Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
206/16.0PALGS.S2
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CRIME EXAURIDO
CONSUMAÇÃO
PENA SUSPENSA
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA DUPLA VALORAÇÃO
Data do Acordão: 06/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
Doutrina:
- A. Rodrigues da Costa, O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ.
- Guia de Referência Rápida para Critérios de Diagnóstico, American Psychiatric Association, 5ª ed., DSM-5, Climpsi Editores, p. 326/327;
- Helena Moniz, Crime de trato sucessivo, Julgar Online, abril de 2018, p. 7;
- J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Noticias Editorial, p. 242, 251, 291, 292, 299 e 339 ; Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed. Coimbra Editora, p. 235, 977 e 988;
- J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, artigos 1º a 107º, 4.ª ed., p. 392/393.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 77.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 13/2016;
- DE 20-12-2006, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-09-2008, PROCESSO N.º 08P2502, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-04-2009, PROCESSO N.º 08P3375, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-02-2012, PROCESSO N.º 1/09.3FAHRT.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-11-2013, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-06-2014, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-09-2015, PROCESSO N.º 11/14.9GCRMZ.E, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-09-2016, PROCESSO N.º 71/13.0JACBR.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-11-2016, PROCESSO N.º 804/08.6PCCSC.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-05-2017, PROCESSO N.º 1262/11.3GAVNG.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-10-2017, PROCESSO N.º 3/12.2GAAMT.1.S1;
- DE 16-02-2018, PROCESSO N.º 2118/13.0PBBRG.G1.S1;
- DE 28-02-2018, PROCESSO N.º 125/97.8IDSTB-AS1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-03-2018, PROCESSO N.º 180/13.5GCVCT.G2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-05-2018, PROCESSO N.º 799/15.OJABRG.S1, IN WWW.DGSI.PT.


-*-


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 341/2013, PROCESSO N.º 15/13, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
Sumário :
I - O crime de tráfico de estupefacientes é um crime que, muitas vezes, compreende uma multiplicidade de atos em que cada um, em si mesmo preenche todos os elementos da infracção.
II - Assim, ainda que a consumação ocorra logo consuma com a realização de uma qualquer das acções tipificadas, isto é, com a prática do primeiro ato, a cessação da actividade, a terminação da execução do crime, frequentemente, só se verifica mais tarde.
III - Se em sede de tentativa a terminação não tem relevância na medida em que a tutela penal se antecipa ao momento da prática do primeiro dos atos da conduta incriminada, o mesmo não deve entender-se para efeitos de cúmulo jurídico de penas, onde o que releva é o desrespeito pela admonição que deveria ter representado o trânsito em julgado da primeira condenação. Prosseguindo na prática de actos do crime exaurido, após essa admonição não pode senão considerar-se que o arguido a desconsiderou. Interpretação que obsta a que se acabe numa solução, se não exactamente igual, pelo menos bem próxima do denominado cúmulo por arrastamento que não é admitido no nosso regime penal.
IV - Tendo em consideração que o tribunal recorrido ao cumular as penas em ambos os processo, criou no arguido a expectativa de que através de uma pena única, vai beneficiar da redução do tempo de prisão que tem de cumprir em execução daquelas condenações e que o recurso foi interposto pelo arguido em sua defesa, não podendo este, em resultado do exercício do seu direito de defesa ver agravada a sua situação jurídico-penal, entende-se não extrair das observações supra exaradas quaisquer efeitos, conhecendo-se do recurso, apreciando cada uma das questões suscitadas pelo recorrente.
V - No cúmulo jurídico de penas ora em apreço está em causa um concurso de crimes que inclui o crime de tráfico pelo qual foi condenado nestes autos, e os dois crimes (detenção de arma proibida e tráfico de estupefacientes) pelos quais foi condenado noutro processo. Concurso de crimes que tem de ser punido com uma pena conjunta (art. 77.º, n.º 1 do CP), não obstante só ter sido conhecido depois de a primeira decisão condenatória se tornar definitiva (em 24/01/2017). Por isso, no concurso de conhecimento superveniente, as penas parcelares englobadas naquele anterior cúmulo jurídico retomaram autonomia.
VI - No novo cúmulo jurídico, reformulando o anterior, é considerada cada uma das penas parcelares aplicada ao arguido, pela prática dos crimes em concurso, independentemente de terem sido, ou não, englobadas em outra pena conjunta aplicada igualmente, em cúmulo jurídico de penas.
VII - Consequentemente, no vertente cúmulo jurídico, aquela pena conjunta de 3 anos de prisão deixou de existir, sendo consideradas cada uma das penas parcelares que nele tinham sido englobadas.
IX - Não subsistindo essa pena conjunta, não tem qualquer relevo na construção da moldura máxima da pena do presente concurso de crimes. Na construção e obtenção desse limiar da pena conjunta entram, todas e cada uma das uma das penas singulares aplicadas aos crimes do concurso, conquanto não estejam extintas.
X - É jurisprudência uniforme deste STJ que no cúmulo jurídico em caso de concurso superveniente de crimes, podem, na formação da pena única, ser englobadas penas de prisão efetiva e penas de prisão com execução suspensa.
XII - A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as características da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na actividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta no ordenamento punitivo.
XIII - No cúmulo jurídico de penas por conhecimento superveniente a personalidade revelada no cometimento dos factos, tem especial relevância para o estabelecimento e a compreensão da interconexão entre os diversos crimes do concurso "e, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos", sem estratificada desconformidade com a fidelidade ao direito.
XI - Perante uma moldura penal abstracta de cúmulo entre 6 anos e 9 anos e 6 meses de prisão, ponderando que o tráfico empreendido pelo recorrente não envolveu quantidades elevadas de estupefaciente nem recurso a meios sofisticados, a juventude do arguido (30 anos), a personalidade do arguido manifestada no seu cometimento, apontando para um início de careira criminosa na traficância de estupefacientes, a dimensão das concretas penas cumuladas e as necessidades de prevenção especial de reintegração, entende-se adequada a pena única de 7 anos de prisão efectiva (em detrimento da pena única de 8 anos de prisão aplicada em 1.ª instância).

Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, acorda em conferência:


A- RELATÓRIO:

O Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Central Criminal de ..., por acórdão datado de 1 de Fevereiro de 2019, efectuando o cúmulo jurídico das penas de prisão impostas ao arguido AA nos seguintes processos:

- comum colectivo nº 206/16.0PALGS (estes autos), a pena de 6 (seis) anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (entre 20.05.2016 e 27/01/2017), aplicada no acórdão de 11/10/2017, transitado em julgado em 01.08.2018; e

- comum colectivo nº 376/12.7PHSNT, as penas de 1 (um) ano de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida, e a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (em 20.03.2013), aplicadas no acórdão de 13.05.2016, transitado em julgado em 24.01.2017,

Condenou-o na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

a) o recurso:

O arguido, inconformado com a medida da pena única, interpôs recurso, para Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ao abrigo do disposto no art. 432º n.º 1 al.ª c) do Código de Processo Penal (CPP).

Remata a alegação, com as seguintes:
- CONCLUSÕES:
1) Vem o presente recurso interposto do, aliás douto, acórdão, que realizando o cúmulo jurídico da pena de 6 (seis) anos de prisão aplicada ao Recorrente no âmbito dos autos à margem identificados pela pratica do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22/01, por referência às Tabelas I-A, I-B anexas, com a pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, aplicada ao Recorrente no âmbito do processo nº 376/12.7PHSNT pela prática do crime de detenção de arma proibida e um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, aplicou a pena única de 8 (oito) anos de prisão.
2) É grande o inconformismo do aqui Recorrente com o teor da, aliás douta, decisão, mormente no que tange à pena única de 8 anos de prisão aplicada, constituindo este o objecto principal do presente recurso.
3) Decorre da leitura do douto acórdão recorrido (pág. 9) que “Nos termos do disposto no artigo 77.º nº 1 do Código Penal, a “pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (…) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (…)”, pelo que a pena única a aplicar deverá situar-se entre o limite máximo de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão e um limite mínimo de (seis) anos de prisão.”
4) É patente o erro de que esse segmento do acórdão padece, porquanto as penas a atender para efeitos do cúmulo jurídico, são:
a) de 6 (seis) anos de prisão aplicada no Proc. nº 206/16.0PALGS; e
b) de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, aplicada no proc. nº 376/12.7PHSNT
5) o que perfaz um limite máximo de 9 (nove) anos de prisão,
6) o que resulta da simples leitura do ponto 1 dos factos provados,
7) e não de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão como consta do acórdão recorrido.
8) Uma decisão que erra no quantum da pena máxima aplicável (seis meses é muito tempo para quem se encontra privado da sua liberdade como sucede com o aqui Recorrente) é nula por ferir de morte todos os princípios e normas constitucionais do direito a um processo justo e equitativo, consagrado no artigo 20.º, nº 4 da CRP, pois face a esse erro, o Recorrente desconhece qual foi o limite máximo que o tribunal “a quo” utilizou na determinação da sua pena única.
9) Esse vício decorre da simples leitura do acórdão, pelo que aqui se convoca nos termos e para os efeitos do disposto na al. c) do nº 2 do artigo 410.º do CPP..
Ademais,
10) O acórdão recorrido fez incluir na pena única do concurso penas de substituição, sem que tenha havido decisão nos termos combinados dos art.ºs 56.º do CP e 492.º do CPP, relativamente à pena suspensa, não resultando dos factos que o Tribunal «a quo» tomou em consideração que no processo em que foi aplicada, tenha sido decidida a revogação da pena suspensa, pelo que o acórdão é nulo por não ter tomado conhecimento de questões de que deveria conhecer (art.º 379.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Penal).
Sem conceder,
Da medida concreta da pena única
11) Estabelecida a moldura penal abstrata, a determinação da medida da pena do concurso, encontrar-se-á em função das exigências gerais de culpa e de prevenção e do critério especial de serem considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
12) No que se refere a este critério especial, esclarece o Prof. FIGUEIREDO DIAS, (In Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 291), que: «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente a uma “carreira”) criminosa, ou tão só uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».
13) No mesmo sentido se pronunciou esse mais Alto Tribunal no douto Acórdão de 3.10.2007, segundo o qual «na determinação da medida concreta da pena única atender-se-á à globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido».
14) Na avaliação da personalidade expressa nos factos importa considerar todo um processo de socialização e inserção ou, pelo contrário, de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deverá ser ponderado.
15) Aplicando o que se acabou de dizer ao caso dos autos, entendemos com o devido respeito, que a pena única de 8 (oito) anos de prisão aplicada ao arguido é excessiva, porque desnecessária e porque ultrapassa a sua culpa, limite da pena (cfr. artigo 40.º do C.P.)
16) Numa moldura penal abstracta entre 6 (seis) anos e 9 (nove) anos de prisão o tribunal “a quo” aplicou ao Recorrente uma pena mais próxima do limite máximo do que do seu limite mínimo.
17) Para tanto, é a seguinte a fundamentação da decisão recorrida:
“(…) quanto aos factos subjacentes às penas a cumular, alguns assumem idêntica natureza (tráfico de estupefaciente). O grau de ilicitude é elevado, atendendo à persistente energia criminosa revelada e à personalidade do arguido neles reflectida.
Ao nível do historial clinico regista experiencias aditivas, ainda que breves, ma que contribuíram para a sua desorganização pessoal num determinado período, tendo-se envolvido com grupo de pares de características desfavoráveis às convenções e práticas delinquenciais.
Em termos laborais, o arguido não especifica um projecto concreto de empregabilidade.
Assim e não obstante a inserção social e o apoio familiar de que goza, mantêm-se assinaláveis necessidades da prevenção especial.
18) Salvo o devido respeito, para além de escassa, a fundamentação da douta decisão quanto à pena concreta que aplicou ao arguido, não atendeu a todas as circunstâncias exigidas nas alíneas a) a e) do artigo 71.º, nº 2 do C.P..
19) A douta decisão recorrida não teve em consideração que o arguido é um jovem de 29 anos de idade, porquanto nasceu aos 04-05-1989.
20) Que se encontra em situação de reclusão desde o dia 27 de Janeiro de 2017, ou seja, há mais de 2 (dois) anos.
21) Que o seu comportamento em meio prisional tem sido globalmente ajustado. Que desde que entrou no EP de ..., tem mantido um percurso isento de reparos, não averbando qualquer sanção disciplinar.
22) Que evidencia preocupação em manter em meio prisional postura ajustada à especificidade normativa a que está sujeito, bem como motivação para a valorização pessoal e escolar.
23) Que desde 17 de Janeiro de 2018, frequenta o Curso de Educação e Formação de Adultos Nível Secundário (EFA NS) via escola, onde tem registado boa assiduidade e empenho.
24) Que iniciou o processo de reaproximação ao meio livre através de medidas de flexibilização da pena, tendo usufruído a primeira licença de saída jurisdicional em Dezembro de 2018, situação avaliada pelos familiares de forma positiva, remetendo para um comportamento responsável da parte de AA em contexto familiar e comunitário.
25) Que aguarda colocação em Regime Aberto no Interior (RAI).
Com efeito,
26) Refere a douta decisão recorrida que o arguido, aqui Recorrente, “Ao nível do historial clinico regista experiencias aditivas, ainda que breves, ma que contribuíram para a sua desorganização pessoal num determinado período, tendo-se envolvido com grupo de pares de características desfavoráveis às convenções e práticas delinquenciais.”
27) Todavia, resulta do Ponto 11. da matéria assente que “Em relação à problemática aditiva e desta poder ser um factor potenciador de desajustamento psicossocial, AA afirma apenas consumos pontuais, ocorridos numa fase de vida em que a influência do grupo de pares tinha um peso significativo no convívio social, afastando qualquer condição de dependência. Actualmente, não anuncia qualquer problemática aditiva.”
28) Fundamenta ainda a douta decisão a pena concreta no facto de “Em termos laborais, o arguido não especifica um projecto concreto de empregabilidade.”
29) Ora do ponto 14. da matéria assente consta que “Em termos laborais, o arguido não especifica um projecto concreto de empregabilidade e remete-se para a confiança em inserir-se na vida activa de forma célere após libertação, caso termine o 12.º ano em meio prisional, recorrendo ao centro de emprego.”
30) Pergunta-se: Que projecto concreto de empregabilidade pode ter um individuo que se encontra preso há mais de 2 (dois) anos?
31) Na nossa muito humilde opinião, o que o arguido pode fazer é criar as bases para alcançar esse fim quando estiver em meio livre.
32) Que é exactamente o que o Recorrente está a fazer ao frequentar o Curso de Educação e Formação de Adultos Nível Secundário (EFA NS) via escolar, no sentido de obter o 12.º ano de escolaridade, na expectativa que com essa formação académica logre obter um emprego através do Centro de Emprego.
33) Com o devido respeito, estamos em crer que este, sim, consubstancia um projecto concreto e realista de alcançar empregabilidade.
34) No que se reporta ao invocado “grau de ilicitude elevado, atendendo à persistente energia criminosa revelada e à personalidade do arguido neles reflectiva”, urge referir que esse Supremo Tribunal vem entendendo, numa corrente cada vez mais alargada, que na escolha da pena conjunta não podem ser atendidos todos os fatores que já foram considerados na determinação da pena parcelar, pois, se tal fosse feito, haveria uma violação do princípio da proibição de «dupla valoração» - cfr. Acórdão do STJ de 18.6.2009, in www.dgsi.pt.
35) O que salvo melhor opinião, sucede com a decisão recorrida que viola esse princípio.
36) E atendendo à imagem global espelhada na matéria dada como provada, estamos em crer que o conjunto dos factos não permite extrair a conclusão que o Recorrente tem uma personalidade propensa ao crime,
37) mas sim que os mesmos são “a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido» - cfr. Acórdão desse STJ de 3.10.2007.
38) Podendo afirmar-se que relativamente ao arguido é possível formular um juízo favorável no tocante às exigências de prevenção de futuras delinquências,
39) ou seja, fazer-se um juízo de prognose social favorável.
40) Assim, a pena a aplicar ao arguido terá, por conseguinte, que se situar mais próxima do limite mínimo, que é de 6 (seis) anos, consideradas as razões pessoais e sociais bem como os demais elementos que não fazendo parte do tipo de crime dispõem a favor do arguido.
41) Pelo exposto, é nosso entendimento que tudo ponderado, a pena única, para ser fixada na medida justa, adequada e necessária e tendo em conta as concretas exigências de prevenção geral e especial e todas as circunstâncias que depõem a favor do arguido, é suficiente a aplicação de uma pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) [meses] de prisão, sendo esta suficiente para tranquilizar as expectativas da comunidade na validade da norma e para se atingir os fins insertos na norma incriminadora e contribuir para a plena ressocialização do arguido.
42) Nesta confluência, o douto acórdão recorrido, pela errada interpretação e aplicação que deles faz, viola as disposições contidas nos artigos 40.º, 56.º, 70.º, 71.º, 72.º; 73.º, 77.º e 78.º do Código Penal; artigos 379.º, nº 1, al. c), 410.º, nº 2., al. c) e 492.º do C.P.P., artigos 20.º, nº 4 e 29.º nº 5 da Constituição da Republica Portuguesa.

Termina peticionando a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que o condene em pena única não superior a 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

b). a resposta:

O Ministério Publico na 1ª instância, respondeu, culminando a contra-motivação com as seguintes:
- Conclusões:
1. O recurso interposto pelo recorrente é, em nosso entender, destituído de fundamento.
2. Com efeito, o Tribunal fez uma correcta interpretação dos factos e uma adequada aplicação do direito.
3. A clareza da sentença dispensa quaisquer comentários.
4. Assim sendo, dá-se por reproduzido o teor da sentença, com cuja argumentação jurídica se concorda.
Pugna pela confirmação da decisão recorrida, e pela improcedência do recurso.

*

O Digno Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, teve vista nos termos do art. 416º do CPP.

III- OBJETO DO RECURSO:

O recurso dirige-se contra acórdão proferido pelo tribunal colectivo que aplicou uma pena única de prisão superior a 5 anos, e visa exclusivamente o reexame de matéria de direito (arts. 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP).

Nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.

O recorrente suscita a seguintes questões:
a) vício do art. 410º n.º 2 al.ª c) do CPP por imputado erro na determinação do limiar superior da moldura penal do concurso de crimes;
b) omissão de pronúncia por englobar no cúmulo jurídico uma pena suspensa que não foi revogada;
c) dupla valoração, considerando repetidamente o “grau de ilicitude elevado, atendendo à persistente energia criminosa revelada e à personalidade do arguido neles reflectiva
d) medida excessiva da pena única;

A- FUNDAMENTAÇÃO:

1. os factos:

O Tribunal colectivo julgou:

Resultam provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
1. O Arguido sofreu as seguintes condenações:
- Processo n.º 206/16.0PALGS (estes autos)
Crime/Data:- um crime de Tráfico de Estupefacientes - em 20.05.2016
Pena: - 6 (seis) anos de prisão
Data da Decisão: 11.10.2017
Data do Trânsito: 01.08.2018
- Processo n.º 376/12.7PHSNT
Crimes/Datas - um crime de Detenção de Arma Proibida e um crime de Tráfico de Estupefacientes, - em 20.03.2013
Penas parcelares: - 1 (um) ano de prisão; - 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão
Pena única: 3 (três) anos suspensa na sua execução por igual período de tempo
Data da Decisão: 13.05.2016
Data do Trânsito: 24.01.2017

Foram aqui dados como provados, designadamente, os seguintes factos:

1. Desde pelo menos o dia 20 de Maio de 2016 e até ao dia da sua detenção à ordem dos presentes, o que sucedeu no dia 27 de Janeiro de 2017, que o Arguido AA, também conhecido pela alcunha de «...», tem vindo a ceder, a troco de dinheiro, produto estupefaciente, sobretudo heroína e cocaína, a pessoas interessadas na aquisição de tal tipo de substâncias para seu consumo.

2. Para tal efeito, os indivíduos interessados na aquisição de substâncias estupefacientes contactam o Arguido AA, telefonando para o telemóvel deste com o nº ..., combinando quantidades, valores e locais de encontro, os quais ocorreram em regra na área territorial da cidade de ... ou nos arredores desta.

3. De entre os vários indivíduos que adquiriam estupefaciente ao Arguido AA nas circunstâncias acima referidas, contam-se os seguintes:

- BB: que adquiriu ao Arguido AA pelo menos em duas ocasiões distintas, no decurso do mês de Junho de 2016, heroína, pagando por esta numa dessas vezes o valor de € 50,00 e na outra ocasião valor monetário não concretamente apurado.

Com efeito, no dia 1 de Junho de 2016, pelas 12h50m, no parque de estacionamento sito na zona da ..., o Arguido AA encontrou-se com BB e entregou-lhe quantidade não apurada de heroína, recebendo em troca dinheiro.

Posteriormente, no dia 14 de Junho de 2016, pelas 22h20m, no parque do ..., o Arguido AA voltou a se encontrar com BB e entregou-lhe quantidade não apurada de heroína, recebendo em troca de dinheiro.

- CC: que adquiriu ao Arguido AA, no período temporal compreendido entre o início do Verão do ano de 2016 e o mês de Outubro desse mesmo ano, em pelo menos uma ocasião, cerca de um grama de heroína, pagando por esta o valor de €25,00.

- DD: que adquiriu ao Arguido AA, no período temporal compreendido entre o início e o término do Verão do ano de 2016, em cerca de quatro ocasiões distintas, heroína, pagando em cada uma dessas ocasiões, respectivamente, €25,00 ou €50,00, consoante adquirisse um ou dois gramas de heroína. Uma dessas ocasiões, ocorreu no dia 1 de Junho de 2016, pelas 11h40m, no parque de estacionamento localizado na zona da meia praia, em ..., local onde o Arguido AA se encontrou com DD e lhe entregou heroína, recebendo em troca dinheiro.

- EE: que adquiriu ao Arguido AA, no período temporal compreendido entre o início e o término do Verão do ano de 2016, em cerca de duas ocasiões distintas, heroína, pagando em cada uma dessas ocasiões, respectivamente, € 25,00 ou € 50,00, consoante adquirisse um ou dois gramas de heroína.

- FF: que adquiriu ao Arguido AA, no período temporal compreendido entre o início e o término do Verão do ano de 2016, em dez ocasiões distintas, heroína, pagando em cada uma dessas ocasiões o valor €25,00 por um saco contendo um grama de heroína.

Também no dia 18 de Novembro de 2016, pelas 15h18m, nas imediações exteriores de uma fábrica de mármore desactivada, localizada no cruzamento do ..., estrada municipal que dá acesso à localidade de ..., local onde o Arguido AA se encontrou com FF e lhe entregou heroína, recendo em troca dinheiro.

- GG

: que adquiriu (utilizando o cartão telefónico n.º ... para efectuar os contactos com o Arguido) ao Arguido AA, no período temporal compreendido entre data não concretamente apurada do ano de 2016 e Janeiro de 2017, em cerca de 10 ocasiões distintas, cocaína, pagando em cada uma dessas ocasiões o valor de €70,00 por um grama de cocaína.

4.No âmbito da referida actividade de tráfico de estupefacientes, o Arguido AA, no dia 20 de Maio de 2016, pelas 12h13m, saiu do interior da sua residência sita no ... e dirigiu-se a uns contentores do lixo colocados a alguns metros daquela, tendo ali depositado um saco plástico, contendo no seu interior, para além de lixo doméstico, vários recortes circulares em plástico.

5. Foi também no desenvolvimento dessa mesma actividade que o Arguido AA, no dia 1 de Junho de 2016, pelas 13h17m, quando se encontrava no parque de estacionamento localizado na zona da meia praia, em ..., local este para onde se fez transportar conduzindo a viatura automóvel da marca e modelo «Renault Clio» de matrícula ...-OH, detinha consigo e escondeu dentro de um tufo de ervas daninhas existente num passeio o seguinte:

- Quatro saquetas contendo heroína com o peso líquido de 9,175 gramas;

- Quatro saquetas contendo heroína com o peso líquido de 4,462 gramas;

- Sete saquetas contendo cocaína [cloridrato] com o peso líquido de 5,119 gramas;

- Uma saqueta contendo cocaína [cloridrato] com o peso líquido de 0,129 gramas.

6. No dia 27 de Janeiro de 2017, pelas 09h30m, o Arguido AA tinha na sua posse, mais concretamente na residência onde habitava, sita na ..., o seguinte:

a) No logradouro da residência, mais concretamente debaixo do telheiro onde se encontrava estacionada a viatura automóvel utilizada pelo arguido de marca e modelo «Opel Corsa» e matrícula ...-HC:

· No interior de um frasco de vidro (que estava arrumado dentro de uma betoneira): uma saqueta contendo cocaína [cloridrato] com o peso líquido de 8,559 gramas; uma saqueta contendo cafeína/paracetamol com o peso de 29,636 gramas; trinta e três saquetas contendo heroína com o peso líquido de 72,530 gramas;

· Escondida numas ervas existentes em frente à residência: uma balança de precisão da marca e modelo «MH-Series, Pocket Scale», contendo resíduos de cocaína.
b) No interior da residência (quarto do Arguido):

Ø Um telemóvel da marca «Samsung»;

Ø Um telemóvel da marca «Nokia»;

Ø Um rolo de sacos de plástico;

ØRecortes em plástico;

ØUma saqueta de «Redrate»;

ØUma folha manuscrita contendo dizeres relativos a contactos telefónicos;

ØUma televisão da marca «Sony»;

c) No interior da residência (cozinha):

- A quantia monetária de €650,14, composta do seguinte modo: sete notas com o valor facial cada uma de €5,00; catorze notas com o valor facial cada uma de €10,00; treze notas com o valor facial cada uma de €20,00; quatro notas com o valor facial cada uma de €50,00; uma moeda com o valor facial de €2,00; quatro moedas com o valor facial cada uma de €1,00; sete moedas com o valor facial cada uma de €0,50; seis moedas com o valor facial cada uma de €0,20; vinte e uma moedas com o valor facial cada uma de 0,10; trinta e duas moedas com o valor facial cada uma de €0,05; vinte e quatro moedas com o valor facial cada uma de €0,01; e

- Uma concha de cozinha.

(…)»

3.No Processo Comum Colectivo nº 376/12.7PHSNT, foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos:
«(…)

32 – No dia 20 de março de 2013, pelas 7 horas, na residência sita na Rua ..., foi apreendido na posse do arguido AA:
a) No quarto daquele: uma espingarda caçadeira, de tiro a tiro, com canos sobrepostos basculantes, de calibre 12 (para cartucho de caça), de marca ... (...), de modelo não referenciável com o n.º de série 78786, de origem italiana, apresentando os canos e acoronha cortados, estando em boas condições de funcionamento;
b) 20 cartucho de caça carregados, de calibre 12; 8 munições de calibre .22 Magnum, em boas condições de utilização; e
c) 43,460 gramas de canábis (resina).
(…)»

Mais se apurou que

4. AA é natural de ..., onde viveu até aos dezanove (19) anos de idade sob os cuidados da avó materna, altura em que veio para Portugal com a ambição de tornar-se jogador de futebol profissional, país onde já se encontravam a mãe e outros familiares directos. Nunca estabeleceu relação com o pai, que desconhece.

5. A trajectória escolar de AA decorreu sem dificuldades de aprendizagem. Concluiu o 10º ano de escolaridade aos dezoito (18) anos de idade em Cabo Verde. Em Portugal ainda frequentou, no ano lectivo de 2009/2010 o 11º ano na Escola ..., tendo desistido devido a dificuldades de integração, quer no meio sociocultural diferente quer no sistema de ensino. Após abandono do processo de escolaridade, integra o mercado de trabalho, tendo desempenhado várias actividades de forma precária e irregular na construção civil e limpezas industriais, sem nunca obter vínculos contratuais.

6. AA tem uma filha, actualmente com quatro (4) anos de idade, de uma relação afectiva finda, sendo referida uma relação de parentalidade próxima e responsável com a menor. O próprio detém suporte familiar por parte da mãe, do padrasto, que considera como pai, e de uma irmã uterina (mais nova).

7. Ao nível do historial clínico regista experiências aditivas, ainda que breves, mas que contribuíram para a sua desorganização pessoal num determinado período, tendo-se envolvido com grupo de pares com características desfavoráveis às convenções e práticas delinquenciais. Em 2011 regista os primeiros contactos com o Sistema de Justiça, pelo crime de condução sem habilitação legal, tendo cumprido 60 horas de trabalho de interesse público no Atlético Clube do ..., no âmbito de uma suspensão provisória do processo (Proc.º 493/11.0PDOER).

8. AA está pela primeira vez em regime penitenciário, desde 27.01.2017.

9. Reportando-se à data dos factos criminais relativos aos processos que serão alvo de cúmulo jurídico, AA manteve-se integrado no agregado materno até maio de 2016, altura em que se desloca para ..., alegadamente para trabalhar na construção civil, embora sem contrato de trabalho, uma vez que à data já não é titular de qualquer documento de identificação válido (Autorização de Residência ou Passaporte), situação que ainda se mantém na actualidade.

10. No que se refere aos crimes pelos quais foi condenado, assume parcialmente as suas responsabilidades, denotando baixa consciência crítica sobre os bens jurídicos protegidos e possíveis danos causados em vítimas potenciais e na sociedade em geral.

11. Em relação à problemática aditiva e desta poder ser um factor potenciador de desajustamento psicossocial, AA afirma apenas consumos pontuais, ocorridos numa fase de vida em que a influência do grupo de pares tinha um peso significativo no convívio social, afastando qualquer condição de dependência. Actualmente, não anuncia qualquer problemática aditiva.

12. Dispõe de suporte logístico e afectivo por parte da mãe, padrasto, irmã e namorada actual. A família manifesta sentimentos de confiança nas capacidades do arguido para reorganizar a sua vida em moldes responsáveis, impulsionados sobretudo pela presente experiência de reclusão e interesse em constituir modelo positivo para filha menor.

13. Em contexto familiar, AA é avaliado como um indivíduo ponderado, afectivo e receptivo à orientação externa/familiar. Presentemente, a família refere verificar mudanças positivas na sua maneira de pensar e agir, crendo na sua capacidade de mudança e aquisição de competências pessoais positivas, que previnam a reincidência criminal.

14. Em termos laborais, o Arguido não especifica um projecto concreto de empregabilidade e remete-se para a confiança em inserir-se na vida activa de forma célere após libertação, caso termine o 12º ano em meio prisional, recorrendo ao centro de emprego.

15. O seu comportamento em meio prisional tem sido globalmente ajustado. Evidencia preocupação em manter em meio prisional postura ajustada à especificidade normativa a que está sujeito, bem como motivação para a valorização pessoal e escolar. Afecto ao E. P. de ... desde 17 de Janeiro de 2018, frequenta o EFA NS via escolar, no presente ano lectivo (2018/19).

16. Iniciou o processo de reaproximação ao meio livre através de medidas de flexibilização da pena, tendo usufruído a primeira licença de saída jurisdicional em Dezembro de 2018, situação avaliada pelos familiares de forma positiva, remetendo para um comportamento responsável da parte de AA em contexto familiar e comunitário. Aguarda colocação em Regime Aberto no Interior (RAI).

17. Beneficia de visitas por parte da mãe, padrasto, filha, namorada e irmã; a par das visitas, os pais enviam-lhe sempre que possível, algum apoio pecuniário. A família de origem demonstra, face à reclusão e à actual situação processual daquele, um forte impacto ao nível emocional, sendo-lhe difícil compreender os comportamentos do Arguido, aos quais tecem censura. Tais aspectos poderão constituir-se factores de protecção na reinserção social daquele.

18. Encontra-se a frequentar a formação escolar ao nível do ensino secundário onde tem registado boa assiduidade e empenho. Desde que entrou no EP de ..., tem mantido um percurso isento de reparos, não averbando qualquer sanção disciplinar.

19. Para além das condenações acima indicadas, do Certificado de Registo Criminal do Arguido nada mais consta.

2. o direito:
a) motivação da decisão recorrida:

Em recurso está acórdão cumulatório de penas de prisão, efectuado nestes autos por conhecimento superveniente de concurso de crimes que engloba um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, um crime de detenção de arma proibida, e um crime de tráfico de estupefacientes.

Após o trânsito em julgado da primeira condenação, em 8 de janeiro de 2017 (proc. 376/12. 7PHSNT) o arguido foi condenado em pena de prisão por ter cometido outro crime de tráfico de estupefacientes, com início de execução em 20 de maio de 2016 e termo em 27 de janeiro de 2017.

O cúmulo jurídico de penas rege-se pelas disposições dos arts. 77.º, n.º 2 e 78.º, n.º 1, do Código Penal.

A necessidade de realização de cúmulo nestas situações justifica-se porque à contemporaneidade de factos não correspondeu uma contemporaneidade processual.

Da motivação da decisão recorrida tem interesse transcrever:
i. Fundamentação de Direito
Cúmulo

Dispõe o artigo 77º, nº 1, do Código Penal que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Por seu turno dispõe o artigo 78º, nº 1 do mesmo diploma que “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.

Como vem sendo entendimento pacífico da nossa jurisprudência, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, o concurso de infracções impõe que os vários crimes tenham sido praticados antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer um deles.

Neste sentido, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2013, disponível na Internet, in www.dgsi.pt, que “O limite intransponível em caso de consideração da pluralidade de crimes para o efeito de aplicação de uma pena de concurso é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente teve lugar por qualquer crime praticado anteriormente”.

Fica, deste modo, vedada a realização do chamado “cúmulo por arrastamento” que não respeitava o primeiro trânsito em julgado das várias condenações como o critério temporal dos crimes a englobar no concurso.

Considerando o critério legal vertido no referido artigo 77º, nº 1 e considerando a data do trânsito em julgado da decisão condenatória proferida no Processo nº 376/12.7PHSNT (24.01.2017), verifica-se que os crimes por cuja autoria o Arguido foi julgado e condenado nesse Processo nº 376/12.7PHSNT encontram-se numa relação de concurso com aquele por cuja autoria o mesmo foi julgado e condenado nos presentes autos, pois os respectivos crimes foram praticados antes que transitasse em julgado a condenação por qualquer deles.

Desta forma, há que proceder ao cúmulo jurídico das respectivas penas (cfr. artigos 77º e 78º do Código Penal).

Tendo, no entanto, a pena única de prisão aplicada no referido Processo nº 376/12.7PHSNT sido suspensa na sua execução, importa analisar se tal pena deverá incluída na pena única a fixar ou se se cumula materialmente.

E mais adiante:

Pode igualmente ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.06.2014 (disponível na Internet, no mesmo sítio) que “A pena única de concurso, por conhecimento superveniente, deve englobar todas as penas, ainda que suspensas, pelos crimes em concurso, decidindo-se, após a determinação da pena única, se esta deve, ou não, ser suspensa. Porém, no concurso de crimes supervenientes não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57º, nº 1, do CP, pois tal englobamento traduzir-se-ia num agravamento injustificado da situação processual do condenado e afrontaria a paz jurídica do condenado derivada do trânsito em julgado do despacho que declarou extinta a pena.”

Considerando que a pena única de prisão suspensa na sua execução aplicada no Processo nº 376/12.7PHSNT não se encontra extinta, encontrando-se ainda a decorrer o período da suspensão da sua execução, deverá ser englobada no cúmulo jurídico a realizar.
*

Nos termos do disposto no artigo 77º, nº 2 do Código Penal, “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (...) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (...)”, pelo que a pena única a aplicar deverá situar-se entre o limite máximo de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão e um limite mínimo de 6 (seis) anos de prisão.

Na medida da pena única a aplicar ao Arguido são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (cfr. artigo 77º, nº 1 do Código Penal).

Significa isto que “devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente, mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente” – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.12.2006, disponível na Interne in www.dgsi.pt.

Assim e quanto aos factos subjacentes às penas a cumular, alguns assumem idêntica natureza (Tráfico de Estupefacientes). O grau de ilicitude é elevado, atendendo à persistente energia criminosa revelada e à personalidade do Arguido neles reflectida.

Ao nível do historial clínico regista experiências aditivas, ainda que breves, mas que contribuíram para a sua desorganização pessoal num determinado período, tendo-se envolvido com grupo de pares com características desfavoráveis às convenções e práticas delinquenciais.

Em termos laborais, o Arguido não especifica um projecto concreto de empregabilidade.

Assim e não obstante a inserção social e o apoio familiar de que goza, mantêm-se assinaláveis as necessidades de prevenção especial.

Conjugados, deste modo, os factos determinantes das condenações das penas em concurso, com aqueles apurados quanto à sua personalidade e percurso de vida, evidencia-se uma imagem global da conduta delituosa do Arguido, mostrando-se justa e adequada a aplicação ao mesmo da pena única de 8 (oito) anos de prisão.
b) enquadramento jurídico-penal:

Ainda que não suscitada pelo recorrente, e não obstante não ter sido aflorada no acórdão recorrido, a primeira questão a decidir é a de saber se realmente se verificam os pressupostos para que possa, e deva cumular-se juridicamente as penas de prisão em que o arguido foi sucessivamente condenado nos dois processos em referência.

Resulta dos factos provados, que o crime de tráfico pelo qual lhe foi aplicada a pena destes autos (6 anos de prisão), foi cometido “desde pelo menos o dia 20 de Maio de 2016 e até ao dia da sua detenção à ordem dos presentes, o que sucedeu no dia 27 de Janeiro de 2017”, sendo que foi nesse dia, pelas 9,30 horas que lhe foram apreendidos os estupefacientes, numerário, balança, telemóveis, documentos e demais objectos identificados no ponto 6 dos factos provados.

Como a primeira condenação pelos crimes do concurso considerados na decisão recorrida, proferida no proc. 376/12.7PHSNT, transitou em julgado em 24 de janeiro de 2017, verifica-se que os últimos atos do crime de tráfico a que se reporta o presente processo (206/16.0 PALGS), as últimas acções típicas do mesmo tipo de ilícito, foram perpetradas em data posterior, concretamente, 3 dias após a primeira sentença condenatória se ter tornado firme na ordem jurídico-penal.

Situação que convoca a questão da consumação do crime de tráfico:

- com o primeiro acto que preenche os elementos objectivos e subjectivos do tipo?

ou

- com o último desses actos, isto é, com aquele ou aqueles que terminam um ciclo temporal deste crime de execução continuada?

No sentido de responder afirmativamente à primeira interrogação enquadra-se (na linha de outros do mesmo relator) o Ac. de 9-02-2012 deste Supremo Tribunal, sustentando:” O crime de tráfico de estupefacientes enquadra-se naquilo a que a dogmática alemã apelida de crime exaurido, ou de empreendimento, em que a incriminação da conduta do agente se esgota logo nos primeiros actos de execução, independentemente de consistirem numa execução completa, em que a repetição dos actos é ou pode ser imputada à acção inicial. Nele o resultado típico é obtido pela realização da conduta inicial da acção, ilícita típica, de modo que a continuação da mesma, cada actuação do agente no crime exaurido importa comissão do tipo legal; o conjunto de acções típicas reconduz-se à comissão do mesmo tipo, integrando-se tais actos, ainda que isolados, n O crime considera-se já consumado então , porque o bem jurídico já foi violado ; in casu uma espiral humana , sem rosto , corre o risco  de ser lesada uma realidade única, em obediência a uma mesma resolução criminosa. [1].

Ou também o Ac. de 3//09/2008 (e identicamente o Ac. de 16-04-2009[2]) no qual se sustentou: “A infracção prevista no art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, constitui o que a doutrina tem apelidado de crime “exaurido”, “excutido” ou “de empreendimento”, em que o resultado típico se alcança logo com aquilo que surge por regra como realização inicial do iter criminis, tendo em conta o processo normal de actuação[3].

Em suma, entende-se que o crime de tráfico de estupefacientes fica perfeito com a comissão de um só acto no qual se unificam as múltiplas acções subsequentes. Ou dito de outro modo, a imputação dos atos múltiplos é atribuída a uma realização única, em que o primeiro dos múltiplos atos em que pode materializar-se exaure os que lhe sucederem (quando integrados na mesma unidade criminosa).

No sentido de responder afirmativamente à segunda interrogação foi claramente o Ac. de 25/10/2017 deste Supremo Tribunal, (3ª sec, proc 3/12.2GAAMT.1.S1), no qual se escreveu: “A decisão recorrida considerou que a data em que cessou a actividade de tráfico – Julho de 2010 – será a data relevante a ponderar para a existência de uma relação de concurso, sendo que, então, já tinha ocorrido o trânsito em julgado do processo n.º 823/08.2TBLSD.

Concorda-se com esta decisão já que ela se nos afigura mais conforme com a natureza do crime habitual em que um crime de tráfico de estupefacientes em trato sucessivo se pode inserir. Podemos, ademais, convocar a regra prevista no artigo 119.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, quanto ao início do prazo da prescrição do procedimento criminal nos crimes continuados e nos crimes habituais em que o prazo só corre «desde o dia da prática do último acto».

É esta interpretação que nos parece corresponder mais adequadamente aos pressupostos do concurso de crimes e, consequentemente, de cúmulo jurídico de penas, cujo marco limite se entendeu fazer corresponder ao trânsito em julgado da primeira decisão condenatória.

O crime de tráfico é um crime que, muitas vezes, compreende uma multiplicidade de atos em que cada um, em si mesmo preenche todos os elementos da infracção. Assim, ainda que a consumação ocorra logo com a realização de uma qualquer das acções tipificadas, isto é, com a prática do primeiro ato, a cessação da actividade, a terminação da execução do crime, frequentemente, só se verifica mais tarde.

Como salienta Helena Monizesta distinção entre a consumação e a terminação ocorre em todos aqueles crimes de vários atos, tipos integrados por diversos atos individuais, como acontece nos crimes de tráfico como o crime de tráfico de estupefacientes[4].

Se em sede de tentativa a terminação não tem relevância na medida em que a tutela penal se antecipa ao momento da prática do primeiro dos atos da conduta incriminada, o mesmo não deve entender-se para efeitos de cúmulo jurídico de penas, onde o que releva é o desrespeito pela admonição que deveria ter representado o trânsito em julgado da primeira condenação. Prosseguindo na prática de actos do crime exaurido, após essa admonição, não pode senão considerar-se que o arguido a desconsiderou. Interpretação que obsta a que se acabe numa solução, se não exactamente igual, pelo menos bem próxima do denominado cúmulo por arrastamento, que não é admitido no nosso regime penal.

Em consonância, não seria de cumular as penas deste processo e as penas aplicadas ao arguido no processo 376/12.7PHSNT.

Todavia, por um lado, boa parte dos múltiplos atos de tráfico, ou o que é dizer o mesmo, da execução continuada do crime, ocorreram em momento anterior ao trânsito em julgado da primeira condenação (o que na nossa interpretação seria irrelevante).

Pelo outro lado, o tribunal recorrido alinhou-se com a primeira das interpretações referenciadas (considerou consumado o crime em maio de 2016). Por isso, cumulando as penas aplicadas em ambos os processos, criou no arguido a espetativa de que, através de uma pena única, vai beneficiar da redução do tempo de prisão que tem de cumprir em execução daquelas condenações.

E, em terceiro lugar, o recurso foi interposto pelo arguido em sua defesa. Quer dizer: se não tivesse recorrido, a decisão cumulatória tornar-se-ia firme, e mais não teria que cumprir que a pena conjunta nela aplicada. Não pode, pois, em resultado do exercício do seu direito de defesa ver agravada a situação jurídico-penal.

Assim e em conformidade com o exposto, sem extrair desta observação quaisquer efeitos, conhece-se do recurso, apreciando cada uma das questões suscitadas pelo recorrente.
c) moldura máxima do concurso/cio do erro notório:

Alega o arguido que a moldura máxima do concurso de penas é de 9 anos de prisão. Uma vez que o Tribunal recorrido considerou que era de 9 anos e 6 meses, incorreu em patente e notório erro: pelo que, em seu entender, o acórdão recorrido é nulo.

Sustenta esta argumentação no entendimento de que a pena a adicionar aos 6 anos de prisão seria a pena única de 3 anos que, em cúmulo jurídico, lhe foi aplicada no proc. 376/12.7PHSNT (cls. 3 a 9).

Não tem razão.

O acórdão recorrido não é nulo, não enfermando do referido vício (ou de outro qualquer) pela singela razão objectiva de que a moldura penal máxima do concurso de penas incluídas no cúmulo jurídico é precisamente de 9 anos e 6 meses de prisão, resultante da soma material das seguintes penas parcelares de prisão aplicadas nos dois processos: 6 anos (proc. 206/16.0PALGS)+1 ano+2 anos e 6 meses (estas duas aplicadas no proc. 376/12.7PHSNT).

No cúmulo jurídico de penas ora em apreço está em causa um concurso de crimes que inclui o crime de tráfico pelo qual foi condenado nestes autos, e os dois crimes (detenção de arma proibida e tráfico de estupefacientes) pelos quais foi condenado naquele processo. Concurso de crimes que tem de ser punido com uma pena conjunta (artigo 77º n.º 1 do Cód. Penal), não obstante só ter sido conhecido depois de a primeira decisão condenatória se tornar definitiva (em 24/01/2017). Por isso, no concurso de conhecimento superveniente, as penas parcelares englobadas naquele anterior cúmulo jurídico retomaram autonomia. No novo cúmulo jurídico, reformulando o anterior, é considerada cada uma das penas parcelares aplicadas ao arguido, pela prática dos crimes em concurso, independentemente de terem sido, ou não, englobadas em outra pena conjunta, aplicada igualmente em cúmulo jurídico de penas.

Consequentemente, no vertente cúmulo jurídico, aquela pena conjunta de 3 anos de prisão deixou de existir, sendo consideradas cada uma das penas parcelares que nele tinham sido englobadas. Não subsistindo essa pena conjunta, não tem qualquer relevo na construção da moldura máxima da pena do presente concurso de crimes. Na construção e obtenção desse limiar (máximo) da pena conjunta entram, todas e cada uma das penas singulares aplicadas aos crimes do concurso, conquanto não estejam extintas.
d) inclui pena suspensa/nulidade por omissão de pronúncia:

Alega o recorrente que o acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia uma vez que incluiu no cúmulo jurídico uma pena suspensa que lhe tinha sido aplicada no proc. 376/12.7PHSNT e que não foi previamente revogada (cls 10).

Não tem razão.

No cúmulo jurídico ora em apreço não foi, como se disse, englobada a pena única de 3 anos de prisão com execução suspensa que lhe tinha sido aplicada no processo 376/12, na qual tinham sido cumuladas as penas parcelares de 1 ano de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida, e de 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes. Cumuladas foram sim as penas singulares referidas. A pena suspensa deixou de existir em resultado do cúmulo jurídico das penas parcelares que englobava.

A doutrina[5] e a jurisprudência[6], largamente maioritárias, consideram a suspensão, uma pena de substituição, autónoma da pena de prisão substituída.

É jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal que no cúmulo jurídico, em caso de concurso superveniente de crimes, podem (devem), na formação da pena única, ser englobadas penas de prisão efetiva e penas de prisão com execução suspensa[7].

A obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas de prisão, nos termos dos arts. 77.º e 78.º, do CP, não exclui as que tenham sido suspensas na sua execução, suspensão que pode ou não ser mantida[8].

Também o Tribunal Constitucional já tomou posição nesta questão, tendo decidido: “não julgar inconstitucional a norma constante dos arts. 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do CP, quando interpretados no sentido de ser possível, num concurso de crimes de conhecimento superveniente, proceder à acumulação de penas de prisão efectivas com penas de prisão suspensas na sua execução, ainda que a suspensão não se mostre revogada, sendo o resultado uma pena de prisão efectiva”[9].

Ao cúmulo jurídico de penas subjaz necessariamente uma pluralidade de crimes que estão, entre si, numa relação de concurso (real). O concurso de crimes é necessariamente punido com uma pena única –art. 77º n.º 1 do Cód. Penal. Na medida da pena do concurso é considerado o “comportamento global”[10]fornecido pela pluralidade dos crimes que o integram.

Como se escreve no Acórdão do Tribunal Constitucional citado, o englobamento no cúmulo jurídico de conhecimento superveniente, de penas de substituição da pena de prisão aplicada na condenação tem “um fundamento válido no plano jurídico-constitucional que é o do tratamento igualitário de situações materialmente idênticas: ou seja, pretende-se tratar de igual modo as situações de concurso, quer o conhecimento do mesmo seja simultâneo ou superveniente”.

Restar à determinação da pena conjunta algum crime do concurso e a pena de prisão com que foi punido, entorse, deixando-o incompleto, o conhecimento e apreciação da dimensão e gravidade global da actividade delituosa do agente, e também da sua personalidade.

A exigência da consideração, “em conjunto, dos factos e da personalidade” não permite excluir nenhuma das penas de prisão aplicadas aos crimes em concurso, tenham ou não sido substituídas.

Por sua vez, a suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto substancial a previsão de que a substituição cumpre, adequada e suficientemente, as finalidades da punição. Previsão ou “prognóstico favorável” que não pode ser uma questão de imaginação ou de fé. Tem de resultar de factos demonstrados, atinentes “à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste” –art. 50º n.º 1 do Cód. Penal. Ainda que tenham desigual densidade, concorrendo favoravelmente em determinado caso concreto, e verificado o pressuposto formal (prisão aplicada em medida até 5 anos), não deve o tribunal recusar a pena de substituição. Indiferentemente de a prisão aplicada respeitar a um só crime ou a um concurso de crimes.

Excluindo um ou alguns dos crimes e respectivas penas que integram o concurso, frustra-se o conhecimento e a apreciação do “comportamento global” do agente, indispensável à determinação da pena conjunta.

Surgindo outras condenações por crimes que integram o mesmo concurso, resultam alterados os dados de facto em que assentou a decisão que aplicou a pena de substituição. As novas condenações determinam “a necessária revisão da anterior decisão, cujo caso julgado está sujeito à cláusula rebus sic stantibus, conferindo a estas decisões necessariamente provisórias/intermédias/intercalares, a qualificação de uma espécie de decisões de trato sucessivo, de definição passo a passo, até à configuração definitiva, global e final”[11].

A pena única, aplicada ao concurso de crimes abrangidos pelo cúmulo jurídico está submetida aos mesmos pressupostos. Desde logo ao pressuposto formal de a sua medida concreta não ser superior a 5 anos de prisão. Vencida esta barreira, deverá o tribunal apreciar e decidir da verificação dos pressupostos materiais, mas agora por referência aos “sentidos de vida jurídico-penalmente relevantes

que vivem no comportamento global”[12] e à personalidade revelada pelo conjunto dos factos.

Em suma, a pena suspensa não tinha de ser previamente revogada para poder incluir-se no cúmulo jurídico de penas.

Consequentemente, o acórdão recorrido não enferma da arguida nulidade.
e)  medida da pena única:

O recorrente insurge-se também contra a medida da pena única argumentando que o Tribunal “não atendeu a todas as circunstâncias exigidas nas alíneas a) a e) do artigo 71.º, nº 2 do C.P” (cls. 18).

Pretende que seja reduzida para 6 (seis) anos e 6 (seis) [meses] de prisão, que tem por “suficiente para tranquilizar as expectativas da comunidade na validade da norma e para se atingir os fins insertos na norma incriminadora e contribuir para a [sua] plena ressocialização” (cls. 40 e 41).

Alega que o acórdão recorrido valorou repetidamente o “grau de ilicitude elevado, atendendo à persistente energia criminosa revelada e à personalidade do arguido neles reflectiva” (cls 34 e 35).
f) consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade:

Ao cúmulo jurídico de penas subjaz necessariamente uma pluralidade de crimes que estão, entre si, numa relação de concurso (real). O concurso de crimes é necessariamente punido com uma pena única.

Estabelecendo as regras da punição do concurso, o art. 77º n.º 1 do Cód. Penal, dispõe: “Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Na medida da pena do concurso é considerado o “comportamento global” fornecido pela pluralidade dos crimes que o integram.

É jurisprudência deste Supremo Tribunal que: “na pena única de concurso de infracções, o conjunto global dos factos origina uma nova constatação e uma nova vertente na formação da pena (uma valoração de conjunto), uma ponderação casuística dos factos no seu conjunto, na sua globalidade, sem abstrair da sua ligação com a personalidade do arguido – art. 77.º, n.º 1, do CP – de forma a indagar-se se eles representam um confronto esporádico, acidental, com a lei, de origem exógena, ou, pelo contrário uma manifestação endógena da pessoa do agente, uma qualidade desvaliosa naquele radicada manifestada em prática delitiva”[13].

Para a doutrina, mais seguida, ““tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. na avaliação da personalidade –unitária- do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluralidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já no segundo será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”[14].

Dentro da moldura penal do concurso, os crimes cometidos (que o recorrente não discute) e as qualidades da personalidade do agente manifestada no cometimento dos factos que os integram, são factores especiais[15] na determinação da medida concreta da pena conjunta.

O direito penal dos Estados de modernos é um direito penal do facto e não um direito penal do agente[16]. Este nunca pode ser criminalmente sancionado pela mera diversidade ética ou simplesmente por patologias da sua personalidade «naturalística». Cometendo crimes, a «atitude interna» “relevará na parte em que constitua índice da medida de desconformação da personalidade do agente com a do homem fiel ao direito ou suposto pela ordem jurídica”[17].

Ainda que algum factor da personalidade do agente possa influir na medida da culpa, a generalidade tem densidade em sede de prevenção especial de ressocialização.  

A determinação da medida judicial da pena única a aplicar (em cúmulo jurídico) ao concurso de crimes rege-se especialmente pela norma do art. 77.º, n.º 2 do Código Penal, que estabelece: “2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

O legislador instituiu um regime especial, suplementar, para a determinação da medida da pena do concurso de crimes, com a indicação do iter a seguir pelo juiz na quantificação da pena conjunta.

Assim, a determinação da medida da pena única comporta, especificidades.

Por um lado existe uma nova moldura penal, fornecida pelas penas parcelares.

Por outro, aos critérios do artigo 71.º acrescem os do art. 77.º do Código Penal.

Critério a que o Ac. de 27/01/2016, deste Supremo Tribunal dá expressão prático-jurídica: «Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade à pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”

Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais”[18].

Como refere Figueiredo Dias, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72º, n.º 1 (actual 71º.º, n.º1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.

Essencial é a gravidade global dos factos. A avaliação do comportamento unificado pelo concurso de crimes deve assentar na ponderação conjugada do número e da gravidade das penas parcelares englobadas, da sua concreta medida e relação de grandeza com a moldura da pena do concurso.

Também aqui não podem considerar-se circunstâncias que façam parte de cada um dos tipos de ilícito integrantes do concurso (proibição da dupla valoração –art. 71º n.º 2 do Código Penal).

Alguma doutrina questiona a admissibilidade da valoração, na determinação da pena conjunta, de factores que tenham servido para fixar a pena singular aplicada a cada crime do concurso. A doutrina maioritária[19] e a jurisprudência[20] entendem que nada obsta a que a pena única se determine pela ponderação conjunta de factores do critério geral (enunciados no art. 71º) e do critério especial (fornecido pelo art. 77º n.º 1).

Porém, sustenta-se no Acórdão 14-09-2016[21], deste Supremo Tribunal: “na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele "pedaço" de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade.

É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da actividade criminosa do agente permite”.

Em consonância com o exposto, para encontrar o quantum da pena única, dentro da moldura aplicável, o critério geral do artigo 71º tem de ser conjugado com o critério específico consagrado no art. 77.º, n.º 1 do Código Penal. “À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detectar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”.

“Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses factores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita”[22].
i. pena única aplicada:

No cúmulo jurídico de penas por conhecimento superveniente, a personalidade revelada no cometimento dos factos tem especial relevância para o estabelecimento e a compreensão da interconexão entre os diversos crimes do concurso “e, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos”[23], sem estratificada desconformidade com a fidelidade ao direito.

Regra geral, vários crimes, sucessivamente cometidos em pouco tempo, ademais de evidenciarem uma personalidade com padrão global de desrespeito e violação dos direitos dos outros, revelam também incapacidade do agente para se conformar com as normas sociais no que diz respeito a comportamentos legais[24] e, consequentemente, prognosticam que voltará a reincidir.

Previsão ou prognose assente não só ou nem tanto na lógica, na racionalidade e nas regras da experiência, mas sobretudo em critérios e guidelines consensualizadas pela comunidade científica para determinar uma personalidade antissocial.

No caso, o arguido cometeu (o primeiro dos múltiplos atos) do segundo crime de tráfico precisamente no mesmo mês (maio de 2016) em que foi proferida a sentença que o condenou no processo 376/12.7PHSNT. Atividade de tráfico que manteve até 3 dias depois do trânsito em julgado dessa primeira condenação. Ou, de outra perspectiva, quando já estava a cumprir a pena suspensa que lhe tinha sido aplicada por ter cometido pouco mais de três anos antes, além de outro crime, também um crime de tráfico de estupefacientes.

O tráfico de estupefacientes está legalmente definido como criminalidade altamente organizada –art. 1º al.ª m) do CPP.

É um tipo de ilícito em que se fazem sentir prementes necessidade de protecção dos bens jurídicos tutelados (genericamente a saúde pública), isto é, de prevenção geral de integração. O sentimento jurídico da comunidade apela ao combate incessante e sem tréguas do tráfico de estupefacientes, pela sua elevada frequência, por corromper, por vezes irreparavelmente, a saúde mental e física dos consumidores, degradar a dignidade humana destes, destruir a vivência socialmente útil dos dependentes, arruinar o sossego e harmonia das respectivas famílias, e muitas vezes, também o património, fomentar fortemente a criminalidade associada (furto, roubo, recetação, etc.).

É fortemente censurado pela comunidade, sobretudo pelas razões apontadas, mas também por propiciar elevados e fáceis lucros ilícitos, permitindo um modo de vida parasitário.

Dos factos provados consta que o arguido, “Ao nível do historial clínico regista experiências aditivas, ainda que breves, mas que contribuíram para a sua desorganização pessoal num determinado período, tendo-se envolvido com grupo de pares com características desfavoráveis às convenções e práticas delinquenciais”.

“No que se refere aos crimes pelos quais foi condenado, assume parcialmente as suas responsabilidades, denotando baixa consciência crítica sobre os bens jurídicos protegidos e possíveis danos causados em vítimas potenciais e na sociedade em geral.

Em relação à problemática aditiva e desta poder ser um factor potenciador de desajustamento psicossocial, AA afirma apenas consumos pontuais, ocorridos numa fase de vida em que a influência do grupo de pares tinha um peso significativo no convívio social, afastando qualquer condição de dependência. Actualmente, não anuncia qualquer problemática aditiva.

Não desenvolvia uma actividade profissional lícita, nem consta que tenha tido um posto de trabalho estável e duradouro ou outro modo de obter honestamente rendimentos próprios.

Diversamente do que alega, dos factos provados e das considerações tecidas na motivação sobre a medida da pena conjunta aplicada nestes autos, não resulta que tenha havido dupla valoração de qualquer factor do critério geral ou, especificamente e para o que aqui seria relevante, que influísse novamente e desfavoravelmente na determinação da pena conjunta, ou seja, que tivesse sido anteriormente valorizada a gravidade da ilicitude de cada um dos crimes, mas sim a gravidade do comportamento global resultante da apreciação conjunta de todos os crimes e da personalidade neles revelada.

Naturalmente que a ilicitude do comportamento global que resulta da totalidade dos crimes tem outra dimensão e, consequencialmente, diferente gravidade e, segundo o critério especial da determinação da pena conjunta, diversa densidade. O mesmo sucedendo com a personalidade que, como o próprio recorrente até parece concordar, fornece uma visão que será muito distinta se o crime cometido pelo agente é apenas um, ou quando se trata de um concurso de crimes. E ainda assim, será diversa se os crimes são da mesma ou de diferente natureza e também em razão da diversa gravidade dos crimes e das penas cumuladas juridicamente.

Deste modo, no caso, do procedimento seguido e dos critérios convocados no acórdão recorrido para determinar a medida da pena conjunta, não se pode concluir que tenha incorrido em dupla valoração desfavorável de uma mesma circunstância ou fator.
g) proporcionalidade da pena:

Alega o recorrente que a pena única de 8 anos de prisão que lhe foi aplicada nestes autos é excessiva, pugnando pela sua redução, nos termos anteriormente referidos (cls  40 e 41)).

O princípio da proporcionalidade e a proibição do excesso são princípios com assento na Constituição da República –art. 18º n.º 2.

“O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias /ornarem-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se em «justa medida», impedindo a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos”[25].

Princípios que têm essencialmente uma dimensão objectiva, impondo-se ao legislador, balizando a sua margem de discricionariedade na conformação de restrições aos direitos fundamentais.

O Código Penal, compilação nuclear das restrições mais compressivas do direito à liberdade pessoal, tem também e necessariamente, sobretudo a partir da reforma de 1995, como princípios retores a necessidade, a proporcionalidade e a adequação da pena aplicada à violação de bens jurídico-criminalmente tutelados.

Compete ao legislador escolher os bens jurídicos que entende serem dignos de tutela penal, também a pena abstractamente aplicável com que pode ser sancionada a sua violação, e bem assim a moldura penal do concurso de crimes. Nesta dimensão, a proporcionalidade é, em princípio, uma questão de política criminal. Aos tribunais comuns corresponde, no quadro constitucional, a aplicação da lei penal aos factos concretos. Entendendo um tribunal que a pena cominada pelo legislador para um determinado tipo de crime ofende os princípios da necessidade, da proporcionalidade ou da adequação, pode (deve) julga-la inconstitucional, mas a decisão final e vinculativa sempre caberá ao Tribunal Constitucional.

É também ao legislador que compete escolher as finalidades das penas e os critérios da sua quantificação concreta. Critérios de construção da medida da pena que devem ser interpretados e aplicados em correspondência com o programa politico-criminal assumido sobre as finalidades da punição.

No recurso em apreciação, não se discute a proporcionalidade ou adequação da moldura penal abstracta do concurso de crimes. Questiona-se a proporcionalidade da pena única de prisão concretamente aplicada ao arguido.

Como se assinala no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/09/2016, já citado, “o modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto”.

A pena serve “finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena”.

O legislador estabeleceu os critérios -no artigo 71.º do Código Penal (e para a pena do concurso também no arts. 77º e 78º)- “que têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”. Em qualquer caso, as circunstâncias que já fazem parte do tipo de crime cometido não podem ser consideradas na quantificação da pena concreta (proibição da dupla valoração).

A pena é imposta pela necessidade de protecção do ordenamento jurídico-criminal.

Dentro da moldura penal abstracta, o limite mínimo inultrapassável da dosimetria da pena concreta é dado pela necessidade de tutela dos bens jurídicos violados ou, na expressão de J. Figueiredo Dias, “do quantum da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias”[26]. E o limite máximo pela medida da culpa - nulla poena sine culpa. A prevenção especial de socialização pode, sem interferir naqueles limites, fazer oscilar o quantum da pena no sentido de aproximar-se de um dos limites.

A pena concreta que se comporte nestes limites é uma pena necessária, imposta em defesa do ordenamento jurídico-criminal.

Comportando-se nos estritos limites da culpa do agente, que é a salvaguarda ética e da dignidade humana do agente, será uma pena proporcional.

É uma pena em medida óptima se também satisfizer as exigências de prevenção geral positiva e assegurar a reintegração social do agente habilitando-o a respeitar os bens jurídicos criminalmente tutelados (sem, todavia, lhe impor a interiorização de uma determinada ordem de valores).

As exigências de prevenção podem variar em função do tipo de crime, e variam em razão das circunstâncias do concreto agente e da personalidade revelada nos factos.

Extrai-se do Acórdão STJ de 30/11/2016, (proc. 804/08.6PCCSC.L1.S1)[27]:“a medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.

Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal”.

A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global e as carateristicas da personalidade do agente nele revelado e a intensidade da medida da pena conjunta.

A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes”.

Assim, “se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta”.

“É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”.
h) pena única:

No caso, o Tribunal, ponderando a idêntica natureza de dois dos crimes do concurso e a gravidade objectiva da sua ilicitude “atendendo à persistente energia criminosa revelada e à personalidade do Arguido neles reflectida”; e ainda que “não obstante a inserção social e o apoio familiar de que goza, mantêm-se assinaláveis as necessidades de prevenção especial”, decidiu fixar a pena conjunta em 8 anos de prisão.

Medida que se situa acima da mediatriz da moldura penal do concurso.

Para ajuizar da proporcionalidade da pena, importa, partindo dos factos provados, sopesar os factores já referidos acerca da gravidade do ilícito e que resumidamente consistem em:

-ao arguido, foram apreendidas, (além do mais descriminado nos factos provados), 86,167 gramas de heroína. E também 13,807 gramas de cocaína, perfazendo no total 100 gramas destes dos estupefacientes;

-uma saqueta com cafeina/paracetamol com o peso de 29,636 gramas;

- uma balança;

-650,14€ em numerário;

-dois telemóveis;

-rolo e recortes de plástico.

Identificaram-se 6 compradores a que vendeu, e entregou directamente heroína a cocaína algumas vezes.

Não resulta provado que se tenha servido de intermediários para distribuir e vender os estupefacientes;

Resulta, pois que o tráfico empreendido pelo recorrente não envolveu quantidades elevadas de estupefaciente, nem com recurso a meios sofisticados.

Por outro lado e no que tange à personalidade revelado nos factos e às necessidades de prevenção especial de reintegração, resulta (resumidamente) dos factos provados que o arguido é ainda jovem (tem 30 anos).

Não tinha, à data, história criminal registada. Sendo, esta a sua primeira vez em regime penitenciário.

Actualmente, não anuncia problemática aditiva.

Dispõe do suporte afectivo da família, que lhe censura os comportamentos desviantes, e que poderão constituir-se factores de protecção na reinserção social. O entorno familiar refere verificar mudanças positivas na maneira de pensar e agir do arguido, crendo na sua capacidade de mudança e aquisição de competências pessoais positivas.

Tem mantido comportamento normativo em meio prisional.

Evidencia motivação para a valorização pessoal e escolar, frequentando, desde Janeiro de 2018, o EFA NS via escolar, com assiduidade e empenho.

Iniciou o processo de reaproximação ao meio livre através de medidas de flexibilização da pena, aguardando colocação em Regime Aberto no Interior (RAI).

Por isso, os factores que se expuseram, com especial enfoque, na premente necessidade da reafirmação dos bens jurídicos ofendidos, da medida considerável da culpa revelado no comportamento global fornecido pelos concurso de crimes em apreço, a personalidade do arguido manifestada no seu cometimento, apontando para um início de careira criminosa na traficância de estupefacientes, a dimensão das concretas penas cumuladas e as necessidades de prevenção especial de reintegração, temperados pelas circunstâncias concretas que acabam de se enunciar, tem-se por justo, proporcional e adequado a satisfazer as finalidades da punição do concurso de crimes que aqui está em apreço, acrescentar à moldura mínima da pena (6 anos de prisão) uma fração menor (sensivelmente um 1/3 da pena do tráfico e ligeiramente inferior a essa proporção da pena da detenção de arma proibida) e, assim, corrigindo a dosimetria da pena conjunta imposta no acórdão recorrido, aplicar ao arguido a pena única de 7 anos de prisão.

Procedendo, pois, parcialmente o recurso do arguido.


B- DECISÃO:

Em conformidade, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal julgando parcialmente procedente o recurso, condenada o arguido AA na pena única de 7 anos de prisão.

Sem custas.

Lisboa, 26 de junho de 2019.

Nuno Gonçalves (relator)

Pires da Graça (adjunto)

-------------------------


[1] 3ª sec., proc. 1/09.3FAHRT.L1.S1, www.dgsi.pt.
[2] Proc. n.º 08P3375, www.dgsi.pt.
[3] 3ª sec, proc. 08P2502, www.dgsi.pt.
[4] Crime de trato sucessivo” (?), Julgar Online, abril de 2018 | 7
[5] J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 339 (“a suspensão da execução da pena não representa … só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma … uma pena de substituição”).
[6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016 (uniformizador de jurisprudência); Ac. STJ de 28/02/2018, Proc. 125/97.8IDSTB-AS1, www.dgsi.pt/jstj.
[7] Ac. STJ de 16/022018, Proc. 2118/13.0PBBRG.G1.S1.
[8] Ac. STJ de 17/05/2017, Proc. 1262/11.3GAVNG.P1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[9] Ac. TC n.º 341/2013, proc. 15/13, 2ª sec., www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
[10] J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, T I, 2ª ed. Coimbra Editora, pag. 977.
[11] Ac. STJ de 7-03-2018, Proc. 180/13.5GCVCT.G2.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[12] J. Figueiredo Dias, obra citada, pag. 988.
[13] Ac. STJ de 2015-09-09, Proc. 11/14.9GCRMZ.E, www.dgsi.pt/jstj.
[14] J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Noticias Editorial, pag. 291/292.
[15] Os critérios gerais, aplicáveis à pena do concurso, são os do art- 71º do Cód. Penal.
[16] Veja-se o duplo sentido em J. Figueiredo Dias Direito Penal, Parte Geral, citada, pag. 235.
[17] Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do crime, citado, pag. 251.
[18] Proc., www.dgsi.pr/jstj.
[19] Máxime: J. Figueiredo Dias e autores que cita na nota 98 da pag. 292, da ob. Citada.
[20] Máxime: Ac. STJ de 23-05-2018, 3ª sec, proc. 799/15.OJABRG.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[21] 3ª sec. Proc. 71/13.0JACBR.C1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[22] A. Rodrigues da Costa, O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ.
[23] Ac. STJ de 14-09-2016, Proc. 71/13.0JACBR.C1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[24]  Guia de Referência Rápida para Critérios de Diagnóstico, American Psychiatric Association, 5ª ed., DSM-5, Climpsi Editores, pag. 326/327.
[25] J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, artigos 1º a 107º, 4ª ed. Pag. 392/393.
[26] Consequências Jurídicas do Crime, citado, pag. 242,
[27]www.dgsi.pt/jstj.