Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5262/05.4TVLSB.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: SEGURO DE CRÉDITOS
RESPONSABILIDADE CIVIL
ADVOGADO
HONORÁRIOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
1. Em seguro de créditos, se não se apuraram os factos integrantes dos requisitos para que a conduta de terceiro, devedor do segurado, integre as figuras dos riscos ou do sinistro, previstas na lei, a seguradora que declarou este, pagando ao segurado, é responsável perante aquele terceiro pelos danos que, concomitantemente, lhe causar com actos ofensivos do seu crédito e bom nome comercial.
2 . Não valendo, por razões de direito intertemporal, o Regulamento das Custas Judiciais, tal responsabilidade não abrange os honorários que o terceiro pagou a advogado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I –
Nas Varas Cíveis de Lisboa, com distribuição à 15.ª, AA intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra:
BB – Companhia de Seguros de Crédito, S.A.

Alegou, em síntese, que:
É empresário no sector do área do vestuário e mantém inúmeros contactos, nacionais e estrangeiros, com empresas e profissionais do sector têxtil e vestuário, bem como de sectores conexos;
A ré veiculou – nos termos que precisa - a informação de que o seu crédito se encontrava cancelado uma vez que o seu nome se encontrava associado a riscos e incidentes de crédito, mais concretamente a incumprimento de pagamento;
Tal informação não corresponde à verdade e atingiu-o no seu bom nome e reputação, causando-lhe ainda os prejuízos, na sua actividade, que detalhadamente descreve.


Pediu, em conformidade:
A condenação desta a pagar-lhe:

€20.000 a título de danos não patrimoniais;
€2.783,02 a título de danos patrimoniais presentes e ainda danos patrimoniais futuros, relacionados com os honorários a suportar com a prossecução da presente acção, a liquidar em execução de sentença, valores acrescidos de juros, à taxa legal, a contar da data da data da citação.
Mais requereu a condenação da Ré a informar, por escrito, os seus segurados do teor essencial da sentença condenatória, por súmula; a comunicar a todas as seguradoras do grupo Euler Hermes S.A., o teor essencial da sentença condenatória, por súmula, acompanhada de tradução da mesma nas línguas inglesa e francesa, a expensas da Ré e a comprovar junto do tribunal ter procedido à divulgação da informação aos segurados e ao envio da comunicação às seguradoras do grupo Euler Hermes S.A..

Contestou a BB, impugnando grande parte dos factos carreados na petição inicial e sustentando, em resumo, que:
Uma segurada sua comunicou-lhe uma alegada dívida do agora autor;
Ela, ré, instou-o a pagar, o que ele não fez.
Desencadeou, então, o processo normal – que pormenoriza – não tendo, no entanto, provocado os danos que este invoca.

II –
A acção prosseguiu a sua tramitação e, na altura própria, foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:

“Pelo exposto, e ao abrigo das citadas disposições legais, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até integral pagamento.
Mais a condeno a informar, por escrito, os seus segurados EE Tecidos e DD do teor da presente decisão.”


III –
Apelaram ambas as partes (o autor subordinadamente) e o Tribunal da Relação de Lisboa:
Julgou procedente o recurso principal, absolvendo a ré do pedido;
Julgou, consequentemente, improcedente o recurso subordinado.


IV –
Inconformado, traz o autor revista.

Conclui as alegações do seguinte modo:

A) A questão de direito subjacente ao presente recurso de revista, circunscreve-se à qualificação da actuação da R. como lícita, como propugna o TRL ou ilícita, como defendeu o M.mo Juiz da 1.ª Instância.
B) Secundariamente, na decorrência da qualificação da conduta como ilícita, surge a questão do valor da indemnização atribuída ao A. na decisão de 1.ª instância, erradamente revogada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
C) Por forma a facilitar a interpretação das normas jurídicas pertinentes importa recordar o essencial da matéria de facto (sem prejuízo, dos restantes factos para os quais se remete):
- O A. é empresário no sector da área do vestuário há cerca de 18 anos. - O A. é uma pessoa com credibilidade e boa reputação junto de clientes e fornecedores.
- O A. foi informado pelo vendedor que o seu crédito junto da EE se encontrava cancelado.
- Tal informação foi transmitida ao A. perante a estilista que o acompanhava.
- Após insistência do A., o vendedor informou o A. que tinha sido a R. que tinha transmitido tal informação.
- o A. foi informado pelo vendedor que o seu crédito junto da EE se encontrava cancelado.
- (A) empregada de escritório do A. contactou a R., a qual não prestou de imediato qualquer informação.
- No contacto com a sua fornecedora DD, o A. voltou a ser informado que o seu crédito estava cortado, pelo que teria que efectuar os pagamentos a pronto.
- O A. passou a pagar mais frequentemente a pronto.
- O A. contactou outros fornecedores a fim de esclarecer a informação que sobre si circulava concretamente para saber se fora passada a mais fornecedores e o porquê de tal informação.
- O facto de não saber a quem tinha sido concretamente prestada, designadamente por a R. não ter esclarecido prontamente tal questão, causou ao A. vergonha, desconforto e irritação.
- O facto de o crédito do A. estar cancelado foi conhecido pelas empresas EE Tecidos e DD bem como o sistema informático da R. emite um alerta, a fim de se proceder a anulação de todas as garantias.
- Anteriormente a 2004 ao A. era permitido que o pagamento das mercadorias por si adquiridas fosse efectuado no prazo de 30, 60 e 90 dias.
D) O Tribunal de 1.ª Instância, considerando preenchidos todos os pressupostos do art.º 383° e 384° do Código Civil, numa decisão bem estruturada e fundamentada, condenou a R., BB - Companhia de Seguros de Crédito, a: a) pagar ao A. uma indemnização no valor de 50000€ (cinco mil euros), acrescida de juros; b) informar os segurados que identifica do teor da decisão condenatória.
E) Já o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de que ora se recorre, veio surpreendentemente dizer não encontrar na "factualidade fundamento bastante para assacar à R. a violação ilícita de algum direito do A. ou a violação de alguma norma destinada a proteger os seus interesses".
F) Enquanto em 1.ª Instância se refere a i1icitude da conduta, entre outros: "(…) se é certo que a Ré veio a repor as garantias que relativamente a todos os clientes, no que se referia ao A., a verdade é que o fez logo que recebeu a comunicação do A. esclarecendo a situação da El lnternacional, aguardando mais de um ano até decidir adoptar tal conduta, período durante o qual os procedimentos relacionados com o processamento do sinistro não foram suspensos, vindo a culminar no cancelamento das garantias e respectiva comunicação aos tomadores de seguros em Lisboa, também eles fornecedores do Autor. ( ...) com este comportamento, a Ré contribuiu, deforma directa, para que fosse colocado em causa o crédito pessoal do Autor, entendido no sentido (…) de "projecção social das aptidões e capacidades económicas desenvolvidas por cada homem ", situação que se reputa ilícita.
G) Em 2.ª Instância, é sublinhada a licitude da mesma conduta (anteriormente considerada ilícita), nomeadamente em argumentos como: a) a liberdade contratual "(. . .) não pode ser limitada com a imposição às seguradoras de determinados comportamentos só porque, no entender dos interessados, podem sair prejudicados no exercício da sua actividade quando pretendam contratar com terceiros. "; b) "é mais realista encarar a situação com que o A. de defrontou com uma das vicissitudes inerentes ao (acto de exercer uma actividade comercial que naturalmente implica o relacionamento com uma diversidade de supostos cujos actos obedecem a uma diversidade de motivações objectivas ou subjectivas"; c) "(. . .) as seguradoras devem adoptar as providências que se mostrem pertinentes no sentido de evitar que os riscos assumidos ponham em causa a sua subsistência, a qual depende da obtenção de receitas que permitam cobrir as despesas inerentes à actividade, garantir a existência de regras relativamente a riscos potenciais inerentes a outros contratos de seguro, suportar responsabilidades reclamadas no âmbito de sinistros e proporcionar ainda uma margem de lucro que remunere os detentores do respectivo capital social".
H) O que o A., na qualidade (que também tem) de agente económico, reivindica para si é o direito ao bom nome, crédito e reputação, direito esse, subjectivo, que não interfere nem esmorece com a liberdade contratual da R., não aceitando que circular informação negativa sobre si seja uma vicissitude do negócio legitimada pela legal actividade da R.
I) Assim, ao qualificar a actuação da R. como lícita, o Acórdão recorrido viola clamorosamente o direito subjectivo do A. ao bom nome, crédito e reputação que lhe são conferidos pelos artigos 70.º n.º 1 e art. 484° do Código Civil mas também, pelos artigos 25° e 26° da Constituição da República Portuguesa, o art. 12° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o art. 8° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, normas estas citadas e interpretadas na decisão condenatória de 1.ª instância que foi revogada.
J) O art. 70° do Código Civil tutela a personalidade, como direito absoluto, de exclusão, na perspectiva do direito à saúde, à integridade física, ao bem-estar, à liberdade, ao bom nome, e à honra, que são os aspectos que individualizam o ser humano, moral e fisicamente e o tornam titular de direitos invioláveis.
K) O artigo 484° do Código Civil ao proteger o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, tutela um dos elementos essenciais da dignidade humana - a honra.
L) As seguradoras de crédito, agindo embora no domínio da autonomia da vontade, estão vinculadas a deveres de rigor e objectividade, que se cumprem com a recolha de informação, com base em averiguações credíveis que possam ser confrontadas.
M) Ao divulgar os dados do A. emitindo um documento ("Garantia") que informa aos seus segurados que não dá cobertura às operações de compra e venda realizadas com determinada pessoa (no caso, o A.) a R. não está a cumprir qualquer obrigação legal susceptível de afastar a ilicitude da sua actuação mas age, tão só, por razões de avaliação privatística de risco no domínio da sua actividade que, sendo embora uma actividade legal, não exime a R. da conformação e respeito pelos direitos do A.
N) A R. sabe que exerce uma actividade que comporta frequente potencialidade de risco para a preservação do crédito e bom nome de pessoas singulares e colectivas cujos dados sejam objecto de tratamento e de divulgação, sendo-lhe exigível não apenas um especial cuidado e atenção no exercício da sua actividade, como até de presumir a sua culpa, nos termos do nº 2 do artigo 493° do Código Civil.
O) É incontestável que a R. podia e devia ter actuado diferentemente não difundindo - em Outubro de 2003 - informação que reportava a um suposto sinistro ocorrido em 2001 que, foi prontamente esclarecido pelo A. junto da R. e de terceiros i.e. podia ter agido de outro modo, sendo intenso o seu dever em o ter feito, preferindo omitir os deveres objectivo e subjectivo de cuido ou seja, os graus de diligência necessária e de diligência possível, em face das circunstâncias e suas capacidades.
P) Acresce que, nos termos do artigo 4° n.º 1, alínea g) do Decreto-Lei n.º 183/88 de 24 de Maio (na redacção que foi dada pelo Decreto Lei nº 31/2007, de 14 de Fevereiro), num seguro de crédito, só a "recusa arbitrária do devedor em aceitar os bens ou serviços encomendados" constitui um facto gerador de sinistro.
Q) A recusa do A. na recepção dos bens enviados pelo segurado da R. não foi arbitrária, foi lícita e legítima além de abundantemente fundamentada e explicada pelo A. junto da R.
R) Não sendo exigível à R. que "tomasse partido" quanto a determinado litígio comercial que envolveu uma sua segurada e o A. já lhe era exigível que agisse com o zelo e diligência a que estava obrigada porquanto, alertada pelo A. e perante as informações deste, competia-lhe averiguar no sentido de saber se existira a restituição dos bens e mesmo até se outros registos ou incidentes permitiriam concluir que o A. se escusava a compromissos que assumia, como não era o caso.
S) Assim, a R. agiu ilícita, levianamente e com culpa, violando não apenas o disposto no art. 70 nº 1 como no artigo 384° do Código Civil na medida em que não acautelou, como deveria, o direito do A. ao bom nome, crédito e reputação, direitos esses que o Tribunal a quo nega ao não reconhecer a ilicitude na actuação da R.
T) Jurisprudencialmente, existe largo consenso no sentido de considerar abarcada pela responsabilidade extra-contratual, como constituindo conduta antijurídica, aquela que lese o crédito ou o bom nome de outrem, quer os factos abrangidos sejam verdadeiros ou não verdadeiros, conquanto sejam dolosa ou culposamente apresentados e em condições susceptíveis de afectar esse crédito ou bom nome, como foram, ou possuam a virtual idade de atingir ou diminuir a confiança na capacidade da pessoa para cumprir as suas obrigações ou apresentando-a em condições deformadoras dessa forma afectando o crédito ou a imagem ou integridade moral da pessoa visada. Foi o caso sub judice.
U) A fonte da responsabilidade reside no facto da R. conhecendo o sistema com que lida e controla, ter promovido, por falta de zelo, diligência ou até omissão, que aquela inicial informação e contactos viesse, a gerar (automaticamente, segundo a R.) a difusão de informação negativa sobre o A. junto de outros seus segurados, fornecedores do A. A conduta da R. é, assim, também ilícita por violar o disposto no artigo 40 n.º 1, alínea g) do Decreto-Lei n.º 183/88 de 24 de Maio (na redacção que foi dada pelo Decreto Lei nº 31/2007, de 14 de Fevereiro) já que podia controlar e evitar a conduta lesiva dos direitos do A. dispositivo legal este que o Tribunal a quo não considerou na sua decisão.
V) Acresce que o A. tinha o direito a não ficar sujeito a uma decisão que produza efeitos na sua esfera jurídica ou que a afecte de modo significativo, tomada exclusivamente com base num tratamento automatizado de dados destinado a avaliar a sua capacidade profissional, o seu crédito, a confiança de que é merecedora direito esse previsto no artigo 13.° da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro e que foi conscientemente violado pela R. O Tribunal a quo tão pouco considerou este dispositivo legal na sua decisão.
W) Os danos sofridos pelo A. de natureza patrimonial e não patrimonial, presentes e futuros, merecem, pela sua gravidade, tutela do direito, entendendo o A. que as disposições do CPC sobre pagamento de honorários por intermédio das custas a receber da parte vencida (cf. art. 454.° do CPC, ou a litigância de má fé) não configuram os únicos meio de ressarcimento deste tipo de danos.
X) Na verdade, entender que aquele custo suportado pelo A. em virtude da actuação da R. e que constitui uma despesa devidamente provada e liquidada, constituindo, como constitui, um dano patrimonial, só poder ser considerada nos termos do Código de Processo Civil traduz-se numa interpretação restritiva do art. 483.º do Código Civil que o Tribunal a quo, ao não se pronunciar, sancionou, existindo, como existe, um evidente nexo de causalidade entre aquele dano e a actuação da R .
Posto o que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso de revista e em consequência substituída a decisão recorrida por outra em que, mantendo o sentido da condenação em 1.ª Instância, eleve o valor indemnizatório atribuído ao ora Recorrente para valores próximos dos peticionados.


Contra-alegou a R., rebatendo, ponto por ponto, a argumentação do recorrente.

V –
Ante as conclusões das alegações, há que tomar posição sobre se a conduta da ré preenche todos os pressupostos da responsabilidade civil.
Preenchendo-os, importa fixar os montantes indemnizatórios, decidindo, previamente, se deve ela ser responsabilizada pelo pagamento dos honorários à Ilustre Advogada do recorrente.

VI –
Vem provada a seguinte matéria de facto:

1 - A Ré exerce a sua actividade através da cobertura e gestão de riscos de crédito, caução e investimento (alínea A) da matéria assente).
2 - Em 2 de Abril de 2002, a Ré enviou ao Autor a carta cuja cópia consta a fls. 23 com o seguinte conteúdo:
"(...) Assunto: Segurado: El Internacional, Societé Anonyme
Apólice: 279/0111204
Exmos. Senhores,
O nosso Segurado em epígrafe informou-nos da existência de atrasos de pagamentos, por parte de V. Exas, não tendo ainda procedido à liquidação de valor correspondente a operações seguras nesta Companhia.
Certos de que V. Exas terão todo o interesse em regularizar aquela situação de atraso a fim de evitar por parte desta Companhia o prosseguimento de diligências de outra natureza, solicitamos uma resposta urgente sobre o assunto no prazo máximo de 10 dias (...) " (alínea B) da matéria assente).
3 - Em 5 de Abril de 2002, o Autor enviou à Ré o fax cuja cópia consta a fls. 29, com o seguinte conteúdo:
"(...) comunicamos a V. Exa que não temos valores de facturas por liquidar à firma El Internacional. A única mercadoria que recebi foi a constante na factura nº 1155907, a qual foi devolvida pela nota de devolução nº 0027, datada de 24.09.2001, conforme envio uma cópia.
Tenho provas de vários fax a cancelar a restante mercadoria, mas mesmo assim insistiram a proceder ao envio da mesma a qual nunca foi recebida nas minhas instalações por ter sido enviada fora do prazo que eu pretendia (alínea C) da matéria assente).
4 - Em 17 de Outubro de 2003, a Ré emitiu o documento cuja cópia se encontra junta a fls. 22, intitulado "Recibo de Indemnização nº 3071", no qual consta como beneficiário El International Societé Anonyme e como entidade de risco o A., constando ainda do mesmo "(...) data do sinistro 13/03/2001 (...) valor da indemnização Eur. 1.159,19 (...)" (alínea D) da matéria assente).
5 - Em 5 de Novembro de 2003, o A. enviou à Ré o fax cuja cópia consta a fls. 25 com o seguinte conteúdo:
“Acusando a recepção do fax de V. Ex.ª, pretendo desde já esclarecer a situação, absurda e inconveniente, que me foi criada pela El Internacional, a qual, como V. Ex.ª sabe, se reporta ao ano de 2001.
Em 28 de Janeiro do referido ano fiz uma encomenda junto deste fornecedor de 4 modelos de parkas, que me seriam entregues mais tarde.
Quando da primeira entrega em 4/09/2001 verifiquei que a mercadoria não correspondia ao meu pedido, ou seja, o modelo que me enviaram estava confeccionado num tecido diferente que considerei de mau gosto e não se adaptava ao género da minha clientela, pelo que procedi, de imediato, à sua devolução. Houve ainda durante os meses de Setembro e Outubro a tentativa de entrega de mercadoria que a El Internacional teimou em enviar-me, mas dado o atraso e a má impressão causada pela primeira remessa, recusei recebê-la do transportador.
Perante esta situação não entendo como pode a BB ter pago, por mim, uma mercadoria que nunca tive, nem comercializei (...) " (alínea E) da matéria assente).
6 - Em 4 de Novembro de 2003, o A. enviou à Ré o fax cuja cópia se encontra junta a fls. 19, do qual consta:
"(...) À BB
Direcção de Gestão de Riscos
Tendo sido informado pelo meu fornecedor EE que a BB recusou o pedido de crédito segura da minha empresa, solicito com a maior urgência que me comuniquem o motivo de tal decisão.
PS: Se possível a comunicação por fax, o nº é 217110396 ". (alínea F) da matéria assente).
7 - Nesse mesmo dia, a Ré enviou ao Autor o fax cuja cópia consta de fls.21 e os documentos de fls.22 e 23, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, constando daquele:
Assunto: Recuperação de Sinistros
Segurado: El Internacional, S.A.
Ex.mo Senhor,
Conforme solicitado, junto enviamos fotocópias da carta de notificação e do recibo de indemnização paga por esta Companhia.
Informamos ainda que o total das facturas, sobre o que foi paga a indemnização atrás referida, é de €1.695,30 " (alínea G) da matéria assente).
8 - Em 9 de Janeiro de 2004, o Autor, através da sua mandatária, enviou à Ré a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 36 e 37, da qual consta:
"(...) no final do ano transacto; foi o n/ constituinte confrontado e surpreendido com a informação que o seu nome estaria associado a riscos e incidentes de crédito: incumprimento de pagamento.
Tal informação pondo em causa o nome e a credibilidade do n/ constituinte, fundamentais no exercício do comércio, teve imediatas repercussões nas transacções comerciais pretendidas e seus respectivos termos.
Após alguns contactos desenvolvidos, foi possível apurar que tal informação negativa fora prestada, por escrito, pela empresa BB, através de uma credencial comercial que indicava que o crédito/plafond de cobertura atribuído ao n/ constituinte se encontrava cancelado.
Desconhecendo o n/ constituinte, nos largos anos que desenvolve actividade, razões susceptíveis de pôr em causa o seu bom nome e credibilidade, quer junto de fornecedores quer de quaisquer outras entidades com quem mantém relações comerciais, tendo sempre procedido de molde a manter intocáveis os seus crédito e bom nome que agora viu afectados, queiram V. Exas informar:
a) Que dados - quais as referências exactas - relativos ao Sr. AA foram tratados pela BB;
b) Qual a forma da recolha de dados;
c) A quem divulgou a BB a credencial comercial com informação relativa ao Sr. AA;
d) A que entidades a BB comunicou ou permitiu aceder à informação relativa ao Sr. AA;
e) Que dados relativos ao Sr. AA a BB mantém na sua base de dados;
f) A quem são acessíveis os dados existentes.
Mais se solicita a V. Exas o envio de fotocópia da credencial comercial a que se aludiu (...) " (alínea H) da matéria assente).
9 - Em 20 de Janeiro de 2004, a Ré enviou à mandatária do Autor a carta que se encontra junta a fls.40, da qual consta:
"Assunto: AA
Em resposta, cumpre nos informar que esta Companhia, no âmbito da sua actividade legal de seguradora de créditos celebra contratos de seguro, garantido as vendas a crédito dos seus segurados.
Nos termos dos respectivos contratos de seguro e nos termos da lei, cabe a esta Companhia decidir as coberturas de crédito que aceitar segurar, decisões que são comunicadas aos seus segurados, sob reserva de confidencialidade e para seu uso exclusivo.
Assim, a BB não divulga qualquer "credencial comercial " nem permite o acesso a qualquer informação constante da sua base de informações sobre empresas, nem dispõe de qualquer base de dados pessoais.
No caso em concreto, foi o constituinte de V. Ex.ª notificado por esta Companhia, nomeadamente em 2/4/2002, da existência de uma comunicação de atraso de pagamento por parte do Segurado EL International, situação que foi posteriormente clarificada, na sequência do que a BB tomou as decisões de cobertura que entendeu por convenientes à situação em apreço.
Ficando ao dispor de V. Ex.ª para qualquer esclarecimento complementar (...) " (alínea I) da matéria assente).
10 - Em 22 de Janeiro de 2004, o Autor, através da sua mandatária, enviou à Ré a carta cuja cópia se encontra junta a fls.48 e da qual consta:
"(...)
Atento o conteúdo da resposta celeremente prestada por V. Exas à n/ carta de 9 de Janeiro, vimos solicitar a seguinte informação complementar.
Cabendo à BB decidir as coberturas de crédito e tendo confirmado que tais decisões são comunicadas aos seus segurados, não é compreensível a afirmação que nem permite o acesso a qualquer informação constante da sua base de informações sobre empresas, nem dispõe de qualquer base de dados pessoais.
Face às informações já detidas e às agora transmitidas por V. Exas, que agradecemos, reiteramos por se tratar de um direito que assiste ao n/ constituinte, expressamente reconhecido por lei e condição inultrapassável da autorização de tratamento de dados que, presumimos, a v/ Seguradora detém sob o nº 66/96, da Comissão Nacional de Protecção de Dados o n/pedido de informações sobre:
a) Que dados quais as referências exactas relativos ao Sr. AA foram tratados pela BB;
b) A que segurados divulgou a BB informação sobre o n/ constituinte;
c) Que dados relativos ao Sr. AA a BB mantém na sua base de dados;
d) Que decisões de cobertura entendeu a BB convenientes à situação em apreço, na sequência da comunicação de atraso de pagamento por parte do Segurado El International, posteriormente clarificada. Renova se, ainda, a solicitação do envio da comunicação feita aos v/ segurados, com informação sobre o Sr. AA (...) " (alínea J) da matéria assente).
11 - Em 21 de Outubro de 2003, a Ré emitiu o documento cuja cópia consta de fls.49, intitulado " Seguro de Crédito Crédito PME Garantia nº 445", da qual consta:
“(…)
Apólice nº 28011204
Tomador DD Tecidos, SA
Cliente AA
(…)
Limite de Crédito Solicitado 60.000,00 EUR
Limite de Crédito Garantido Riscos Comerciais 0,00 EUR
Riscos Políticos 0,00 EUR
Início de Validade 25/11/2003 (alínea K) da matéria assente).
12 - O Autor é empresário no sector da área do vestuário há cerca de 18 anos (resposta ao quesito 1º).
13 - O mesmo iniciou a sua actividade como revendedor de roupa, tendo passado a importar, depois a produzir linhas próprias de vestuário, abrindo estabelecimentos comerciais para venda a retalho (resposta ao quesito 2º).
14 - Actualmente o Autor dedica-se exclusivamente ao comércio por grosso de material que importa, de material que produz através da sua nova marca registada Kontagio, linha de vestuário casual de Homem e Mulher (resposta ao quesito 3º).
15 - O Autor dedica-se à venda a retalho através de lojas em Lisboa, em Mem Martins e na Amadora (resposta ao quesito 4º).
16 - O Autor, no exercício da sua actividade, tem contactos nacionais e estrangeiros (resposta ao quesito 5º).
17 - O mesmo é uma pessoa com credibilidade e boa reputação junto de clientes e fornecedores (resposta ao quesito 6º).
18 - Em Novembro de 2003 o Autor, acompanhado de uma estilista com quem iniciava relações profissionais, deslocou-se a Guimarães para visitar o fornecedor EE Tecidos, S.A. e aí seleccionar e adquirir materiais para execução de peças para a colecção Primavera – Verão de 2004 (resposta ao quesito 7º).
19 - O Autor foi informado pelo vendedor que o seu crédito junto da EEse encontrava cancelado (resposta ao quesito 8º).
20 - Tal informação foi transmitida ao Autor perante a estilista que o acompanhava (resposta ao quesito 9º).
21 - Após insistência do Autor, o vendedor informou o Autor que tinha sido a Ré que tinha transmitido tal informação (resposta ao quesito 10º).
22 - Na sequência do facto referido 19, CC, empregada no escritório do Autor, contactou a Ré, a qual não prestou de imediato qualquer informação (resposta ao quesito 11º).
23 - No contacto com a fornecedora DD o Autor voltou a ser informado que o seu crédito estava cortado, pelo que teria de efectuar os pagamentos a pronto (resposta ao quesito 12º).
24 - O Autor contactou outros fornecedores a fim de esclarecer a informação que sobre si circulava, concretamente para saber se fora passada a mais fornecedores e o porquê de tal informação (resposta ao quesito 13º).
25 - A informação referida em 19 e 23 e o facto de não saber a quem tinha sido concretamente prestada, designadamente por a Ré não ter esclarecido prontamente tal questão, causou ao Autor, vergonha, desconforto e irritação (resposta aos quesitos 14º e 15º).
26 - O Autor, através da sua mandatária, enviou às empresas EE Tecidos, S.A. e DD, S.A., as cartas que se encontram juntas, respectivamente, a fls.31 e 33 (resposta ao quesito 16º).
27 - Tendo a empresa DD, S.A., enviado ao Autor a carta que se encontra junta a fls.35 (resposta ao quesito 17º).
28 - O facto de o crédito do Autor estar cancelado foi conhecido pelas empresas EE Tecidos e DD (resposta ao quesito 19º).
29 - Anteriormente a 2004, ao Autor era permitido que o pagamento de mercadorias por si adquiridas fosse efectuado no prazo de 30, 60 ou 90 dias (resposta ao quesito 20º).
30 - Após o conhecimento das informações referidas em 19 e 23, o Autor passou a pagar mais frequentemente a pronto (resposta ao quesito 21º).
31 - Em virtude dos factos referidos em 19 e 23 o Autor sentia receio de contactar os seus fornecedores, temendo que lhe dissessem o mesmo, razão pela qual restringiu o número de fornecedores a quem se dirigiu (resposta aos quesitos 22º, 24º e 25º).
32 - Após os episódios referidos em 19 e 23 o Autor passou a dormir mal (resposta ao quesito 23º).
33 - Na sequência dos factos referidos em 19 e 23 o Autor contratou os serviços de advogados, tendo pago de honorários aos mesmos, pelo menos € 2.783,02 (resposta ao quesito 26º).
34 - Atenta a comunicação do sinistro efectuada pela cliente da Ré, a El Internacional, aquela, tendo presente que o cliente contestou a dívida, apenas anulou a garantia da El International (resposta ao quesito 27º).
35 - Com o processamento do sinistro, o sistema informático da Ré emite um alerta, a fim de se proceder à anulação de todas as garantias, o que no caso teria início a 25 de Novembro de 2003 (resposta ao quesito 28º).
36 - Tendo o Autor reclamado, fundamentando que se tratava de um litígio com o segurado, a Ré suspendeu o pagamento da indemnização e repôs as garantias em vigor, nomeadamente a da EE Tecidos, com data de início de vigência a 14 de Novembro de 2003 (resposta ao quesito 29º).


VII –
A discussão no presente recurso gira, prima facie, em torno dos pressupostos da responsabilidade civil.
De acordo com o n.º1 do artigo 483.º e não obstante as divergência doutrinais neste ponto, entendemos considerar:
O facto ilícito;
O dano;
O nexo de causalidade;
O nexo de imputação.

Vejamos o primeiro:
Entre a ré e a El internacional foi celebrado um contrato de seguro de crédito. Rege-se ele pelo disposto no Decreto-Lei n.º 183/88, de 24.5, que foi sendo sucessivamente alterado, valendo aqui, por manifestas razões de direito intertemporal, a redacção resultante do DL n.º 214/99, de 15.6., que o republicou. Aliás, as alterações posteriores, mormente a do Decreto-Lei n.º 31/2007, de 14.2, que também o republicou, não se reportam ao que aqui nos interessa do diploma.
O ora autor não era parte no referido contrato, interessando à ora ré apenas como comprador de mercadoria da El Internacional e, nessa medida, na sua vertente de segurança quanto a pagamentos.

O contrato pode cobrir os riscos que se referem no artigo 3.º, entre eles “a suspensão ou revogação da encomenda” e a “falta ou atraso no pagamento dos montantes devidos ao credor.”
E são factores geradores de sinistro, nos termos do artigo 4.º, entre outros, o incumprimento ou mora, que prevaleça pelo prazo constitutivo de sinistro indicado na apólice, a rescisão ou suspensão arbitrária do contrato comercial por parte do devedor e a recusa arbitrária do devedor em aceitar os bens ou serviços encomendados.


Neste quadro legal, passou-se o seguinte:

Em 2.4.2002, a ré enviou ao autor a carta que se refere no ponto 2 da enumeração factual, informando-o, nomeadamente, da existência de atrasos de pagamentos para com o segurado (El Internacional).
Em 5.4.2002, o autor enviou à ré o fax que se refere no ponto 3, referindo, além do mais, que não tem valores de facturas por liquidar à El Internacional, que a única mercadoria foi devolvida e havia cancelado a restante mercadoria que não chegou a ser recebida, apesar de o fornecedor, contra o cancelamento, a ter enviado.
A 17.10.2003, a ré emitiu o recibo de pagamento da indemnização à El Internacional (ponto 4), constando do mesmo, “data do sinistro 13.3.2001”.
Em 5.11.2003, o autor enviou outro fax à ré, terminando nos seguintes termos:
“Perante esta situação não entendo como pode a BB ter pago, por mim, uma mercadoria que nunca tive nem comercializei.”

Teve lugar, então, um não pagamento à El internacional. Mas, logo em 5.2.2002, o autor fez a comunicação que se referiu. Podia o conteúdo desta corresponder ou não corresponder à verdade, mas era suficiente para situar a ré no domínio da dúvida. Já não podia, sem mais, ela concluir que se tenha verificado qualquer dos riscos supra referidos e, bem assim, qualquer dos factos geradores de sinistro. Mormente, não se podia falar, fundamentadamente, em mora ou incumprimento definitivo do agora autor, nem em suspensão ou revogação de encomenda.


Apesar disso, a ré foi para a consideração de sinistro e pagou à El Internacional. Nada há a censurar, no âmbito do que discute no presente processo, que o tenha feito, até porque, nas relações comerciais, existem outros ponderáveis que podem justificar comportamentos para além dos impostos por lei.
Mas, não havendo, face a esta, motivo para considerar o não pagamento, por parte do autor, como integrado nos riscos cobertos e, bem assim, que tivesse havido justificação para ser declarado o sinistro, não podia nem devia a agora ré projectar efeitos desta sua actuação na esfera jurídica do autor.
Este só poderia ser atingido por actuação dela assente na lei. Falecendo esta, já não há que discorrer sobre se, em caso justificado de sinistro, a BB poderia actuar junto de potenciais fornecedores do autor, veiculando-lhe informação como a que – em termos não muito claros, diga-se, ponderando-se que esta falta de clareza se deveu em grande parte a ela (cfr-se a carta referida em 9) – levou a que o autor se visse confrontado com o que se refere em 18 e 23.

Cremos, então, que a ré violou o direito subjectivo do autor ao crédito e bom nome, sem que para isso tivesse cobertura legal. Está verificado o primeiro dos pressupostos aludidos supra.

E agiu culposamente, porque se tratou de matéria precisamente integrada nos fins que prossegue, relativamente à qual, como tinha a obrigação de saber, podia e devia agir de outro modo, cuidando que, se declarado, naqueles termos o sinistro, essa declaração não atingisse uma pessoa a respeito da qual não havia elementos que justificassem o atingimento.
Teve lugar o nexo de imputação.


VIII –
Tem a responsabilidade civil também como pressuposto o dano.
No que respeita a eventual dano patrimonial, os factos são de tal modo vagos que nada podemos concluir. Assim, ficamos sem saber se o receio de contactar os seus fornecedores (ponto 31) levou a que o autor tivesse, efectivamente, prejuízos ou que estes tivessem derivado necessariamente de ter passado, mais frequentemente, a pagar a pronto (ponto 30).
Também, quanto aos honorários à respectiva advogada, continuamos o entendimento que deixámos no Ac. de 15.3.2007, que se pode ver em www.dgsi.pt.
Ali escrevemos o seguinte:

“De qualquer modo, o regime de pagamento das despesas com honorários a advogado que move e/ou acompanha uma acção judicial tem um regime específico bem afastado do geral da responsabilidade civil no que à parte contrária respeita.
Pensando na especificidade da situação, o legislador criou a figura da procuradoria. Como o seu nome inculca, a procuradoria destinava-se a reembolsar o vencedor do dispêndio com o mandato judicial.
Depois, veio consignar que a procuradoria tinha destino, em grande parte, alheio a este, alteração que se manteve até à entrada em vigor do DL n.º324/2003, de 27.12 (cfr-se o artigo 42.º do Código das Custas Judiciais, na redacção, que nos interessa - vista a data da instauração da acção e atento o disposto no artigo 14.º, n.º1 deste Decreto-Lei – de 1996).
Mas, malgrado este derivar de destino da procuradoria, não deve entender-se que reverteu para o regime geral esta questão dos honorários ao mandatário judicial.
Já em 28.3.1930 este tribunal lavrou o seguinte Assento (transcrito na Colecção Oficial dos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal de Justiça, Vol. XXVIII, 74) :
“Na indemnização por perdas e danos em que as partes vencidas sejam condenadas não podem ser incluídos os honorários dos advogados das partes vencedoras, salvo estipulação expressa em contrário.”
Posteriormente, manteve-se sempre em vigor, com ligeiríssimas alterações, o artigo 454.º do Código do Processo Civil, no qual se consigna que os mandatários judiciais (além do mais) podem requerer que o seu crédito por honorários, despesas e adiantamentos seja, total ou parcialmente, satisfeito pelas custas que o seu constituinte tem direito a receber da parte vencida. Está aqui não só um privilégio – perfeitamente compreensível, aliás – como a ideia de que o mandatário judicial não tem crédito sobre a contraparte e, corolariamente, que esta não fica vinculada, mesmo que perca, ao pagamento àquele. O crédito dele tem como sujeito passivo o seu próprio constituinte, de acordo com o que resulta da relação de mandato oneroso que criaram e só através do direito deste aquele alcança o que o preceito lhe confere.
E, no que respeita ao ressarcimento do mandante pela contraparte relativamente aos honorários despendidos, temos os casos contados em que a própria lei contempla especificamente e por razões bem determinadoras, que uma das partes possa ser responsabilizada pelos honorários do advogado da outra. São os casos de litigância de má fé (artigo 457.º, n.ºs 1 a) e 3) e de demanda quando a obrigação ainda não era exigível (artigo 662.º, n.º3, sempre do Código de Processo Civil).
Não vemos, pois, razão para não seguirmos a orientação que vem sendo assumida por este tribunal, plasmada, nomeadamente, nos Acórdãos de 15.6.1993 (BMJ 428, 530) e de 3.12.1998, Revista n.º 1136/98, 1.ª Secção.”
E tanto assim é que, na Lei de autorização legislativa n.º 26/2007 (com sequência no artigo 25.º do Regulamento das Custas Judiciais) se concede autorização para que o governo altere “as regras relativas à responsabilidade da parte vencida, prevendo-se a possibilidade de suportar os encargos da parte vencedora, entre estes, parte dos honorários aos mandatários (n.º2, al. g).
O Regulamento das Custas Judiciais não é aqui aplicável por claras razões de direito intertemporal, mas, quer aquela lei de autorização legislativa, quer ele mesmo, servem no domínio da interpretação, isentando de dúvidas a construção que vimos sustentando.


IX –
Quanto ao dano, fica, pois, apenas a questão dos danos não patrimoniais.

Entendemos que o crédito e bom nome dum comerciante é um bem de personalidade derivado, a tutelar nos termos do artigo 484.º do Código Civil. O autor, sem se ter apurado se tinha ou não razão perante a El Internacional e sendo uma pessoa com credibilidade e boa reputação junto de clientes e fornecedores (ponto 17), viu o seu nome atingido até perante uma pessoa com quem iniciava relações comerciais. As consequências, que se referem nos pontos 25, 31 (na vertente imaterial) e 32, são adequadas à situação e, de tudo, resulta o preenchimento do requisito da gravidade merecedora da tutela do direito, previsto no artigo 496.º do Código Civil.
Não se levantando quaisquer dúvidas a respeito do nexo de causalidade, ficam preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil que enunciámos em VII, com os contornos que vêm sendo definidos.


X –
Há agora que fixar o montante indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais.
Estão tais danos longe da gravidade de outros que, frequentemente, demandam a fixação de “quantum” indemnizatório pelos tribunais e há que ter em conta a pronta reposição das garantias em vigor que se refere no n.º36 da enumeração factual, o que, não só diminuiu a sua relevância, como, de certo modo, atenuou a culpa da ré (o que é importante, atentos os critérios do artigo 494.º, para que remete o referido artigo 496.º).

Por tudo, cremos que a quantia encontrada na primeira instância é adequada.


XI –
Face a todo o exposto, julga-se a revista parcialmente procedente e provada, revogando-se a decisão da Relação e repondo-se a de 1.ª instância.
Custas por A. e R., na proporção do vencimento e decaimento.


Lisboa, 2 de Julho de 2009

João Bernardo (relator)
Oliveira Rocha
Oliveira Vasconcelos