Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
32/11.3TAVRS.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: BURLA
ABUSO DE CONFIANÇA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CONDENAÇÃO
ERRO MATERIAL
DESPACHO DE RECTIFICAÇÃO
JUIZ
TRIBUNAL COLECTIVO
NULIDADE INSANÁVEL
TRÂNSITO EM JULGADO
BURLA QUALIFICADA
CRIME CONTINUADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
ILICITUDE
CULPA
PREVENÇÃO ESPECIAL
PREVENÇÃO GERAL
Data do Acordão: 11/12/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - AUDIÊNCIA - SENTENÇA - RECURSOS.
Doutrina:
- Oliveira Mendes, “Código de Processo Penal” Comentado, Almedina, 2014, p. 1189.
- Paulo Albuquerque, Comentário do “Código de Processo Penal”, 4ª ed., p. 988.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 358.º, N.º3, 380.º, N.º1, AL. B), 409.º, 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 30.º, N.º2, 71.º, 72.º.
Sumário :

I - A circunstância de o tribunal recorrido ter considerado que parte dos factos imputados ao arguido na acusação integravam não o crime de burla (como constava do libelo acusatório), mas antes um crime de abuso de confiança, tendo notificado em audiência o arguido, antes da prolação do acórdão, da possibilidade de alteração dessa qualificação jurídica dos factos, nos termos do art. 358.º, n.º 3, do CPP, mas, posteriormente, na parte dispositiva do acórdão, ter condenado o recorrente por um crime de burla, constitui manifestamente um erro material.
II - E uma vez que o tribunal veio a tomar consciência desse erro, embora só depois da interposição do recurso pelo arguido, tendo o presidente do tribunal coletivo, invocando o disposto no art. 380.º, n.º 1, al. b), do CPP, retificado a parte dispositiva do acórdão recorrido, por despacho que foi notificado ao arguido e aos restantes sujeitos processuais, sem que nenhum deles o tenha impugnado, assim transitando em julgado, a única questão que poderia colocar-se seria a da competência do presidente do tribunal coletivo para proceder à retificação. Contudo, mesmo a entender-se que o despacho sofreria de nulidade absoluta, o trânsito em julgado estabilizou definitivamente a decisão.
III - Haverá atenuação especial da pena, nos termos do disposto no art. 72.º do CP, quando a ilicitude ou a culpa se apresentarem claramente abaixo do padrão “normal”, ou ainda quando as exigências preventivas inerentes à aplicação da pena estiverem fortemente esbatidas.
IV - Neste caso, todo o comportamento do arguido revela uma ilicitude e uma culpa muito acentuadas. Com efeito, o procedimento por ele adotado para extorquir dinheiro aos ofendidos foi extremamente engenhoso, revelando notável astúcia, habilidade e perseverança na “montagem” do ardil e depois na sua sucessiva aplicação aos interessados que iam surgindo.
V - O arguido, que já nos dois anos anteriores utilizara procedimentos fraudulentos no arrendamento de casas de veraneio, decidiu no ano de 2012 adotar um plano adaptado à circunstância de já não ter casas para arrendar nem uma carteira de clientes, como acontecera anteriormente. Decidiu por isso atuar com nomes fictícios e publicitar pela internet o arrendamento de casas para a época balnear, pedindo o depósito do “sinal” em contas por ele movimentadas. Esses anúncios continham a descrição dos tipos de casas alegadamente disponíveis, por vezes acompanhadas de fotografias, criando assim uma aparência, a quem os visualizava, de que as casas estavam efetivamente para arrendamento e de que o arguido era o responsável pela realização do respetivo contrato.
VI - Tais casas, porém, não existiam ou não estavam na sua disponibilidade, tendo o arguido como única finalidade apropriar-se do dinheiro entregue pelos interessados como “sinal”. Assim, conseguiu o arguido enganar 53 pessoas, levando-as a crer que os negócios de arrendamento eram sérios, e consequentemente convencendo-as a depositarem nas contas por ele indicadas o dinheiro do sinal (nalguns casos chegou mesmo a receber a totalidade da renda), num total de 16 838 €.
VII - Todo este procedimento é altamente reprovável e revelador de uma capacidade imaginativa e planificadora notáveis, a par de um poder também significativo de concretização do plano criminoso, valendo-se, para tanto, dos seus conhecimentos na área do imobiliário e mais concretamente na do arrendamento de casas de veraneio. É assim de todo evidente que não se verifica qualquer atenuação acentuada da ilicitude ou da culpa, ou da necessidade da pena, pelo que é de afastar liminarmente a possibilidade de atenuação especial da pena, prevista no art. 72.º do CP.
VIII - A ilicitude e a culpa são muito acentuadas, não havendo qualquer atenuante de relevo. Note-se que o recorrente só procedeu à devolução da quantia recebida de um dos ofendidos. Revela, por outro lado, o arguido, uma personalidade sem escrúpulos, com grande capacidade para idealizar e concretizar planos criminosos suscetíveis de enganar a generalidade das pessoas. Por essa razão, e apesar de o arguido não apresentar antecedentes criminais, existem exigências fortes no plano da prevenção especial.
IX - E também obviamente no plano da prevenção geral os interesses são prementes, pelas perturbações e danos que condutas como a do recorrente provoca no comércio jurídico, nomeadamente no mercado do arrendamento para férias, com grande peso na economia da região atingida, gerando também prejuízos de diversa ordem na vida de grande número de pessoas e suas famílias, que procuravam o legítimo gozo das suas férias.
X - Neste contexto, entende-se que a pena de 5 anos e 2 meses de prisão fixada pelo tribunal recorrido quanto ao crime de burla qualificada é insuscetível de qualquer redução.


Decisão Texto Integral:
           

                Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I. Relatório

            AA, com os sinais dos autos, foi condenado, por acórdão de 30.4.2014 do tribunal coletivo da extinta comarca de Vila Real de Santo António, nas seguintes penas:

- pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, a), do Código Penal (CP), na pena de 1 ano e 7 meses de prisão [factos de 2010];[1]

- pela prática de um crime de burla simples na forma continuada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1, e 30º, nº 2, e 79º do CP, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão [factos de 2011];

- pela prática de um crime de burla qualificada na forma continuada, p. e p. pelos arts. 218º, nº 2, b), 30º, nº 2, e 79º do CP, na pena de 5 anos e 2 meses de prisão [factos de 2012];

- em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos de prisão.

Dessa decisão recorreu o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo:


O arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 7 anos de prisão, resultante de 1 ano e 7 meses de prisão pela prática de um crime de burla qualificada, 2 anos e 9 meses de prisão pela prática de um crime de burla e 5 anos e 2 meses de prisão pela prática de um crime de burla qualificada.
                2º Quanto aos fatos de 2010, verificamos uma manifesta contradição entre a qualificação jurídica efetuada pelo douto acórdão, pois a fls. 104 e107, na decorrência do ponto Aspetos Jurídicos (fls. 101), o douto acórdão concluiu por enquadrar a conduta do arguido sob a qualificação do crime de abuso de confiança (artigo 205º, n.º 1 e n.º 4, alínea a, do CP), referindo a fls. 104 o seguinte: “No caso do primeiro conjunto de fatos, a matéria de fato julgada provada não permite reconduzir o comportamento do arguido ao crime de burla. Com efeito, o arguido, não induziu a assistente (…) à prática de qualquer ato.”     
                3º No entanto, vem o Tribunal “a quo”, na decisão, condenar o arguido pelo crime de burla qualificada, tendo antes explanado toda uma argumentação no sentido de que o arguido deveria ser absolvido do mesmo, pois tal como expressamente refere a fls. 105 do douto acórdão, “ Não tendo induzido a assistente na prática de qualquer, é evidente que não se mostram preenchidos os demais requisitos do crime de burla.”    
                4º Nestas circunstâncias, o douto acórdão deveria ter absolvido o arguido da prática do crime de burla qualificada, quanto aos fatos de 2010, com todas as legais consequências, tendo efetuado exatamente o inverso, ou seja, condenou o arguido pela prática de um crime que expressamente fundamentou, do ponto de vista jurídico, como não se tendo verificado, pelo que deverá o arguido ser absolvido do crime de burla qualificada o que desde já reclama para todos os legais efeitos.    
                5º Nestes termos, a condenação em 1 ano e 7 meses de prisão, tal como decidida a fls. 113, deverá ser excluída do cúmulo jurídico a final efetuado, pois o douto acórdão incorre numa clara contradição (entre a fundamentação que efetua quanto ao enquadramento jurídico-penal e a condenação no crime de burla qualificada quanto aos fatos de 2010), a qual só poderá, salvo melhor opinião, levar à absolvição em relação aos fatos de 2010, pois não pode o arguido ser condenado por um crime cujo preenchimento do respetivo tipo o Tribunal “ a quo” entendeu não se verificar.      
                Por outro lado, e salvo o devido respeito, que é todo, e salvo mais apurada sensibilidade jurídica, o Tribunal “a quo” violou o Princípio da proporcionalidade da pena, tal como previsto no art. 40º, n.º 2 e n.º 3 do Código Penal, quando à condenação em 5 anos e 2 meses de prisão, referentes aos fatos de 2012.
                7º Devendo a aplicação do preceito acima indicado conduzir a uma atenuação ainda mais especial da pena, o que aqui expressamente se requer, reduzindo a desproporcional medida concreta de 5 anos e 2 meses de prisão.
                8º A idade do arguido, 47 anos, em conjunto com a ausência de antecedentes criminais, a colaboração com o Tribunal, confessando integralmente os fatos de 2012, a sua inserção familiar e social, deverão resultar na especial atenuação da pena a aplicar.
                9º Ao verificarmos que a atenuação em causa poderia ter ido mais além, foram violados os preceitos constantes dos artigos. 70º, 71º e 72º do Código Penal.
                10º A especial atenuação da pena que deverá conduzir a uma mais acentuada redução do tempo de prisão efectivamente a cumprir, encontra a sua base num juízo de prognose social favorável ao arguido, a esperança de que o arguido sentirá a condenação como uma advertência e que não incorrerá, no futuro, na prática de novos crimes.
                11º Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no juízo de prognose social favorável ao arguido, será de atender aos seguintes elementos:
                Personalidade do arguido.
- As suas condições de vida.
- Conduta anterior e posterior ao facto punível.
- As circunstâncias do facto punível.
12º Diz-nos a jurisprudência do mesmo Tribunal Superior que “devem atender-se a todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões de prevenção especial. E sendo essa conclusão favorável, o Tribunal decidirá se a simples censura do facto e a ameaça da pena bastam para satisfazer as finalidades da punição, caso em que fixará o período da suspensão.”
                13º No mesmo acórdão pode ler-se “O Supremo Tribunal de Justiça tem doutrinado que por via de regra, não será possível formar o juízo de prognose favorável de que se falou, em relação ao arguido, não primário, na ausência de confissão aberta onde possam ser encontradas razões da sua conduta e sem arrependimento sincero em que ele pode demonstrar que rejeita o mal praticado por forma a convencer de que não voltará a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica.”
                14º Nos pontos 10º a 13º das presentes conclusões, citámos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 2792/02-5ª Secção, em que foi relator o Excelentíssimo Conselheiro Simas Santos.
                15º Nestas circunstâncias, apelando ao elevadíssimo sentido de justiça de Vossas Excelências, veneranda e respeitosamente se requer se dignem conceder provimento ao presente recurso, absolvendo o arguido da prática do crime de burla qualificada, quantos aos fatos de 2010, uma vez que a fundamentação de direito explanada pelo Digníssimo Tribunal “a quo”, conduz à conclusão que o arguido, na sua conduta, não preencheu o tipo de crime em causa, ou seja, o tipo do crime de burla qualificada.
Mais ainda, renovando o apelo ao já referido elevadíssimo sentido de justiça de Vossas Excelências, veneranda e respeitosamente se requer se dignem conceder provimento ao presente recurso, reduzindo a medida concreta da pena aplicada pelo Tribunal “a quo” em relação aos fatos de 2012, pois em nosso entender, face à ausência de antecedentes criminais, face à situação familiar e social do arguido, ao que acresceu a confissão integral e sem reservas, a referida medida concreta da pena pode e deve ser acrescidamente atenuada.         

Respondeu o Ministério Público, dizendo:

1. O arguido invoca no recurso uma contradição entre a fundamentação e a decisão do acórdão.

                Contudo, a invocada contradição assenta num lapso manifesto do acórdão, lapso já corrigido;

                no ponto 2 da parte decisória do acórdão fez-se constar inicialmente que a condenação (nessa parte) era por crime de burla, quando – como é manifesto pelos termos do próprio acórdão - era por crime de abuso de confiança;

                mas, como se referiu, tal lapso já foi rectificado em 6/6/2014, “ao abrigo do disposto no art. 380, nº. 1, b) do CPP”, conforme mencionado na dita rectificação.      

                2. No mais, o recorrente só discorda da medida da pena do crime praticado por referência aos factos de 2012: 5 anos e 2 meses de prisão pela prática do crime de burla qualificada na forma continuada p. e p. no art. 218, nº 2, b) do CP.    

                Alega em síntese que “era primário” e que estava “social e familiarmente inserido”.

                3. Quanto à medida das penas aplicadas ao recorrente, refere o acórdão, nomeadamente, que “no que concerne às exigências de prevenção de futuros crimes, estas são prementes, tendo em conta o número de crimes destes tipos que são cometidos em Portugal (em particular no Algarve); a ausência de antecedentes criminais do arguido revela que não são elevadas as exigências de prevenção especial; a ilicitude do facto, em todos os casos, mostra-se muito acentuada; a culpa revela-se muito intensa …; … o Tribunal ponderará o valor dos prejuízos causados …; serão também ponderadas as repercussões que a conduta do arguido teve na vida das pessoas …; em todos os casos, o Tribunal não deixará de ponderar os factos atinentes ao modo de vida pessoal e familiar do arguido e que o mesmo prestou declarações relevantes para a descoberta da verdade”.          

                4. Ora, são exactamente estas as circunstâncias que relevam no caso e que levaram a uma correcta fixação da(s) pena(s) aplicada(s) ao arguido, conforme art. 71 do CP.

                Em primeiro lugar, no que se refere á culpa, esta é muito intensa;

                as exigências de prevenção geral são prementes;

                a ilicitude é acentuada;

                os valores (económicos) envolvidos são consideráveis e a repercussão dos actos do arguido para os ofendidos foi significativa.  

                Por outro lado, o Tribunal levou em linha de conta – entre o mais - a inexistência de antecedentes criminais do arguido e a sua inserção familiar. 

                5. São estes os elementos mais relevantes para a fixação da medida da(s) pena(s) e que justificam, em absoluto, as penas fixadas.

                E as circunstâncias invocadas pelo recorrente, específica e devidamente consideradas pelo Tribunal, não justificam a aplicação de pena inferior quanto ao crime de burla qualificada pelos factos praticados em 2012.     

                6. Consequentemente, o recurso não merece provimento, devendo ser mantido o acórdão recorrido.

                Pelo exposto, em conclusão:

                a) não há qualquer contradição no acórdão, tendo já sido rectificado – nos termos do art. 380, nº. 1, b) do CPP - o lapso manifesto que continha;

                b) a medida da(s) pena(s) aplicada(s) ao arguido está devida e correctamente fundamentada no acórdão;

                c) pretendendo uma pena inferior quanto ao crime burla qualificada cometido em 2012, o recorrente não invoca circunstâncias que ponham em causa tal fundamentação e justifiquem uma medida diferente;

d) pelo que o recurso não merece provimento, devendo ser mantido o acórdão recorrido.

Neste Supremo Tribunal, o sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:


2 - Do mérito do recurso:

Emitindo parecer, como nos cumpre, cabe dizer que nos revemos inteiramente na resposta apresentada pelo magistrado do Ministério Público junto da 1.ª Instância, posto que nos permitamos, não obstante, o aditamento das observações complementares seguintes:

2.1 – Quanto à questão acima enunciada em 1.2/ (i) – contradição entre a fundamentação de direito e a decisão:

Como muito bem contrapõe, na sua resposta, o magistrado do MP na 1.ª Instância, é inegável a existência da apontada contradição. Disse-se na verdade, em sede de fundamentação, que o acervo factual nesse ponto fixado integrava, não um crime de burla, mas antes, e citamos, «[…]um crime de abuso de confiança, previsto no artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea a) do Código Penal e assim se considerará», quando é certo que a final, mormente em sede de dispositivo, se veio a condenar o arguido, não por este crime, mas por um crime de burla qualificada.

Só que, e como os autos já documentam também, o Tribunal veio subsequentemente a dar conta do lapso cometido, que corrigiu por despacho de 6-06-2014, exarado a fls. 4166/4167, ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.º 1/b) do CPP, aí ordenando a rectificação daquele ponto do dispositivo, por forma a que, onde se lia: «[…]um crime de burla qualificada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 218.º, n.º 1 e 202.º, alínea a) do Código Penal»; deve agora passar a ler-se: «[…]um crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea a) do Código Penal».

Esta decisão foi devidamente notificada a todos os sujeitos processuais [fls. 4170 e segs], sendo que nenhum deles a impugnou.

Neste quadro, e sem discutir sequer, hic et nunc, nem se o lapso em causa seria ou não passível de correcção por via do instrumento normativo utilizado (art. 380.º, n.º 1/b) do CPP), nem se tal correcção era da competência, singular, do Sr. juiz titular do processo, ou ainda da competência do Tribunal Colectivo, o certo é que o citado despacho judicial, por não ter sido impugnado, transitou em julgado [arts. 619.º, 620.º, n.º 1 e 628.º do CPC, e 4.º do CPP], impondo por isso, nesta parte, a extinção da instância recursória, por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide [art. 277.º, alínea e) do CPC, e 4.º do CPP].

2.2 – Quanto à medida da pena parcelar acima enunciada em 1.2/(ii):

Liminarmente, e tendo em conta que, mesmo não sendo objecto de controvérsia, sempre a questão caberia, nesta sede, nos poderes, oficiosos, de cognição deste Tribunal, cabe neste ponto enfatizar o seguinte:

Como com distinto e, a nosso ver, inultrapassável rigor, se extrai do Acórdão deste Supremo Tribunal, de 25-06-1986, publicado no BMJ n.º 358, pág. 267, a realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir:

1 - Um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial;

2 – Um só crime, continuado, se a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas houver factores externos que tenham levado o agente à reiteração da actividade criminosa;

3 – Um concurso de infracções, se não ocorrer qualquer daquelas situações.

A esta luz, e tendo em conta designadamente os pontos n.º 26.º e 69.º da decisão de facto proferida, que o recorrente não questionou, como podia, perante a Relação, e que por isso, como é bom de ver, são aqui já insusceptíveis de reexame, há que dizer que temos por duvidosa qualificação jurídica da sua conduta nesta parte operada, classificada como integradora de um crime continuado, nos termos do disposto no art. 30.º, n.º 2 do Código Penal. A nosso ver, e mesmo não questionando a evidenciada existência de factores externos facilitadores da reiteração criminosa, o certo é que temos por lícito retirar da matéria de facto apurada a existência de uma única resolução criminosa [e, assim, a actuação do arguido no quadro do mesmo dolo ou resolução inicial], que não de tantas resoluções quantos os ofendidos. Pelo que, e não obstante a pluralidade de vítimas, estamos em crer que a conduta do recorrente, obviamente que sem prejuízo do procedimento imposto pelo n.º 3 do art. 424.º do CPP, e bem assim do respeito pelo princípio da proibição de reformatio in pejus normativamente densificado no art. 409.º do mesmo código, seria de qualificar como integrador de um só crime de burla qualificada, de execução continuada, da previsão dos arts. 217.º e 218.º, n.º 2/b) do Código Penal, a punir pela totalidade dos prejuízos causados às vítimas.

De todo o modo, e desde logo porque o recurso vem interposto apenas pelo arguido, não pode deixar de ser no quadro da qualificação jurídica efectivamente adoptada pelo Tribunal que a pena nesta parte aplicada tem agora de ser sindicada.
Esclarecido este ponto, e assim delimitada a questão a dirimir, dir-se-á que nos revemos genericamente na fundamentação a esse propósito aduzida no aresto impugnado.

Também a nosso ver, e ao contrário do que sustenta o recorrente, foram devidamente sopesadas, nesta sede, todas as circunstâncias, provadas, que depunham a seu favor, nomeadamente as suas condições pessoais, a idade, a sua integração familiar e social, a ausência de antecedentes criminais e a confissão, tida aliás por relevante. Assim se compreenderá aliás, convirá evidenciá-lo, que, dentro de uma moldura penal abstracta de 2 a 8 anos de prisão, o Tribunal tenha fixado esta pena em 5 anos e 2 meses de prisão, isto é sensivelmente no seu ponto médio.

Ainda que nos não repugnasse uma ligeira redução desta pena parcelar, neste caso para medida próxima dos 4 anos e 6 meses de prisão, não pode deixar de evidenciar-se o montante global dos prejuízos causados às 75 vítimas, no valor de cerca de 16 mil euros, que o arguido ainda não reparou. E convirá não esquecer ainda, como parece querer fazer o recorrente, o peso concreto, muito significativamente elevado, das circunstâncias, apuradas na decisão, que depõem contra si.

                Ora, nos termos do art. 71.º do Código Penal, a pena concreta é de fixar em função da culpa do agente e das exigências da prevenção.

                Por sua vez, o art. 40.º do mesmo corpo normativo estabelece que as penas visam assegurar a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

                As penas têm, pois, uma finalidade essencialmente preventiva, geral e especial, visando satisfazer as exigências comunitárias de repressão do crime, posto que, bem entendido, sem prejuízo dos interesses da reintegração social do delinquente. Mas essas exigências têm um limite, estabelecido pela culpa do agente, que deriva da necessidade de salvaguarda da dignidade da pessoa desse agente do crime.

                Dentro destes pressupostos de carácter geral, a pena terá de fixar-se de acordo com os factores indicados no n.º 2 do citado art. 71.º do CP, os quais são de classificar em três grupos: referentes à execução do facto — [alíneas a), b) e c): grau de ilicitude do facto, modo de execução do crime, grau de violação das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade do dolo, sentimentos manifestados na execução do crime e fins ou motivação do mesmo] –; relativos à personalidade do agente — [alíneas d) e f): condições pessoais do agente e situação económica, falta de preparação para manter conduta lícita] –; e finalmente factores relativos a conduta anterior ou posterior ao crime — [alínea e)].

                Analisando, neste quadro, os factos provados, sobressai imediatamente a elevada ilicitude e culpa do arguido. Na verdade, os comportamentos ilícitos perduraram, nesta parte, ao longo de todo o ano de 2012, aproveitando-se ele das funções de mediação imobiliária em que estava investido e pondo em causa as mais elementares regras funcionais dessa actividade, com especial relevância e impacto, negativo, numa região turística como é a região do Algarve. Como sobressai igualmente, como factor posterior ao crime, a total ausência de interiorização do mal do crime uma vez que o arguido nada fez, entretanto, no sentido de minimizar os prejuízos causados, ao menos iniciando a reparação dos lesados.

                Trata-se portanto, e em suma, de uma conduta em que a ilicitude é muito acentuada, o que se reflecte na culpa, e em relação à qual, particularmente na região do seu cometimento, existem fortes necessidades de prevenção geral.

                Por outro lado, sendo relativamente pouco relevantes as circunstâncias que convoca a seu favor, a verdade é que, como vimos, elas não deixaram de ser devida e expressamente sopesadas pelo Tribunal, como decorre do ponto respeitante à “determinação da espécie e medida da pena”.
Aqui chegados, e até por maioria de razão, não pode deixar de claudicar também, em toda a linha, a pretensão formulada pelo recorrente no sentido de ver fixada a pena no quadro da atenuação especial densificado no convocado art. 72.º do Código Penal.
Esta disposição legal admite, na verdade, a atenuação especial da pena quando, e se existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. Mas no caso dos autos, e no quadro dos poderes de cognição deste Tribunal, não pode deixar de concluir-se, sem necessidade de grande esforço argumentativo, pela rejeição liminar de uma tal pretensão, isto por via da não verificação do condicionalismo normativamente exigido para a aplicação do instituto em causa. Não cremos, com efeito, que estejam provadas circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao crime com o peso assinalado no n.º 1 do citado normativo.

                Ademais, e tal como este Supremo Tribunal tem repetidamente afirmado na sua jurisprudência, a atenuação especial da pena deve abranger apenas aquelas situações verdadeiramente excepcionais em relação ao comum dos casos previstos pelo legislador ao estabelecer a moldura penal correspondente ao respectivo tipo legal de crime. E convenhamos que o caso dos autos não se enquadra, de todo, no apontado critério.

                2.2.1 No entanto, e tal como deixámos já consignado supra, sopesando ainda nesta sede – de resto também na esteira da própria decisão recorrida –, as circunstâncias dirimentes convocadas pelo recorrente, admitimos não ser de excluir liminarmente a possibilidade de ponderação de uma ligeira redução desta concreta pena parcelar, em todo o caso para medida a situar próximo dos 4 anos e 6 meses de prisão, nesta hipótese com necessária repercussão equitativa na medida da pena única do concurso.
                3 – TERMOS EM QUE, e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, se emite parecer no sentido de que:

2.3.1 É de declarar extinta, por inutilidade superveniente, a presente instância de recurso no que diz respeito às questões suscitadas pelo recorrente e por ele enunciadas nas conclusões 1.ª a 5.ª da sua motivação;

2.3.2 Sem prejuízo da eventual ponderação acima proposta, (i) em 2.2 quanto à qualificação jurídica da conduta do recorrente, e (ii) em 2.2.1 quanto à medida da pena pelo sobredito crime de burla qualificada, neste caso com repercussão na medida da pena única do concurso, é de negar, quanto ao mais, provimento ao recurso, confirmando antes o veredicto condenatório proferido.

Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente nada disse.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. Fundamentação

Duas são as questões colocadas pelo recorrente:

A) Contradição manifesta entre a fundamentação do acórdão e a decisão, no que se refere aos factos de 2010, uma vez que o tribunal recorrido, depois de concluir que os factos integravam um crime de abuso de confiança, acabou por condenar o recorrente por um crime de burla qualificada, devendo, no entender do arguido, ser absolvido desse crime, excluindo-se consequentemente a respetiva pena do cúmulo;

B) Violação do princípio da proporcionalidade na determinação da pena correspondente aos factos de 2012, devendo essa pena ser especialmente atenuada, nos termos do art. 72º do CP.

Analisemos a 1ª questão.

Qualificação jurídica dos factos de 2010

Relativamente aos factos praticados pelo arguido em 2010, foram os mesmos subsumidos, na acusação, ao crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1, e 218º, nº 1, do CP.

Contudo, o tribunal recorrido, ao apreciar os aspetos normativos dos factos, entendeu que eles integravam não o imputado crime de burla, mas sim um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, a), do CP, “e assim se considerará”, como se escreveu no acórdão a fls. 4075.

No entanto, na parte decisória, o acórdão, relativamente aos referidos factos, condenou o arguido pelo crime de burla imputado na acusação, e não pelo de abuso de confiança (fls. 4092).

É esta decisão que o recorrente impugna, requerendo a sua absolvição pelo crime de burla, com o argumento de que tal crime não se provou.

Porém, como se viu, o tribunal recorrido considerou que os factos em referência integravam não o crime de burla, mas antes um crime de abuso de confiança. Aliás, notificou em audiência o arguido, antes da prolação do acórdão, da possibilidade de alteração dessa qualificação jurídica dos factos, nos termos do art. 358º, nº 3, do CPP, não tendo o mandatário do recorrente nada requerido (ata de julgamento a fls. 4095-A e 4095-B).

A condenação do recorrente, na parte dispositiva do acórdão, por um crime de burla pelos factos de 2010 tratou-se, pois, manifestamente de um erro material.

Desse erro veio o tribunal a tomar consciência, embora só depois da interposição do recurso pelo arguido.

Na verdade, por despacho de 6.6.2014 (fls. 4166-4167), o presidente do tribunal coletivo, invocando o disposto no art. 380º, nº 1, b), do CPP, veio retificar a parte dispositiva do acórdão recorrido, dispondo que onde se lia “condenar o arguido (…) como autor material de um crime de burla qualificada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 218º, nº 1 e 202º, a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão [factos de 2010]” deveria passar a constar: “condenar o arguido (…) como autor material de um crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo art. 205º, nºs 1 e 4, a) do Código Penal, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão [factos de 2010]”.

Este despacho de retificação foi notificado ao arguido e aos restantes sujeitos processuais (fls. 4169 e ss.), nenhum deles o tendo impugnado, pelo que transitou em julgado.

Poderia colocar-se a questão da competência do presidente do tribunal coletivo para proceder à retificação.[2]

Contudo, mesmo a entender-se que o despacho sofreria de nulidade absoluta, o trânsito em julgado estabilizou definitivamente a decisão.

Desta forma, perante a retificação do acórdão, por um lado, e a não impugnação da condenação pelo crime de abuso de confiança, por outro, considera-se extinto, por supervenientemente inútil, o recurso quanto à primeira questão colocada.

Medida da pena relativa ao crime de burla correspondente aos factos de 2012

Para analisar esta questão, há que começar por conhecer a matéria de facto, que é a seguinte:

I
1. O arguido AA, natural de Vila Real de Santo António, onde reside, trabalhou durante vários anos em atividades de mediação imobiliária, designadamente no arrendamento de apartamentos e vivendas para férias (nos meses de Verão) sitas na zona das praias de Monte Gordo, Altura, Lota e Manta Rota, todas no concelho de Vila Real de Santo António, no Algarve;
2. Nessa atividade, o arguido AA angariou conhecimento sobre a identidade de pessoas que dispunham das casas para serem arrendadas e de pessoas interessadas nesses arrendamentos, tendo passado a contactá-las periodicamente, apresentando-lhes os seus serviços como intermediário entre quem pretendia arrendar as casas e quem as pretendia usar naquele período sazonal;
3. O arguido dispunha também de conhecimentos sobre os valores praticados no mercado do arrendamento em causa, tendo em conta o período de férias, localização e a tipologia das habitações;
4. O arguido intitulava-se perante aqueles indivíduos como sendo assessor ou mediador imobiliário, embora não se encontrasse inscrito como empresário ou legal representante de empresa dedicada à atividade de angariação imobiliária ou mediação imobiliária;
5. No ano de 2010, em data não apurada, mas antes de junho, a assistente BB, que dispunha de casas que destinava ao arrendamento durante os meses de Verão, contactou o arguido AA e propôs-lhe assegurar a ocupação dessas habitações no período compreendido entre junho e setembro de 2010;
6. A assistente BB tinha na sua disponibilidade as seguintes casas que afetava a arrendamento sazonal naquela zona do Algarve:
a. Prédio urbano sito na urbanização Bela Praia de Altura, lote 171-A, em Altura, pertencente à sociedade “CC - Sociedade Imobiliária, Lda.” (mais bem identificado no registo da Conservatória do Registo Predial que constitui folhas 17, que aqui se dá por reproduzido);
b.  Prédio urbano sito na urbanização Bela Praia de Altura, lote 171-B, em Altura, pertencente à sociedade “CC - Sociedade Imobiliária, Lda.” (mais bem identificado no registo da Conservatória do Registo Predial que constitui folhas 21, que aqui se dá por reproduzido);
c.  Fração autónoma a que corresponde o apartamento nº 114, empreendimento ..., em Manta Rota (mais bem identificado no registo da Conservatória do Registo Predial que constitui folhas 22, que aqui se dá por reproduzido);
d. Fração autónoma a que corresponde o rés-do-chão, lado nascente, Apartamentos ..., em Manta Rota, (mais bem identificado no registo da Conservatória do Registo Predial que constitui folhas 23, que aqui se dá por reproduzido) e
e.  Prédio urbano sito na rua do Pescador, lote nº 34, em Alto, Manta Rota (mais bem identificado no registo da Conservatória do Registo Predial que constitui folhas 24, que aqui se dá por reproduzido);
7. Nessa altura, o arguido e a assistente BB acordaram que o primeiro asseguraria a ocupação daqueles cinco imóveis, desde a primeira quinzena de junho até à segunda quinzena de setembro;
8. Na sequência dos contactos que mantiveram, o arguido AA apresentou a BB uma proposta com as condições e o valor que iria indicar aos clientes quanto ao arrendamento por cada um daqueles cinco imóveis, com indicação dos períodos de ocupação (oito quinzenas) e montantes a receber em cada um dos períodos;
9. Nessa proposta o arguido indicou que os clientes entregariam ao arguido 30% do valor global do arrendamento, a título de sinal, no momento da celebração do acordo, e, mais tarde, “durante a estadia” pagariam ao arguido o montante restante;
10. De acordo com a aludida proposta formulada pelo arguido AA à assistente BB:
a. A habitação sita na urbanização ..., correspondente ao lote 171-A, seria arrendada por períodos quinzenais, por valores que oscilariam entre € 750,00 e € 1 350,00, ressalvado o período em que seria ocupada pelo dono (segunda quinzena de julho);
b. A habitação sita na urbanização ..., correspondente ao lote 171-B, seria arrendada por períodos quinzenais, por valores que oscilariam entre € 750,00 e € 1 350,00;
c. A habitação sita no rés-do chão do Apartamento da Lota seria arrendada por períodos quinzenais, por valores que oscilariam entre € 400,00 e € 1 000,00;
d. A habitação sita no lote 34 da rua do Pescador, em Alto, seria arrendada por períodos quinzenais, por valores que oscilariam entre € 1 000,00€ e € 1 250,00; e
e. A habitação sita no empreendimento ..., apartamento 114, seria arrendada por períodos quinzenais, por valores que oscilariam entre € 500,00 e € 1 250,00;
11. A proposta que o arguido apresentou teve desde logo em conta o facto de o arrendamento de algumas daquelas casas, durante alguns dos períodos, ter já sido previamente acordado pela assistente BB;
12. Na mesma proposta, o arguido indicava que receberia os montantes que os clientes pagassem e prestaria contas à assistente no final de setembro ou princípios de outubro desse ano, sendo que a sua comissão seria de 10%, comprometendo-se a entregar a BB o restante valor;
13. A assistente BB, visto acreditar que estaria a negociar com um profissional e que o mesmo dispunha de clientes para aquele fim, aceitou a proposta do arguido e entregou-lhe as chaves de acesso aos indicados imóveis;
14. Ainda em junho de 2010, BB comunicou ao arguido alguns arrendamentos que já havia acordado com particulares, e dos quais recebera, nalguns casos, quantias a título de sinal, ficando o arguido encarregue da gestão, quer destes, quer dos arrendamentos que viesse ele próprio a angariar, recebendo dos indivíduos em causa o remanescente do valor acordado;
15. A assistente BB remeteu ao arguido, no dia 29 de junho de 2010, um correio eletrónico (para o endereço eletrónico do arguido: pauloamrodrigues@gmail.com) com as seguintes informações:
a. A fração sita na urbanização ..., correspondente ao lote 171-A, fora arrendada na segunda quinzena de julho, por € 1 100,00, a DD, da qual a assistente recebeu a título de sinal a quantia de € 100,00;
b. A fração sita em Alto, rés-do-chão (apartamento da Lota), fora arrendada na primeira quinzena de julho, por € 700,00, a ..; na segunda quinzena de julho, por € 850,00, a ...; na primeira quinzena de agosto, por € 850,00, a ...; e na primeira quinzena de setembro, pelo valor de € 45,00 por dia, a ...;
c. A fração sita lote 34, fora arrendada na primeira quinzena de julho, por € 1 100,00, a uma pessoa de nome ...; na primeira quinzena de agosto, por € 1 800,00, a ..., da qual a assistente recebeu a título de sinal a quantia de € 150,00; e na segunda quinzena de agosto, por € 1 800,00, a ..., da qual a assistente recebeu a título de sinal a quantia de € 540,00;
d. A fração sita no Empreendimento ..., apartamento 114, fora arrendada na primeira quinzena de julho, por € 750,00, a ..., da qual a assistente recebeu a título de sinal a quantia de € 350,00; na segunda quinzena de julho, por € 800,00, a ..., da qual a assistente recebeu a título de sinal a quantia de € 100,00; e na primeira quinzena de agosto, por € 1 000,00, a ..., da qual a assistente recebeu a título de sinal a quantia de € 100,00;
16. O arguido AA, após contactar ou ter sido contactado pelas diversas pessoas que arrendaram aquelas casas detidas por BB, e de ter recebido o valor do arrendamento (descontado o sinal nos casos em que este foi previamente entregue à assistente pelos próprios arrendatários), guardou consigo as quantias em causa e não as entregou àquela conforme antes acordado;
17. Tal situação verificou-se com as seguintes pessoas (já acima indicadas por referência às quinzenas e imóveis arrendados), as quais contactaram com o arguido no primeiro dia em que iniciaram a utilização das habitações e de quem receberam as respetivas chaves:
a. ...: entregou ao arguido, no escritório deste, um cheque no valor de € 1 000,00, por si emitido em 30-07-2010;
b. ...: entregou ao arguido a quantia de € 600,00 em numerário;
c. ...: entregou em mão ao arguido a quantia de € 750,00 em numerário;
d. ...: entregou ao arguido a quantia de € 850,00, através de transferência bancária efetuada no dia 09-08-2010, com origem numa conta titulada por ..., para a conta titulada pelo arguido no banco .... e NIB ...;
e. ...: entregou ao arguido, no escritório deste, a quantia de € 675,00;
f. ...: passou um cheque à ordem da assistente no montante de € 1 650,00 e, quando, por indicação desta, o entregou ao arguido, este solicitou-lhe que escrevesse no mesmo campo do cheque a expressão “digo ...”, o que aquela fez;
g. ...: entregou ao arguido um cheque no valor de € 400,00, por si emitido em 01-07-2010;
h. ...: entregou um cheque ao arguido no valor de € 700,00, por si emitido em 16-07-2010;
i. ...: entregou ao arguido um cheque no valor de € 900,00;
18. Os cheques referidos no número anterior foram depositados em contas tituladas pelo arguido;
19. O arguido AA recebeu das pessoas acima identificadas as referidas quantias, no total de € 7 525,00;
20. Em outubro de 2010, BB tentou estabelecer contacto com o arguido AA para combinar um encontro entre ambos e efetuar o acerto de contas;
21. O arguido, após sucessivos contactos da assistente em que se desculpou por ainda não ter prestado contas, passou a recusar qualquer contacto com BB;
22. A assistente BB estabeleceu o acordo acima descrito com o arguido e entregou-lhe as chaves dos imóveis atrás identificados na convicção que os montantes pecuniários que o arguido viesse a receber lhe seriam entregues, descontado o valor da comissão a que o arguido tinha direito;
23. O arguido sabia que tinha que entregar à assistente as referidas quantias;
24. O arguido não entregou à assistente as quantias atrás referidas por as querer fazer suas, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade da assistente;
25. O arguido atuou de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta não era permitida por lei;

II
26. No início do ano de 2011, o arguido AA planeou apropriar-se de verbas que viesse a receber das pessoas interessadas em arrendar habitações para férias no Verão na indicada zona do sotavento algarvio;
27. Nesse ano, o arguido não dispunha das habitações que veio a indicar às pessoas a seguir identificadas, tendo, contudo, levado avante o propósito atrás referido, fazendo-as crer que as casas estavam na sua disponibilidade, o que bem sabia não ser verdade;
28. Em virtude de, no passado, ter, por seu intermédio, arrendado habitações para férias naquela zona do Algarve a várias pessoas, o arguido, que guardara os contactos dessas pessoas, veio a contactar com algumas delas, a partir de fevereiro de 2011, perguntando-lhes se queriam garantir uma habitação para férias durante o Verão desse ano;
29. Noutras situações foram os interessados que tomaram a iniciativa de contactar o arguido com vista a saber se este tinha casas para arrendar, quer porque já o conheciam dos anos anteriores, quer porque o nome do arguido lhes fora indicado e recomendado por pessoas que, em anos anteriores, tinham arrendado as casas por intermédio de AA;
30. Quer numa situação, quer noutra, sempre que contactou ou foi contactado pelos interessados nos arrendamentos, o arguido informou-os que dispunha de habitações para tal fim;
31. No caso das pessoas adiante identificadas, o arguido não tratou de assegurar qualquer arrendamento dos imóveis que afirmou disponibilizar nos contactos que manteve com os interessados, nunca tendo diligenciado nesse sentido ou tido intenção de o fazer, tendo atuado apenas com a intenção de guardar para si as quantias que aqueles lhe viessem a entregar, como era prática habitual nos anos anteriores, a título de sinal;
32. O arguido, com a sua atuação, fez crer junto das pessoas adiante identificadas que tinha a disponibilidade dos imóveis que publicitou, tendo-os convencido que os negócios de arrendamento das casas que anunciava eram sérios;
33. Tanto mais que algumas das pessoas adiante identificadas já tinham negociado nos anos anteriores com o arguido e não tinha havido qualquer problema;
34. Nos contactos que então manteve com os interessados, o arguido, ao contrário da realidade, informou-os de que dispunha de várias habitações para o indicado fim, sitas em urbanizações ou localizações que nomeava (por conhecer as suas reais designações) de forma arbitrária, tendo mencionado diversos valores, conforme a tipologia da habitação solicitada pelo interessado e o período em causa;
35. Entre fevereiro e junho de 2011, o arguido, dispondo dos respetivos contactos e sabendo que os destinatários poderiam estar interessados em arrendar casas para gozo de férias no Verão, contactou com várias pessoas (ora remetendo email ora mensagem SMS), seus clientes em anos anteriores, e ofereceu-lhes, para tais fins, apartamentos e vivendas que indicou se situarem na zona em causa;
36. Nalguns dos casos, o arguido apenas perguntava aos indivíduos que contactava se estes pretendiam assegurar a mesma casa que tinham arrendado no(s) ano(s) anterior(es);
37. Após os indivíduos se mostrarem interessados, o arguido remetia-lhes um email, no qual, dava a indicação da data de entrada e saída da habitação pretendida (informando da sua tipologia e da sua localização em termos gerais), respondia a algumas questões práticas colocadas pelos interessados e respeitantes ao conteúdo da habitação e informava do valor do arrendamento, com a indicação do montante respeitante ao sinal, que deveria ser logo pago nessa altura;
38. Por fim, o arguido indicava, nos emails, um ou vários NIB das suas contas para os quais deveria ser transferido o valor acordado como pagamento do sinal (ficando o interessado livre de optar por qualquer das contas quando era indicada mais que uma) e solicitava que, após a transferência, o interessado informasse o arguido da sua ocorrência;
39. Também ao disponibilizar os NIB de contas por si tituladas, o arguido criou nas pessoas contactadas a perspetiva de se tratar de um negócio sério e cujo pagamento seria facilmente identificado;
40. Os montantes indicados pelo arguido, e que deveriam ser pagos a título de sinal, mediavam entre 30% a 50% do valor global acordado pelo arrendamento;
41. O arguido também aceitou que alguns dos pagamentos do montante respeitante ao sinal pudessem ser efetuados por depósito direto nas suas contas, ou por cheque emitido à sua ordem e remetido pelo correio para a morada onde funcionava o escritório do arguido e que era conhecida dos interessados por ser aí que, nos anos anteriores, o contactavam pessoalmente e onde recebiam as chaves das habitações;
42. Nalguns casos, quando confrontado pelos indivíduos que, por seu intermédio, tinham arrendado casas nos anos anteriores e lhe perguntaram se as mesmas estavam disponíveis, o arguido informou que tinha casas idênticas a essas e nos mesmos locais, ou perto, assim os convencendo que as casas existiam e que eram semelhantes às que antes lhes arrendara;
43. Também com o propósito de aliciar os clientes, os preços dos arrendamentos indicados pelo arguido nas mensagens de correio eletrónico ou via SMS eram mais ou menos idênticos aos que os interessados tinham pago no ano anterior;
44. Face à aparência que criou, o arguido levou a que as pessoas adiante identificadas se tivessem convencido de que tudo se tratava de uma situação de normal comércio, idêntica à dos anos anteriores, determinando-os a transferirem as quantias relativas ao sinal, sem que se tivessem desconfiado das verdadeiras intenções de AA:
45. O arguido, nessa altura, contactou com os interessados através da sua conta de email pessoal (...) e através dos números de telemóvel ... e ...;
46. Nas mensagens de correio eletrónico o arguido indicou os NIB das seguintes contas bancárias, para onde os interessados deveriam efetuar as transferências dos montantes em causa, todas por si tituladas:
a. ..., com o nº ...e NIB ...;
b.  ..., com o nº ...e NIB ...;
c.  ..., com o nº ...e NIB ...;
d.  ..., com o nº ... e NIB ...;
47. Esta conta no ..., devido à inserção da instituição no Grupo ..., corresponde à conta com o nº 422.10.299332-2 e NIB ... do ..., pelo que as transferências efetuadas para a conta ... repercutiram-se na movimentação a crédito dessa conta ...;
48. No caso do pagamento através dos cheques, estes títulos foram, depois de chegar à posse do arguido, depositados pelo mesmo na sua conta do ... com o nº ... e NIB ...;
49. Entre os meses de fevereiro e junho de 2011, as pessoas adiante identificadas efetuaram os pagamentos (por transferência ou depósito bancários para as contas acima referidas ou por cheque que enviavam pelo correio) respeitantes ao sinal pelos montantes indicados pelo arguido (e que a seguir se discriminarão);
50. O arguido atuou com o propósito de determinar as pessoas adiante identificadas à entrega de dinheiro ao mesmo, o que estes fizeram na convicção que os montantes pecuniários se destinavam a reservar o arrendamento de casas para férias;
51. O arguido atuou de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta não era permitida e que atuava contra a vontade das pessoas adiante identificadas;
52. As reservas anunciadas pelo arguido eram inexistentes;
53. Os apartamentos ou vivendas que o arguido afirmou disponibilizar ou não existiam ou existiam mas não estavam na disponíveis para o arguido arrendar;
54. O arguido acordara com as pessoas adiante identificadas que as chaves das casas seriam levantadas no primeiro dia do período acordado, devendo estas encontrarem-se com o arguido num escritório sito em Altura e utilizado por este para o efeito ou junto às próprias casas;
55. Quando as pessoas adiante identificadas se dirigiram ao escritório, este estava fechado;
56. O arguido disse as referidas pessoas para se deslocarem ao escritório por forma a credibilizar o acordo e por ser dessa forma que, nos anos anteriores, as chaves eram entregues;
57. Quando as pessoas que tinham pago a quantia solicitada pelo arguido a título de sinal, se deslocaram para o Algarve com as respetivas famílias para irem gozar o período de férias na habitação acordada com o arguido, não o encontraram, uma vez que o mesmo não estava no escritório em causa, nem atendeu o telefone, pelo que não lograram chegar ao contacto com o mesmo, nem receberam as chaves das casas acordadas;
58. Só nessa altura tais pessoas se aperceberam que não existia nenhuma habitação reservada em seu nome, sendo que, na maior parte dos casos, as pessoas nem sequer sabiam onde se localizavam em concreto, já que apenas dispunham do nome de uma urbanização, ou de um lote;
59. Mesmo as habitações que tinham sido indicadas com dados concretos, e que existiam, nunca estiveram disponíveis para serem arrendadas no período contratado;
60. Algumas pessoas que conheciam o local onde se situavam as habitações que pensavam terem arrendado e que se deslocaram até lá, puderam verificar que as mesmas encontravam-se habitadas pelos respetivos donos (que os informaram que aquelas não se encontravam disponíveis para arrendar) ou por outras pessoas que as tinham arrendado aos donos;
61. O arguido, conhecendo a finalidade pela qual fora contactado pelas pessoas adiante identificadas, permitiu (em alguns casos), que muitas delas viessem para o Algarve convencidas de que tinham alojamento para aí gozarem as férias, fazendo-se acompanhar de familiares (incluindo crianças);
62. Noutros casos, uns dias antes de os interessados irem ocupar as casas que pensavam ter arrendado, o arguido informou-os, por SMS ou correio electrónico, que as reservas tinha ficado sem efeito e que devolveria o sinal (o que nunca fez), nem atendeu as chamadas telefónicas que tais pessoas então lhe fizeram para obterem do mesmo explicações e esclarecimentos;
63. Nessas ocasiões, o arguido informou, por SMS ou email, ou que não estava em “condições físicas e psicológicas para dar seguimento” à sua atividade ou que fora uma colega que lhe criara problemas, ou que estava no hospital com uma depressão, o que bem sabia não ser verdade;
64. Algumas pessoas, tendo ouvido na comunicação social que certas pessoas chegaram ao Algarve e não tinham casas arrendadas (apesar de terem pagado o respetivo sinal), com receio de que lhes acontecesse o mesmo, telefonaram ou remeteram emails ao arguido para esclarecer a situação, e este, nos casos em que respondeu, informou os interlocutores que estava hospitalizado em Espanha mas tinha funcionários a tratar dos assuntos;
65. O que bem sabia não ser verdade e que levou a que, parte dos indivíduos em causa, ainda assim, se tivessem deslocado para Altura no início da segunda quinzena de agosto ou primeira quinzena de setembro, tendo-lhes acontecido o mesmo que aos outros, ou seja, não estava ninguém no escritório para entregar as chaves das casas que supunham ter arrendado;
66. Tudo o que o arguido referiu às pessoas adiante identificadas, nos contactos mantidos com estas, não correspondia à verdade, tendo agido com o propósito de obter proventos a que sabia não ter direito;
67. As várias tentativas por parte das pessoas adiante identificadas para contactar com o arguido AA uma vez que este não atendeu os telefones ou desligou-os e, por vezes, nem respondeu ao correio-electrónico ou a SMS;

(…)
68. O arguido não devolveu qualquer quantia às pessoas atrás identificadas, nem diligenciou por tal;

III
69. No ano de 2012 o arguido AA atuou com o mesmo propósito de vir a ficar com as quantias que lhe eram entregues pelas pessoas que pretendiam arrendar as casas para férias no Verão, na mesma zona do Algarve, sem que tivesse qualquer propósito de diligenciar por qualquer arrendamento;
70. Face ao sucedido nos anos anteriores e atrás descrito, o arguido já não dispunha de casas para arrendar e a sua carteira de clientes era praticamente inexistente;
71. O arguido AA veio a propor o arrendamento de habitações para os meses do Verão de 2012 com a utilização de nomes fictícios e publicitando na internet casas que não estavam na sua disponibilidade;
72. O arguido sabia que não se podia identificar com o verdadeiro nome devido à situação ocorrida em 2011, atrás descrita, e às repercussões da mesma, designadamente na comunicação social, pelo que, para lograr enganar terceiros com os referidos arrendamentos, sempre teria, na angariação dos interessados, de usar outros nomes, todos fictícios, o que fez;
73. Para o efeito, o arguido criou, no início desse ano de 2012, em data e modo não concretamente apurados, vários anúncios destinados ao arrendamento de habitações (apartamentos e moradias) para férias no Algarve (sobretudo nas localidades de Altura, Manta Rota e Monte Gordo);
74. E diligenciou pela sua colocação e publicitação em vários sítios da internet nacional destinados ao efeito, tais como “custojusto.pt”; “coisas.pt”; “olx.pt”, “imovirtual.pt” e “classificadosgratis.com.pt”;
75. Tais anúncios descreviam os tipos de casas disponíveis (por exemplo, a tipologia do apartamento ou da moradia) comodidades das mesmas (por exemplo, o equipamento das divisões, o terraço com barbecue, o condomínio com piscina, ar condicionado, roupas de cama, etc.) e, na maior parte dos casos, eram acompanhados por fotografias das habitações, no interior e exterior;
76. Os apartamentos ou vivendas alegadamente disponíveis, ou não existiam, ou existiam mas não estavam na disponibilidade do arguido para arrendar a outras pessoas;
77. Dessa forma, o arguido fez crer, a quem visualizou tais anúncios, que efetivamente dispunha dessas casas para arrendar, facto que não correspondia à verdade, o que bem sabia;
78. Mais convenceu os interessados, potenciais clientes de arrendamentos de casas de férias naquela zona do Algarve, que os negócios de arrendamento das casas que anunciava eram sérios;
79. Tendo para isso indicado contactos (telefónicos e de email) e se identificado com nomes, criando uma aparência de seriedade;
80. Quem respondia aos anúncios era encaminhado para contas de correio eletrónico que eram utilizadas pelo arguido;
81. De facto, o arguido, sempre dentro do mesmo plano, criou contas de correio-electrónico destinadas a comunicar (sem se saber o seu verdadeiro nome) com as suas potenciais vítimas, cuja identidade desconhecia;
82. O arguido criou e utilizou, nos indicados contactos, e inseridas nos anúncios, as seguintes contas de correio-electrónico:
a. ...;
b. ...;
c. ...;
d. ... ;
e. e
f. ....
83. O arguido usou ainda, nesse período, embora de forma esporádica, para os mesmos fins, o seu antigo email (...), o que fez, designadamente, nos contactos que manteve com a ...;
84. A acompanhar as comunicações que veio a estabelecer através daqueles emails com os interessados nos arrendamentos, o arguido usou vários nomes;
85. Assim, nas referidas contas de correio eletrónico, o arguido identificou-se perante terceiros, através das mensagens trocadas por email, com os nomes de:
a. -, -, - (no correio -);
b.  - ou - (no correio -);
c. ---ou--- (no correio ---);
d. ---, ---, ---, ---, ---, --- (no correio ---);
e.  --- ou --- (no correio ---) e
f.  --- (no correio ---).
g. Embora privilegiasse como forma de comunicação o correio eletrónico (muitas vezes afirmava aos seus interlocutores estar no estrangeiro para evitar utilizar o telefone), o arguido também forneceu aos indivíduos que se mostraram interessados em arrendar habitações e que acordaram com o arguido tal arrendamento, números de telemóvel para posteriores contactos, designadamente:
i. O número ---, associado ao nome ---;
ii. O número ---, associado aos nomes ---, ---e ---, e
iii. O número ---,

 os quais foram usados pelo arguido naquela altura em contactos que então manteve com alguns dos interessados nos arrendamentos.
86. Designadamente, o arguido AA manteve contactos
a. Através do nº --- com ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, --- e ---;
b.  Através do nº --- com ---, ---, ---, ---, --- e -- e
c.  Através do nº --- com--- e ---.
87. Quando tais indivíduos ligaram para aqueles números e o arguido os atendeu, AA identificou-se com os nomes atrás referidos e com os quais era confrontado no telefonema;
88. Sempre que os interessados lhe solicitavam mais informações sobre as características das casas, o arguido respondia prestando tais informações, tendo, inclusive, chegado a remeter mais fotografias dos imóveis, que tinha na sua posse;
89. Quando as pessoas a seguir identificadas, correspondendo-se através dos emails usados pelo arguido, em resposta aos anúncios, demonstravam interesse em acordar o arrendamento, o arguido, em resposta aos contactos, usando um daqueles nomes associados ao correio eletrónico em causa, remetia ao interessado um texto que intitulava de “Acordo Arrendamento” ou “Contrato de Arrendamento Turístico por Período Determinado”;
90. Nesse texto constavam as características da habitação, a localização da mesma, o nome do seu dono, qual o período do arrendamento (data de entrada e saída), a forma como se procederia à entrega das chaves, o valor do arrendamento e solicitava a transferência (para um NIB que fornecia) de parte do valor total do arrendamento (sinal) para a conta bancária da dona do imóvel assim fazendo crer que, dessa forma, o interessado garantia a reserva da habitação para o período pretendido;
91. Um dos elementos que o arguido indicava, nas correspondências mantidas com os interessados, era o nome do proprietário das casas dadas em arrendamento, dizendo que se tratava de ...;
92. Nalgumas situações o arguido chegou mesmo a informar os interessados que era filho dessa ...;
93. O arguido conhecia há muitos anos uma pessoa de nome ..., pois, inclusive, administrava os seus bens, e decidiu usar o nome desta, sem o conhecimento da mesma, no artifício que criou;
94. Por isso, o arguido bem sabia que ... não era dona, nem tinha à sua disposição, os imóveis que publicitou para aqueles fins;
95. O arguido também sabia que ... se encontrava acamada na sequência de um AVC e que não se iria aperceber da situação que invocava o seu nome;
96. Por vezes, o arguido, sempre com o intuito de conferir credibilidade à proposta de arrendamento, também mencionava nessas comunicações que a referida... na Urbanização ..., lote ..., Praia da Lota, Manta Rota, o que não era verdade, e que o arguido igualmente sabia;
97. Assim, as vítimas convenceram-se da seriedade do proposto através das comunicações trocadas por email, e também por telefone, conforme atrás indicado, e que o arguido efetuaria as reservas dos imóveis, nos períodos de férias acordados, e vieram a proceder às entregas dos montantes que o arguido lhes solicitou a título de sinal;
98. Em algumas ocasiões, o arguido AA, após ter recebido na conta bancária por si indicada o valor respeitante ao sinal, remeteu-lhes, por correio postal ou por correio-electrónico, um suposto “recibo de renda” respeitante à reserva da habitação para férias;
99. Nesse documento, que consiste num formulário em uso nos contratos de arrendamento, e titulado como “recibo de renda nº…”, que era preenchido à mão pelo arguido, constava a indicação do nome do cliente e valor recebido a título de sinal, e no espaço reservado à assinatura, era aposto pelo arguido o nome do suposto dono da habitação, concretamente o nome de ...;
100. De forma a também melhor credibilizar a situação, as contas bancárias através das quais o arguido veio a receber os montantes que foram remetidos pelos interessados nos arrendamentos, e cujo NIB era indicado nos emails trocados com os lesados, pertenciam à referida ...;
101. O arguido apresentava-se, assim, aos interessados nos arrendamentos utilizando aqueles nomes ficcionados por forma a assemelharem-se ao nome da titular das contas para onde eram efetuadas as transferências, designadamente o apelido “...”, o que fazia de modo a garantir que as vítimas não suspeitassem no momento em que transferiam o dinheiro;
102. Por outro lado, quando tais interessados, que já se tinham convencido que as casas existiriam para o fim proposto, efetuavam as transferências para o NIB que o arguido fornecia, podiam confirmar que o nome do destinatário era igual ao da dona da casa e semelhante ao do próprio anunciante;
103. Face à aparência que criou, o arguido levou a que as pessoas adiante identificadas se tivessem convencido de que tudo se tratava de uma situação de normal comércio, determinando-os a transferirem as quantias relativas ao sinal, sem que se tivessem desconfiado das verdadeiras intenções daquele;
104. As transferências em causa, nos montantes solicitados pelo arguido e remetidos por transferência bancária a título de sinal pelos interessados nos arrendamentos, foram, assim, efetuadas para a conta da ... com o nº ... e NIB ... e para a conta do ..., com o nº ... e NIB ..., ambas tituladas pela mencionada ...;
105. Porém, tais contas eram unicamente movimentadas pelo arguido como procurador ou como cotitular;
106. A conta da ... era titulada exclusivamente por ..., mas fora aberta em 25 de março de 2011 pelo arguido AA, tendo este exibido para o efeito uma procuração outorgada nessa data e conferida pela ..., na qual se mencionava que o arguido tinha poderes para criar e movimentar quaisquer contas bancárias, pelo que o mesmo passou a figurar como “autorizado”, com capacidade para movimentar a conta, sem nenhumas restrições;
107. A conta do ... era titulada quer por ..., quer pelo arguido AA, podendo ser movimentada por qualquer deles;
108. O arguido movimentava as duas referidas contas sem o conhecimento de ...;
109. Num dos pagamentos do sinal foi utilizada a conta nº ... do ..., titulada exclusivamente pelo arguido;
110. Após as transferências bancárias das quantias relativas ao indicado sinal, a seguir discriminadas, o arguido apropriou-se desses valores, que foi gastando em seu proveito;
111. O arguido AA, conhecendo a finalidade pela qual fora contactado pelas pessoas adiante identificadas, permitiu ainda que muitas das pessoas viessem para o Algarve convencidas de que tinham alojamento para aí gozarem as férias, fazendo-se acompanhar de familiares (incluindo crianças);
112. Muitos dos interessados que pagaram o sinal chegaram a deslocar-se ao local anunciado em período de férias, tendo sido só aí confrontados com o facto de a habitação que julgavam estar-lhes reservada não existir ou existir mas não estar disponível para tal;
113. Quando, nessas alturas, as pessoas adiante identificadas contactaram o arguido, este sempre se furtou a falar com os mesmos, desligando o telefone ou não respondendo aos emails ou SMS;
114. Noutras situações, casos em que o arguido foi contactado por email pelos indivíduos que tinham reservado as habitações, próximo da data de início da sua utilização, o arguido informou-os, por essa via, e passando-se por uma terceira pessoa, que a pessoa em causa, que tratara do arrendamento, tinha sofrido um acidente de viação em Espanha, que estava hospitalizado e que não conseguiria cumprir o acordado, tendo informado que tinha intenção de devolver o montante do sinal, o que o arguido bem sabia não ser verdade;
115. Ainda noutras situações foi o arguido que, na véspera do início da ocupação das casas, contactou por email os clientes e os informou que tinha de rescindir o contrato pois familiares tinham tomado a posse do imóvel, tendo solicitado a indicação do número de conta do destinatário do contacto para proceder à devolução do sinal, o que o arguido igualmente sabia não ser verdade;
116. Não obstante o teor dessas mensagens, que levaram a que os clientes tivessem acreditado que iam ser ressarcidos e tivessem fornecido os dados das suas contas bancárias para tal fim, o arguido nunca diligenciou pela devolução das quantias em causa;
117. No caso de ---, ---, ..., ---, --- e ---, após terem transferido a quantia a título de sinal, e próximo da data de início da utilização da casa prometida, os mesmos chegaram a transferir as quantias em falta, assim tendo entregado ao arguido a totalidade do montante acordado pelo arrendamento;
118. No caso de ---, o arguido, em data próxima da data prevista para o início da utilização da casa prometida, procedeu à devolução da quantia que o mesmo recebera a título de sinal; (…)
119. Com exceção do valor de sinal pago por ---, o arguido AA não devolveu qualquer quantia às pessoas atrás identificadas nem diligenciou para que tal sucedesse;

IV
120. No dia 3 de agosto de 2013, aquando da sua detenção, o arguido AA tinha com ele, no interior de uma carteira, as seguintes coisas (que lhe foram apreendidas):
a. Um cartão de cidadão, nº ..., titulado por ...;
b. Uma carta de condução, nº ..., titulada por ...;
c. Um cartão com dados de carregamento MOCHE (TMN) referente ao nº ...;
d. Um cartão com dados de carregamento TMN referente ao nº ...;
e. Quatro cartões bancários do Montepio, todos titulados pelo arguido e associados à conta do arguido no Montepio e permitiam a sua movimentação;
121. Os cartões com dados de carregamento de telefone respeitam a dois dos telemóveis utilizados nos contactos que o arguido manteve no ano de 2012 com as pessoas atrás identificadas;
122. No ano de 2012, o arguido AA não teve qualquer emprego ou outro rendimento fixo dos quais apresentasse deduções para a Segurança Social ou declarações para efeitos fiscais;
123. O dinheiro que o arguido obteve pela forma supra descrita nos anos de 2011 e 2012 foi usado por AA para pagar empréstimos pessoais, empréstimos contraídos para aquisição de habitação, pagar renda de uma casa e para fazer face a outras despesas pessoais do arguido;
124. No ano de 2011, para além dos rendimentos que obteve pela forma supra descrita, o arguido obteve rendimentos da mediação na venda de casas e na mediação do arrendamento de casas, tendo obtido proventos de montante que não foi possível apurar;
125. No ano de 2012, os únicos rendimentos do arguido foram os provenientes dos factos atrás descritos e foi com ele que o arguido fez face a todas as despesas do seu dia-a-dia, designadamente, para pagar empréstimos pessoais, empréstimos contraídos para aquisição de habitação, pagar renda de uma casa, alimentação e demais despesas pessoais do arguido;
126. Da conta do banco ..., com o nº ..., que em 28-09-2011 (data a partir da qual cessaram os movimentos a crédito) tinha o saldo de € 31 193,11, o arguido foi sucessivamente debitando na mesma várias quantias para pagamento das suas despesas, até atingir o saldo € 0,00€ no dia 16-05-2012;
127. Da conta ..., com o nº ..., o arguido foi debitando na mesma várias quantias para pagamento das suas despesas, até atingir o saldo € 0,00 no dia 20-08-2012. Nesta conta o saldo no fim do mês de abril era de € 2 206,30, no fim de maio de € 3 370,42, no fim de junho de € 4 176,43 e, no fim de Julho de € 1 502,95;
128. O arguido atuou sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Do pedido de indemnização civil formulado por ...
129. ... já em anos anteriores ao ano de 2 011 havia reservado casa para passar férias no Algarve por intermédio do arguido;
130. No dia 1 de agosto de 2 011, ... recebeu um telefonema de seu filho ... (que estava a passar férias com o ex-marido da demandante no Algarve) a informá-la que a casa que tinha sido arrendada através do arguido para ele e seu pai passarem férias já se encontrava ocupada;
131.  Preocupada com o seu próprio arrendamento, a demandante tentou contactar o arguido, mas sem sucesso;
132. A demandante reside com o companheiro ... e filho ... no ..., razão pela qual são poucas as oportunidades que tem para estar com os seus familiares que residem em Portugal;
133. A casa onde pretendia passar férias e que pensava ter arrendado destinava-se a passar férias com as suas duas irmãs (---e ---) e respetivos agregados familiares;
134. Seria a primeira vez que o companheiro da demandante, de nacionalidade belga, se deslocaria a Portugal;
135. A demandante pretendia que o seu companheiro ficasse com uma boa impressão de Portugal;
136. Com o companheiro da demandante vinha passar férias o filho daquele, de 12 anos de idade;
137. Desde que recebeu o telefonema de seu filho (atrás referido), a demandante sofreu angústia por ver frustrados todos os seus planos (também atrás referidos);
138. A demandante contactou diversas pessoas para ver se conseguia arrendar para a segunda quinzena de agosto uma casa que pudesse albergar 10 pessoas, o que lhe causou grande ansiedade e angústia (pelo receio de não conseguir arranjar tal casa);
139. Não foi possível encontrar uma casa que pudesse albergar o agregado da demandante e de suas irmãs, pelo que aquela não conseguiu passar férias com os seus familiares residentes em Portugal;
140. A demandante viu-se obrigada a alojar-se num hotel com o seu companheiro, o filho deste e uma sobrinha, onde passou apenas uma semana de férias;
141. A demandante sentiu-se envergonhada por o seu companheiro e filho dele, no primeiro contacto com Portugal, terem passado pela experiência atrás descrita;
142. A demandante sentiu-se enganada pelo comportamento do arguido;

Do pedido de indemnização civil deduzido por ...
143. ... procurou na internet por apartamentos onde passar férias no Verão de 2012, tendo encontrado o apartamento que lhe interessava (supra identificado) no sítio da OLX;
144. Após, o demandante estabeleceu diversos contactos por email no sentido de averiguar a disponibilidade para o período correspondente à semana de 4 a 11 de agosto de 2012, tendo o arguido manifestado a disponibilidade daquela casa para aquele período;
145. Dado que um dos elementos do agregado familiar do demandante tinha, na altura, 6 meses de idade, ..., esposa do demandante, contactou o arguido por email no sentido de averiguar a possibilidade de colocar uma cama extra, ao que o arguido mostrou disponibilidade;
146. No dia 4 de agosto de 2012, durante a viagem, no período compreendido entre as 10:00 horas e a chegada ao Algarve (cerca das 12:00 horas), foram efetuadas várias tentativas para estabelecer contacto com o arguido (para o número de telefone que ele tinha indicado). Apesar de o telefone do arguido dar sinal de chamada, não foi possível o contacto;
147. Dada a falta de resposta por parte do arguido, a parte final da viagem foi feita pelo demandante em grande tensão;
148. Já na urbanização do álamo e perante a ausência do arguido, o demandante perguntou em diversas lojas pela pessoa que dá pelo nome ..., mas ninguém demonstrou conhecê-lo;
149. Após, começaram a surgir indicações de que se trataria de uma fraude já ocorrida em anos anteriores, o que muito preocupou o demandante;
150. Perante tal situação, o demandante chegou a ponderar o regresso a casa, o que não chegou a fazer pois tal seria extenuante para os filhos, principalmente para o bebé de seis meses de idade;
151. Após terem contactado amigos que estavam a passar férias no Algarve, o demandante conseguiu arranjar um apartamento para passar a semana de férias: tratou-se de um apartamento de tipologia 0, sem ar condicionado e sem cama para bebé (para o qual improvisaram uma cama com almofadas de sofá);
152. No dia seguinte, o demandante foi apresentar queixa na Guarda Nacional Republicana;

Outros factos resultantes da discussão:
153. AA é o 6º de uma fratria de seis irmãos, lugar que partilha com o irmão gémeo;
154. Cresceu na zona de Vila Real de Santo António, no seio de uma família tradicional estruturada com elevado sentido de coesão familiar;
155. A família vivia de forma modesta, dos rendimentos obtidos pelo progenitor como funcionário do casino local, onde trabalhava como croupier;
156. A morte do pai, que ocorreu quando AA tinha 14 anos, alterou em parte a dinâmica familiar, no sentido em que levou a mãe a ter de trabalhar (também no casino) onde lhe ofereceram emprego para garantir a sustentabilidade da família;
157. Nessa época, os irmãos já tinham vidas organizadas e independentes, pelo que foi sobretudo AA e o irmão gémeo que ficaram a cargo da mãe a partir do falecimento do pai;
158.  A progenitora conseguiu, com o apoio dos filhos mais velhos, assumir o acompanhamento educativo de AA e do irmão, não registando este qualquer problemática comportamental significativa até à idade adulta;
159. AA, após completar o ensino liceal, iniciou vida profissional na Câmara Municipal de Vila Real de Santo António no setor do urbanismo, onde se manteve cerca de dois anos;
160. A sua passagem por este local de trabalho possibilitou-lhe o contacto com entidades públicas e privadas e o alargamento da sua rede relacional, abrindo-lhe novos campos de trabalho em setores onde essa rede de contactos se afigurou essencial;
161. Após cumprir o serviço militar, optou por trabalhar numa empresa ligada à área de construção civil e mediação imobiliária, onde permaneceu durante vários anos a trabalhar por conta de outrem;
162. O exercício destas funções permitiu-lhe também estabelecer localmente novas parcerias no setor de construção, arrendamento e venda de habitações e adquirir boas condições económicas;
163. O irmão gémeo, entretanto, após o serviço militar, conseguiu oportunidade para prosseguir os estudos em Lisboa e AA ficou, a partir dessa época, sozinho a viver com a mãe, criando com esta fortes laços afetivos;
164. Mais tarde e quando a família teve conhecimento que a mãe sofria de uma doença degenerativa, AA assumiu integralmente a responsabilidade pelo apoio e acompanhamento da progenitora, apesar de contar com a disponibilidade e solidariedade dos irmãos;
165. A sua situação laboral permitia-lhe, já à data, dispor de uma situação financeira confortável, e providenciar não apenas as despesas necessárias que o acompanhamento da situação de saúde da mãe carecia, mas igualmente, apoiar economicamente a família e pontualmente algumas pessoas do seu círculo de amizades;
166. A sua imagem local é a de uma pessoa solidária, disponível, socialmente integrada e bem conceituada;
167. A nível laboral, AA passou, com cerca de 34 anos, para uma situação de trabalhador por conta própria no ramo imobiliário (no setor de venda e arrendamento de habitações) em várias localidades no Algarve, atividade a que posteriormente associou à angariação de créditos à habitação e outras como comissionista associado a algumas entidades bancárias da zona;
168. Com os rendimentos obtidos nestas atividades conseguiu adquirir duas habitações, ficando uma para a sua utilização e a outra para arrendamento, do qual conseguia manter uma rentabilidade permanente de € 750,00 mensais a partir de 2006;
169. A crise no setor de construção civil e imobiliário que se verificou sobretudo desde 2011 teve algum impacto na atividade laboral de AA e na rentabilidade que este obtinha através dela. Não obstante, o arguido manteve o mesmo estilo de vida;
170. À data dos factos, a mãe de AA já tinha falecido e este vivia sozinho numa habitação própria;
171. Mantinha-se a trabalhar no setor do imobiliário;
172. A prisão preventiva do arguido contribuiu para uma maior coesão familiar e disponibilidade dos irmãos e amigos para o apoiarem (quer na situação atual, quer no futuro);
173. AA pretende, no futuro, voltar a exercer a mesma atividade profissional em Vila Real de Santo António, onde conta com muitos contactos e amizades que não foram alteradas pela sua atual situação processual;
174. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.

Previamente à apreciação da pena relativa aos factos de 2012, há que ponderar se é correto o seu enquadramento num único crime de burla, na forma continuada, questão suscitada pelo Ministério Público neste Supremo Tribunal, e que, sendo de direito, não escapa ao conhecimento oficioso deste mesmo Tribunal (art. 434º do CPP).

Embora, como salienta o sr. Procurador-Geral Adjunto, os factos indiciem que o arguido agiu dominado por uma única resolução criminosa (nº 69 da matéria de facto), tal facto, só por si, não será suficiente para excluir os requisitos do crime continuado previsto no art. 30º, nº 2, do CP. Poderá, na verdade, afirmar-se que o arguido agiu num enquadramento que facilitava a reiteração criminosa, dada a sua inserção, como mediador imobiliário, no mercado de arrendamento, os seus conhecimentos técnicos e os contactos pessoais no meio. Aceita-se, por isso, a posição do tribunal recorrido.

Em qualquer caso, tendo o recurso sido interposto apenas pelo arguido, o respeito pelo princípio da proibição da reformatio in pejus (art. 409º do CPP) sempre determinaria que a pena não pudesse ser agravada.

Analisemos então a pretensão do recorrente, que vai no sentido da redução da pena aplicada aos factos de 2012 (5 anos e 2 meses de prisão), por ser “desproporcional”, pretendendo mesmo a atenuação especial da pena, nos termos do art. 72º do CP.

Este preceito prevê a atenuação especial, nos termos indicados no artigo seguinte, quando existirem circunstâncias que “diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, sendo alternativos e não cumulativos esses fundamentos. Ou seja, haverá atenuação especial quando a ilicitude ou a culpa se apresentarem claramente abaixo do padrão “normal”, ou ainda quando as exigências preventivas inerentes à aplicação da pena estiverem fortemente esbatidas.

Não é de todo isso que se verifica. Aliás, desde já se adianta que a medida da pena, pelas razões que se passarão a expor, é insuscetível de qualquer redução, ainda que sem apelo ao art. 72º do CP, pois, se peca, é por defeito.

Na verdade, todo o comportamento do arguido revela uma ilicitude e uma culpa muito acentuadas. Com efeito, o procedimento por ele adotado para extorquir dinheiro aos ofendidos foi extremamente engenhoso, revelando notável astúcia, habilidade e perseverança na “montagem” do ardil e depois na sua sucessiva aplicação aos interessados que iam surgindo. Os factos vêm relatados nos nºs 69 a 119 da matéria de facto e podem resumir-se muito brevemente assim:

O arguido, que já nos dois anos anteriores utilizara procedimentos fraudulentos no arrendamento de casas de veraneio na área de Vila Real de Santo António, decidiu nesse ano de 2012 adotar um plano adaptado à circunstância de já não ter casas para arrendar nem uma carteira de clientes, como acontecera anteriormente. Decidiu por isso atuar com nomes fictícios e publicitar pela Internet o arrendamento de casas para a época balnear, pedindo o depósito do “sinal” em contas por ele movimentadas. Esses anúncios continham a descrição dos tipos de casas alegadamente disponíveis, por vezes acompanhadas de fotografias, criando assim uma aparência, a quem os visualizava, de que estavam efetivamente para arrendamento e de que o arguido era o responsável pela realização do respetivo contrato.

Tais casas, porém, não existiam ou não estavam na sua disponibilidade, tendo o arguido como única finalidade apropriar-se do dinheiro entregue pelos interessados como “sinal”.

Assim conseguiu o arguido enganar 53 pessoas, levando-as a crer que os negócios de arrendamento eram sérios, e consequentemente convencendo-as a depositarem nas contas por ele indicadas o dinheiro do sinal (nalguns casos chegou mesmo a receber a totalidade da renda), num total de 16.838 €.

Todo este procedimento é altamente reprovável e revelador de uma capacidade imaginativa e planificadora notáveis, a par de um poder também significativo de concretização do plano criminoso, valendo-se, para tanto, dos seus conhecimentos na área do imobiliário e mais concretamente na do arrendamento de casas de veraneio.

É assim de todo evidente, como aliás já se adiantara, que não se verifica qualquer atenuação acentuada da ilicitude ou da culpa, ou da necessidade da pena, pelo que é de afastar liminarmente a possibilidade de atenuação especial da pena, prevista no art. 72º do CP.

Por outro lado, estabelece o art. 71º do CP que a medida da pena é fixada em função da culpa e das exigências da prevenção, atendendo-se, conforme impõe o nº 2 do mesmo artigo, a todas as circunstâncias relevantes que não fazem parte do tipo, que se podem enquadrar em três grupos: as referentes ao facto – als. a), b) e c) - grau de ilicitude do facto, modo de execução do crime, grau de violação das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade do dolo, sentimentos manifestados na execução do crime e fins ou motivação do mesmo; as relativas à personalidade do agente – als. d) e f) - condições pessoais do agente e situação económica, falta de preparação para manter conduta lícita; conduta anterior e posterior ao crime – al. e).

Analisando os factos, dir-se‑á, mais uma vez, que a ilicitude e a culpa são muito acentuadas, não havendo qualquer atenuante de relevo. Note-se que o recorrente só procedeu à devolução da quantia recebida de um dos ofendidos.

Revela, por outro lado, o arguido, uma personalidade sem escrúpulos, com grande capacidade para idealizar e concretizar planos criminosos suscetíveis de enganar a generalidade das pessoas.

Por essa razão, e apesar de o arguido não apresentar antecedentes criminais, existem exigências fortes no plano da prevenção especial. Note-se que o arguido utilizou diversos “esquemas” criminosos em três anos sucessivos, adaptando-os às novas circunstâncias para poder ter sucesso, como de facto teve.

E também obviamente no plano da prevenção geral os interesses são prementes, pelas perturbações e danos que condutas como a do recorrente provoca no comércio jurídico, nomeadamente no mercado do arrendamento para férias, com grande peso na economia da região, gerando também prejuízos de diversa ordem na vida de grande número de pessoas e suas famílias (algumas chegaram a deslocar-se, vindas de grandes distâncias, à casa “arrendada”), que procuravam o legítimo gozo das suas férias.

Neste contexto, entende-se que a pena fixada pelo tribunal recorrido quanto ao crime relativo aos factos de 2012 é insuscetível de qualquer redução.

A pena conjunta não vinha impugnada senão indiretamente, por via dessa pena parcelar, pelo que, improcedendo o pedido de redução da pena parcelar, reflexamente improcede o da pena conjunta.

Assim, o recurso não merece provimento.

III. Decisão

Com base no exposto, decide-se:

a) Considerar supervenientemente inútil o recurso quanto ao pedido de absolvição pelos factos ocorridos em 2010;

b) Julgar improcedente o recurso quanto à condenação pelos factos de 2012;

c) Confirmar integralmente o acórdão recorrido.

Vai o recorrente condenado em 5 UC de taxa de justiça.

                                   Lisboa, 12 de novembro de 2014

Maia Costa (relator) **
Pires da Graça
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[1] Conforme o texto do acórdão corrigido, ao abrigo do art. 380º do CPP, por despacho de presidente do tribunal coletivo de 6.6.2014, a que adiante se fará referência mais detalhada.
[2] Assim, enquanto Paulo Albuquerque entende que o presidente tem competência para tanto (Comentário do CPP, 4ª ed., p. 988), já Oliveira Mendes é de opinião que a competência cabe ao coletivo, sob pena de nulidade insanável, nos termos da al. e) do art. 119º do CPP (Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, p. 1189).