Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
112/10.2JALRA.C1.S2
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SOUSA FONTE
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
ILICITUDE
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário : O arco da moldura penal aplicável ao concurso de crimes praticados pelo arguido no caso em apreço é muito estreito, quase nulo, em consequência da limitação do seu limite máximo imposto pelo n.º 2 do art. 77.º do CP. A pena aplicável oscila, com efeito, entre 24 anos de prisão – a pena aplicada pela prática de um crime de homicídio qualificado – e 25 anos de prisão, o máximo admitido por aquele preceito (não obstante o arguido tenha sido também condenado nas penas parcelares de 4 anos de prisão e 3 anos e 6 meses de prisão pela prática de dois crimes de violência doméstica).
II -  A sucessão de agressões à mulher e ao filho, iniciadas praticamente desde o começo do relacionamento com ela e desde o nascimento dele, sempre num crescendo de violência e de humilhação, agressões que, em relação ao menor, culminaram no seu assassinato, com requisitos de brutalidade, malvadez e espantosa insensibilidade – do assassinato do próprio filho, com 6 meses de idade, feito «saco de despejo das suas intolerantes impaciências (murros, bofetadas, palmadas, dentada, além de projecção violenta contra um sofá), acabando por ser transformado numa massa hemorrágica, em consequência das lesões traumáticas cervico-torácico-abdominais que lhe causou – porque são expressão, todas elas, sem dúvida, de uma personalidade violenta, desumana e perversa, têm, só por si, um efeito fortemente agravante dentro da moldura penal conjunta.
III - A ilicitude conjunta assume, assim, foros de gravidade extrema e o modo de execução dos crimes, designadamente o assassinato do menor, colocam a culpa do arguido num patamar muito elevado. As exigências de prevenção geral são muito elevadas.
IV - E, face à perigosidade, à violência e à desumanidade evidenciadas não podemos de modo algum escamotear, dentro das razões de prevenção geral especial, a função de dissuasão ou de intimidação do delinquente (prevenção especial negativa), em nada incompatível com a função de ressocialização, por se tratar, não de intimidar por intimidar, mas antes de uma dissuasão, através do sofrimento inerente à pena, «humanamente necessária para reforçar no delinquente o sentimento de necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir».
V -  Com este panorama, a pena concreta seria seguramente atirada para medida bem destacada do limite mínimo de 24 anos de prisão, não fosse o limite máximo inultrapassável de 25 anos de prisão, pelo que a pena concreta não pode, pois, ser inferior a 25 anos de prisão.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

            1. Relatório

            1.1. O arguido AA, nascido em 08.02.1987 em Santiago, Cabo Verde, filho de BB e de CC, casado, desempregado, residente na Rua Comandante C... L... da S..., Bloco ..., ...º-..., em Alcobaça, foi julgado, no Processo em epígrafe, pelo Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Alcobaça que o condenou:

            – como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 131° e 132°, nºs 1 e 2, alíneas a), c) e e), do CPenal, na pena de 24 (vinte e quatro) anos de prisão;

            – como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artº 152°, nºs l, alínea d) e 2, do CPenal (cometido sobre DD, seu filho e vítima do crime anterior), na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

            – como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artº 152°, nºs l, alínea a) e 2, do CPenal (cometido sobre EE, sua mulher e co-arguida neste processo), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

            – em cúmulo jurídico, foi condenado na pena conjunta de 25 (vinte e cinco) anos de prisão (acórdão de fls.645 e segs.).

            1.2. Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que, pelo acórdão de fls. 775 e segs., negou provimento ao recurso e confirmou integralmente a decisão da 1ª instância.

            1.3. Ainda inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 813 e segs.), retirando da motivação as seguintes conclusões que transcrevemos:

            «A – O Tribunal de Alcobaça aplicou ao arguido AA a pena máxima prevista no artº 41º do C. Penal;

            B – Tal decisão não teve em conta o teor do Relatório Social nem os factos que o próprio acórdão recorrido considerou provados nos pontos 2.1.39. a 2.1.43.,   nomeadamente a actividade laboral, desempenhada pelo arguido, a sua reputação no meio social e a falta de antecedentes criminais;

            C – A pena máxima é manifestamente desproporcional e inadequada, porquanto:

                        a) – Não visou a reintegração do agente na sociedade;

                        b) – Não teve em conta a medida da culpa;

                        c) – Nem a inexistência de perigosidade social do agente;

                        Violando assim as normas contidas no artº 40º do C. Penal;

                        d) – O modo de execução do crime, utilizando apenas a força muscular,  não evidencia especial perversidade;

                        e) – As condições sociais e económicas são modestas;

                        f) – A conduta anterior ao facto, sem antecedentes criminais.

                        Violando, assim, as normas contidas no artº 71º do C. Penal».

           Respondeu o Senhor Procurador-geral Adjunto que, reconhecendo embora estarmos perante «uma condenação pesada», entende que «a gravidade objectiva e subjectiva dos factos praticados pelo arguido assim o exige». Por isso concluiu pelo não provimento do recurso e consequente confirmação do acórdão recorrido (cfr. fls. 831).

            Recebido o recurso com o efeito e o regime de subida adequados e remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-geral Adjunto emitiu parecer em que, depois de sublinhar que a única questão submetida a reexame é a medida da pena única e que a moldura do concurso se situa entre os 24 anos e os 31 anos e 6 meses de prisão, embora a pena não possa ultrapassar os 25 anos, considerou que, «perante a personalidade do arguido e sua projecção (manifestamente desfavorável) nos crimes praticados que se situam em nível superior da categoria axiológico-normativa dos tipos legais, a discussão sobre a medida da pena única adequada não tem qualquer sentido, face à dimensão das demais penas parcelares (…) a agravar a mínima de 24 anos».

            De qualquer maneira, prossegue, «… as circunstâncias que o arguido convoca a seu favor (…) não têm particular valor atenuante, sendo de todo incompreensível que uma situação de desemprego, ou melhor, de emprego irregular, possa “explicar” uma desumana agressividade contra pessoa a quem devia particular protecção, nomeadamente o seu filho que, apenas com dois meses, foi transformado no saco de despejo das suas intolerantes impaciências (murros, bofetadas, palmadas, dentada, além de projecção violenta contra o sofá), acabando por ser transformado numa massa hemorrágica, em consequência das lesões traumáticas cervico-torácico-abdomimais melhor descritas no número 33º da matéria de facto provada».   

            Portanto, concluiu, o recurso não merece provimento.

            Cumprido o disposto no nº 2 do artº 417º do CPP, o Arguido nada disse

            2. Tudo visto, cumpre agora decidir.        

            2.1. É do seguinte teor a decisão sobre a matéria de facto, tal como fixada pelo Tribunal da Relação:

            «A) Matéria de facto provada:

            1. AAl e EE, começaram a           relacionar-se em Agosto de 2008 e, em Outubro de 2009, começaram a viver em          comunhão de casa, mesa e habitação, como se de marido e mulher se tratasse.

            2. Da referida união, nasceu, em 27 de Outubro de 2009, o menor DD.

            3. Em Novembro de 2009, os arguidos contraíram matrimónio.

            4. Até ao mês de Novembro de 2009, o agregado residiu na Avenida J... de D... nº ..., ..º direito, em Alcobaça, sendo que, a partir dessa data, passou a residir numa habitação situada na Rua C... C... L... da S...,  Bloco..., ...º A, na mesma cidade.

            5. Desde o início da relação, as discussões entre AA e EE eram frequentes.

            6. Em dia e hora não concretamente apurados do mês de Outubro de 2009 (já    depois do nascimento do filho DD), na residência do casal, na época sita na  Avenida J... de D..., nº ..., ...° direito, em Alcobaça, AA e EE travaram uma discussão, no âmbito da qual o arguido desferiu um murro que atingiu a sua face, causando-lhe hematomas e dores.

            7. Em dia e hora não concretamente apurados do mês de Fevereiro de 2010, na residência do casal, sita na Rua C... C... L... da S..., Bloco ..., ...º-  ..., na mesma cidade, depois de mais uma discussão, o arguido expulsou a EE de casa.

            8. Quando a mesma se preparava para abandonar a residência, o arguido   impediu-a de o fazer, exibindo-lhe uma faca e dizendo-lhe que a matava a ela e ao DD.

            9. Em dia e hora não concretamente apurados de Abril de 2010 (uns dias antes   do falecimento do menor DD), na mesma residência, os arguidos AA e EE travaram uma discussão, no âmbito da qual o arguido, com as mãos, apertou com força, a boca e a face da EE.

            10. Em consequência directa e necessária dessa agressão, EE sofreu  uma ferida da goteira gengival externa inferior direita, com cerca de 8X2 mm, e tumefacção na face direita, que lhe determinaram um período de doença fixável  em 12 dias.

            11. Com as descritas condutas, o arguido estava ciente de que perpetrava os  actos referidos na residência do casal e na pessoa da sua esposa.

            12. Agiu com o propósito alcançado de a assustar, intimidar e agredir física e     psicologicamente, bem sabendo que as suas condutas eram adequadas e idóneas   a provocar na ofendida receio e mazelas físicas, e que, dessa forma, violava os mais elementares deveres de respeito conjugal e afectava o bem estar físico e    psíquico da ofendida.

            13. Desde o nascimento de DD, em 27 de Outubro de 2009, que o arguido AA sempre demonstrou impaciência em relação à criança.

            14. Em dia não concretamente apurado do mês de Dezembro de 2009 (tinha a    criança cerca de 2 meses), durante a noite e na residência do agregado, o DD  começou a chorar, o que provocou que os seus pais acordassem.

            15. A dada altura e porque o filho não parava de chorar, o arguido AA   desferiu com força várias palmadas nas pernas do menor.

            16. Passados alguns minutos, ainda o DD continuava a chorar, o arguido pegou nele e, com muita força, atirou-o contra o sofá da sala.

            17. Em consequência directa e necessária destas agressões, o menor DD  sofreu dores e vários hematomas.

            18. Em dia e hora não concretamente apurados do mês de Fevereiro de 2010 (tinha o DD cerca de 4 meses), na residência do agregado, o arguido AA desferiu com força uma bofetada na face da criança.

            19. Em consequência directa e necessária desta agressão, o menor DD sofreu  dores e sangramento nasal.

            20. Em hora dia e hora, não concretamente apurados de Março de 2010, na residência do agregado, o arguido desferiu vários murros na face e nas costas  da criança.

            21. Em consequência directa e necessária desta agressão, o menor DD sofreu dores, hematomas em toda a face e ferimentos nos lábios.

            22. Entretanto, em data não concretamente apurada, mas situada entre os meses de Novembro de 2009 e Março de 2010, mais uma vez na residência do agregado, o arguido AA desferiu uma dentada no lado direito da testa da  criança.

            23. Em consequência directa e necessária desta agressão, o menor DD sofreu um ferimento e dores.

            24. Com as descritas condutas, o arguido esteve sempre ciente de que perpetrava os actos referidos na residência da sua família e na pessoa do seu filho, ainda bebé e incapaz de se defender.

            25. Agiu com o propósito alcançado de o agredir fisicamente, bem sabendo que as suas condutas eram adequadas e idóneas a provocarem no DD mazelas físicas e que, dessa forma, afectava o bem estar físico e o saudável crescimento do seu filho.

            26. Durante todo o período de tempo em que o arguido AA perpetrava as    supras descritas agressões na pessoa do filho de ambos, entre os meses de Dezembro de 2009 e Abril de 2010, a arguida EE, tendo conhecimento da existência de tais agressões, bem como das consequências das mesmas no corpo e na saúde do menor, nunca, em momento algum, recorreu à assistência médica ou denunciou a situação perante as autoridades judiciárias, policiais, os  organismos de protecção de menores ou a Segurança Social.

            27. Bem sabia a arguida que, face aos factos acima descritos e perpetrados pelo arguido AA na pessoa do filho de ambos, o DD necessitava de cuidados médicos emergentes.

            28. Ciente da necessidade de tais cuidados médicos, a arguida desinteressou-se   das agressões físicas de que o seu filho era vítima, não lhe prestou o socorro  devido, não providenciou pela assistência médica ao menor, não denunciou a situação às autoridades judiciárias ou policiais, aos organismos de protecção   de menores ou à Segurança Social e deixou o filho entregue à sua sorte.

            29. Não obstante se ter apercebido de que o seu filho sofreu, por várias vezes,    agressões e traumatismos graves e que necessitava de socorro médico, a arguida quis e conseguiu deixar o seu filho, ao longo dos seis meses em que ele viveu, sem ajuda de terceiro, sem lhe prestar socorro, sem providenciar por assistência médica ou sem denunciar a situação às autoridades, deixando-o   abandonado à sua sorte.

            30. Bem sabia a arguida que tal socorro e assistência se revelavam necessários   ao afastamento do perigo de vida a que o seu filho DD se encontrava exposto e bem sabia que tinha obrigação de lhos prestar.

            31. No dia 5 de Abril de 2010, durante a manhã, o menor DD ficou aos  cuidados do arguido AA, na residência do agregado.

            32. A hora não concretamente apurada, mas entre as 7 e as 10 da manhã, sem   qualquer razão que o justificasse, o arguido AA, com as mãos, desferiu sucessivos murros na cabeça e por todo o corpo do menor.

            33. Em consequência necessária e directa de tais agressões, o menor sofreu as  seguintes lesões:

            Habito externo:

            a) Na cabeça:

                        - Infiltração sanguínea da conjuntiva direita

                        - Equimose arroxeada com bordos avermelhados da pálbera inferior, região zigomática e ângulo externo da órbita com cinco e meio por três centímetros

                        - Na região malar direita, escoriação transversal com seis por um centímetro

                        - Escoriação apergaminhada no canto interno da palbera superior esquerda com doze por sete milímetros e duas pequenas escoriações na região mediana da pálbera a maior com sete por um milímetro

                        - No ângulo interno da pálbera inferior esquerda, equimose avermelhada transversal com seis por dois milímetros

                        - Equimose malar esquerda com forma de meia lua, convexidade inferior com três centímetros por sete milímetros

                        - Duas pequenas equimoses infra-malares esquerda, a maior com cinco por cinco milímetros e a menor com dois por dois milímetros

                        - Bordo nasal com pequenas escoriações superficiais

                        - Ferida da mucosa do lábio inferior de localização mediana, com sete milímetros, do sentido vertical, com infiltração sanguínea no bordo gengival e com laceração recente do freio da língua.

            b) No tórax:

                        - Zona equimótica de contornos amarelados, supra esternal com cinco por um centímetro

            c) No abdómen:

                        - Equimose na região epigástríca esquerda de bordos amarelados com sete por cinco milímetros

            d) No membro superior esquerdo:

                        - Escoriação superficial no ombro com cinco por um e meio milímetros

            Hábito interno:

            e) Na cabeça:

                        - Partes moles:

                                  - Duas infiltrações sanguíneas na região parietal esquerda, uma com cerca de dois por um e meio centímetros e outra abaixo desta com um por meio centímetro

                        - Meninges:

                                   - Congestão mais acentuada na região occipital

                        - Cavidade bucal e língua:

                                   - Laceração recente do freio da língua e infiltração sanguínea da mucosa e gengiva

            f) No pescoço:

                        -Tecido celular subcutâneo:

                        - Infiltração sanguínea de todos os tecidos moles do pescoço

                        - Vasos e nervos:

                                   - Extensa infiltração hemorrágica envolvendo todos os vasos do   pescoço que se estende para o tórax

                        - Laringe e traqueia:

                                   - Secreções sanguinolentas ã superfície das mucosas

                        - Faringe e esófago:

                                   - Palidez, secreções sanguinolentas

                                   - Infiltração sanguínea envolvente que se prolonga para o tórax   g) No tórax:

                        - Timo:

                                   - Extensas áreas hemorrágicas de ambos os lobos, com coágulos aderentes na face anterior, estendendo-se à face posterior esquerda

                        - Costelas direitas:

                                   - Infiltração sanguínea da 3ª à 6ª  pelos arcos anteriores, da 2ª  à 7ª  pelos arcos médios e a 5ª e 6ª  pelos arcos posteriores

                        -Costelas esquerdas:

                                   - Infiltração sanguínea da 3ª  à 7ª  pelos arcos anteriores, e médios e evidência de fractura da 7ª  pelos arcos médio e posterior

                        - Coração:

                                   - Petéquias dispersas e infiltração sanguínea da parede de aurícula direita

                        - Artéria aorta:

                                   - Extensa infiltração sanguínea envolvendo a aorta em continuação do pescoço

                        - Artéria pulmonar:

                                   - Infiltração sanguínea mais evidente nos hilos pulmonares

                        - Traqueia e brônquios:

                                   - Muco sanguinolento à superfície das mucosas

                        - Pleuras e cavidades pleurais:

                                   - Direita com cerca de vinte centímetros cúbicos de sangue   vermelho escuro e esquerda livre e vazia

                        - Pulmão direito:

                                   - Infiltração sanguínea no hilo

                        - Fígado

                                   - Várias áreas com infiltração sanguínea de aspecto anfractuoso e algumas locas intraparenquimatosas com coágulos sanguíneos

                        - Vasos:

                                   - Aorta abdominal com infiltração sanguínea.

            Diagnóstico    anátomo-patológico:

                        - Extensa infiltração hemorrágica dos tecidos da região cervical, estendendo-se distalmente à zona mediastínica distal

                        - Envolvimento hemorrágico da crossa da aorta, veia cava superior, do   timo, e ambos os hilos pulmonares

                        - Necrose hemorrágica do parênquima hepático com características         anfractuosas consistente com ruptura

            34. Tais lesões traumáticas cervico-tóraco-abdominais foram causa adequada    da sua morte (conforme relatório de patologia forense de fls. 383 a 392, que aqui se dá por integralmente reproduzido)

            35. O arguido bem sabia que a impaciência provocada pelo choro do DD, seu  filho, não era motivo para que actuasse da forma descrita, tirando-lhe a vida.

            36. Ao agredir o menor DD, seu filho, da descrita forma, o que fez utilizando a força, aproveitando-se da fragilidade e incapacidade de defesa da criança (tendo em conta a idade - apenas 6 meses - e compleição física) e atingindo-a     por todo o seu corpo, repetidamente e com violência, em especial na cabeça e     na região cervico-toráco-abdominal, o arguido sabia que dessa forma lhe     provocava a morte, o que quis e conseguiu, bem sabendo que nas zonas do  corpo que veio a atingir se encontram e alojavam órgãos vitais para a vida  humana.

            37. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu a sangue frio, de forma insensível e indiferente para com a vida humana.

            38. Ambos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

            39. Na altura dos factos o arguido AA, estava desempregado e desempenhava, de forma irregular e por conta própria, a actividade de prestador de serviços de construção civil, para uma firma deste sector de actividade.

            40. Habitava com a arguida EE e com o filho DD, num      apartamento, em Alcobaça, pagando a renda mensal de €250,00.

            41. [respeitante à co-Arguida]

            42. À data dos factos, os arguidos eram tidos por pessoas das suas relações como um casal normal.

            43. Os arguidos não têm antecedentes criminais.

            B) Matéria de facto não provada

            1. Que o arguido AA tivesse desferido sucessivos pontapés na cabeça e no corpo do menor».

            2.2. Objecto do Recurso

            Decorre das conclusões da motivação do recurso que, nos termos do artº 412º, nº 1, do CPP, definem o seu objecto (cfr. também o nº 3 do artº 684º do CPC), que a única questão que o Arguido submete a reexame do Supremo Tribunal de Justiça se refere à medida da pena conjunta em que vem condenado, que reputa de «manifestamente desproporcional e inadequada», embora reconheça a gravidade dos factos que praticou. Aliás, eventuais questões relacionadas com os crimes de violência doméstica estava-lhe vedado suscitá-las neste recurso (para o Supremo Tribunal de Justiça) pois foi condenado, em 1ª instância, por qualquer deles, em pena de prisão inferior a 8 anos, condenações essas que foram confirmadas pelo acórdão recorrido, proferido em recurso pelo Tribunal da Relação – cfr. os arts. 432º, nº 1-b) e 400º, nº 1-f), do CPP, tal como vêm sendo interpretados pelo Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, pelos Acs. de 11.02.09, Pº 113/09-3ª; de 04.03.09, Pº 160/09-3ª; de 25.03.09, Pº 486/09-3ª; de 16.04.09, Pº 491/09-5ª; de 29.04.09, Pº 391/09-3ª; de 07.05.09, Pº 108/09-5ª; de 27.05.09, Pº 384/07.0GDVFR.S1-3ª; de 12.11.2099, Pº nº 200/06.0JAPTM; de 23.06.10, Pº nº 1/07.8ZCLSB.L1.S1-3ª e de 20.10.10, Pº nº 651/09.8PBFAR.E1.S1.  

            Com efeito, o Recorrente alega, em síntese:

            - que o Tribunal Colectivo ignorou o Relatório Social;

            - que o modo de execução do crime, «utilizando apenas a força muscular», não evidencia especial perigosidade;

            - que não tem antecedentes criminais;

            - que não foi tida em consideração a medida da culpa;

            - que inexiste perigosidade social;

            - que trabalhava por conta própria na construção civil;

            - que era considerado pessoa normal no seu meio:

            - enfim, que a pena aplicada, a pena máxima, «visou tão somente o [seu] castigo … [e] não a [sua] reintegração social, como dispõe a segunda parte do nº 1 do artº 40º do C.Penal».

            O Senhor Procurador-geral Adjunto do Supremo Tribunal de Justiça, como também vimos, disse que, considerando a moldura do concurso – entre os 24 anos e os 31 anos e 6 meses de prisão, não podendo a pena, contudo, ultrapassar os 25 anos de prisão –, a discussão sobre a medida da pena conjunta «não tem qualquer sentido», face «à personalidade do arguido e sua projecção (manifestamente desfavorável) nos crimes praticados, que se situam em nível superior da categoria axiológico-normativa dos tipos legais».

            E tem razão.

            O arco da moldura penal aplicável ao concurso de crimes praticados pelo Arguido é muito estreito, quase nulo, em consequência da limitação do seu limite máximo imposta pelo nº 2 do artº 77º do CPenal. A pena aplicável oscila, com efeito, entre 24 – a mais elevada das penas parcelares – e 25 anos de prisão, o máximo admitido por aquele preceito (cfr. também o nº 2 do artº 41º, do mesmo Código)

            Ora, a sucessão de agressões à mulher e ao filho, iniciadas praticamente desde o começo do relacionamento com ela e desde o nascimento dele, sempre num crescendo de violência e de humilhação, agressões que, em relação ao infeliz DD, culminaram no seu assassinato, com requintes de brutalidade, malvadez e espantosa insensibilidade – do assassinato do próprio filho, com, pasme-se, 6 (seis) meses de idade feito, como impressivamente disse o Senhor Procurador-geral Adjunto, «saco de despejo das suas intolerantes impaciências (murros, bofetadas, palmadas, dentada, além de projecção violenta contra o sofá) acabando por ser transformado numa massa hemorrágica, em consequência das lesões traumáticas cervico-torácico-abdominais» que lhe causou! (cfr. designadamente os nºs 1., 5. a 9., 13. a 23., 31. a 34 dos “Factos Provados”) – porque são expressão, todas elas, sem dúvida, de uma personalidade violenta, desumana e perversa, têm, só por si, um efeito fortemente agravante dentro da moldura penal conjunta[1].

            A ilicitude conjunta assume, assim, foros de gravidade extrema e o modo de execução dos crimes, designadamente o do assassinato do DD, colocam a culpa do Arguido num patamar muito elevado.

            E se, quanto às exigências de prevenção geral, o próprio Recorrente reconhece serem elevadas, muito elevadas, entendemos nós, de modo algum podemos aceitar que, como pretende, se situem num plano de mediania, as de prevenção especial de socialização. De resto, no caso concreto, face à perigosidade, à violência e à desumanidade evidenciadas não podemos de modo algum escamotear, dentro das razões de prevenção especial, a função de dissuasão ou de intimidação do delinquente (prevenção especial negativa) em nada incompatível com a função de ressocialização, por se tratar, não de intimidar por intimidar, mas antes de uma dissuasão, através do sofrimento inerente à pena, «humanamente necessária para reforçar no delinquente o sentimento de necessidade de se auto-ressocializar, ou seja de não reincidir»[2].

            Com este panorama, a pena concreta, seria seguramente atirada para medida bem destacada do limite mínimo de 24 anos de prisão, não fosse, repetimos, o limite máximo inultrapassável de 25 anos imposto pelos arts. 77º, nº 2 e 41º, nº 2, ambos do CPenal.

            Por isso que, havendo de manter-se inalterados os limites da pena aplicável, a pena concreta não possa, de facto, ser inferior a 25 anos de prisão.

            É claro que se trata da pena máxima estabelecida pelo nosso sistema punitivo e que são configuráveis outras situações de maior gravidade que acabarão por ser punidas com a mesma pena. Mas isso são consequências do estabelecimento de uma pena máxima para além da qual o legislador entende que a pena já não cumpre as suas finalidades preventivas, designadamente as de prevenção especial.

            De resto, as circunstâncias que o Arguido invoca ou não estão reflectidas na decisão sobre a matéria de facto ou decididamente não têm valor atenuativo.

            Assim e para além do que já antes ficou dito:

            - Quanto ao “Relatório Social” que o Arguido acusa o Tribunal de ter ignorado.

            Por um lado, importa sublinhar que a decisão sob recurso é o acórdão do Tribunal da Relação e não a decisão da 1ª instância, o que, só por si, torna o argumento manifestamente improcedente.

            Não obstante, não deixamos de anotar que esse documento em nada o beneficia. Pelo contrário, quando afirma que o Arguido «assume um discurso que aponta para alguma desvalorização da situação em apreço, sendo de sublinhar que, face à morte do filho, não mostrou qualquer sinal de sofrimento ou emoção, denotando frieza e distanciamento emocional …» ou quando conclui com a opinião de que, «a serem provados os factos pelos quais se encontra acusado … – e ficaram efectivamente provados – o arguido tem necessidades de reinserção social importantes ao nível pessoal, uma vez que não parece ter consciência do desvalor da conduta em causa e da gravidade dos comportamentos indiciados» (cfr. fls. 601 e segs).

            Enfim, mais uma demonstração de que, no caso, as exigências de prevenção especial, tanto de socialização como de intimidação, são muito elevadas.                     

            - Alegar que «o modo de execução do crime, utilizando apenas a força muscular, não evidencia especial perversidade» constitui prova (mais uma) segura dessa mesma perversidade e das gritantes carências de socialização e de dissuasão, em face dos factos que praticou: agrediu o filho em várias ocasiões, até, por fim, o matar à pancada, da forma bárbara que a matéria de facto comprova, apenas porque a criança chorava e o Arguido não tinha paciência para o ouvir.

            - Não tem qualquer valor atenuativo a circunstância de ser «delinquente primário», pois é isso mesmo o que a ordem jurídica exige a qualquer cidadão, além de que a sua juventude – 21/22 anos à data dos factos – de modo algum permite concluir ter dado, até aí, provas de respeito pelas regras de convivência social.                      

            - Ser «considerado pessoa normal no seu meio», como alega, não é propriamente o mesmo que serem tidos, o Arguido e a Mulher, «por pessoas das sua relações, como «um casal normal», como foi julgado provado (cfr. nº 42 dos “Factos Provados”). Seja como for, também essa consideração não releva por, face aos crimes praticados, apenas mostrar que conseguiu camuflar perante terceiros a violência e agressividade que aqueles evidenciam;

            O recurso é, pois, manifestamente improcedente.

           

            3. Em conformidade com o exposto, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o presente recuso por ser manifestamente improcedente e, consequentemente, em confirmar integralmente o acórdão recorrido.

             Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC’s.

            O Recorrente pagará ainda a soma de 4 (quatro) UC’s, por força do disposto no nº 3 do artº 420º do CPP


Lisboa, 30 de Novembro de 2011

Processado e revisto pelo Relator
                                                                                                      

Sousa Fonte (relator)
Oliveira Mendes



[1] Cfr. Figueiredo Dias, “… As Consequências Jurídicas do Crime”, 291, no que tem sido seguido pela jurisprudência deste Tribunal.
[2] Cfr.  Taipa de Carvalho, “Direito Penal, Parte Geral – Questões Fundamentais, 83 e 84