Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2071/10.2YYLSB-D.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: CABRAL TAVARES
Descritores: EXECUÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
EMBARGOS DE EXECUTADO
FACTOS SUPERVENIENTES
FACTO MODIFICATIVO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / FIANÇA / TRANSMISSÃO DA HIPOTECA.
Doutrina:
-Alberto dos Reis, Processo de Execução, Volume II, p. 28 e 29;
-Paula Costa e Silvas e Nuno Trigo dos Reis, Acção Modificativa do Caso Julgado Arbitral: Um Meio de Impugnação Esquecido, ROA, Abril/Junho 2014, p.429, 433 e 434.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 729.º, ALÍNEA G).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 28-04-2014;
- DE 18-09-2014;
- DE 20-11-2014;
- DE 08-01-2015;
- DE 19-02-2015;
- DE 30-04-2015;
- DE 28-05-2015;
- DE 16-06-2016, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

Em sede de embargos à acção executiva, a prova de que foi proferido acórdão arbitral, transitado em julgado, modificativo do acórdão arbitral oferecido como título executivo, determina a extinção parcial, no que excede o valor estabelecido naquele, e não a extinção total, da instância executiva – art 729.º, al. g), do CPC.


Decisão Texto Integral:

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. Em 8.4.2015, os Executados, AA S.A.. e outros, deduziram, com fundamento na alínea g) do art. 729º do CPC, embargos à execução que lhes fora movida por BB, SGPS, S.A., alegando, como factos supervenientes essenciais, que o acórdão do tribunal arbitral, de 14.7.2009, que titula a execução, embora transitado em julgado, veio a ser alterado por outro de 26.3.2015, na sequência de ação arbitral modificativa daquele primeiro acórdão, por eles instaurada, acórdão esse que, julgando a ação parcialmente procedente, reduziu o montante da indemnização anteriormente fixada e alterou a fórmula de cálculo dos juros; pedem, em primeira linha, que seja declara extinta a instância executiva por impossibilidade superveniente da lide, com imediata libertação da garantia bancária prestada e, subsidiariamente, a redução da quantia exequenda, com correspondente reflexo no montante da garantia.

Esteve a instância suspensa até ao trânsito em julgado do acórdão deste tribunal, ASTJ de 22.9.2016, a confirmar a improcedência da ação de anulação do segundo acórdão arbitral, de 26.3.2015, entretanto instaurada pela aqui Embargada.

Foi, a final, proferida decisão, a julgar «procedentes os embargos e, em consequência, extinta a execução na parte que excede o valor devido pelos executados, calculado em conformidade com o decidido no acórdão arbitral de 26/03/2015».

2. Apelaram os Embargantes, tendo a Relação julgado o recurso improcedente e confirmado a sentença da 1ª instância (junto, antes do início da fase de julgamento, parecer por cada uma das Partes).

3. Pedem os mesmos revista, formulando, na alegação, as seguintes conclusões:

«A) O presente recurso tem como objecto saber se, após acção modificativa de anterior acórdão arbitral que condenou em danos futuros, subsistem ou não dois títulos executivos eficazes, um decorrente do primeiro acórdão e outro decorrente do segundo acórdão, ambos transitados em julgado; se apenas mantém eficácia o primeiro acórdão ainda que modificado pelo segundo; ou se é o segundo acórdão que sucede ao primeiro como título executivo provocando a perda da sua força executiva;

B) Sendo evidente que a fundamentação do Acórdão recorrido é essencialmente diferente da sustentada na sentença da 1ª instância deverá ser admitida a presente revista ao abrigo do disposto no artigo 671°, nº 3 do CPC;

C) Na verdade, enquanto a fundamentação da sentença da 1ª instância assentou fundamentalmente na analogia com o regime dos recursos, o Acórdão recorrido rejeitou esta tese e sustenta que a "a situação é idêntica à que ocorreria se o embargante invocasse nos embargos, enquanto exceção peremptória, tais circunstâncias supervenientes, levando a uma redução do montante da quantia exequenda";

D) Caso assim se não entenda, sempre será admissível a revista excecional prevista no artigo 672°, n° 1, alíneas a) e b), do CPC, porquanto se encontram verificados os respetivos requisitos;

(…);

G) Da análise do Acórdão recorrido resulta que este desvaloriza todo o processado na fase declarativa da ação modificativa de caso julgado, chegando mesmo a afirmar que "[na] verdade e em nosso entender nem sequer se pode falar de modificação de caso julgado", apesar da pronúncia do STJ que confirmou o acórdão modificativo;

H) Pretende, desta forma, o Tribunal a quo justificar o seu entendimento de que a situação dos autos, como conclui a final, é "idêntica à que ocorreria se o embargante invocasse nos embargos, enquanto excepção peremptória, tais circunstâncias supervenientes, levando a uma redução do montante da quantia exequenda";

I) Trata-se de retomar uma antiga argumentação da Recorrida que, nas diversas instâncias do processo declarativo, sempre procurou fazer valer, sem sucesso, a tese da impropriedade do meio processual em causa - ação modificativa de caso julgado - por defender que os Recorrentes deveriam ter colocado a questão da superveniência dos factos invocados na ação executiva;

K) A discussão em torno da adequação do meio processual utilizado - ação modificativa de caso julgado por factos supervenientes - está definitivamente assente, com força de caso julgado, pelo que são irrelevantes e inoportunas as considerações que o Tribunal a quo vem agora fazer sobre tal questão;

L) Vem ainda o Acórdão recorrido levantar outra hipótese ao dizer que, no caso dos autos, "sempre poderia ocorrer a cumulação de execuções, prevista no artigo 711º nº1 do CPC (...)";

M) Acontece, porém, que a cumulação sucessiva de execuções pressupõe a existência de dois títulos eficazes e autónomos, cada um respeitante a uma obrigação exequenda, o que no caso concreto não se verifica;

N) O Acórdão arbitral de 2009 perdeu a sua força executiva pela superveniência do Acórdão arbitral de 2015 que regulou exaustivamente, ex novo,os segmentos condenatórios, adaptando-os à nova realidade;

O) Esta outra "ficção" aventada pelo Tribunal a quo, ao conduzir à execução dos dois Acórdãos arbitrais, iria permitir o locupletamento da Recorrida à custa dos Recorrentes, por lhe permitir "receber" o que já não lhe é devido, atendendo ao desvio entre o prognóstico e a realidade confirmada no Acórdão arbitral de 2015;

P) Não pode o Tribunal a quo decidir com base em juízos hipotéticos que ele próprio formula e que estão totalmente desfasados da "realidade" dos autos e em contradição com decisões já transitadas em julgado;

Q) Para sustentar a subsistência do Acórdão arbitral de 2009, o Tribunal a quo vem ainda afirmar que permanecem intocadas "as partes do acórdão que absolve os ora recorrentes de vários dos pedidos formulados";

R) Dado que, numa execução, só lhe servem de base as decisões condenatórias ou os segmentos condenatórios, é totalmente irrelevante para a discussão, no contexto da ação executiva, o argumento de que o Acórdão arbitral de 2009 permanece intocado relativamente à absolvição dos pedidos;

S) Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, o Acórdão arbitral de 2009 não subsiste enquanto título executivo após a emissão do Acórdão arbitral de 2015;

U) A "transferência" do segmento decisório do Acórdão arbitral de 2009 para o Acórdão arbitral de 2015 (a condenação no pagamento de juros sobre € 5.000.000) e a estipulação de "balizas" temporais (a condenação só operava entre a data do Acórdão de 2009 e 29 de Março de 2012) revelam os fins da ação modificativa: a pronúncia de uma decisão em conformidade com a factualidade superveniente e a eliminação da eficácia da decisão arbitral de 2009, proferida com base em juízos de prognose;

V) Na verdade, o confronto do dispositivo das duas decisões demonstra que a pronúncia do Acórdão, no ano de 2015, à luz da factualidade superveniente, tornou irrelevante a subsistência da "predecessora" para efeitos executivos; mesmo com respeito à obrigatoriedade do pagamento de juros vencidos sobre o capital indemnizatório de € 5.000.000, resultante da anterior prognose, o Acórdão arbitral de 2015 incorporou-a, estipulando, ex novo, vigência temporal limitada até 29.03.2012;

X) O tratamento processual a conferir, na ação executiva, a dois acórdãos arbitrais transitados em julgado reportados a momentos temporais diversos, com duas causas de pedir diversas, mas com idêntica génese, decorre da interpretação do dispositivo do segundo acórdão por ser este o que está atualizado face aos novos factos que vieram demonstrar que o primeiro acórdão assentou num erro de prognose; só esta via permite dar resposta cabal a qualquer situação que possa vir a verificar-se no futuro em resultado de uma decisão modificativa de caso julgado por erro de prognose;

Y) Ora, da fundamentação do Acórdão arbitral de 2015 decorre a intenção, por parte dos Juízes-árbitros, de definir toda a obrigação exequenda, tornando irrelevante a subsistência do Acórdão de 2009 como título executivo;

Z) No caso sub judice, o Acórdão arbitral de 2009 não padece de qualquer vício intrínseco, mas a superveniência de uma decisão que modificou o decidido, tornou-o ineficaz e inexequível (cfr. al. a) do artigo 729.°, ex vi artigo 730.° do CPC);

AA) Por outro lado, se do acórdão modificativo resultar uma subversão completa do decidido anteriormente, compondo o litígio de forma diversa em resultado de factos supervenientes que a isso conduzem, então é por demais evidente que que o primeiro acórdão perderá eficácia enquanto título executivo;

BB) Em contrapartida, se o acórdão modificativo considerar não provada e, por isso, improcedente a ação modificativa de caso julgado, então o título executivo resultante do primeiro acórdão manterá toda a eficácia;

CC) Não pode ser aqui invocado o princípio da economia processual para justificar a não extinção da execução que se encontra pendente, já que tal princípio só pode ser invocado se normas legais e princípios jurídicos não impuserem solução contrária;

DD) Acresce que a solução que se preconiza assegura ainda a justiça material que deve ser prosseguida pelos tribunais;

EE) Dado que a Recorrida passou a ter um novo título executivo que lhe assegura parte dos direitos de crédito atribuídos pelo primeiro Acórdão arbitral, a extinção da ação executiva pendente apenas lhe acarreta, como prejuízo, algum atraso na satisfação da obrigação exequenda, embora com a salvaguarda do contínuo vencimento dos juros com uma elevada taxa;

FF) Já a prossecução da execução causa uma injustificada e desproporcionada onerosidade aos Recorrentes pois continuam a ter de suportar todos os custos a ela inerentes, designadamente os relativos à prestação de uma garantia bancária de valor elevado por ter sido calculado a partir do reconhecimento de uma obrigação de € 5.000.000,00 que, entretanto, o segundo Acórdão arbitral veio fixar em € 2.000.000,00;

GG) Por último, que a perda de eficácia do título executivo decorrente do Acórdão arbitral de 2009, tornando-o inexequível, acarreta necessariamente a extinção da instância por impossibilidade/inexequibilidade superveniente (artigo 277°, alínea e) do CPC).»

Contra-alegou a Recorrida, defendendo a liminar rejeição do recurso, seja como revista ordinária, dado verificar-se uma situação de dupla conforme, seja como revista excecional, como vem subsidiariamente pedido; quanto ao mérito, conclui pela improcedência do recurso, sustentando a inexistência de impossibilidade superveniente da execução e, relativamente à justiça material, remetendo para anterior parecer junto, considerando que a extinção do processo executivo feriria o direito à tutela jurisdicional efetiva do credor/exequente e lhe causaria graves prejuízos.

4. Notificados os Recorrentes para se pronunciarem sobre a suscitada inadmissibilidade do recurso, vieram os mesmos reiterar o entendimento acerca da não verificação, no caso, de dupla conforme.

5. Vistos os autos, cumpre decidir.


II


6. Questão Prévia (da admissibilidade do recurso).

6.1. Em causa o preenchimento normativo do conceito «fundamentação essencialmente diferente», contido no nº 3 do art. 671º do CPC.

Preenchimento operado na jurisprudência do STJ no sentido de quando «forem diversificados os caminhos percorridos por ambas [as decisões] até à sua idêntica solução final», «a confirmação da sentença na 2.ª Instância assenta num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na decisão da 1.ª Instância», «a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância» (entre outros, ASTJ de 28.4.2014, 18.9.2014, 20.11.2014, 8.1.2015, 19.2.2015, 30.4.2015, 28.5.2015, 16.6.2016, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

6.2. No caso dos autos, ambas as decisões, perante a prolação e o trânsito em julgado do segundo acórdão arbitral de 2015, entenderam que não se verificava a inexequibilidade do primeiro acórdão de 2009, que servia de base à execução, com a consequente extinção da instância, por superveniente impossibilidade da lide [CPC, arts. 729º, alínea a) e 277º, alínea e)].

Ambas as decisões afirmam a persistência do título, embora modificado; ambas acentuam a complementaridade existente entre os dois acórdãos em causa – e rejeitam a tese da autonomia, sustentada pelos Embargantes/Recorrentes.

Mas, enquanto a 1ª instância funda tal complementaridade, por analogia, à que «resulta da modificação da sentença objecto de recurso com efeito devolutivo. E neste caso a lei o que determina é que a execução se extingue ou modifica em conformidade com a decisão definitiva (art. 704.º do CPC)», já no acórdão da Relação vem expressamente referido que «discordamos da analogia que aflora na sentença recorrida entre o presente caso e a situações dos recursos numa acção», firmando-se o entendimento de que «a obrigação dos executados, decorrente do incumprimento do contrato promessa e da cláusula deste que prevê uma cláusula penal, foi fixada no acórdão arbitral de 2009 e permanece intocada. O seu montante é que foi reduzido pelo acórdão de 2015 (…) o título executivo continua a ser o Acórdão Arbitral de 2009, com a redução da quantia exequenda face à redução do quantum indemnizatório decorrente dessa cláusula penal».

Tendo a redução da quantia exequenda sido determinada pela ocorrência de circunstâncias supervenientes, escreve-se no acórdão recorrido, a concluir: «A situação é idêntica à que ocorreria se o embargante invocasse nos embargos, enquanto excepção peremptória, tais circunstâncias supervenientes, levando a uma redução do montante da quantia exequenda».

O fundamento (ou o fundamento do fundamento) das duas decisões concordantes assenta em dois quadros normativos distintos, distinção vincada, ela própria, no passo transcrito do acórdão da Relação: no primeiro caso, por analogia com a situação conformada no nº 2 do art. 704º do CPC; no segundo, embora sem indicação da pertinente disposição legal, por equiparação à oposição à execução com fundamento em exceção perentória ulteriormente verificada (e provada por documento).

Indagar se a distinção estabelecida é sobretudo aparente, mostrando-se meramente instrumental o modo como, diferentemente, nas duas decisões concordantes, se pretendeu captar as modificações de facto repercutidas na redução da indemnização, aquelas e esta tituladas pelo segundo acórdão arbitral, respeitará, a ter lugar, já ao conhecimento do recurso.

6.3. Não se verificando o requisito negativo previsto na segunda parte do nº 3 do art. 671º do CPC, importa conhecer do recurso.

7. Consideradas as transcritas conclusões da alegação dos Recorrentes (CPC, arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2), a questão a decidir no presente recurso unicamente respeita a saber se os embargos interpostos, com fundamento em novo acórdão arbitral modificativo do caso julgado formado sobre o anterior, constituindo este o título da execução, devem determinar a respetiva inexequibilidade, por extinção da obrigação por ele titulada, com a consequente extinção da instância executiva, por superveniente impossibilidade da lide [CPC, arts. 729º, alínea a), g) e 277º, alínea e)] – e não, como fora objeto de pedido subsidiário nos embargos e vem decidido pelas instâncias, apenas a extinção parcial da execução, no que excede o valor estabelecido no novo acórdão arbitral.

A questão relativa à eventual aplicação ao caso do regime previsto no art. 711º, nº 1 do CPC [conclusões L) e ss. da alegação dos Recorrentes], argumento ex abundanti cautela constante do acórdão recorrido, mostrar-se-á prejudicada.

8. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):

«1) A execução, instaurada em 5.2.2010, tem como título executivo o acórdão do Tribunal Arbitral, cuja cópia está a fls.15 a 155 dos autos de execução, datado de 14.7.2009, e que, entre o mais, condenou os réus, ora executados a pagar à autora, ora exequente, o montante de cinco milhões de euros nos quais se incluem os danos emergentes no valor de € 656.386,83, acrescidos de juros desde a citação dos réus às taxas resultantes da aplicação do art. 102º § 3 do Código Comercial.

 2) Na pendência da execução, em 11.2.2014, os embargantes instauraram, em tribunal arbitral, contra a embargada, urna acção, a que chamaram "acção arbitral modificativa do acórdão arbitral proferido em 14.7.2009", pedindo a modificação do acórdão dado à execução, modificação traduzida nos pedidos elencados nas alíneas a) a e) de fls.18 do acórdão cuja certidão está junta a fls.22 a 104 dos embargos.

3) Nessa acção foi proferido, em 26 de Março de 2015, acórdão pelo tribunal arbitral, constante da certidão referida no ponto anterior e que decidiu "1. Julgar a acção parcialmente procedente e reduzir o montante da pena estabelecida na cláusula penal de indemnização fixada, no anterior acórdão arbitral, em € 5.000.000 (nos quais se incluem os danos emergentes de € 656.386,83) para € 2.000.000 (nos quais se incluem os danos emergentes de € 656.386,83), acrescida de juros de mora sobre o montante € 2.000.000 calculados às taxas que resultarem da aplicação do art.102º § 3, do Código Comercial. 2. Decidir que a redução da pena determinada nos termos do número anterior produz efeitos a contar de 29 de Março de 2012. Nestes termos: a) Os demandantes continuarão obrigados a pagar à demandada, desde 14 de Julho de 2009 (data do acórdão arbitral) até 29 de Março de 2012, juros sobre € 5.000.000, calculados às taxas que resultem da aplicação do art.102º § 3, do Código Comercial; b) Os demandantes ficarão obrigados a pagar à demandada € 2.000.000, acrescidos, a contar de 29 de Março de 2012, de juros sobre este montante, calculados às taxas que resultem da aplicação do art. 102º § 3, do Código Comercial.".

4) A exequente instaurou acção de anulação do acórdão referido no ponto anterior, a qual foi julgada improcedente por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, junto a fls. 172 verso a 186 verso, confirmado pelo acórdão do STJ de 22.9.2016, certificado a fls. 305 a 327, transitado em julgado em 10.10.2016».

9. O fundamento à oposição à presente execução baseada em acórdão arbitral há-de buscar-se no quadro taxativamente definido nos arts. 730º e 729º do CPC [manteve-se o quadro constante dos arts. 814º, nº 1 e 815º do código anterior, apenas com os aditamentos atualmente contidos na alínea h) do art. 729º e na última parte do art. 730º, no caso irrelevantes].

Os Embargantes, na sua petição, invocaram o fundamento previsto na alínea g) do art. 729º (qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento), tendo, para tanto, junto certidão do novo acórdão arbitral de 2015.

9.1. O novo acórdão arbitral de 2015, uma vez que o ASTJ de 22.9.2016 veio definitivamente a julgar improcedente a impugnação instaurada pelos ora Embargados, mostra-se transitado.

A questão da idoneidade de uma ação arbitral, modificativa – com base na alegada superveniência de factos essenciais – de um precedente acórdão arbitral, transitado em julgado (2ª questão prévia apreciada no acórdão arbitral de 2015, fls. 36/8) ficara logo decidida no acórdão da Relação, nessa parte não objeto da revista, nos seguintes termos, transcritos no acórdão do Supremo:

«(…) não vemos como poderá ser recusada a possibilidade de uma decisão jurisdicional ser modificada se os factos em que assentou vierem a sofrer alteração relevante posterior, designadamente, deixando de se verificar. Sendo evidente que o trânsito em julgado da decisão não tem a virtualidade de conformar a realidade ao que nela foi pressuposto. E se alteração da realidade relevante, verificada na pendência da causa, deve ser atendida na decisão a proferir, se for oportunamente invocada pela parte interessada, também devem poder ser atendidas as alterações de facto supervenientes, que contendam com a verificação dos pressupostos de facto da decisão já proferida, mesmo depois transitada. Como se ponderou no acórdão ora impugnado, é apodítico que uma tal situação é merecedora de tutela jurisdicional e, por conseguinte, não deve deixar de ser reconhecido o correspondente direito de ação. (…) Sendo esse direito de ação que foi exercido pelos ora réus e reconhecido pelo acórdão agora impugnado».

Impugnado o acórdão arbitral de 2015, foi, pois, por decisão judicial transitada, validada a tese da submissão do caso julgado ao princípio rebus sic stantibus, amplificando-se o quadro de previsão estritamente definido nos arts. 282º e 619º, nº 2 do CPC (sobre este ponto, em geral, M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre O Novo Processo Civil, 2ª ed., pp. 586/7) e ratificada a idoneidade da propositura da ação com tal objeto, como viera entendido naquele mesmo acórdão.

Não cabendo, obviamente, de novo sindicar o acórdão arbitral produzido, importa interpretá-lo, em vista, designadamente, do âmbito de previsão da citada alínea g) do art. 729º do CPC, a cuja luz foi processualmente assumido como fundamento dos embargos.

9.2. A ação modificativa do caso julgado formado sobre a anterior decisão arbitral de 2009, com base na alegada superveniência de factos essenciais, como referido, foi tida como admissível no acórdão arbitral de 2015, ponderada a «excepcionalidade da situação» (fls. 38 do acórdão).

Essa nova ação, em tese examinada em Acção Modificativa do Caso Julgado Arbitral: Um Meio de Impugnação Esquecido, Paula Costa e Silva e Nuno Trigo dos Reis, ROA, Abril/Junho 2014, pp. 433/4 (realces acrescs.), «(…) dirigida à modificação dos efeitos da decisão transitada em julgado desvela, no fundo, uma solução de superveniência qualificada, em que, sob a forma de uma nova instância, são “introduzidas” as novas alegações de facto relevantes para o proferimento de uma decisão adequada à realidade presente, com eficácia ex nunc. (…) o objeto da nova ação confinar-se-á à rediscussão da decisão pretérita nos estritos limites em que o desvio no decurso da realidade nela pressuposta a atinja. Tudo quanto se mantenha, porque não atingido pela erosão dos fundamentos da decisão, não pode ser reapreciado e decidido. A decisão não será revogada e substituída por outra: ao invés, mantendo-se necessariamente incólumes os seus fundamentos jurídicos, proceder-se-á a uma adaptação do decidido à nova realidade».

Com o referido alcance deve ser interpretado o acórdão arbitral de 2015: o acórdão, ao examinar a cláusula penal (cláusula 11ª do contrato-promessa), em vista a comprovar a existência de factos supervenientes que alteraram as circunstâncias que haviam determinado o cômputo da pena, com base em juízos de prognose, teve como assente que «o facto identificado com características úteis de superveniência é o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Março de 2012. Já o Plano de Pormenor para o Parque Mayer, revestindo-se embora dessa potencialidade, não interferiu no cômputo da pena» (fls. 78 do acórdão).

Reafirmou, reportando-se ao anterior acórdão de 2009, que «o princípio de intangibilidade do julgado obriga a que aquela decisão se mantenha incólume, estando excluída qualquer possibilidade de, directa ou reflexamente, apreciar ou sindicar eventuais erros de julgamento» (ibidem; realce acresc.).

E, mais à frente (fls. 79 do acórdão; realces acrescs.), quanto à «natureza da presente acção cujo objecto é a modificação do caso julgado constituído pela primeira decisão arbitral. O Tribunal Arbitral só pode mover-se num espaço de apreciação confinado à cláusula penal que tem como pressuposto, no caso sub judice, a existência de factos supervenientes e, como quadro de referência, dada a excepcionalidade da situação, a equidade. Neste contexto, o respeito pela intangibilidade da decisão arbitral exige que a modificação do julgado apenas opere a partir da data do facto superveniente. De outro modo, a modificação traduzir-se-ia na revogação parcial da decisão arbitral, ao arrepio das circunstâncias históricas em que foi proferida que não tiveram nem podiam ter em consideração aquele facto.»

Deve, pois, atenta a tipologia da ação e os apontados termos em que se manifesta, ser o acórdão de 2015 interpretado como complementarmente subordinado à anterior decisão arbitral, no respeito do caso julgado sobre aquela formado, como tal circunscrevendo-se, em matéria da operada redução do montante da pena estabelecida na cláusula penal, à «correção do juízo de prognose e a reposição da conformidade entre a realidade tal como pretérita e intraprocessualmente pressuposta e a realidade tal como intraprocessual e postumamente provada» (Acção Modificativa…, cit., pág. 429).

9.3. A disposição mantida na alínea g) do art. 729º do CPC atual, nas palavras de Alberto dos Reis, então com referência ao nº 9 do art. 813º do CPC de 1939 (Processo de Execução, vol. 2º, pp. 28/9), enuncia, em contraponto aos fundamentos específicos precedentemente previstos, um fundamento de carácter genérico.

Os dois requisitos exigidos – que o facto seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e que se prove por documento – visam «evitar, por um lado, que o processo executivo sirva para destruir o caso julgado, para invalidar o benefício que a sentença atribuiu ao exequente», articulando-se a data referenciada com o disposto na parte final do nº 1 do art. 611º do CPC e «por outro lado, obstar a que a oposição à execução se converta numa renovação do litígio a que pôs termo a sentença que se executa».

A admissibilidade da oposição com fundamento na ocorrência de factos extintivos ou modificativos posteriores é, nos seguintes termos, evidenciada: «O caso julgado tem de ser respeitado e acatado; mas pode suceder que a situação jurídica apreciada e declarada pela sentença já não corresponda à realidade jurídica no momento em que se promove a ação executiva».

9.4. Razões de justiça material e de adequação processual, de economia e de aproveitamento dos atos, convergem na previsão da norma contida na alínea g) do art. 729º do CPC e na constatada amplitude com que ela é enunciada.

Razões essas igualmente subjacentes à admissibilidade da figura da ação modificativa do caso julgado arbitral, donde emerge o acórdão de 2015, fundamento constituído dos presentes embargos, à luz da disposição legal em causa – disposição invocada na petição.

Não se discutindo os requisitos exigidos na previsão normativa, quanto ao momento de produção e à forma, o acórdão arbitral modificativo do anterior integra-se como facto (jurídico) modificativo – e não extintivo –, como claramente decorre da sua examinada natureza e condicionado alcance (supra, 9.2).

A apontada autonomia de que se reveste o novo acórdão arbitral, enquanto facto jurídico modificativo a fundar os presentes embargos, respeita à forma e conteúdo legalmente estabelecidos (art. 42º da LAV) – e não à autónoma conformação e alcance.

O segundo acórdão arbitral, como acima referido, não revoga o anterior, nem extingue a obrigação por este titulada.

O acórdão arbitral de 2009 persiste como título fundador da execução, apenas sofrendo a alteração quantitativa nele produzida pelo acórdão arbitral de 2015 (o acórdão modificativo), de tal modo que a execução só poderá prosseguir nos termos deste resultantes, conformemente decidido pelas instâncias.

9.5. O decidido prosseguimento não é ele «causa [de] uma injustificada e desproporcionada onerosidade aos Recorrentes (…), designadamente os relativos à prestação de uma garantia bancária de valor elevado por ter sido calculado a partir do reconhecimento de uma obrigação de € 5.000.000,00 que, entretanto, o segundo Acórdão arbitral veio fixar em € 2.000.000,00» (conclusão FF da alegação dos Recorrentes).

Remete-se, no mais, para a pronúncia constante da sentença da 1ª instância: «Quanto à caução (substitutiva da penhora) relativamente à qual as partes colocam questões – ser libertada, ser reduzida – nos embargos, não é nestes que compete decidir quanto ao pagamento e forma de o realizar, pelo que, tais questões são do âmbito da execução na qual se repercute a decisão dos embargos e, por decorrência, o valor a entregar ao exequente».


III

Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 22 de Março de 2018

J. Cabral Tavares (Relator)

Fátima Gomes

Acácio das Neves