, e aquele mantiver a sua posição de ser necessária a junção do documento, a decisão sobre o incidente só poderá ser dada após a junção do mesmo.
12. Isto porque, a questão relativa à junção do documento, ordenada por despacho confirmado por Acórdão da Relação transitado em julgado, foi decidida em definitivo no próprio processo, não podendo ser mais ali discutida (cfr. artº. 620º, nº 1, do Cód. Proc. Civil).
13. Acresce ainda, que mesmo que assim se não entenda, nunca o Tribunal da Relação poderia substituir-se ao Meritíssimo Juiz de 1ª instância, e proferir decisão de admissibilidade, ou inadmissibilidade do incidente.
14. Com efeito, se por vontade do legislador a competência para certas decisões é exclusiva do tribunal de 1ªinstância, não pode o Tribunal da Relação substituir-se àquele e proferir uma decisão que, em sede de recurso, não tem sequer competência para julgar.
15. A não se entender assim, todas as decisões irrecorríveis poderiam ser abrangidas pela regra da substituição expressamente prevista no artº. 665º do Cod.Proc.Civil, o qual apenas é aplicável às decisões recorríveis, não se aplicando nos casos em que o tribunal não se pronuncia sobre nenhuma das questões suscitadas e de que devia conhecer - cfr. neste sentido Ac. do TRG de 18-12-2017, proc. nº 1099/17.6T8VNF.G1 ( Relatora: Helena Melo ), publicado in dgsi.pt.
16. Considerando o supra exposto, e tendo em atenção que se verifica o requisito de recorribilidade previsto no artº. 671º, nº 2, alínea b), do Cód. Proc. Civil, deve o presente recurso ser admitido e, a final, julgado provado e procedente, tudo com as legais consequências.
Responderam as AA. à reclamação, no exercício do contraditório, pugnando pelo seu desatendimento.
Apreciando:
Não assiste razão à reclamante quando pugna pela admissibilidade da sua revista.
Com efeito, a decisão que venha a ser tomada pelas instâncias sobre a admissibilidade do requerimento de intervenção acessória provocada é, por sua própria natureza, irrecorrível, conforme resulta, de forma clara e inequívoca, do disposto no artigo 322º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Ora, não havendo a 1ª instância emitido pronúncia sobre tal pedido por ter decidido aguardar a junção aos autos de determinada documentação em poder de terceiros, sob pena de deserção da instância nos termos do artigo 281º do Código de Processo Civil, mas tendo o Tribunal da Relação conhecido efectivamente dessa matéria, é evidente que essa posterior decisão daquele tribunal superior (revogatória da proferida pelo juiz a quo) no sentido do indeferimento deste chamamento de terceiros (proferida, em termos definitivos, num único grau de jurisdição, como exige a lei) é insusceptível de impugnação através de revista.
De resto, não faria logicamente o menor sentido que sendo, por imperativo legal expresso, definitiva a pronúncia sobre o indeferimento do requerimento de intervenção acessória provocada em 1ª instância, não o fosse igualmente no caso (invulgar, reconheça-se) desse conhecimento ter lugar em 2ª instância, pelo respectivo tribunal superior e no âmbito do recurso de apelação oportunamente interposto, obrigando nessas anómalas circunstâncias o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto órgão de cúpula do sistema judicial, de intervenção especialmente reservada e excepcional em questões de tramitação processual ou incidental, a apreciar matéria que nem sequer, por sua própria natureza, admite recurso quando decidida em primeira e única mão.
Concorda-se, assim, por conseguinte e inteiramente, com os fundamentos da decisão singular reclamada (na qual nos louvamos), encontrando-se nessa medida prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas na presente reclamação face ao carácter imperativo e inultrapassável (em termos de possibilidade de impugnação por via de recurso) do disposto no artigo 322º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Dir-se-á, ainda e apenas, não ser correcta a afirmação produzida, neste contexto, pela reclamante no sentido de que “existe trânsito em julgado em relação à junção da due diligence”.
Com efeito, conforme é sublinhado, como todo o rigor e acerto, no acórdão recorrido:
“O Tribunal da Relação do Porto, no acórdão proferido neste processo, apenas se pronunciou e decidiu sobre a admissibilidade, no âmbito dos poderes instrutórios do tribunal, da requisição de documentos, na posse de terceiro, com vista a instruir o incidente de intervenção de terceiro, sendo que tal havia sido requerido pela Ré para prova dos fundamentos invocados na contestação.
Questão totalmente diferente é a de saber se estando assente que o juiz, em conformidade com o princípio do inquisitório, podia solicitar o documento para melhor se inteirar da viabilidade da acção de regresso, como foi decidido no mencionado aresto, não sendo cumprida a requisição do documento, como sucedeu, importa decidir se é admissível, tal como foi estabelecido na decisão impugnada, aguardar que as partes (que não possuem o documento) resolvam essa omissão de terceiro.
Neste particular, afigura-se-nos que a resposta é manifestamente negativa até porque inexiste qualquer caso julgado formal relativamente à questão de saber se o juiz apenas poderá decidir o incidente se esse documento estiver nos autos.”
Ou seja, não tem a menor correspondência com a realidade pretender que o mencionado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Janeiro de 2018 impôs, com força de caso julgado, que a apreciação superior da (in)admissibilidade do presente chamamento não pudesse ter lugar sem a prévia junção de determinada documentação (que nem sequer estava em poder das partes mas de terceiro) e por tempo indefinido (até à possível extinção da instância por deserção).
Nesse anterior aresto apenas se decidiu da possibilidade legal do tribunal de 1ª instância solicitar a um terceiro (a sociedade Oxy Capital – Sociedade de Capital de Risco, S.A.) a junção da cópia integral dos relatórios da due diligence legal, laboral, comercial, operacional, financeira, contabilística e fiscal, realizado ao grupo Cabelte e sociedades subsidiárias, no âmbito do contrato de opção de compra e venda de acções de 7 de Dezembro de 2012 celebrado entre o Fundo de Reestruturação Empresarial FCR (representado pela dita sociedade gestora Oxy Capital) e a Ré Atlanticpar SGPS, para prova do que fora alegado em determinados artigos da contestação/reconvenção.
Fê-lo através com a seguinte fundamentação essencial:
“A matéria prende-se com o alcance do princípio inquisitório (…). Neste quadro, não se encontrava o juiz limitado, para conhecer do pedido de intervenção acessória provocada de promover a junção de documentos requeridos em momento anterior do processo, mesmo que não para a instrução da admissão do incidente, mas para a instrução da própria causa. Para a instrução da admissão do incidente de intervenção acessória provocada, ao juiz cabe apreciar, em decisão irrecorrível, o interesse que se encontra na base do chamamento, isto é, a viabilidade da invocada acção de regresso e a sua efectiva dependência das questões a discutir na causa principal. (...)”.
Ou seja, a única questão decidida nesse acórdão do Tribunal da Relação do Porto foi a que se prende com os poderes inquisitórios do juiz a quo para ordenar a junção aos autos de determinado documento em poder de terceiro, concluindo-se que o mesmo não se encontrava limitado ou condicionado ao ter decidido ordenar essa mesma junção, em conformidade com o disposto no artigo 411º do Código de Processo Civil.
Interposto recurso de apelação para decidir se, com os elementos reunidos nos autos (sem a junção do referido due diligence), haveria ou não fundamento para admitir o incidente de intervenção acessória provocada de terceiro, dispunha o Tribunal da Relação do Porto, naturalmente e sem tipo de qualquer dúvida, do necessário poder jurisdicional para apreciar e julgar tal matéria, como fez – através de decisão irrecorrível.
Para além do mais, cumpre ainda acrescentar que não invocou sequer a recorrente qualquer verdadeira situação de contradição de julgados exigida pelo artigo 671º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil, para a admissibilidade de revista em matéria de decisões interlocutórias, nem juntou o respectivo – e imprescindível - acórdão fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em que a mesma oposição eventualmente se baseasse.
Pelo que não há lugar ao conhecimento do objecto do recurso que assim se declara findo.

Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em julgar inadmissível a revista, não se conhecendo do respectivo objecto e considerando-se findo o recurso, nos termos do artigo 652º, nº 1, alínea b) e 679º do Código de Processo Civil.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Ucs.

Lisboa, 21 de Junho de 2022.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Resende

Ana Paula Boularot

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.