Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2936/07.9TBBCL.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO AFONSO
Descritores: SIMULAÇÃO
SIMULAÇÃO DE CONTRATO
COMPRA E VENDA
INTERPOSIÇÃO FICTÍCIA DE PESSOAS
NEGÓCIO UNILATERAL
HERDEIRO
Data do Acordão: 12/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
Doutrina:
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p.171 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 240.º, N.º1, 241.º, N.ºS 1 E 2, 946.º, N.º1.
Sumário :
I - A simulação tem como elementos i) a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração (i.e. a consciência de que se emite uma declaração que não corresponde à vontade); ii) o acordo simulatório (“pactum simulationis”), o qual provém de um conluio entre o declarante e o declaratário que pode ser antecedente ou contemporâneo da declaração; iii) o intuito de enganar terceiro (“animus decipiendi”) o que não significa necessariamente prejudicar (“animus nocendi”).

II - O acordo simulatório pode ter como declaratário outro que não o destinatário da declaração negocial – é, aliás, concebível a existência de simulação nos negócios jurídicos unilaterais receptícios –, sendo certo que não se exige que todos os intervenientes no negócio façam parte desse acordo.

III - Desse modo, resultando da factualidade provada que o comprador real do imóvel era o autor da sucessão (ao qual pertencia o dinheiro empregue no negócio) e que a ré interveio, como adquirente, na respectiva escritura pública, conluiada com aquele para evitar que os herdeiros legitimários do primeiro lhe sucedessem nesse bem, é indiferente apurar se a vendedora tinha ou não conhecimento da simulação.

IV - Estando comprovada a existência de uma divergência intencional, enganosa e bilateral entre a vontade real e a vontade declarada e a interposição fictícia da ré no negócio que deu origem a uma falsidade ideológica ou intelectual na escritura, é o suficiente para se afirmar que ocorreu uma simulação subjectiva e fraudulenta.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:



A) Relatório:


AA, identificada nos autos, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra BB, também identificada nos autos, pedindo que a final seja proferida sentença a declarar a nulidade, por simulação, de negócio de compra e venda de prédio urbano que identifica, que, mercê de tal declaração de nulidade, se declare que a legitima proprietária do referido prédio é a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC e, finalmente, que a R. seja condenada a restituir o dito prédio à referida herança.

Fundamenta o peticionado, em síntese, na circunstância de ter falecido, no estado de casado com a R., mas no regime de separação de bens, CC, deixando como herdeiros, além da ora R., oito filhos, entre os quais a aqui A.

O falecido CC terá, em 07/07/2005, vendido um prédio urbano destinado a habitação, bem próprio seu, e que o dinheiro proveniente da venda desse prédio foi usado na compra, em 12/07/2005, de um outro prédio urbano, no qual o falecido e a ora R. passaram a viver, mas que veio a ser escriturado e registado em nome da R. BB.

Porém, alega ainda, esta compra não passa de uma simulação, dado que a ora R. jamais teve quaisquer posses ou património para tal, encetada com a finalidade de enganar e prejudicar os filhos do referido CC que, à data, não mantinham relações.

Termina, pois, peticionando nos termos já referidos.

Regularmente citada, a R. veios aos autos contestar, impugnando a esmagadora maioria dos factos articulados pela A., e, além disso, rejeitando qualquer existência de simulação, dado que sempre teve intenção de adquirir o direito de propriedade relativo ao prédio em discussão nos autos e, ainda, sempre teve posses ou património para adquirir o mesmo. Invoca, a seu favor, os caracteres da posse conducentes a aquisição por usucapião e conclui pedindo a sua absolvição do pedido.


A A. replicou, mantendo, no essencial, a sua posição já vertida nos autos.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, conforme da acta consta, tendo sido proferida sentença que julgou a acção procedente.

Inconformada com o decidido, a ré interpôs recurso de apelação tendo o Tribunal da Relação julgado procedente o recurso e absolvido a R dos pedidos.


Recorreu a A para o STJ alegando, em conclusão, o seguinte:

1º - O douto acórdão recorrido não terá feito boa aplicação da Justiça pois encerra um conjunto de destacáveis erros de interpretação e da aplicação das normas legais, bem como erros de determinação das normas aplicáveis.

2° - De tal forma que, não merece outra apreciação que não seja a sua revogação, com a consequente procedência do presente recurso.

3º - A autora, aqui recorrente intentou a presente acção declarativa, pedindo que fosse proferida sentença a declarar a nulidade, do negócio de compra e venda do imóvel melhor identificado nos autos, e que consequentemente se declare que a legitima proprietária do referido prédio é a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, CC, e assim, que seja a ré condenada a restituir o dito prédio à referida herança.

4º - Foi depois proferida sentença pelo Douto Tribunal da 1ª instância, que julgou a acção totalmente provada por procedente, e consequentemente decidiu:

a) Declarar-se nulo, por simulação o negocio de compra a que se alude em C) - Mediante escritura pública outorgada no dia 12.07.2005, no Primeiro Cartório Notarial de Barcelos, DD, por si e na qualidade de procurador de EE, ambos como únicos sócios e gerentes, em representação da sociedade "FF - Promotora Imobiliária, Lda", declarou vender à Ré, a qual declarou aceitar a venda, pelo preço de 77.000 Euros que declarou já ter recebido, a fracção autónoma designada pela letra "B", correspondente ã habitação tipo T-2, Bloco 1, entrada A, no rés-do-chão direito, garagem na cave com a letra " B - 1", descrita na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.°…-B/ Rio Covo - Santa Eugenia.

b) Declarar-se que o comprador da fracção autónoma designada pela letra "B" correspondente à habitação tipo T-2, Bloco 1, entrada A, no rés-do-chão direito, garagem na cave com a letra "B-l", descrita na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n° …-B/Rio Covo Santa Eugenia, foi CC;

c) Declarar-se que a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de CC é a legitima proprietária do prédio referido em b).

d) Condenar-se a Ré a reconhecer o decidido em a) e c) e, consequentemente, a restituir o dito imóvel à esfera jurídica da referida Herança.

5º - A ré interpôs recurso da Douta Sentença proferida, e o Douto Tribunal da Relação julgou procedente a apelação e consequentemente, revogou a decisão recorrida, absolvendo a ré apelante dos pedidos formulados, em suma por achar não estar verificado o acordo simulatório entre todos os intervenientes do negócio posto em crise.

6º - Ora, não pode a aqui recorrente conformar-se com o decidido, desde logo porque está verificado, e resulta da matéria de facto dada como provada o acordo simulatório entre todos intervenientes do negócio.

7º - O Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação julgou, e bem, manter as respostas aos quesitos decididas pelo Douto Tribunal da 1ª instância.

8º - Perante esta factualidade, o douto acórdão proferido entendeu que quer se trate nos presentes autos de um caso de uma simulação relativa na modalidade de interposição fictícia de pessoa, quer se trate de uma simulação relativa na modalidade do conteúdo do negócio, não se encontra preenchido o requisito de conluio entre todos os intervenientes do negocio simulado e dissimulado,

9º - Mais concretamente, não estará provado a intervenção do vendedor da fracção do negócio em causa nos presentes autos, referido supra em C) da matéria de facto dada como provada.

10° - Não pode a aqui recorrente em 1º lugar concordar com esse entendimento, pois estão claramente preenchidos todos os requisitos para se verifique a invocada simulação.

11° - Face ao teor do art. 240° do C. Civil e a orientação da doutrina tradicional constituem elementos integradores do conceito de simulação a: intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; acordo simulatório entre declarante e declaratário; e o intuito de enganar terceiros.

12° - Da matéria de facto provada e com relevo para preenchimento dos supra referidos requisitos, julgou o Douto Tribunal de 1ª instancia e confirmou o Douto Acórdão da Relação que: o preço a que se alude em C) foi pago com o produto da venda referida em B); para evitar que a fracção identificada em C) fosse transmitida para a titularidade de CC, este acordou com a Ré que a escritura pública fosse feita em nome desta; ao acordar com a Ré em que a escritura pública referida em C) fosse celebrada em nome desta, CC conseguia afastar os seus filhos da futura sucessão a uma herança onde se integrasse tal prédio; na escritura a que se alude em C) o verdadeiro comprador era CC.

13° - Ou seja, dúvidas não restam que com o intuito de afastar os seus filhos da futura sucessão a uma herança onde se integrasse a fracção em discussão nos autos, o falecido CC acordou com a ré que esta figurasse como compradora na escritura de compra e venda celebrada.

14° - E se duvidas não restam ao Douto Tribunal da Relação que estão claramente verificados os requisitos a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração e o intuito de enganar terceiros, com o devido respeito, também não pode existir dúvidas sobre o acordo simulatório.

15° - Desde logo, é já pacífico na doutrina e jurisprudência que a demonstração dos requisitos da simulação pode fazer-se mediante qualquer meio de prova admissível em direito, através de factos que, segundo as regras de experiência comum, são considerados indícios seguros do respectivo acto ou contrato.

16° - Ora, estando estabelecido, na alínea F) dos factos provados que o falecido CC acordou com a ré que seria ela a figurar como compradora da fracção, o assente na alínea H) confirma a existência do acordo simulatório estendido a todos os intervenientes do negócio -pois estabelece que ao contrário do declarado por todas as partes nesse negócio e na escritura pública, o verdadeiro comprador seria o CC.

17° - Ou seja, a vendedora do imóvel sabia das reais intenções dos restantes elementos da "trama negocial", já que ela é parte integrante dessa "trama", e declarou que estava a vender à ré, quando o verdadeiro comprador seria o falecido CC

18° - Ou seja, ao estar provado, e assente, na supra referida alínea H) que o real comprador do imóvel era o CC, presume-se, que todos os intervenientes nesse negocio fazem parte do conluio.

19° - Além que, salvo o devido respeito, a posição assumida pelo Douto Tribunal da Relação, faz a presunção mas no sentido inverso.

20° - Inverso à realidade dos factos, e inversa às posições dominantes na doutrina e jurisprudência sobre essa matéria.

21° - Não obstante estar assente, que o verdadeiro comprador do imóvel era o falecido CC, a douta decisão proferida presume com base nesse facto, que a vendedora não estaria a par do conluio e da real intenção das partes, para dessa forma sustentar a improcedência da alegada simulação.

22° - Não obstante estar assente, que o falecido CC era o verdadeiro comprador do imóvel,

23° - Não obstante estar assente que o falecido CC acordou com a ré para que esta figurasse como compradora, para evitar que ele figurasse como titular do referido imóvel,

24° - E não obstante estar assente que o falecido CC procedeu dessa forma para conseguir afastar os seus filhos da futura sucessão a uma herança onde se integrasse tal prédio,

25° - Não obstante não estar provado que a vendedora não sabia do acordo simulatório, o Douto Tribunal da Relação presumiu que a vendedora do imóvel não estivesse ao corrente do plano, e assim achou não estarem preenchidos os requisitos da simulação, julgando consequentemente a improcedência da acção.

26° - Ora, nada de mais errado, a presunção a ser efectuada, é de que a compradora sabia do acordo simulatório.

27° - Conforme já se alegou, é já pacífico na doutrina e jurisprudência que a demonstração dos requisitos da simulação pode fazer-se mediante qualquer meio de prova admissível em direito, através de factos que, segundo as regras de experiência comum, são considerados indícios seguros do respectivo acto ou contrato.

28° - Estando assente a clara divergência entre a vontade real e a declarada no negócio em causa nos presentes autos, e estando a assente a razão de ser dessa divergência, ao presumir que o vendedor do imóvel não estava de acordo com essa situação, e consequentemente não reconhecer a simulação, recompensa-se o prevaricador.

29° - Ou seja, prejudica-se os principais interessados, e protegidos pela lei, e uma das razões principais da criação do instituto da simulação - isto é, os herdeiros legitimários.

30° - Em suma, dúvidas não restam que a empresa vendedora sabia do acordo simulatório, presumindo-se face ao estabelecido nas alíneas F), G) e H) dos factos assentes, e assim verificam-se preenchidos todos os requisitos da simulação.

31° - Todos os factos, repita-se, todos os factos alegados pela autora nos presentes autos foram dados como provados.

32° - Ou seja, ao declarar-se que a vendedora do imóvel acordou na simulação, nem se pode falar de uma presunção judicial para suprir uma resposta negativa dada à matéria de facto.

33° - Já que não houve nenhuma resposta negativa em relação a essa matéria.

34° - Pelo contrario, ficou assente por provado, que o verdadeiro comprador da escritura referida em C) era o falecido CC.

35° - Escritura essa em que a vendedora declarou vender à ré a fracção em causa nos presentes autos.

36° - E ficou assente e provado que o verdadeiro comprador era o falecido CC.

37° - Assim sendo, o que se declarou na escritura pública é falso, não obstante a vendedora ter declarado que vendia à ré a fracção supra identificada, a verdade é que a vendedora estava a vender ao falecido CC.

38° - Assim sendo, verifica-se preenchido o requisito do acordo simulatório entre todos os participantes na "trama negocial".

39° - A empresa vendedora declarou uma falsidade! O verdadeiro comprador era o falecido CC.

40° - Conforme o já referido, foram dados como provados todos os factos alegados pela autora na petição inicial apresentada nos presentes autos.

41° - A ré, por sua vez, na contestação apresentada apenas alegou, que o imóvel em questão foi comprado com capital próprio.

42° - E que a verdadeira compradora do imóvel era a ré, conforme o declarado na escritura publica.

43° - Desses factos alegados pela ré nenhum foi dado como provado.

44° - Ou seja, a ré nunca alegou que não estavam verificados os requisitos da simulação.

45° - A ré nunca alegou que a vendedora do imóvel não sabia do acordo simulatório.

46° - A ré, sempre alegou que não existiu divergência entra a vontade real e a vontade declarada, e nunca existiu qualquer intuito de enganar terceiros.

47° - Ou seja, a ré nunca alegou que a vendedora do imóvel não sabia do acordo simulatório.

48° - E assim sendo, salvo o devido respeito, estava o Douto Tribunal da Relação impedido, de decidir pela falta de conhecimento da vendedora do acordo simulatório.

49° - A ré não conseguiu provar nada da defesa apresentada.

50° - Todos os factos alegados pela autora foram dados como provados e confirmados pelo douto tribunal da Relação.

51° - Assim sendo, a única decisão possível era confirmação integral da Douta Sentença proferida na 1ª instância.

52° - Julgando completamente improcedente o recurso interposto pela ré, aqui recorrida.

53° - Acresce ainda que mesmo que se entenda que o acto verdadeiramente querido pelo falecido foi fazer uma doação à sua mulher, ré/recorrida nos presentes autos, tinha-se de ter em atenção além do instituto da simulação, o previsto no artigo 946° do C. Civil.

54° - Como bem referiu a Douta Sentença recorrida, a propósito de uma situação similar à que ora se trata, o Ac. do STJ de 19/01/1989 (in BMJ, pag. 531) refere que a "doação" dissimulada sob contratos de compra e venda celebrados com "interposição fictícia" de um dos sujeitos, e, assim, feridos de nulidade por simulação, no intuito de afastar as disposições legais que protegem as legitimas dos filhos e sem que, ademais, a beneficiária haja intervindo nas escrituras respectivas ou manifestado por forma autentica a aceitação da "liberalidade" em vida da "doadora", é nula em consequência do regime que lhe corresponderia se fosse realizada sem dissimulação.

55° - Com efeito, tal "doação" revestiria a natureza das que o nº1 do artigo 946º proíbe.

56° - Assim, seja pela interposição fictícia, seja pela celebração de uma doação, o negocio documentado nos autos e aludido na C) dos Factos Provados referidos na Douta Sentença proferida nos presentes autos é nulo.

57° - Finalmente, mesmo que se entenda que não está preenchido o requisito de acordo simulatório, o que não se admite e que apenas por hipótese de raciocino se concede, a Douta Sentença proferida em 1ª instancia declarou além da nulidade por simulação do negócio a que se alude em C) dos factos assentes,

58° - Também declarou que o comprador da fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n° …-B/Rio Covo Santa Eugenia, foi CC, declarou que a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de CC é a legitima proprietária do prédio referido em b) e condenar-se a Ré a reconhecer o decidido em a) e c) e, consequentemente, a restituir o dito imóvel à esfera jurídica da referida Herança.

59° - Mesmo que se reconheça que a vendedora do imóvel não estava ao corrente do acordo simulatório, certo é que esta assente e que foi dado como provado que a escritura pública que declarou vender a fracção à ré contem uma falsidade.

60° - Ou seja, a vendedora do imóvel não vendeu à ré, mas ao falecido CC.

61°- Ou seja, a legitima proprietária do imóvel em discussão nos presentes autos é a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por morte do referido CC.

62° - E como tal, deve por essa via condenar-se a ré a reconhecer o supra decidido e consequentemente restituir o imóvel à esfera jurídica da referida herança.

63° - Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso e revogando-se o douto acórdão recorrido, por outro que julgue totalmente provada e procedente a acção intentada, mantendo-se a douta sentença proferida na 1° instancia.

64° - O Douto acórdão agora recorrido, viola entre outros, o disposto nos artigos 240°, 241 e 242° do Código Civil.


Contra-alegou a R pronunciando-se pela inexistência de qualquer simulação do negócio jurídico.



***



Tudo visto,

Cumpre decidir:


B) Os Factos:


As instâncias deram como provados os seguintes factos:

A - Mediante escritura pública outorgada no dia 30 de Março de 2007, no Cartório Notarial de Barcelos do Notário Dr. GG, HH, II e JJ, declararam que no dia 17 de Fevereiro de 2007 faleceu CC, no estado de casado com a aqui Ré sob o regime de separação de bens, com residência na Rua …, …, R/C, Dto., da freguesia de Rio Covo - Stª Eugénia.

Mais declararam que o falecido deixou como seus únicos herdeiros, além da sua mulher, a aqui Ré, oito filhos: KK, LL, a aqui Autora, MM, NN, OO, PP e QQ.

B - Mediante escritura pública outorgada no dia 7 de Julho de 2005, no Cartório Notarial da Notária Dr. RR, CC, casado com a aqui Ré, declarou vender a SS e mulher, os quais declararam aceitar a venda, pelo preço de 80.000,00 Euros que declararam já ter recebido, o prédio urbano destinado exclusivamente à habitação, sito no lugar do Pinheiro, freguesia de Rio Covo Stª Eugénia, concelho de Barcelos, inscrito na respectiva matriz sob o art.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/Rio Covo - Stª Eugénia.

C - Mediante escritura pública outorgada no dia 12.07.2005, no Primeiro Cartório Notarial de Barcelos, DD, por si e na qualidade de procurador de EE, ambos como únicos sócios e gerentes, em representação da sociedade "FF - Promotora Imobiliária, Lda", declarou vender à Ré, a qual declarou aceitar a venda, pelo preço de 77.000,00 Euros que declarou já ter recebido, a fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente à habitação tipo T-2, Bloco 1, entrada A, no rés-do-chão direito, garagem na cave com a letra “ B - 1”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º ...-B/ Rio Covo - Santa Eugénia.

D - A fracção a que se alude em C) encontra-se inscrita na CRP de Barcelos em nome da Ré por força da AP. 60 de 2005/08.02.

E - O preço a que se alude em C) foi pago com o produto da venda referida em B). Para evitar que a fracção identificada em C) fosse transmitida para a titularidade de CC, este acordou com a Ré que a escritura pública fosse feita em nome desta

F - Para evitar que a fracção identificada em C) fosse transmitida para a titularidade de CC, este acordou com a Ré que a escritura pública fosse feita em nome desta.

G - Ao acordar com a Ré em que a escritura pública referida em C) fosse celebrada em nome desta, CC conseguia afastar os seus filhos da futura sucessão a uma herança onde se integrasse tal prédio.

H - Na escritura a que se alude em C) o verdadeiro comprador era CC.

I - A Ré, desde Julho de 2005, mantém a sua habitação na fracção a que se alude em C), onde toma as suas refeições, dorme e recebe os amigos, zelando pela sua conservação e pagando as contribuições devidas.

J - À vista de toda a gente.

L - Sem oposição de quem quer que seja.

M - Agindo como sua única dona.

N - CC pagou o montante de 35.000,00 Euros a título de tornas à sua ex-mulher e mãe da A., em resultado da partilha de bens do casal.


B) O Direito:


Delimitando o “thema decidendum” a única questão em causa é de se saber se houve ou não simulação na compra e venda do prédio referido nos autos.

Da matéria de facto provada resulta que o imóvel em causa nos presentes autos foi comprado pelo falecido CC, com dinheiro da venda de um outro prédio seu; que para evitar que a fracção identificada fosse transmitida para a titularidade de CC, este acordou com a Ré que a escritura pública fosse feita em nome desta; que ao acordar com a Ré que a escritura pública referida fosse celebrada em nome desta, CC conseguia afastar os seus filhos da futura sucessão a uma herança onde se integrasse tal prédio.

Se por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado [art.240º nº1 do Código Civil (CC)].

São elementos da simulação: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração que se traduz na consciência, por parte do declarante, de que emite uma declaração que não corresponde à vontade real; o acordo simulatório (pactum simulationis) que procede de um conluio entre declarante e declaratário o qual, em regra, antecede a declaração, mas também pode ser contemporâneo dela; intuito de enganar terceiros. Enganar não significa necessariamente prejudicar. Pode ter-se em vista apenas o benefício de terceiro. O que constitui elemento de simulação é o intuito de enganar (iludir) (animus decipiendi) e não o intuito de prejudicar, isto é, de causar um dano ilícito (animus nocendi).

A simulação é inocente quando não há da parte dos simuladores “animus nocendi”, intuito de prejudicar quem quer que seja e fraudulenta quando os simuladores são animados por “animus decipiendi” e “animus nocendi”, intuito ou pelo menos consciência de prejudicar alguém, como no caso dos autos (afastar os filhos da futura sucessão a uma herança onde se integrasse tal prédio).

A distinção entre simulação inocente e fraudulenta tinha importância no domínio do Código Civil de 1867 (art.1037º), hoje, em princípio, a distinção não tem importância prática. A lei fala da simulação fraudulenta no art.242º nº1 do CC para frisar que está sujeita ao regime jurídico da inocente. Tem, contudo, importância, de acordo com o art.242º nº2 do CC para os herdeiros legitimários poderem pedir a declaração de nulidade dos actos praticados pelo proprietário do património em que virão a suceder se os arguirem de simulação fraudulenta.

Diz o art.241º nº1 do CC: “Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado”.

Na simulação absoluta só há o negócio simulado. Na simulação relativa, diz o Prof. Manuel de Andrade (in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pags.171 e segs.) além do negócio simulado (a que também se chama patente, ostensivo, decorativo, aparente ou fictício), há um negócio oculto (latente, disfarçado, real) o negócio dissimulado: o negócio absolutamente simulado “colorem habet, substantiam vero nullam” o relativamente simulado “colorem habet, substantiam vero alteram”.

Na análise do presente recurso para além do já exposto devemos ter presente por um lado que contraparte, além do declarante, no “pactum simulationis”, nem sempre será o declaratário ou destinatário da declaração negocial de compra e venda e, por outro, que a simulação pode existir no âmbito dos negócios jurídicos unilaterais receptícios concebendo-se a possibilidade da existência de conluio entre declarante e declaratário tendente à emissão duma declaração discordante da vontade real.

Assim, no caso vertente, independentemente, da vendedora ter ou não conhecimento da simulação, o pacto simulatório existiu, como resulta da factualidade apurada, entre o comprador real do imóvel e a R, no intuito de enganar terceiros, afastando os herdeiros legitimários da sucessão relativamente àquele bem. É quanto basta, como se decidiu na 1ª instância, à caracterização da simulação consubstanciada numa falsidade ideológica ou intelectual que levou à discrepância entre o conteúdo do documento (escritura) e a verdade. Na verdade o falecido CC foi o comprador do imóvel em causa só figurando tal transacção em nome da R por conluio entre aquele e esta.

Diz-nos a sentença da 1ª instância que “se poderia objectar que o acto verdadeiramente querido pelo falecido foi o de fazer uma doação à sua mulher (casados sob o regime imperativo da separação de bens).

Estando em causa uma doação dissimulada sempre aquela se teria concretizado através de um contrato de compra e venda simulado”.

Uma doação dissimulada sob um contrato de compra e venda, no intuito de afastar as disposições legais que protegem as legítimas dos filhos, nos termos do art. 946º nº1 do CC, seria nula tratando-se de um acto “mortis causa”, entendendo-se que aquelas doações são as que produzem os seus efeitos por morte do doador, quer e trate do contrato sucessório, em que a morte funciona como causa de devolução dos bens, quer a morte funcione como condição ou termo  

Porém, e como bem se diz no acórdão do Tribunal da Relação as ilações jurídicas tiradas pela 1ª instância, neste particular, não têm suporte no acervo factual dado como provado.

O que resulta do material fáctico é a existência de uma divergência intencional, enganosa, bilateral entre a vontade real e a declarada. O falecido CC quis, com dinheiro seu, verdadeiramente comprar a fracção autónoma referida nos autos mas em conluio com a R interpôs ficticiamente esta, na escritura, como compradora (simulação subjectiva ou de pessoas). Dado que a interposição de pessoas, ou interposição de terceiro, seja fictícia, seja real mas “in fraudem legis”, representa um vício do negócio.

E não se diga que é inexistente a simulação por a vendedora do imóvel não estar ao corrente do acordo simulatório. Em primeiro lugar não é necessário que todos os intervenientes num dado negócio façam parte do “pactum simulationis” e por outro, como afirmamos supra contraparte não é necessariamente o destinatário da declaração negocial.

É certo que escritura de compra e venda a FF - Promotora Imobiliária, Lda", declarou vender à Ré, a qual declarou aceitar a venda, pelo preço de 77.000,00 Euros que declarou já ter recebido, a fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente à habitação tipo T-2, Bloco 1, entrada A, no rés-do-chão direito, garagem na cave com a letra “ B - 1”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º ...-B/ Rio Covo - Santa Eugénia. Mas também se provou que o dinheiro da compra desta fracção pertencia ao CC resultante de uma anterior venda de um prédio seu. Esta venda realizou-se em 7 de Julho de 2005 e a compra da fracção, aqui em causa, operou-se em 12 de Julho do mesmo ano. Mas provou-se mais (e estes factos são incontornáveis): para evitar que a fracção identificada fosse transmitida para a titularidade de CC, este acordou com a Ré que a escritura pública fosse feita em nome desta. E ao acordar com a Ré em que a escritura pública referida fosse celebrada em nome desta, CC conseguia afastar os seus filhos da futura sucessão a uma herança onde se integrasse tal prédio.

Por fim afirma-se em sede de facto que na escritura a que se alude o verdadeiro comprador era CC.

Daqui não se pode retirar como o fez o Tribunal da Relação que o negócio jurídico simulado era de todo alheio à sociedade vendedora e, mesmo que o fosse o acordo simulatório entre o falecido CC e a R é bem patente.

Assim, assiste razão à recorrente devendo ser repristinada a decisão da 1ª instância.


Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça em conceder revista e, revogando o acórdão recorrido, repristinam a decisão da 1ª instância.

Custas pela recorrida.


Lisboa, 3 de Dezembro de 2015


Orlando Afonso (Relator)

Távora Victor

Silva Gonçalves