Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3323/13.5TJVNF.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: DANOS FUTUROS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
RECONVERSÃO PROFISSIONAL
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA
PERDA DE CHANCE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR
PEDIDO
DANOS PATRIMONIAIS
TERCEIRO
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 01/12/2017
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO À REVISTA DA RÉ; CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA DA AUTORA AA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS NÃO DETERMINÁVEIS / INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS ( DANO BIOLÓGICO ).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / SENTENÇA CONDENATÓRIA / LIMITES DA CONDENAÇÃO / FACTOS JURÍDICOS SUPERVENIENTES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 564.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 609.º, N.º 2, 611.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 30 DE OUTUBRO DE 2008, PROC. N.º 07B2978 OU DE 10 DE NOVEMBRO DE 2016, PROC. N.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, AMBOS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 15 DE MARÇO DE 2012, PROC. N.º 4730/08.0TVLG.L1.P1.
-DE 4 DE JUNHO DE 2015, PROC. N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Tendo a autora peticionado a condenação da ré no pagamento das despesas que venha a ter com o apoio de terceira pessoa, nada impede que a Relação as adite ao rol de despesas integrantes da condenação a liquidar por se tratarem de danos patrimoniais futuros.

II - A circunstância de, à data do acidente, a autora se encontrar profissionalmente inactiva não implica que as sequelas de que ficou a padecer deixem de ser consideradas como determinantes de incapacidade de ganho, tanto mais que, mostrando-se afastada a hipótese de reconversão profissional, a incapacidade permanente parcial acaba por equivaler a uma incapacidade absoluta para o trabalho.

III - Assim, demonstrando-se que: (i) a autora tinha 60 anos à data do acidente; (ii) que, em virtude do mesmo, ficou a padecer de uma IPP de 10 pontos; (iii) e que, passou a estar reformada e não poderá vir a aceitar um trabalho correspondente à profissão que antes exercera, é ajustado, tendo em conta o valor do salário mínimo nacional à data, fixar a indemnização devida pelos danos patrimoniais futuros em € 20 000 (como se decidiu na 1.ª instância e não a quantia de € 12.500 arbitrada pela Relação).

III - Não havendo qualquer alteração que o justifique, não é de ter em conta o lapso de tempo decorrido entre o acidente e a sentença, tanto mais que, se assim não fosse, os juros de mora apenas poderiam ser contados a partir desse momento.

IV - Tendo ainda ficado demonstrado que: (i) a autora foi submetida a intervenções e tratamentos agressivos; (ii) viu a sua autonomia e capacidade de desenvolver a sua vida habitual muito limitadas; (iii) sofreu e sofre dores, medo e angústia; revela-se ajustada a condenação da ré no pagamento da quantia de € 15 000 (tal como foi decidida pelas instâncias) a título de compensação pelos danos não patrimoniais por ela sofridos.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA instaurou uma acção contra a Companhia de Seguros BB, SA, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização de € 105.691,23, pelos danos resultantes de um atropelamento de que foi vítima, por um veículo segurado na ré, provocado por culpa exclusiva do respectivo condutor, acrescidos dos juros de mora, calculados à taxa legal desde a citação. Pediu ainda a condenação da ré no “pagamento da(s) indemnização(ções) que se vier(em) a liquidar em decisão posterior relativamente às quantias que a aqui Autora, em consequência das lesões sofridas no presente acidente, venha a despender com tratamentos médico-hospitalares, consultas, assistência médica e medicamentosa, apoio de terceira pessoa e, ainda, por eventuais períodos de incapacidade, despesas de transportes e mais encargos emergentes e tratamento das lesões sofridas”.

A ré contestou, sustentando a improcedência parcial da acção. Afirmou desconhecer a factualidade relativa ao acidente e às suas consequências, mas serem estas parcialmente inexactas na medida em que a autora já sofria, antes do acidente, de “alterações degenerativas seja ao nível do ombro e da coluna lombar” que afectavam o “mais regular desempenho de ordem pessoal e profissional”; disse ainda que a ré já tinha enviado um cheque para pagamento de algumas das despesas cujo ressarcimento a autora pede.

Deferido o requerimento da ré de fls. 175, de apensação do processo nº 3388/13.0TJVNF, passou a integrar este processo a acção proposta por CC contra a mesma seguradora, relativa a um pedido de indemnização por danos decorrentes do mesmo acidente, no montante de €25.491,30, com juros vincendos, calculados à taxa legal desde a citação; na qual a ré contestara, afirmado igualmente que desconhecia os factos alegados relativos ao acidente e às consequências sofridas por esta autora, apenas afirmando que, antes do acidente, já sofria de “alterações degenerativas na coifa dos rotadores”.

A acção foi julgada parcialmente procedente, pela sentença de fls. 227, nestes termos:

“Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré COMPANHIA DE SEGUROS BB, S.A. a pagar:

1 – à Autora AA:

a). a quantia de € 24.925,73 (vinte e quatro mil, novecentos e vinte euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, desde 9 de Dezembro de 2013 e até integral pagamento” [danos patrimoniais];

“b). a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, contados desde a data da presente sentença e até integral pagamento” [danos não patrimoniais];

“c). a quantia que se vier a liquidar em incidente póstumo relativamente ao valor das roupas destruída e até ao limite máximo de € 370,00 (trezentos e setenta euros), também acrescida de juros mora desde aquela data de 9 de Dezembro de 2013 e até integral pagamento, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil;

d). as quantias, também a liquidar, correspondentes a todas as despesas que a Autora vier a suportar com assistência médica anual em ortopedia, fisioterapia regular de manutenção e medicamentos analgésicos em SOS até ao fim da sua vida, absolvendo a Ré no mais que vinha peticionado.

2 – à Autora CC:

e). a quantia de € 2.522,00 (dois mil, quinhentos e vinte e dois euros), acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, desde 18 de Dezembro de 2013 e até integral pagamento” [danos patrimoniais];

f). a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil”[danos não patrimoniais].


As autoras recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães; a ré interpôs recurso subordinado.

Pelo acórdão de fls. 363 do Tribunal da Relação de Guimarães, foi concedido provimento parcial aos recursos:

“Termos em que se acorda em conceder provimento parcial aos recursos, e, em consequência, condenar a ré, Companhia de Seguros BB, SA a pagar à autora AA:

– a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, a quantia de euros 17.425,73, acrescida de juros contados a partir da citação às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artigo 559º, nº 1 do Código Civil, até integral pagamento;

– as quantias que ela despendeu desde Dezembro de 2013 e vier a despender com a remunerações a terceira pessoa que lhe presta auxílio;

– no mais se confirmando a sentença recorrida”.

 

2. Recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, a título principal, a ré e, subordinadamente, a autora AA.

Nas alegações que apresentou, a ré formulou as seguintes conclusões:

1º) Foi concedida pela 1ª instância uma verba indemnizatória pelo dano patrimonial futuro adveniente, não da perda de ganho, mas sim da diminuição de capacidade física da autora lesada respectiva e dos encargos ou esforços a mais que teria de despender na vida futura, fixando-se aí a quantia a tal efeito de € 20.000;

2º) O Tribunal a quo, com o entendimento de que nenhum dano ou indemnização, melhor, por tal virtude negativa podia ser agora concedido, de Direito, manteve todavia os 12.500 sufragados pela Ré apelante ao mesmo efeito ou pressuposto comarcão, em redução proposta ao mesmo com a sua apelação;

3º) E não obstante, concedeu ainda o Tribunal a quo uma (NOVA) indemnização, conferida já como dano genérico – não peticionado contudo na acção!, nem nela liquidado fora, como devia... se existente fosse – e à revelia do silêncio e/ou da decisão a propósito tomada na 1ª instância a esse respeito – v. apoio/ajuda de terceira pessoa e as despesas tidas ou suportadas já então pela lesada, em tempo ou período passado, de acordo com a alegação feita na acção, sem outra liquidação nem ampliação de pedido da mesma autora lesada;

4 º) Ao fazê-lo, equivocou-se o Tribunal a quo, com todo o devido respeito, pois não teve em boa conta o que estava alegado na acção e/ou resultava já da factualidade nela provada e demonstrada pela lesada, não tendo o tribunal como se lhe substituir nem providenciar a propósito, em função do disposto na lei processual implicada, maxime atento o disposto no art. 611º/1 in fine NCPC, quanto à actualidade da decisão da 1ª instância, e conformemente ao alegado na acção;

5º) Com isso violou-se o disposto nos arts. 358º, 556º e 611º NCPC, de par com o normativo dos arts. 502º-506º CCivil Português, que se mostram terem sido violados, por erro de interpretação ou aplicação, nessa parte, o que pela presente revista importa corrigir, fazendo-se a devida aplicação dos mesmos ao caso.

TERMOS EM QUE,

Deve o recurso ser julgado procedente, decidindo-se em conformidade com as conclusões supra, e assim se fazendo a habitual Justiça!”


AA contra-alegou, concluindo assim:

“1 - O douto Acórdão recorrido não incorreu na atribuição, à Autora, de uma dupla indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico.

2 - A A. sempre necessitou, desde a data da alta hospitalar pós-acidente, da assistência de 3a (terceira) pessoa, como vai necessitar no futuro dessa assistência até ao termo da sua vida.

3 - Tal necessidade futura de 3a pessoa constitui dano patrimonial, e é previsível, e, como tal, a indemnização a esse título deve ser considerada autónoma e distinta da indemnização pelo dano biológico ou pela incapacidade resultante da diminuição da sua condição física, como o entendeu o douto Acórdão recorrido.

4 - Ao ter decidido como doutamente o fez, o douto Acórdão recorrido fez correcta interpretação e aplicação da lei, e, designadamente, do disposto nos art°s 502° e 506° do CC. e demais preceitos invocados pela recorrente.

TERMOS em que deve ser julgado de todo improcedente o recurso de revista da Ré, e, assim, manter-se nessa parte o doutamente decidido pelo Tribunal recorrido.”


Nas alegações do recurso subordinado, AA formulou as seguintes conclusões:

1ª) - Segundo entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido, in casu não haveria lugar nem a indemnização por perda de rendimentos ou de expectativas salariais, nem a indemnização em sede de dano futuro ou dano biológico devido ao facto de a A., ora recorrente, não exercer actividade remunerada à data do acidente, entendimento este com que, com a devida vénia, não podemos concordar, e por isso, aqui sindicamos.

2a) - A A. encontrava-se, à data do acidente, na situação de inactiva, mas inscrita no Centro de Emprego, como trabalhadora, à procura de emprego.

3a) - Não fora o acidente dos autos e as sequelas dele resultantes, designadamente uma IPG ou DFPIT de 10 pontos, e dependência de 3a pessoa, e a A. poderia ter entrado na vida activa e continuado a sua carreira contributiva para a Segurança Social, com a consequente melhoria da sua pensão de reforma.

4a) - Em virtude das lesões e de mais sequelas sofridas com o acidente, que a impossibilitaram de todo para o trabalho, e lhe determinaram uma IPG ou DFPIT de 10 pontos, deve à A. ser atribuída, em sede de dano patrimonial futuro ou dano biológico uma indemnização em montante nunca inferior a € 45 000,00 (quarenta e cinco mil euros), esc a A. teve que devem ser fixadas em e danos patrimoniais futuros, aqueles e estes a calcular em função do salário mínimo (RMMG).

5a) - Os prejuízos ou perda de expectativas salariais no período compreendido entre a data do acidente e a da sentença, não devem, por seu turno, ser fixados em montante inferior a € 15 000,00 (€ 485,00 x 32 meses).

6a) - A compensação arbitrada pelos danos não patrimoniais no valor de quinze mil euros, mostra-se, a nosso ver, reduzida face às sequelas sofridas e melhor explicadas na motivação retro, devendo ser compensadas com montante nunca inferior a € 35 000,00 (trinta e cinco mil euros).

7a) - Ao ter decidido nos termos constantes do douto Acórdão recorrido, o Tribunal a quo incorreu em erro de interpretação ou de aplicação e, assim, também na violação, entre outras disposições legais, do disposto nos art°s 483°, 499°, 562°, °, todos do Código Civil, quanto aos danos patrimoniais, e do disposto no art° 496°, do mesmo diploma quanto aos danos não patrimoniais.

TERMOS em que deve ser dado provimento ao presente recurso de revista, revogando-se o douto Acórdão recorrido, e proferindo-se, em sua substituição, um outro que esteja em conformidade com as conclusões retro, assim se fazendo a costumada Justiça”.

3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

“1. no dia 13 de Novembro de 2012, cerca das 21,30 horas, na Rua …, da freguesia de …, S. Martinho, do concelho de Vila Nova de Famalicão, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes as Autoras, que seguiam a pé e o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula ...-...IH, adiante também designado por “IH”, conduzido por DD, mas cuja propriedade pertence à empresa “EE - Serviços e Soluções Informáticas, Ldª”, adiante designada por “EE”;

2. à data do acidente, a responsabilidade civil emergente da circulação do referido IH achava-se transferida, pela “EE”, para a Ré, pelo contrato de seguro titulado pela apólice com o nº 200…;

3. no circunstancialismo de tempo e lugar atrás referidos, o condutor do IH circulava no sentido de marcha Vale S. Cosme - Vale S. Martinho/V.N.Famalicão e as Autoras circulavam, a pé, na mesma rua, de frente para os veículos que circulavam no dito sentido, pelo lado direito da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do IH;

4. a via, no local, tem a largura de 5,20 metros, configurando uma recta, precedida de uma curva muito fechada, donde provinha o IH;

5. a Ré BB reconheceu, por escrito, a responsabilidade total do condutor do veículo IH pela eclosão do acidente e indemnizou alguns danos sofridos;

6. a Autora AA nasceu em 17/09/1952;

7. a Autora CC nasceu em 24/04/1955;

8. após o acidente, a Autora AA foi transportada pelo INEM para o serviço de Urgência do CHMA-Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE, Unidade de V.N. Famalicão, onde foi assistida e ficou internada;

9. em resultado do acidente a Autora, além de hematomas, escoriações várias no tronco e feridas superficiais em todo o corpo, sofreu as seguintes lesões: traumatismo cranioencefálico caracterizado por ferida do couro cabeludo (região parietal direita medindo 5 cm) e pequena hemorragia subaracnoídea; fractura da 11ª costela direita; - Fractura das apófises transversais direitas de L.1, L.2 e L.3; luxação do ombro esquerdo; - Luxação do ombro direito; fractura da bacia, ramo isquiopúbico, com contusão da parede abdominal; cicatriz normocrónica medindo 10 cm na zona abdominal, paramediana esquerda, e traumatismo do joelho direito;

10. a Autora AA esteve internada desde o dia do acidente (13/11/2012) até 22/11/2012, data em que lhe foi dada alta passando, a partir de então, para a consulta externa de ortopedia, em regime de ambulatório e regressou à sua residência onde vivia, como ainda vive, com o seu marido, reformado, com uma pensão anual de euros 6.437,76;

11. em 10/01/2013, a Autora AA, por indicação da Ré seguradora, compareceu na Casa de Saúde da …, na cidade do Porto, para verificação da consolidação das lesões, consultas que se repetiram em 24/01/2013 e 31/01/2013;

12. em 16/01/2013, 25/01/2013 e 19/07/2013, a Autora AA, a prescrição do médico ortopedista indicado pela Ré, Dr. FF, foi sujeita a exames radiológicos na Clínica de Imagiologia Dr. GG, sediada em … e, em 24/01/2013,31/01/2013 e 11/02/2013, recorreu às consultas de neurologia e ortopedia na referida Unidade de Saúde do Porto;

13. em 14/02/2013, a Autora AA compareceu a nova consulta de ortopedia, na Casa de Saúde da …, a que se seguiram mais 8 (oito) outras consultas, normalmente com o Dr. FF;

14. a prescrição do médico responsável pelo serviço de ortopedia do CHMA e depois confirmado pelo referido Dr. FF, a Autora AA começou a fazer fisioterapia, a partir de 15/02/2013, com vista à sua recuperação funcional, mormente dos ombros, bacia, joelho e pernas, na Clinica de Fisioterapia de …, Ldª, com periocidade diária, excepto fins de semana e até 14/03/2013;

15. as sessões de fisioterapia consistiam na aplicação de calores húmidos mormente na zona escapular, da cintura pélvica e joelhos, ionizações, TENS (neuroestimulação eléctrica transcutânea) ultra-sons, massagens e exercícios de reabilitação física e tinham uma duração média de 2 (duas) horas e eram particularmente dolorosas para a Autora Maria Louro;

16. a Autora AA fez, no total, 113 (cento e treze) sessões de fisioterapia no período compreendido entre 15/02/2013 e 28/08/2013;

17. em 29/08/2013, foi dada alta definitiva à Autora AA pelo médico ortopedista da Ré, Dr. FF;

18. a Ré já pagou à Autora AA, por conta dos danos materiais, mormente dos medicamentos e deslocações, a quantia total de euros 323,23;

19. a Ré goza de óptima e estável situação económico financeira;

20. após o acidente, a Autora CC foi transportada, pelo INEM, para o Serviço de Urgência do CHMA-Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE, Unidade de V.N. Famalicão, onde entrou com ferimentos na cabeça, escoriações na face, no nariz, em ambos os membros (superiores e inferiores) e nos joelhos;

21. no CHMA, após ter sido assistida e feito RX à cabeça, foi-lhe dada alta;

2. no dia 14/11/2012 (dia seguinte) a Autora CC apresentou-se novamente no SU do CHMA, com queixas de dor e dificuldade de mobilização no ombro esquerdo;

23. no mesmo dia 14/11/2012, o médico assistente do CHMA, face a explícitos sinais de alarme, pediu a realização de Raio X ao ombro e encaminhou-a para ortopedia, após o que lhe foi dada novamente alta;

24. em 10/01/2013 e 24/01/2013, a Autora CC, por indicação da Ré, compareceu na Casa de Saúde da …, na cidade do Porto, para verificação da consolidação das lesões, pelo médico ortopedista, Dr. FF, a quem referiu queixa de dores no ombro esquerdo;

25. em 28/03/2013, a Autora CC compareceu novamente à consulta do Dr. FF, na Casa de Saúde da … o qual, nessa mesma data, lhe deu alta clínica;

26. a Autora CC, até fins de Dezembro de 2010, esteve ao serviço da empresa “Textil HH, SA”, como trabalhadora por conta de outrem e com a categoria de fiandeira, mediante a remuneração-base então de euros 475,00 x 14 meses, acrescida do subsídio de alimentação e prémio de assiduidade, nos valores, respectivamente, de euros 2,40/dia e 16,26/mês.

27. à data do acidente, a Autora CC encontrava-se na situação de desemprego, mas à procura de emprego e como tal inscrita no Centro de Emprego;

28. se empregada, a sua remuneração seria, no mínimo, equivalente ao salário mínimo (RMMG);

29. a Ré já pagou à Autora CC, por conta dos danos materiais relativos a óculos e deslocações, a quantia de euros 338,00;

30. súbita e inesperadamente surgiu, saído da curva que precede o local do acidente, o veiculo IH, o qual, completamente desgovernado e em despiste, invadiu o limite exterior do lado direito da sua hemifaixa de rodagem, que ultrapassou, indo colher a Autora AA, já na berma direita, sempre atento o sentido de marcha do IH;

31. a Autora AA, mercê do embate, foi projectada contra o vidro pára-brisas do IH e posteriormente em direcção à ravina adjacente a um campo marginal à estrada, situado do lado direito (atento o sentido de marcha do IH) e a um desnível de cerca de 4 metros, por onde roçou encosta abaixo, só parando em cima de um silvado, inanimada;

32. o IH sofreu danos visíveis no pára-brisas e no espelho retrovisor direito e deixou marcas de travagem e vestígios de cabelo no lado direito do seu vidro pára-brisas;

33. o local do acidente situa-se dentro de uma povoação e a via é marginada, dum lado e do outro, por casas de habitação;

34. o condutor do IH acabara de colocar umas chaves na consola (parte central) do seu veículo;

35. nos dois primeiros meses após alta hospitalar, a Autora AA, a indicação do médico do CHMA e por causa das dores em todo o corpo e, mormente, na zona da bacia, costas, pernas, joelho e barriga, teve de permanecer no leito e, devido à falta de mobilidade, teve de recorrer à assistência de uma terceira pessoa;

36. era essa 3ª pessoa que ajudava a Autora AA a levantar-se e deitar-se na cama, lhe dava banho, ajudava-a a vestir-se, cozinhava, lhe dava de comer, a si e ao seu marido, tratava da limpeza da casa e das roupas e de todas as de mais lides domésticas, sendo esse trabalho doméstico realizado por II;

37. no 3º mês pós-alta, a Autora AA passou a levantar-se do leito, mas como não aguentava permanecer de pé, nem sentar-se por muito tempo, devido às muitas dores, voltava para a cama, passando o dia entre o sofá e a cama;

38. pelos três primeiros meses, a Autora AA pagou, a essa terceira pessoa, a quantia de (euros 300,00 x 3) euros 900,00;

39. a partir do mês de Março de 2013 e até fins de Agosto de 2013, a dita 3ª pessoa passou a fazer duas horas por dia, de segunda a sábado, à razão de euros 5,00/hora e euros 200,00/mês, a quem foi pago um total de euros 1.200,00;

40. a Autora AA mantém a necessidade do auxílio dessa terceira pessoa de forma parcial e complementar para as tarefas de limpeza, vestuário e preparação de alimentos;

41. o horário da dita 3ª pessoa foi reduzido para 6 (seis) horas semanais, a partir de Setembro de 2013, passando a fazer, às 2ªs, 4ªs e 6ªs feiras, os trabalhos que a Autora não consegue fazer, tais como lavar e passar a ferro as roupas, lavar vidros, varrer e limpar a casa e de mais lides caseiras que exijam mais esforço, a ela tendo já pago, até fins de Novembro de 2013, a quantia de (euros 120,00 x 3) euros 360,00;

42. a Autora AA apresenta ainda as seguintes sequelas resultantes das lesões sofridas: 1 - Rigidez do ombro esquerdo, na flexão e abdução (0º - 80º), com ligeira limitação da rotação externa, com dor à palpação e mobilização; 3 – Dor à palpação na região lombar, sem limitação significativa da mobilidade do ráquis;

43. as sequelas resultantes das lesões sofridas acarretam à Autora AA um défice funcional permanente da integridade física de 10 pontos;

44. a Autora AA, à data do acidente, era uma pessoa saudável e sem antecedentes patológicos e, antes do acidente, assegurava todas as lides domésticas na sua casa de residência e, designadamente, confeccionando as refeições, para si e para a família, lavando e arrumando a loiça, lavando e tratando das roupas e varrendo e aspirando o pó da sua casa e dos móveis, fazia as compras nas mercearias e supermercados e trazia-as para casa, pegando em sacos pesados e com os mesmos subia e descia as escadas;

45. como consequência das lesões sofridas quando do acidente, a Autora AA não consegue: a) - dormir para o lado esquerdo devido às dores que sente ao nível do ombro e anca. b) - fazer carga de sacos de compras ou de qualquer outros pesos, não as podendo arrumar nos veículos automóveis ou prateleiras da dispensa, devido às limitações de mobilidade do ombro e pernas e à dor desencadeada em esforço. c) - andar de joelhos, aninhar-se, apertar os sapatos ou fazer quaisquer outros esforços que obriguem a curvar-se, devido às dores agudas que tais esforços lhe causam;

46. os primeiros movimentos ao sair da cama e ao iniciar a marcha tornam-se instáveis e dolorosos para a Autora e só gradualmente e ao fim de algum tempo consegue recuperar a marcha;

47. a Autora AA deixou de poder fazer caminhadas, por pequenas que sejam, pois não consegue aguentar-se de pé por muito tempo, o que a obriga a sentar-se recorrentemente para recuperar das dores e para não cair, o que muito a entristece e a faz temer o futuro;

48. cada gesto, cada movimento mais brusco transforma-se num verdadeiro calvário, sendo tais dores e mais limitações físicas impeditivas da realização, no quotidiano, das lides domésticas e de outras actividades que exijam mobilidade e disponibilidade física;

49. a Autora AA, durante muitos anos, foi operária têxtil, na Fábrica Têxtil HH e, nos últimos anos e até Agosto de 2011 trabalhou, como operária de …, para a empresa “ JJ - Unipessoal, Lda”, com sede em …, sendo a sua última remuneração correspondente ao salário mínimo (RMMG);

50. à data do acidente, encontrava-se na situação de inactiva, mas inscrita no Centro de Emprego, como trabalhadora à procura de emprego;

51. a Autora AA está reformada e, devido às limitações físicas derivadas do acidente, não mais poderá aceitar e conseguir trabalho correspondente às referidas categorias profissionais (operária têxtil ou empregada de limpeza) ou mesmo a qualquer outro;

52. a mobilidade profissional, em busca de melhores condições salariais e de trabalho, se antes do acidente era possível para a Autora, ficou seriamente comprometida com o acidente e suas sequelas;

53. a Autora AA, à data do acidente, era uma pessoa alegre, extrovertida, determinada e cheia de genica;

54. como consequência do acidente, a Autora AA tornou-se uma pessoa triste, tímida, ansiosa e preocupada com o futuro;

55. a Autora AA sofreu, está a sofrer e continuará a sofrer dores físicas e psíquicas, angústias, ansiedade e desgostos pela situação em que se encontra;

56. a Autora AA viu a morte à sua frente e a sua qualidade de vida mudar para pior;

57. tem ocasionalmente dificuldades em dormir e, por vezes, pesadelos relacionados com o acidente;

58. com portagens, gasolina e gratificação do condutor do veículo particular que a transportou, a Autora AA despendeu, nas 10 (dez) deslocações da morada da sua residência à Casa de Saúde da Boavista, para consultas e percurso inverso (mais de 90 km) uma média de [(10 x (euros 3,10 de portagem+euros10,00 gasolina+euros10,00 gratificação)] euros 231,00;

59. nas 7 (sete) deslocações de táxi, da morada da sua residência à referida Casa de Saúde da … e percurso inverso, a Autora AA despendeu a quantia total de (euros70,00+71,00+80,00+97,40+67,80+82,60+68,80) euros 537,60;

60. na compra de um imobilizador do braço e ombro e de medicamentos, a Autora AA despendeu a quantia total de (euros 20,00+3,70+11,51+5,64 +11,77+6,74) euros 59,36;

61. com as 113 deslocações, em transporte particular, da sua residência, sita em …e, à Clinica de Fisioterapia de … (Calendário) numa distância de cerca de 20 km/viagem (ida e volta) a Autora AA despendeu, no mínimo (20 km x 0,35 x 113) euros 791,00;

62. no momento do acidente, a Autora AA usava uma pulseira e um par de brincos, tudo em ouro, sendo que aquela e um dos brincos se perderam no local, nunca mais tendo sido encontrados;

63. na compra de um novo par de brincos, na ourivesaria Confiança com retoma do brinco não perdido, despendeu a Autora AA a quantia de euros 370,00;

64. o preço de compra de uma nova pulseira de ouro, semelhante à perdida no acidente é, segundo os ourives consultados, de euros 800,00;

65. toda a roupa que a Autora AA vestia quando do acidente ou ficou inutilizada ou foi cortada (no CHMA);

66. em 27/11/2013, a Autora AA recorreu aos serviços da sua Médica de Família, Dr.ª KK, dos Serviços Médico-Sociais, extensão de …, que lhe deu baixa médica por 30 (trinta) dias, a contar de 25/11/2012 e, desde então e até à data de 17/09/2014, foi-lhe sendo sucessiva e ininterruptamente prorrogada, pela sua médica de família, a baixa médica;

67. a Autora AA vai ter de continuar a recorrer a assistência médica anual em ortopedia, a fazer fisioterapia regular de manutenção e a tomar medicamentos analgésicos em SOS até ao fim da sua vida, para atenuar as dores que a continuam a atormentar, com os consequentes encargos;

68. a Autora AA seguia atrás da Autora CC;

69. ao aperceber-se da trajectória do IH e para se furtar ao embate, a Autora CC desviou-se mais para o interior da berma, mas desequilibrou-se e caiu, de cabeça, na ravina contígua, rolando por ela abaixo e só parando no meio das silvas, no campo de cultivo adjacente, situado a cerca de 4 metros de desnível da estrada;

70. em consequência das lesões sofridas, a Autora CC apresenta as seguintes sequelas: dores à palpação e mobilização do ombro esquerdo, sem limitação significativa da mobilidade;

71. em consequência das lesões sofridas e das referidas sequelas permanentes, a Autora CC ficou com um défice funcional permanente da integridade física de 1 ponto;

72. mercê do sucedido, a Autora CC suportou dores e viveu momentos de pânico e angústia, viu a morte à sua frente, o que lhe provocou e provoca ansiedade, tristeza e pesadelos;

73. antes do sucedido, a Autora CC não sofria de qualquer diminuição física;

74. com o acidente, a Autora CC tornou-se uma mulher ainda mais sofrida, triste e pouco comunicativa;

75. na aquisição de uns óculos novos, para substituição dos que usava e se partiram com o acidente, despendeu a Autora CC quantia de euros 600,00;

76. nas 3 (três) deslocações, em transporte particular à Casa de Saúde da …, sita na cidade do Porto e percurso inverso, nos dias 10/1/2013, 24/01/2013 e 28/03/2013, a A. CC despendeu com gasolina e gratificação do condutor, pelo menos, a quantia de euros 60,0 [(3x 10,00 gasolina + 10,00 gratificação)].

Não ficou provado (transcreve-se também):

1. o embate deu-se com a parte frontal direita do IH na zona da cintura e coxa da perna direita da Autora AA e foi projectada para o capôt do IH e, deste, foi impelida, de cabeça;

2. seguidamente, o IH prosseguiu a sua marcha em direcção novamente à sua hemifaixa de rodagem;

3. o condutor do IH circulava a mais de 70 km/hora;

4. o referido em I.41 ocorreu devido às contingências financeiras;

5. a Autora AA apresenta ainda as seguintes sequelas resultantes das lesões sofridas 2 - Limitação da mobilidade do braço direito, com muita dor. 4 - Dores de cabeça na região occipital (picadelas na parte de trás da cabeça); 5 - Rigidez na flexão da coluna lombar; 6 - Rigidez acentuada das articulações das pernas, mormente do lado esquerdo, com perda de mobilidade e coxeio. 7 -Dores persistentes na zona da bacia direita;

6. a Autora AA prestava serviços de … e outros próprios de empregada doméstica para terceiros, assim compondo os seus rendimentos do trabalho;

7. a Autora AA coxeia e claudica na marcha;

8. a Autora AA não tem rendimentos que lhe permitam viver sem trabalhar;

9. a Autora AA, quando do acidente, vestia umas calças compridas, de fazenda, no valor de euros 60,00, uma camisola de lã, no valor de euros 80,00, um casaco de agasalho, tipo kispo, no valor de euros 120,00, um par de sapatos em pele, no valor de euros 80,00, uma camisola interior, cuecas e soutien, estes no valor de euros 30,00, num total de euros 370,00;

10. a Autora AA terá, muito provavelmente, de se sujeitar a cirurgias para colocação de próteses, mormente, na zona da bacia e joelhos;

11. a Autora AA terá, seguramente, de despender quantias monetárias com cirurgias;

12. a Autora AA e o seu agregado familiar não dispõem de fontes de rendimentos suficientes que lhe permitam poder suportar os encargos com assistência médica, hospitalar e medicamentosa, com consultas e com as diversas outras despesas referidas;

13. em consequência das lesões sofridas, a Autora CC apresenta as seguintes sequelas: - Dores no joelho, que a incapacitam para fazer cargas, lavar vidros e outros serviços que impliquem levantar muito o ombro. - Tonturas e cefaleias;

14. ainda como sequelas das lesões sofridas, a Autora CC não consegue dormir para o lado esquerdo, devido às muitas dores que a atormentam ao nível do ombro desse lado;

15. o défice funcional permanente da Autora CC não é compatível com o exercício da sua anterior actividade laboral;

16. a mobilidade profissional, se antes era possível para a Autora CC, ficou seriamente comprometida com o acidente e suas sequelas;

17. a Autora CC, antes do acidente, era uma mulher alegre, expansiva e saudável;

18. com o acidente, a Autora CC mudou completamente, com limitações físicas que a impedem de fazer as tarefas domésticas que exigem uma maior disponibilidade física;

19. a Autora CC, em resultado do acidente, viu inutilizadas umas calças compridas, de fazenda, no valor de euros 60,00, um casaco de malha, no valor de euros 80,00 e ainda uma blusa, no valor de euros 30,00, o que tudo perfaz a quantia de euros 170,00;

20. a Autora CC despendeu com portagens a quantia de euros 9,30 [(3x 3,10 de portagem)]”


4. No recurso principal, a ré coloca a questão da duplicação da indemnização quanto às despesas provocadas pela necessidade de auxílio de terceiro pessoa, até Dezembro de 2013 (por já estar incluída na indemnização por dano patrimonial futuro resultante da “diminuição da capacidade física da autora” AA “e dos encargos ou esforços a mais que teria de despender na vida futura”), indemnização aliás não peticionada nem liquidada na acção;

No recurso subordinado, AA sustentou:

– que lhe deveria ser atribuída a indemnização de € 45.000,00 a título de “dano patrimonial futuro ou dano biológico”,

– e a indemnização de € 15.000,00 por “prejuízos ou expectativas salariais no período compreendido entre a data do acidente e a da sentença”;

– que a indemnização por danos não patrimoniais deveria ser aumentada para € 35.000,00.


5. Só estão em causa as indemnizações atribuídas à autora AA, em ambos os recursos.

Se bem se interpreta a alegação da ré, discorda da atribuição de uma indemnização pelas “quantias que ela [autora] despendeu desde Dezembro de 2013 e vier a despender com a remunerações a terceira pessoa que lhe presta auxílio”, por não ter sido peticionada.

Afirma que essa indemnização corresponde a uma duplicação e, de qualquer forma, é ilegal.

Da leitura da petição inicial verifica-se que a autora pediu a condenação da ré, para além do mais, no pagamento das quantias que vier a despender em “apoio de terceira pessoa”; a sentença não considerou tais despesas na condenação a liquidar; no recurso de apelação, a autor pediu essa condenação (cfr. conclusões 11ª e 15ª); e a Relação, tecendo considerações sobre essas despesas no contexto dos danos patrimoniais, acrescentou-a na decisão.

Não há qualquer vício ou ilegalidade a apontar ao acórdão recorrido, nada impedindo a condenação em danos patrimoniais futuros em montante a liquidar (ou não), como se sabe – cfr. artigos º, nº 2 do Código Civil e 609º, nº 2 do Código de Processo Civil. Não vem ao caso a referência ao artigo 611º do Código de Processo Civil.

4. Quanto à autora AA, vem questionar os montantes atribuídos pelo acórdão recorrido pelos danos patrimoniais futuros e pelos danos não patrimoniais.

Quanto aos primeiros, entende que devem ser considerados a “perda de rendimentos ou de expectativas salariais”, em € 60.000,00 (dos quais, € 15.000,00 se referem “ao período compreendido entre a data do acidente e a da sentença” e o “dano biológico”), e não € 12.500,00; quanto aos segundos, a compensação não deveria ser inferior a € 35.000,00, e não € 15.000,00.

5. Antes de mais, cumpre recordar o seguinte, recordando o que se escreveu já no acórdão de 4 de Junho de 2015, www.dgsi.pt, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, e que se escolhe apenas como exemplo, até porque se debruçou sobre danos da mesma natureza – danos patrimoniais futuros e danos não patrimoniais, com consideração do chamado dano biológico, que pode integrar ambos os tipos de danos:

« – trata-se, em ambos os casos, de indemnizações cujo critério fundamental de fixação é a equidade (artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Código Civil). Ora, como o Supremo Tribunal da Justiça já observou em diversas ocasiões (cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 381-2002.S1), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”. Cfr. ainda os acórdãos de 10 de Outubro de 2012, www.dgsi.pt, proc. 643/2001.G1.S1 ou de 21 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt, proc.nº 2044/06.0TJVNF.P1.S1 ou de 20 de Novembro de 2014, www.dgsi.pt, proc. nº 5572/05.0TVLSB.L1.S1, que se seguem de perto;

– A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade (…). A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242, www.dgsi.pt). Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013 cit.);

– Como repetidamente tem observado o Supremo Tribunal de Justiça, o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho», apontados na sentença, «destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele (cfr., por todos, o acórdão de 7 de Julho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 205/07.3GTLRA.C1).

Cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes” (acórdão de 25 de Junho de 2002, www.dgsi.pt, proc. nº 02ª1321); nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição”;

– Como se disse já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (www.dgsi.pt, 1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 103/2002.L1.S1), “É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978) – e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. Nº 428/07.5TBFAF.G1-S1) A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”;“uma incapacidade permanente geral, compatível com o exercício da actividade profissional habitual mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos dos artigos 562º e segs., do Código Civil, maxime dos artigos 564º e 566º” (acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Outubro de 2011, www.dgsi.pt, proc, nº 428/07.5TBFAF.G1.S1)», bem como o mais recente acórdão de 21 de Março de 2013 (www.dgsi.pt, proc. 565/10.9TBPVL-S1);

– «Para calcular a compensação a atribuir por danos não patrimoniais “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo  artigo 496º e artigo 494º) – cfr., por exemplo, os acórdãos de 31 de Maio de 2012 (proc. nº 14143/07.6TBVNG.P1.S1, www.dgsi.pt) e de 23 de Novembro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 90/06.2TBPTL.G1.S1), o que desde logo revela a natureza também sancionatória da obrigação de indemnizar».

6. Vem provado que a autora AA tinha 60 anos à data do acidente, ficou afectada de uma incapacidade permanente na sua integridade física de 10 ponto (ponto 43. dos factos provados); que foi operária têxtil (ponto 49.) e, “nos últimos anos e até Agosto de 2011” – o acidente ocorreu em 13 de Novembro de 2012 (ponto (1) –, trabalhou como operária de limpeza, “sendo a sua última remuneração correspondente ao salário mínimo (RMMG)”; que estava inactiva profissionalmente à data do acidente, “mas inscrita no Centro de Emprego, como trabalhadora à procura de emprego”; passou a estar reformada, e, “devido às limitações físicas derivadas do acidente, não mais poderá aceitar e conseguir trabalho correspondente às referidas categorias profissionais (operária têxtil ou empregada de limpeza)” (ponto 51; a mobilidade profissional passou a ficar “seriamente comprometida” (ponto 52).

Ambas as instâncias entenderam que, estando sem exercer trabalho profissional à data do acidente, não tinha direito a indemnização por perda de rendimentos do trabalho; a 1ª instância considerou, todavia, que antes tinha direito a ser indemnizada “pela incapacidade traduzida na limitação da capacidade física, que, como tal, representa um dano específico e autonomamente indemnizável". Tendo em conta “o valor do salário mínimo à data, a idade da autora (60 anos), a irreversibilidade das lesões em causa e tudo o demais que se apurou”, teve como equitativa uma indemnização de € 20.000,00.

Mas a Relação entendeu que “se o dano não deriva da perda de capacidade de ganho, então deriva de quê?”; mas, considerando que nenhuma das partes se havia insurgido contra a susceptibilidade de indemnização do dano em causa, baixou o montante da indemnização para €12.500,00, “porque proposta pela seguradora, ainda que se nos afigure exagerada”.

Entende-se que estas considerações não têm fundamento, justificando-se, por isso, a intervenção do Supremo Tribunal: os pressupostos em que assentou a redução da indemnização não são ajustados ao caso concreto.

Em primeiro lugar, a circunstância de a autora se não encontrar a trabalhar profissionalmente à data do acidente não implica que as sequelas com que ficou não devam ser consideradas como causadoras de incapacidade de ganho. A autora trabalhou até pouco mais de um ano antes do acidente e encontrava-se inscrita no Centro de Emprego, como trabalhadora à procura de emprego; o tipo de trabalho que anteriormente desempenhou – operária têxtil e de limpeza – ficou irremediavelmente afastado do seu horizonte, para o caso de conseguir voltar a trabalhar; e a verdade é que, afastada uma hipótese exequível de reconversão profissional cfr. (pontos 51, 52) os 10 pontos de incapacidade acabam por equivaler a incapacidade absoluta para o trabalho: em consequência do acidente, a autora ficou impedida de voltar a trabalhar, perdeu a sua capacidade de trabalho para as profissões que poderia desempenhar; cfr., numa situação semelhante, o caso tratado pelos acórdãos de 30 de Outubro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978 ou de 10 de Novembro de 2016, www.dgsi.pt, proc. nº 175/05.2TBPSR.E2.S1. Neste último, o Supremo Tribunal de Justiça acentua a perda de chance profissional que pode resultar de uma incapacidade absoluta para o trabalho que um lesado está apto a desempenhar, e que em si mesma é um dano patrimonial, não obstante não se traduzir numa imediata perda de rendimento.

No caso dos autos, tendo em conta os elementos ponderados em 1ª instância, cuja correcção não merece censura, entende-se repristinar o valor indemnizatório atribuído em primeira instância, de € 20.000,00, com referência à data da propositura da acção, acrescida, portanto, dos juros de mora contados desde a citação (nº 3 do artigo 805º do Código Civil), nos precisos termos decididos na sentença.

Passa assim para € 24.925,73 a condenação por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados às sucessivas taxas legais, desde a citação até integral pagamento.

A terminar este ponto, cumpre dizer que não se autonomiza o período ocorrido entre o acidente e a sentença – a ser assim, aliás, só poderiam ser contabilizados os juros de mora vencidos após esse momento –, por não ter ocorrido nenhuma alteração que o justifique.

7. No que aos danos não patrimoniais respeita, recorde-se que ambas as instâncias entenderam equitativo o montante de € 15.000,00, sendo certo que a sentença procurou situar este valor no confronto com a jurisprudência que cita.

No caso, verifica-se que, por causa do acidente, a autora, que era uma pessoa alegre e de boa saúde e fazia a sua vida normal (pontos 44, 45, 53), para além de sofrer ferimentos vários (ponto 9), de ter sido internada e submetida a intervenções e tratamentos agressivos, penosos e demorados, passou a ter a sua autonomia e capacidade de desenvolver a vida habitual muito limitada (pontos 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15. 16, 17, 35, 36).

Sofreu medo e angústia com o acidente (pontos 30, 31, 56) e viu a sua integridade física atingida de forma irreversível, ficando com 10 pontos de incapacidade permanente e definitiva (pontos 42, 43, 67).

Sofreu e continua a sofrer dores e angústia, que não se prevê que desapareçam (pontos 37, 42, 45, 46, 47, 48, 54, 55, 57).

Não se discute que se trate de danos suficientemente graves para merecerem compensação, como se exige no nº 1 do artigo 496º do Código Civil; apenas está em causa o respectivo montante indemnizatório, que a autora situa em € 35.000.

Para além do confronto com as situações a que a jurisprudência citada na sentença se refere, do qual resulta efectivamente ser equitativo o montante fixado pelas instâncias, a comparação com decisões mais recentes depois Supremo Tribunal de Justiça conduz à mesma conclusão. Cfr, por exemplo, o acórdão de 15 de Março de 2012, proc. 4730/08.0TVLG.L1.P1, no qual foi arbitrado o mesmo montante de € 15.000,00 por danos não patrimoniais a um lesado de 57 anos de idade à data do acidente que (ponto IV do sumário) “(i) (…) foi assistido no Hospital, onde regressou tempos depois, por dificuldade de locomoção, tendo realizado exames complementares de diagnóstico, após o que lhe deram novamente alta para o domicílio; (ii) por se manterem as dores e as dificuldades na marcha, o autor foi submetido a diversos tratamentos medicamentosos e de fisioterapia; (iii) a 30.11.2006, (iv) o autor foi operado ao ombro esquerdo por ruptura da coifa dos rotadores, e fez acromioplastia com sutura do supra espinhoso; (v) em 2008, foi operado ao joelho; (vi) sofreu dores logo após o embate, durante as 2 operações e restantes tratamentos, dores essas que continua a sentir e continuará a sentir para o resto da sua vida; (vii) ficou com a marcha claudicante, o que o envergonha; (viii) não pode fazer caminhadas, pois fica com dores; (ix) não pode pegar em pesos, e tem dificuldades em se baixar; (x) era uma pessoa afável e bem disposta; (xi) é agora ríspido e agressivo com amigos e familiares; sente-se um inválido e que (xii) o acidente foi provocado por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro, é equitativa a quantia de € 15 000, arbitrada pelas instâncias, a título de dano não patrimonial”.

Mantém-se, assim, esta compensação de € 15.000,00


9. Nestes termos, decide-se:

a) Negar provimento à revista da ré Companhia de Seguros BB, SA;

b) Conceder provimento parcial à revista da autora AA, aumentando para € 24.925,73 a indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a data da citação até integral pagamento;

c) Quanto ao mais, mantém-se o acórdão recorrido.

Custas por ambas as partes que recorreram, na proporção do decaimento.


Lisboa, 12 de janeiro de 2017


Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego