Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1497/14.7T8LSB.L2.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
CONTA BANCÁRIA
TITULARIDADE
TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA
CAUSA DE PEDIR
ÓNUS DA PROVA
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 01/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : Tendo sido formulado um pedido indemnizatório contra a entidade bancária que aceitou uma transferência, com fundamento em que a ordem de transferência não foi emitida pelo titular da conta de origem e que a conta de destino não pertencia ao indicado beneficiário dessa transferência, a falta de prova da “falsificação” da ordem de transferência impede a procedência da ação, uma vez que esse era um elemento essencial da causa de pedir, sem o qual se abre uma diversidade de hipóteses, que corresponderiam a outras tantas e diferentes causas de pedir que o tribunal não pode preencher.
Decisão Texto Integral:
                                               *

I – Relatório

O Autor propôs ação declarativa, com processo comum, contra o Réu e BB, pedindo:

- a condenação Réu a pagar-lhe a quantia de USD $ 107.000,00 contravalor de, à data, € 80.352,70, acrescido de juros, contados à taxa legal, desde a data da efetivação da transferência até à efetiva reposição e das despesas incorridas pelo Autor para a recuperação do valor a que tem direito, a liquidar em execução de sentença;

Subsidiariamente, no caso de improcedência do primeiro pedido, deverá o pedido formulado ser julgado procedente relativamente ao BB, devendo este ser condenado a restituir ao Autor a quantia de USD $ 107.000,00 contravalor de, à data, €80.352,70, acrescido de juros, contados à taxa legal, desde a data da citação.

Para tanto alegou, em síntese:

- O Autor é cidadão venezuelano e titular de uma conta bancária no Activa Capital Markets Inc, instituição financeira sediada em Miami, nos E.U.A;

- Em 4.10.2011 foi recebida nessa instituição uma ordem de venda e um pedido de transferência do montante de USD $ 107.000,00;

- Tal ordem foi feita em nome do Autor e visava a venda das participações financeiras detidas por este junto da Apache Corp. Y Wells Fargo Capital XII;

- Da ordem constava ainda que a transferência devia ser efetivada para uma conta alegadamente aberta em nome do Autor e sua mulher;

- O Autor não assinou qualquer documento de transferência de fundos nem assinou a carta em que se solicitava a realização da referida transferência.

- Tal instrução foi falsificada;

- O Autor nunca teve conta junto do BPN;

- A Activa Capital actuou de acordo com as instruções recebidas e procedeu à transferência de fundos;

- A conta do B.P.N. para onde foi efetuada a transferência era titulada por BB;

- Os funcionários do B.P.N., ao aceitarem a referida transferência para uma conta que não era titulada pelo Autor e sua mulher violaram as obrigações que um gestor criterioso deve ter no sentido de defender os interesses legítimos das partes envolvidas na transferência, in casu o Autor, uma vez que não impediram a transferência para terceiro não mencionado na ordem de transferência dos fundos de que o Autor era titular.

- BB encontra-se obrigado a restituir ao Autor o valor indevidamente recebido, com fundamento na figura do enriquecimento sem causa.

Contestou o Réu, sustentando a improcedência da ação, e alegando, em síntese, que as transferências em causa foram feitas por ordem do Autor, tendo o Banco adotado todos os procedimentos de segurança.

A presente ação foi julgada extinta, relativamente a BB, com o fundamento que à data da sua propositura, já havia sido declarada, por sentença transitada em julgado, a insolvência daquele.

Após realização de audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação procedente, condenando o Réu a pagar ao Autor a quantia de USD $107.000,00, acrescida de juros de mora, contados desde a data da citação, à taxa de juro legal em vigor nos Estados Unidos da América, até integral e efetivo pagamento.

Desta decisão interpôs o Réu recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que proferiu acórdão em que, com um voto de vencida, decidiu julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida.

Deste acórdão interpôs novamente o Réu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:

1) O Banco-R. foi condenado por, violando os seus deveres de cuidado como banco beneficiário de uma transferência internacional via SWIFT, ter causado dano ao A. - seu emitente em banco norte-americano, por não ter detectado uma incoerência dos dados da ordem que supostamente evitaria a execução do crédito da transferência em conta de um seu cliente. Ora,

2) Desde logo acompanhamos o voto de vencido apresentado pela Exma. Juiza Desembargadora, desde logo na parte em que considera não resultar da matéria de facto provada, e em concreto do facto 13, que a ordem de transferência não fosse genuína ou tivesse sido falsificada,

3) E desde logo não concretiza o facto a forma por que foi dada aquela ordem ao banco emitente e qual a forma de falsificação usada.

4) Sendo que a mera pressuposição de uma transferência não autorizada não corresponde à prova de que a ordem fosse falsa.

5) A obrigação de indemnizar apenas se pode fundar na violação de um direito subjectivo pela omissão de um dever de cuidado ou diligência em violação de uma obrigação legal ou contratual destinado à protecção de direitos do lesado.

6) Ora, não resulta claro da decisão recorrida qual o concreto dever de cuidado violado, ou qual a fonte desse dever. Como nada se refere quanto ao âmbito de protecção do mesmo dever de cuidado - ou seja, esse dever de cuidado deveria existir para protecção do lesado, no caso o A. e não para protecção de terceiros, com eventual repercussão ou reflexão na esfera do A.

7) Não basta afirmar-se que “se a informação confiada trazia esses identificadores, é porque alguma importância revestiam, para algum controle serviam, na actividade bancária”.

8) O Banco-R., quando recebe uma comunicação via SWIFT com, na prática, um pedido de crédito de conta de cliente seu, com a indicação de vários elementos da conta a ser creditada está obrigado à verificação da conta beneficiária, mas essa obrigação em nada se destina a verificar irregularidades ou a genuinidade da ordem, mas apenas da existência e validade da conta (entre as muitas de que será depositária) a creditar.

9) E o melhor exemplo de que assim é foi a conduta do mesmo Banco-R. quando numa segunda transferência, em tudo semelhante à primeira, tendo verificado a incoerência entre o nome dos titulares e o número de conta indicado, não se recusou a executar a operação; simplesmente confirmou com o banco ordenante se a ordem era para cumprir ou se haveria algum lapso. Ou seja, limitou-se a pedir confirmação dos dados, sendo que na ausência de resposta estava obrigada a cumprir a ordem para a conta identificada.

10) A identificação de uma conta bancária é feita, em primeira e principal linha,pelo seu IBAN, associado ao código SWIFT do respectivo banco e nada mais.

11) Tratando-se a dita verificação apenas de confirmar a transferência para uma conta válida, e ademais, por força das relações contratuais do Banco beneficiário com todos os seus clientes, essa diligência, e o dever de cuidado a ela associado, destinam-se tão só a proteger os seus próprios clientes e em particular os beneficiários das transferências, e nunca os ordenantes, cuja protecção deveria ser garantida, principalmente quanto à genuinidade das ordens sobre contas, pelo banco ordenante.

12) O Banco-R. não violou qualquer especial dever de cuidado que se lhe impusesse para defesa dos direitos do A. - e com isso não vislumbramos que tivesse praticado qualquer ilícito.

Por outro lado,

13) Qualquer responsabilidade do Banco para com o A. não poder deixar de ser considerada como extracontratual, ou seja, por violação de direitos subjectivos do A. ou de normas que se destinassem a protegê-los.

14) Todavia, o interesse do A. apenas poderia ser protegido pela actuação do Banco de forma perfeitamente reflexa, pois que a actuação do R. apenas se justificava e tem enquadramento no âmbito das relações contratuais com os seus próprios clientes. Ou seja, ainda assim, e ainda que se entendesse sempre o cuidado devido não o era em função ou em vista do interesse do emitente da ordem de transferência, mas sim do beneficiário e outros clientes da mesma instituição.

15) Os invocados 74º e 75º do RGICSF não impõem um dever omnidirecional dos Bancos. Ao invés, preveem um grau ou critério de diligência aplicável na relação dos Bancos entre si e com os seus clientes, referindo-se o art.º 74º antes a um critério de ilicitude enquanto determinante de um cuidado enquanto vínculo legal entre o Banco e o cliente, e a um distinto critério de culpa, em complemento ao artº 487º do Código Civil, enquanto medida de aferição do grau de censurabilidade subjectiva no cumprimento das suas obrigações, no caso do art.º 75º.

16) Vale isto por dizer que as citadas disposições não impõem por si deveres universalmente invocáveis, e como tal não atribui direitos erga omnes.

17) De acordo com a distribuição dos ónus imposta pelas relações contratuais de cada um dos intervenientes não se vê que a violação do dever de cuidado imputada pela decisão recorrida ao R. possa ser considerada como causal do dano sofrido pelo A.

18) Não vemos que esse nexo se tenha verificado no caso concreto, mas mais que tudo não vemos que se possa considerar como causa geralmente adequada à produção daquele dano, pois que o dever, esse sim contratual, de detecção e prevenção de ordens irregulares seria sempre daquela entidade emitente da ordem.

SUBSIDIARIAMENTE,

19) Ainda que procedessem todas as considerações do douto aresto recorrido, sempre a condenação deveria ter em consideração a actuação do Banco como mera culpa.

Terminou, requerendo a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição do pedido deduzido pelo Autor.

Foram apresentadas contra-alegações, em que o Autor invocou a inadmissibilidade do recurso de revista e sustentou a decisão recorrida.

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II – A admissibilidade do recurso de revista

O Autor, nas contra-alegações que apresentou, defendeu que o presente recurso de revista comum não é admissível, porque o acórdão recorrido confirmou, sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença proferida pela 1.ª instância, não sendo a existência de um voto de vencido, isoladamente, causa de admissibilidade do recurso.

Não tem razão o Autor. O obstáculo à utilização do recurso de revista comum previsto no n.º 3, do artigo 671.º, do Código de Processo Civil, é composto pela confirmação, sem voto de vencido, da decisão da 1.ª instância, e, cumulativamente, pela inexistência de fundamentação essencialmente distinta das duas decisões. Não se verificando o primeiro requisito deste obstáculo – confirmação sem voto de vencido da decisão da 1.ª instância – o recurso de revista comum é admissível, pelo que importa conhecer do seu mérito.

III – O objeto do recurso

Tendo em consideração o conteúdo do acórdão recorrido e as conclusões das alegações do Recorrente, são as seguintes as questões que cumpre apreciar:

- Não se provou que a ordem de transferência não tivesse sido emitida pelo Autor?

- O Réu não violou qualquer dever de cuidado ao aceitar a transferência em causa?

- A atuação do Réu não foi causal do dano invocado pelo Autor?

- Deve considerar-se a atuação do Réu como de mera culpa?

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IV – Os factos

Foram considerados provados neste processo os seguintes factos:

1. O Autor é cidadão venezuelano titular de uma conta bancária junto da instituição financeira denominada “Activa Capital Markets, Inc.” sediada em Miami, nos Estados Unidos, com o nº…;

2. Em 4.10.2011, foi recebida nos serviços dessa instituição de crédito uma ordem de venda e um pedido de transferência no montante de USD $ 107.000,00, contravalor de, à data, €80.352,70;

3. Nos termos da ordem referida em 2, foi solicitado em nome do Autor a venda das participações financeiras por este detidas junto da Apache Corp Y Wells Fargo Capital XII;

4. De igual modo constava instrução para a transferência do montante de USD $ 107.000,00 contravalor de, à data €80.352,70, para a conta nº …., alegadamente aberta em nome do Autor e cônjuge;

5. A instrução continha, ainda, o código SWIFT …. e o nome dos beneficiários da transferência (Autor e cônjuge);

6. Nem o Autor, nem o seu cônjuge, são detentores de conta bancária junto do Banco Réu;

7. A Activa Capital Markets, actuou em conformidade com a ordem descrita nos pontos 1 a 4 e procedeu com início na data de 4.10.2011, à transferência de fundos;

8. A ordem de transferência internacional tinha o código …..

9. A ordem foi executada por bancos intermediários tendo sido comunicada ao Réu pelo JP Morgan Chase Bank;

10. Da comunicação constava o IBAN da conta a creditar e como beneficiários da transferência, constavam os nomes do Autor e mulher…;

11. …constava, ainda, como valor a creditar, USD $ 107.000,00;

12. Tendo o Réu verificado a menção a um IBAN válido junto das suas contas, operou a execução da operação;

13. Tendo detetado a transferência de fundos não autorizada. o Autor contatou a Activa Capital Markets Inc., tendo sido informado que, constando da ordem de transferência de forma correcta o seu número de identificação pessoal e a sua morada…,

14. ... e que a ordem tinha sido acompanhada de uma carta com assinatura semelhante à sua;

15. ... e porque a transferência não se destinava a terceiros mas sim ao próprio Autor, não existiam razões para que não fosse cumprida;

16. O Autor apresentou queixa crime junto das autoridades venezuelanas;

17. A conta nº …. do 1º Réu era titulada por BB;

18. Tendo sido para esta conta transferido o montante referido em 1;

19. Em 9 de Novembro de 2011 foi dada nova ordem de transferência internacional com o código …, com os mesmos termos e intervenientes da primeira ordem de transferência;

20. Não correspondendo o IBAN ao nome dos beneficiários, o Banco Réu interpelou o Active Bank solicitando informação sobre a regularidade da ordem…;

21. …tendo vindo a receber a indicação de que o ordenante (Autor) pretendia revogar a ordem e obter a devolução dos fundos já debitados na conta de origem.

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V – O direito aplicável

O Autor deduziu a presente ação condenatória, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de USD $ 107.000,00, acrescida de juros de mora.

Como causa de pedir invocou que, abusivamente, foi enviada, em seu nome, uma carta “falsificada”, dando instruções a uma instituição financeira, sediada em Miami, onde o Autor era titular de uma conta bancária, para aquela proceder à venda de participações financeiras depositadas na referida conta e proceder à transferência de USD $ 107.000,00 para uma determinada conta no Banco Português de Negócios, em …, da qual, segundo constava da referida carta, o Autor e a sua esposa seriam beneficiários, tendo o Réu aceite essa transferência apesar do número da conta de destino da quantia transferida não pertencer ao Autor, nem à sua mulher.

O Autor responsabiliza o Réu, enquanto sucessor do Banco Português de Negócios, por os funcionários deste Banco terem aceite aquela transferência, apesar do titular da conta identificada pelo respetivo número não pertencer ao Autor nem à sua esposa, o que determinou que este fosse ilegitimamente desapossado da quantia transferida.

A causa de pedir invocada tem, pois, como facto essencial, a “falsificação” da ordem de transferência, a qual origina a realização de uma operação bancária de transmissão de uma quantia, de uma conta bancária no estrangeiro para outra conta em Portugal, de uma diferente instituição bancária, sem que esse movimento fosse determinado por instruções do titular da conta de origem que ficou desapossado do montante transferido.

Ora, como iremos demonstrar, o Autor não logrou provar este elemento essencial da causa de pedir.

Na verdade, apesar dessa “falsificação” ter sido invocada pelo Autor, mormente, nos artigos 7.º, 8.º, 9.º, 14.º e 51.º da petição inicial, o respetivo facto, na sentença proferida na 1.ª instância, não foi incluído nem na lista dos factos provados, nem na lista dos factos não provados.

Contudo, nessa sentença, na parte da fundamentação jurídica, lê-se o seguinte:

(...) não logrou apurar-se, é certo, quem deu a ordem de transferência, não se tendo provado de modo algum que tivesse sido o Autor (...).

Estamos perante um inequívoco juízo probatório, pelo que, apesar de, indevidamente, o respetivo facto não integrar a lista dos factos não provados, deve considerar-se que o tribunal da 1.ª instância, da análise das provas apresentadas e produzidas, retirou a conclusão de que não se provou quem emitiu a ordem dada à instituição bancária que efetuou a transferência sub iudice, não se tendo, pois, apurado nem que tenha sido o Autor a dar essa ordem, nem que tenha sido emitida por pessoa diferente do Autor, não estando provada a alegada “falsificação”.

 Embora esse juízo não tenha sido consignado no local da sentença adequado, o que constitui uma simples irregularidade sem consequências, o mesmo foi objeto de pronúncia pelo tribunal, não se justificando determinar uma ampliação da matéria de facto sujeita a julgamento para apurar esse facto.

O acórdão do Tribunal da Relação, aqui recorrido, considerou, no entanto, com a discordância de uma das juízas que compunha o coletivo, que a ordem apresentada no Activa Capital Markets, Inc. não era verdadeira, não era genuína – não fora autorizada pelo Autor, conforme ponto 13 dos factos provados.

No ponto 13 dos factos provados, escreveu-se: tendo detetado a transferência de fundos não autorizada o Autor contactou a Activa Capital Markets Inc., tendo sido informado que constando da ordem de transferência de forma correta o seu número de identificação pessoal e a sua morada...

Aparentemente, verificar-se-ia uma contradição entre o juízo probatório constante da fundamentação jurídica da sentença, quando se diz que não se apurou quem deu a ordem de transferência, e a frase inicial do ponto 13 dos factos provados, em que se refere que o Autor detetou uma transferência de fundos que não havia autorizado, o que obrigaria à devolução do processo ao tribunal recorrido para que fosse desfeita essa contradição, nos termos do artigo 682.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

No entanto, atenta a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto [1], pelo menos, a prova da primeira parte do referido facto n.º 13 - tendo detetado a transferência de fundos não autorizada - só pode ter resultado do errado entendimento que existia um acordo das partes sobre tal facto, uma vez que, nenhum dos documentos juntos aos autos é suscetível de revelar a falta de genuinidade da ordem de transferência.

Na verdade, todos os artigos da petição inicial, incluindo o artigo 13.º de onde foram extraídos os factos que integram o n.º 13 da lista de factos provados, onde se fazia referência que a ordem de transferência não tinha sido emitida pelo Autor, mas por outrem, utilizando o seu nome, outros dados pessoais e a sua assinatura, foram impugnados pelo Réu no artigo 52.º da contestação, pelo que não é possível considerar provado, por acordo das partes, que o Autor não autorizou a transferência em causa, devendo, por isso, desconsiderar-se a primeira frase do ponto 13 da lista dos factos considerados provados, não se revelando necessário utilizar a faculdade prevista no artigo 683.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Esta desconsideração é permitida pelo disposto nos artigos 682.º, n.º 2, e 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, uma vez que foi incorretamente aplicada pela 1.ª instância a força pleníssima do acordo tácito das partes nos articulados, prevista no artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

O pedido formulado tem como causa de pedir um conjunto de factos em que desempenha um papel essencial a prática de um ato ilícito – a “falsificação” de uma ordem de transferência - o qual, tendo sido seguido da omissão pelo Réu de um dever de informação – a obrigação de comunicação à entidade executora da ordem de transferência da não correspondência entre a titularidade da conta bancária de destino da quantia transferida e a identidade do beneficiário da transferência –, foi causador de prejuízos ao Autor – a perda da quantia transferida.

Não se tendo provado que a ordem de transferência emitida em nome do Autor tivesse sido forjada por outrem, a causa de pedir invocada pelo Autor fica desprovida de um elemento essencial para a sua procedência.

Com efeito, não se tendo apurado que a ordem de transferência em causa tenha sido emitida por quem não tinha poderes para mandatar o depositário da quantia transferida para a prática de tal ato, não se mostra preenchido um pressuposto essencial do pedido indemnizatório formulado, uma vez que, a apontada omissão do Réu perde relevância face ao desconhecimento sobre se a ordem de transferência foi ou não legítima. O desconhecimento sobre se foi ou não o Autor a emitir a ordem de transferência abre a porta a uma diversidade de hipóteses, que corresponderiam a outras tantas e diferentes causas de pedir, que o tribunal não pode preencher.

Por essa razão, perante a falta de prova de que a ordem de transferência, apresentada em nome do Autor, era uma “falsificação”, a ação deveria ter sido julgada improcedente, devendo o recurso apresentado ser julgado procedente e revogado o acórdão do Tribunal da Relação.

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Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a revista, revogando-se o acórdão recorrido e absolvendo-se o Réu do pedido formulado pelo Autor.

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Custas da ação e dos recursos são da responsabilidade do Autor.

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Nos termos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/20, de 1 de maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este coletivo.

Lisboa, 14 de janeiro de 2021

João Cura Mariano (Relator)

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes

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[1] Lê-se na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto: Os factos dados como provados resultam do acordo das partes e documentos não impugnados, sendo que o Banco não logrou fazer a prova do facto dado como não provado e residindo a diferença entre as partes maioritariamente na questão de Direito.