Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3077/16.3T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: FIDEICOMISSO
LEGADO
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
TESTAMENTO
INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO
VONTADE DO TESTADOR
LEI APLICÁVEL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
FACTOS COMPLEMENTARES
VOCAÇÃO SUCESSÓRIA
MORTE
CAUSA DE PEDIR
USUFRUTO
INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / DISPOSIÇÕES E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / COMEÇO E DESENVOLVIMENTO DA INSTÂNCIA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES / GESTÃO INICIAL DO PROCESSO E DA AUDIÊNCIA PRÉVIA / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Inocêncio Galvão Telles, Legado condicional e fideicomisso, Revista do Notariado 1988/1 (Janeiro-Abril), p. 86;
- Lebre de Freitas, Caso julgado e causa de pedir, O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229.º do Código Civil, Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, ROA 2006, Ano 66, Vol. III, in https://portal.oa.pt./publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-iii-dez-2006, p. 8;
- Miguel Teixeira de Sousa, Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, p. 395 e ss.;
- Pires de Lima, RLJ, Ano 101, 1968-1969, p. 40;
- Vaz Serra, Sobre o problema dos fideicomissos condicionais, RLJ, Ano 62, p. 195.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE SEABRA DE 1867 (CC/1867): - ARTIGOS 1109.º, 1761.º, 1860.º, 1866.º, 1867.º E 1870.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, 260.º, 265.º, 581.º, N.º 4, 596.º, N.º 1, 607.º, N.º 2, 635.º, N.ºS 3, 4 E 5 E 639.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 12-01-1995, IN CJSTJ, ANO III, TOMO I, P. 19;
- DE 20-09-2018, PROCESSO N.º 21852/15.4T8PRT.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. A lei aplicável a um testamento é determinada em função do regime legal em vigor à data em que o mesmo foi outorgado e o regime sucessório dos herdeiros e legatários que sejam chamados à sucessão do testador é o regime legal vigente ao tempo da sua morte ainda que o momento da vocação sucessória ocorra em data posterior à morte do testador.

II. Segundo as regras de interpretação previstas no Código Civil de 1867, que não diferem significativamente das do atual Código Civil, deve procurar-se a vontade do testador, atendendo a todo o texto e ao contexto do testamento, ou seja, deve atender-se não só ao texto de cada uma das disposições testamentárias, isoladamente consideradas, mas a todo o conjunto do testamento, acentuando as ligações entre as suas várias partes e referindo-as ao todo que as engloba.

III. Daqui decorre que o facto principal e verdadeiramente estruturante e identificativo da causa de pedir é a vontade real do testador e que todas as cláusulas testamentárias apresentam-se como factos complementares, indiciadores daquele facto principal (vontade do testador) e, nessa medida, integradores da mesma causa de pedir.

IV. Segundo o art. 1860º do Código Civil de 1867, o fideicomisso ou substituição fideicomissária caraterizava-se pela verificação dos seguintes  elementos:

a) dupla disposição testamentária do mesmo objeto (deixa-se a herança ou um legado a A e, por sua morte, a B);

b) encargo de conservar e transmitir, imposto ao fiduciário  em proveito  do fideicomissário;   

c) ordem sucessiva (ordo sucessivus), sendo fiduciário e fideicomissário instituídos sucessiva e não simultaneamente.

V. A disposição testamentária em que o testador instituiu um legado de propriedade da raiz de bens aos descendentes, em primeiro grau, das suas filhas (netos nascituros não concebidos), com previsão de substituição destes para o caso de alguma ou ambas destas, legatárias do usufruto daqueles mesmos bens, “falecerem sem descendentes” que lhe sobrevivam, será de qualificar como um legado subordinado à condição resolutiva de pré-falecimento dos legatários da nua propriedade a suas mães ou como um fideicomisso ou substituição fiduciária sujeito à mesma condição de premoriência dos legatários em relação a suas mães, conforme a vontade do testador e o regime que ele tiver querido adotar.

V. Assim, se o testador apondo a condição «se falecer sem descendentes » que lhes sobrevivam quer que, verificado o pré-falecimento dos legatários da nua propriedade em relação a suas mães, se resolva o legado de propriedade da raiz a favor daqueles seus netos, tudo se passando como se não tivessem sido instituídos, não haverá substituição fideicomissária, porque falta a ordem sucessiva que a caracteriza, estando-se, antes, perante um legado sujeito a condição resolutiva, em que os efeitos da condição  retrotraem-se à data da morte do testador.

Se, diversamente, apondo uma tal condição, o testador quer que a premoriência dos legatários da nua propriedade em relação a suas mães só tenha eficácia ex nunc, então estaremos perante um caso nítido de substituição fideicomissária. Há uma dupla disposição dos mesmos bens e uma ordem sucessiva na vocação das pessoas a quem são atribuídos. A verificação daquela condição não elimina a primeira instituição, fazendo apenas cessar o legado de propriedade de raiz, que se transmite aos segundos instituídos. 

VI. Inferindo-se do texto e contexto do testamento ter sido intenção clara do testador beneficiar os seus netos nascituros, atribuindo-lhes, de imediato, a nua propriedade dos prédios, onerados com o usufruto instituído a favor das respetivas mães, filhas gémeas do testador, proibindo estes legatários de “ vender ou hipotecar” esses bens e prevendo a substituição dos mesmos para o caso de não sobreviverem àquelas usufrutuárias, com o propósito de acautelar o destino dos bens em causa e assegurar que os mesmos permanecessem na sua linha descendente, impõe-se concluir ter sido vontade do testador instituir uma substituição fideicomissária condicional, subordinada à condição de sobrevivência de cada neto a sua mãe.

VII. Assim, verificada a condição de pré-falecimento do legatário em relação a sua mãe, no momento do seu falecimento, ocorre a reversão do seu legado da nua propriedade para os fideicomissários substitutos, pelo que os bens que lhe foram legados, em nua propriedade, pelo testador, não integram o respetivo acervo hereditário, devendo, por isso, ser excluídos da relação de bens apresentada no processo de inventário instaurado para partilha da herança aberta por óbito daquele legatário.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I. Relatório


1. AA e marido, BB instauraram a presente ação contra a ré, CC, pedindo:

a) que seja reconhecido e declarado que os bens que constituem o legado instituído pelo testamento datado de 31.12.1940 do avô materno do inventariado, DD, são incomunicáveis à ré e cabeça de casal;

b) a condenação da ré cabeça de casal a excluir da relação de bens que apresentou no processo de inventário o acervo de bens que constitui o referido legado instituído por testamento.


Alegaram, para tanto e em síntese, que o seu filho, EE, faleceu a 4.11.2013, no estado de casado com a ré e que, para partilha da sua herança, corre termos um processo de inventário, no âmbito do qual a ré, na qualidade de cabeça de casal, apresentou relação de bens nela incluindo, sob as verbas (i) treze (13) a oitenta e seis (86), inclusive, (ii) oitenta e nove (89), (iii) noventa e um (91), (iv) noventa e quatro (94) a cem (100), inclusive, (v) cento e dois (102) a cento e dezasseis (116), inclusive, e (vi) cento de dezoito (118) a duzentos e vinte e cinco (225), bens que, por constituírem um legado instituído nas condições expressas no testamento outorgado, em 31.12.1940, pelo avô materno do inventariado são incomunicáveis à ré, tal como determinou o testador.


2. Contestou a ré, sustentando que o inventariado é, desde há muitos anos proprietário de raiz dos bens relacionados, cuja maioria lhe adveio de disposição testamentária do avô, não significando a cláusula de incomunicabilidade aí estabelecida que os herdeiros legitimários fiquem privados da sua legítima.

Concluiu pela improcedência da ação.


3. Responderam os autores, concluindo como na petição inicial.


4. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a ré dos pedidos contra si formulados pelos autores.


5. Inconformados com esta decisão, dela apelaram os autores para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão proferido em 15.01.2019, revogou a sentença recorrida e julgou a ação procedente, determinando que os bens imóveis que integram o legado sejam excluídos do acervo hereditário e da relação de bens que a ré apresentou no inventário por morte de EE.


6. Inconformada com esta decisão, dela interpôs a ré recurso de revista, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

« 1a.- O douto acórdão recorrido ao ter julgado improcedente a questão prévia oportunamente suscitada pela ora recorrente, (alteração do pedido e/ou causa de pedir formuladas na P.I.), incorreu na violação dos art°s 5o, 260°, 265°, 581° n° 4, 596° n° 1, 607° n° 2, e 615° n° 1 als. d) e e), todos do C.P.C.. Na verdade,

2a.- Os ora recorridos, intentaram a presente acção pedindo ao tribunal que os bens que constituíram o legado instituído pelo testamento datado de 31 de dezembro de 1940, do avô materno do inventariado, (e a favor deste), eram incomunicáveis mortis causa ao seu cônjuge e em consequência os mesmos não podiam integrar o seu acervo hereditário.

3a.- Para fundamentarem tal pedido os autores recorridos alegaram como única causa de pedir (cfr. art. 38 da P.I.), a condição de incomunicabilidade dos cônjuges dos legatários aposta pelo testador.

4a.- Por assim ser, o Tribunal de primeira instância ao proferir o despacho a que alude o art. 596 n° 1 do C.P.C., nos termos seguintes: “Apurar se o legado instituído por testamento de DD de 31.12.1940, avô do falecido EE, não são comunicáveis à viúva deste, por vontade expressa do testador, por morte do legatário”.

5a.- Autores e Ré conformaram-se com o objecto do litígio assim enunciado, de tal modo que não reclamaram de tal despacho.

6ª.- Este foi o pedido que os recorridos deduziram e que o Tribunal conheceu, julgando-o improcedente, e em consequência improcedente foi também julgado o pedido que pressupunha a procedência do primeiro.

7ª.- O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, desconsiderando o pedido e causa de pedir formulados pelos Autores na Petição Inicial, totalmente de surpresa, revogaram a sentença proferida em primeira instância, com fundamento em diferente causa de pedir e/ou pedido, invocada por aqueles na alegação de recurso. Com efeito,

8ª.- Os ora recorridos em sede de recurso alegaram como causa de pedir, que o falecimento do legatário antes da sua mãe, constituía uma condição suspensiva, e por isso o legado não tinha chegado a produzir os seus efeitos, ou por constituir uma condição resolutiva destruía a sua qualidade de legatário desde o falecimento do seu avô materno, autor do testamento, ou que tal facto constituiria uma condição de substituição fideicomissária e sempre em conformidade com a vontade do testador, o que impedia em qualquer das hipóteses que tais bens alguma vez tivessem integrado o património do inventariado, razão pela qual não podiam integrar o seu acervo hereditário.

9ª.- Ao ter decidido como decidiu, o douto Acórdão recorrido, conheceu do recurso com fundamento em causa de pedir e/ou pedido diversos dos que constavam da petição inicial, sem que estivessem verificadas as condições a que alude o art. 265º nºs 1 e 2 do C.P.C., pelo que,

10ª.- O douto acórdão recorrido devia ter rejeitado o recurso e não o fez, em clara violação dos nºs 1 e 2 do art. 265º do C.P.C., conhecendo de questões que não poderia tomar conhecimento, ou seja, conheceu de causa de pedir não invocada e/ou de exceções não alegadas na exclusiva disponibilidade das partes, em clara violação do art. 608º nº 2 do C.P.C. o que gera a nulidade do mesmo que expressamente se invoca, (art. 615º nº 1 al. d), ex. vi do disposto no art. 666º nº do C.P.C.).

11ª.- Acresce que, o douto acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, excedeu os limites do pedido formulado pelos recorridos, pronunciando-se sobre mais do que havia sido pedido e/ou pronunciando-se sobre coisa diversa daquela que havia sido pedida em 1ª instância, em clara violação do nº 1 do artº. 609º do C.P.C. – o que também gera a nulidade do douto acórdão, que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos (art. 615 nº 1 al. e) ex.vi do disposto no artigo 666º nº 1 C.P.C.).

Sem prescindir,

12ª.- O douto acórdão recorrido considerou, no que respeita à propriedade (ou melhor, no que respeita à nua propriedade) dos bens legados aos descendentes de primeiro grau das suas filhas gémeas, que a instituição do legado ficou sujeita à verificação de uma dupla condição: o nascimento dos legatários (condição suspensiva) e a sua sobrevivência em relação às usufrutuárias (condição resolutiva/substituição fideicomissório condicional). E,

13ª.- Como o inventariado (filho dos AA.) faleceu antes da usufrutuária sua mãe, não se verificou a condição de sobrevivência e, por isso, concluiu o douto acórdão recorrido que aquele não era titular de qualquer direito relativamente aos bens legados, passível de transmissão mortis causa aos seus herdeiros (designadamente para a viúva ora recorrente).

14ª.- O douto acórdão recorrido, ao acolher a pretensão dos AA./recorridos, revogando a sentença proferida em primeira instância, violou os normativos artºs. 1109º nº 2, 1761º, 1866º, 1867º nº 1 e 1870º do Código de Seabra, e artºs. 271º, 2024º, 2027º, 2133º, 2142º, 2157º e 2286º, todos do actual Código Civil, os quais deverão ser interpretados nos termos que infra se explicitam.

15ª.- É pacífica a afirmação de que se consagrava no Código de Seabra, (art. 1761º), e no actual código Civil, (art. 2187º), em matéria de interpretação do testamento uma orientação subjectivista, pois que, a mesma visa a determinação da vontade real do testador, sendo esse o objectivo ou finalidade da interpretação.

16ª.- É também pacífico que a presuntiva vontade real do testador só é válida se tiver no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa; ou dito de outro modo: o resultado interpretativo tem de ter obtido expressão no documento correspondente à intenção do testador.

17ª.- Ao contrário do decidido pelo douto acórdão recorrido, os legados da nua propriedade de um conjunto de bens imóveis a favor dos descendentes em primeiro grau, então nascituros não concebidos, das filhas gémeas – FF e AA – do autor do testamento, a quem legou o usufruto vitalício de tais bens (cfr. fls. 22 a 24 do testamento), não ficaram sujeitos à condição de aqueles sobreviverem às suas mães, independentemente da qualificação jurídica que o douto acórdão lhe possa atribuir (suspensiva, resolutiva, ou substituição fideicomissária condicional, sujeita à mesma condição).

18ª.- No que respeita aos bens a que se reportam os presentes autos, como referido supra, legou o usufruto às suas filhas (gémeas, ainda menores) e a propriedade aos descendentes destas (ao tempo, nascituros não concebidos). Assim,

19ª.- Ressalvado sempre o devido respeito por opinião diversa, ao contrário do decidido pelo douto acórdão recorrido, a consolidação da propriedade e da raiz dos bens legados na titularidade dos filhos das filhas gémeas do autor do testamento, ficou sujeita à verificação de um único facto futuro e incerto ao tempo do testamento: a existência de descendentes em primeiro grau das usufrutuárias.

20ª.- A sujeição a tal facto - existência de descendentes em primeiro grau, filhos das usufrutuárias – correspondia a uma condição suspensiva, expressamente prevista e admitida pelo artº. 1824º do Código de Seabra que mandava aplicar às heranças deixadas a nascituros o regime de instituição de herdeiros e legatários, sujeito a condição suspensiva (tal como hoje dispõe o artº. 2204º do C.C., atenta a remissão para os artºs. 2237 a 2239º do C.C.).   Assim,

21ª.- O nascimento dos descendentes das usufrutuárias realiza, por si só, o facto futuro e incerto a que se encontrava condicionado o legado e a partir do nascimento dos filhos das usufrutuárias e enquanto estas forem vivas, o direito de propriedade sobre os bens legados está cindido em usufruto – na titularidade das irmãs gémeas – e em propriedade da raiz ou nua propriedade – na contitularidade dos filhos daquelas. Pelo que,

22ª.- O inventariado, desde o seu nascimento, adquiriu (juntamente com os seus irmãos e primos, filhos da usufrutuária FF) a contitularidade de tal direito.

23ª.- Vale isto por dizer que, diversamente do decidido pelo douto acórdão recorrido, no momento da morte do inventariado EE, existia na (con)titularidade deste o direito da raiz ou nua propriedade sobre os referidos bens legados – e por isso os mesmos integram o acervo hereditário, devendo ser relacionados no âmbito do processo de inventário para serem partilhados entre os seus herdeiros, em conformidade com o disposto nos artºs. 2024º, 2027º, 2032º, 2132º, 2133º, 2142º, 2156º, 2157º e 2161º, todos do Código Civil, e, ao decidir de modo diverso o acórdão recorrido violou tais preceitos.

24ª.- Ao contrário do decidido no douto acordão recorrido, o legado da propriedade dos bens efectuado aos descendentes de primeiro grau das irmãs gémeas usufrutuárias, efectuado a fls. 22 do testamento, designadamente o efectuado a favor de EE, não ficou sujeito à condição suspensiva de sobrevivência às usufrutuárias, no sentido de que só adquiriria a titularidade dos bens após a morte da última das usufrutuárias. Do mesmo modo,

25ª.- Diversamente do que parece ter entendido o douto acórdão recorrido, o referido legado também não ficou subordinado à condição resolutiva de pré-falecimento do legatário a sua mãe, no sentido de que o pré-falecimento do filho destrói a qualidade de legatário desde o momento da abertura da sucessão do autor do testamento (a existir, a condição resolutiva destruiria automática e retroactivamente a qualidade de legatário).

26ª.- Por fim e diversamente do consignado no douto acórdão recorrido, o referido legado não é nem pode ser havido como fideicomisso ou ‘substituição fideicomissária condicional’, pois que de acordo com o disposto no art. 1866º do Código de Seabra, o fideicomisso pressupõe duas liberalidades simultâneas, mas do mesmo direito ou objecto e no testamento, o autor do mesmo fez duas liberalidades simultâneas mas de direitos distintos: o usufruto a favor das filhas gémeas; a propriedade a favor dos descendentes em primeiro grau destas em conformidade com o que disponha o art. 1860 do Código de Seabra.

27ª.- O douto acórdão recorrido, ao ter revogado a decisão recorrida, considerando que o autor do testamento instituiu o legado da propriedade dos bens a favor dos descendentes de primeiro grau das suas duas filhas gémeas, à condição de aqueles lhes sobreviverem, independentemente da qualificação jurídica de tal (suposta) condição (suspensiva, resolutiva ou substituição fideicomissária condicional), incorreu em erro de interpretação e aplicação da lei, designadamente dos artºs 1109º nº 2, 1761º, 1866º, 1867º nº 1 e 1870º do Código de Seabra.

28ª.- O autor do testamento apenas instituiu o legado da propriedade dos bens a favor dos descendentes de primeiro grau das suas filhas gémeas usufrutuárias à condição suspensiva de estas terem descendentes – condição essa que se verificou com o nascimento de filhos, os quais adquiriram nesse momento a qualidade de (co)titulares da raiz ou nua propriedade de tais bens.

29ª.- Pelo que, ao contrário do decidido, o inventariado EE, à data da sua morte ocorrida em 2013, já era (co)titular da raiz de tais bens, integrando assim o seu acervo hereditário, devendo por isso ser relacionados no âmbito do inventário para aí serem partilhados entre os seus herdeiros.

30a.- Ao decidir de modo diverso, o douto acórdão violou os art°s. 271°, 2024°, 2027°, 2133°, 2142°, 2157° e 2286°, todos do actual Código Civil os quais devem ser interpretados nos termos preditos.

31a.- Deverá pois ser concedida revista e, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido e o mesmo ser substituído por douto acórdão que confirme a douta sentença proferida em 1a instância.


Termos em que requer seja revogado o acórdão recorrido, declarando-se, em conformidade com o decidido em primeira instância, que o inventariado EE, à data da sua morte era co-titular da raiz dos bens legados em usufruto às filhas gémeas do autor do testamento, integrando, por isso, tais bens o seu acervo hereditário.


7. Os autores responderam, terminando as suas contra alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

« 1. Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão que, julgando procedente o recurso de apelação interposto pelos Autores e ora Recorridos, revogou a sentença proferida em 1ª instância e, em consequência, determinou que os bens imóveis que integram o legado testamentário de DD sejam excluídos do acervo hereditário e da relação de bens que a Ré e ora Recorrente apresentou no inventário por morte de EE, a correr termos no Cartório Notarial de …, sito na Rua …, n.º10, r/c E, em …, perante a Notária GG, sob o n.º1915/14.3/18.

2. Entende a ora Recorrente, em súmula, que «o douto acórdão recorrido alterou a causa de pedir e/ou o pedido», concluindo que «o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, ao ter revogado a decisão absolutória proferida em 1ª instância, incorreu em erro de interpretação e aplicação da lei».

3. Não assiste qualquer razão à Ré e ora Recorrente.

4. No recurso que interpuseram da sentença proferida pela 1ª instância, «não vieram os autores alterar nem a postulação/o pedido, nem a causa de pedir (…) O mesmo ocorre com o pedido. Se, como é evidente e atendendo às funções do recurso, as recorrentes pugnam pela revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, fazem-no exatamente porque pretendem que o Tribunal da Relação, usando os seus poderes de substituição, profira decisão que declare o que, já na primeira instância, haviam pedido: que certos bens não integrem o acervo indicado no inventário» – cf. Parecer Jurídico emitido pela Exma. Senhora Professora Doutora Paula Costa e Silva (cf. requerimento com a referência eletrónica 30244479).

5. A causa de pedir dos pedidos formulados pelos Autores e ora Recorridos na petição inicial foi consistentemente a real vontade do testador, a qual é incompatível com a transmissão dos bens legados aos cônjuges dos legatários, em particular e no que ao caso concerne, à Ré e ora Recorrente, concluindo-se que «(…) em instância de recurso não procederam os autores nem à alteração da causa de pedir, já que fundam o efeito jurídico exatamente no mesmo facto essencial em que o fundaram aquando da propositura da ação, a saber, a vontade real do testador, nem à alteração do pedido, já que reiteram pretender a provocação do mesmo efeito jurídico que haviam identificado na petição» (cf. cit. Parecer).

6. A interpretação do testamento, no sentido da descoberta da vontade real do testador, só constitui questão de direito se feita única e exclusivamente com recurso ao texto do testamento, consubstanciando questão de facto quando, tal como aconteceu nestes autos, for feita também com recurso a prova complementar, havendo, assim, que dar por definitivamente assente a matéria de facto fixada pelas instâncias.

7. Além dos factos provados em 1ª instância, que não mereceram qualquer censura, o douto acórdão recorrido, reapreciando a matéria de facto, também considerou provado que «o autor do legado, ao determinar a incomunicabilidade dos bens que constituíam o legado, pretendeu, como expressão singular volitiva, deixar estipulado que tal legado não fosse suscetível de entrar na disponibilidade, plena ou relativa, nos termos consignados, dos cônjuges dos legatários, por virtude da morte ( herança ) » (realce nosso).

8. Diversamente do entendimento da 1ª Instância e do que a Ré e ora Recorrente vem agora novamente invocar, nos presentes autos importa conhecer de uma única questão: saber se os bens objeto do legado instituído por testamento outorgado por DD, avô materno do falecido filho dos Autores, poderão integrar os bens a partilhar na sequência da morte deste, EE, falecido no estado de casado com a ora Recorrente, face ao teor daquele testamento.

9. Os bens que integram o legado foram deixados em usufruto às filhas de DD, FF e AA (ao tempo com um ano de idade) e em propriedade aos seus descendentes.

10. Resulta da letra do testamento que o testador deixou a propriedade da raiz dos bens legados em usufruto a suas filhas aos descendentes que aquelas suas filhas viessem a ter “e que lhe sobreviverem”.

11. O testamento datado de 31 de dezembro de 1940 de DD, junto a fls.208 a 246 dos autos, dispõe que «a parte de bens legado ou deixados em usufruto à dita minha filha FF ficará a pertencer em propriedade aos descendentes dela em primeiro grau; e se ela falecer sem descendentes, aos descendentes em primeiro grau de sua irmã AA, e vice-versa. Se ambas falecerem sem descendentes, caso em que o usufruto pertencerá a meu neto, digo meu referido neto HH, aos descendentes legítimos deste em primeiro grau pertencerá a propriedade dos meus bens, e, na falta deles pertencerá tal propriedade aos meus dois sobrinhos, filhos de minha irmã II, ou descendentes legítimos deles em primeiro grau, no caso de os mesmos serem já falecidos. (…) Os bens que deixo em propriedade aos descendentes das ditas minhas filhas FF e AA, ou às pessoas indicadas em sua substituição, no caso desta ter lugar, e bem assim o usufruto que deixo aquelas e aos outros usufrutuários serão incomunicáveis com os cônjuges dos beneficiados ou contemplados».

12. Do mesmo modo, verifica-se, relativamente a outros legados, a mesma ratio sucessória: «Se os valores que tiver no cofre da minha casa de residência em Lisboa, ou depositados à ordem, ou a prazo, e os papéis de crédito, géneros, mercadorias e rendimentos de um ano dos bens chegarem para o pagamento dos encargos, despezas e legados em dinheiro e alguma importância sobra, será esta aplicada na compra de papéis de credito, de preferência com rendimento em ouro, e esses papéis averbados em usufruto, e em partes iguais, às ditas minhas filhas digo ditas duas minhas filhas gemeas, ficando a propriedade deles para os seus descendentes em primeiro grau, que lhe sobreviverem, nos mesmos termos, condições e obrigações já referidas para o legado dos bens atraz indicados de … e outros» – realce e sublinhado nossos (páginas 28 e 29 do testamento).

13. O testador determinou, ainda, que se algum dos contemplados impugnar ou contrariar qualquer das cláusulas do seu testamento, «perderá todo o direito ao legado ou herança, que reverterá ou passará em usufruto, se de usufruto se tratar, para as minhas filhas gémeas FF e AA, em usufruto para estas e em propriedade para os filhos que tiverem e lhe sobrevivam, se se tratar de bens ou valores deixados em pleno domínio» – cf. pág.36 do testamento de fls.208 a 246 dos autos.

14. É, assim, inegável que o testador determinou que só os seus netos que sobrevivam às suas duas referidas filhas, usufrutuárias, poderão ser contemplados, não podendo os bens que constituem o legado em causa integrar o acervo hereditário dos netos do testador que faleçam antes de suas mães, usufrutuárias

15. A ora Recorrente propositadamente ignora passagens decisivas do testamento incluindo, quer a expressa proibição de alienar esses bens imposta pelo testador aos legatários da raiz, quer a previsão expressa da condição de sobrevivência dos netos do testador a suas mães.

16. DD pretendeu regular a totalidade da sua sucessão e não apenas fixar a sucessão de somente alguns dos seus bens ou atribuir a posição de herdeiro ou de legatário a uma determinada pessoa, pelo que importa atender ao sentido unitário e global da vontade do testador, não podendo a interpretação de uma concreta disposição ser isolada do conjunto do conteúdo do testamento.

17. Com o falecimento de EE antes de sua mãe, os bens abrangidos pelo referido legado em caso algum poderão integrar o seu acervo hereditário.

18. Da leitura integral e unitária do testamento resulta inequívoco que o autor da sucessão constituiu as suas filhas FF e AA legatárias, nuns casos, da propriedade plena; noutros, da propriedade da raiz e, noutros ainda, do usufruto.

19. Sempre que o legado é de usufruto às suas filhas gémeas, a propriedade é deixada aos seus descentes de primeiro grau, que lhes sobrevivam.

20. A disposição constante do testamento de DD pela qual os seus netos nascituros foram instituídos legatários da maior parte dos seus bens imóveis, com proibição expressa de os alienar ou hipotecar, devendo esses imóveis passar sucessivamente para os substitutos designados para esse legado, não só se alguma ou ambas as filhas do testador falecessem sem descendentes, como também se esses legatários não sobrevivessem a suas mães, pode entender-se como uma substituição fideicomissária condicional – quer se trate de um fideicomisso irregular, (assim qualificado já pelo artigo 1871.º, n.º 1.º, do Código de Seabra), quer seja um fideicomisso com todos os seus elementos.

21. Ao prever as substituições dos legatários da raiz na hipótese de falecimento de cada filha sem descendentes, e, sobretudo, ao clarificar que o legado da raiz era feito aos filhos que cada filha viesse a ter “e que lhe sobreviverem”, DD instituiu uma substituição fideicomissária condicional, sujeita à condição da premoriência dos fiduciários a suas mães, ou um verdadeiro legado sob condição resolutiva.

22. Conforme se pode ler no Parecer do Exmo. Senhor Professor Doutor Paulo Mota Pinto junto aos autos: « (…) resulta claramente do testamento que DD apenas contemplou com o legado da raiz os netos que cada filha viesse a ter “e que lhe sobreviverem” (prevendo a condição de sobrevivência a sua mãe para cada neto). E resulta também que deixou aos netos que cada filha viesse a ter a propriedade da raiz dos bens deixados em usufruto a cada filha. Assim, a indicação do substituto em caso de falecimento de um dos netos, ao qual sobrevivessem a mãe e outros filhos desta (seus irmãos), era inteiramente desnecessária para esclarecer a intenção do testador: existindo irmãos do neto que morreu antes de sua mãe, os bens em causa revertem necessariamente para esses irmãos, restantes filhos da usufrutuária, nos próprios termos da identificação no testamento do beneficiário de cada legado, pois só estes são filhos que a usufrutuária teve e lhe sobrevivem (…) Podemos concluir que, no momento da morte do legatário da propriedade da raiz, EE, que não sobreviveu a sua mãe AA, os bens abrangidos por esse legado reverteram para os fideicomissários seus irmãos» – cf. cit. Parecer.

23. De qualquer modo, poderá discutir-se se o legado feito no testamento de DD, a seus netos nascituros, da nua propriedade dos bens deixados em usufruto a cada uma das suas filhas, é um fideicomisso condicional, um legado sob condição resolutiva de pré-falecimento de cada um desses netos beneficiados a sua mãe ou, ainda, um legado sob condição suspensiva de sobrevivência do beneficiado a sua mãe.

24. Em qualquer caso, a solução não é diferente para a determinação do acervo hereditário do legatário EE, na medida em que é inequívoco que tal legado estava subordinado à condição de sobrevivência de cada um dos legatários a sua mãe.

25. É claro que, com o falecimento do legatário EE antes de sua mãe, seja pela verificação da condição a que estava sujeita a substituição fideicomissária, seja por verificação da condição resolutiva de não sobrevivência a sua mãe (que destrói a sua qualidade de legatário desde o momento da abertura da sucessão), seja pela não verificação da condição suspensiva de sobrevivência do legatário à usufrutuária sua mãe, e sempre em conformidade com a vontade do testador seu avô, os bens abrangidos pelo legado em caso algum integram o acervo hereditário de EE.

26. Com efeito, «em nenhum caso se poderá entender que os bens objeto do legado integram esse acervo: se se tratar de fideicomisso condicional, porque se verificou a condição de não sobrevivência do legatário EE a sua mãe, devendo os bens a partir desse momento reverter para os substitutos que são, no caso, os restantes integrantes com ele do grupo de substitutos designado pelo testador, isto é, os seus irmãos, sem chegar a integrar a herança do legatário/fiduciário; se se tratar de legado sob condição resolutiva, também porque esta se verificou com o pré-falecimento do neto legatário em relação a sua mãe, filha do testador, e, portanto, a vocação sucessória de EE foi resolvida ex tunc, sendo eliminada retroativamente a qualidade de legatário por disposição testamentária, pelo que o legado não integra também o seu acervo hereditário; se se tratar de legado sob condição suspensiva, porque a sobrevivência do neto nascituro do testador a sua mãe – condição de que dependeria então a produção de efeitos do legado – se não chegou a verificar, não tendo EE nunca sido legatário, e não podendo, portanto, o objeto do legado integrar a sua herança. É claro, pois, que, com o falecimento do legatário antes de sua mãe, seja por não verificação da condição suspensiva de sobrevivência do neto testador a sua mãe (que impede a produção dos efeitos do legado), seja pela verificação da condição resolutiva da pré-falecimento em relação a sua mãe (que destrói a qualidade de legatário desde o momento da abertura da sucessão), seja pela verificação da condição a que estava sujeita a substituição fideicomissária (no fideicomisso condicional), e em conformidade com a vontade do testador seu avô, os bens abrangidos pelo legado em caso algum integram o acervo hereditário de EE» (cf. cit. Parecer).

27. «É assim, simplesmente, porque a herança de EE não inclui os bens que lhe foram legados por seu avô sob condição de não pré-falecimento (de sobrevivência) em relação a sua mãe – quer essa, ao não se produzir, impeça a eficácia do legado (como condição suspensiva), quer tenha por efeito a destruição retroativa do chamamento de EE à titularidade desse legado (se se tratar de verdadeiro legado sob condição resolutiva), quer provoque a reversão por morte deste, a partir deste momento e em substituição fideicomissária, dos bens em causa para os fideicomissários (por se tratar de bens sujeitos a um fideicomisso condicional, em que a condição era a premoriência em relação à mãe). Em nenhum destes casos os bens integram a herança de EE, e devem, pois, ser excluídos da respetiva relação de bens» (realce e sublinhado nossos) – cf. cit. Parecer.

28. A interpretação do testamento nos termos mencionados no acórdão recorrido afigura-se não apenas a mais ajustada, mas a única que lhe empresta sentido.

29. A ora Recorrente não pode, de facto, ser arredada da sucessão do seu marido, nem o direito sucessório atualmente vigente permite que se afete a sua legítima; sucede, porém, que aquela não pode suceder em posições jurídicas de que EE não era titular.

30. É inequívoca a intenção do testador de contemplar apenas os descendentes das suas filhas que a estas sobrevivam.

31. Considerando que «o texto do testamento de DD deve ser mobilizado na sua totalidade para a determinação da intenção do testador», o Exmo. Senhor Professor Doutor Paulo Mota Pinto realça que «o testador previu expressamente a substituição dos legatários da nua propriedade para o caso de alguma das suas filhas “falecer sem descendentes”, ou de ambas “falecerem sem descendentes” (fls. 24 do testamento). E – aspeto da maior relevância – clarificou ainda no próprio texto do testamento que deixava a propriedade da raiz dos bens que deixou em usufruto a cada uma das suas filhas gémeas aos seus “descendentes em primeiro grau, que lhe sobreviverem”. Isto resulta, sem margem para dúvidas, da formulação empregue (estando assessorado por advogado) a fls. 28-29 do testamento, a propósito de outros valores deixados em usufruto a essas filhas gémeas: “ficando a propriedade deles para os seus descendentes em primeiro grau, que lhe sobreviverem, nos mesmos termos, condições e obrigações já referidas para o legado dos bens atraz indicados de Povolide e outros” (isto é, justamente dos bens em causa – itálico aditado); e resulta também de formulação semelhante, de novo com distinção entre legado de usufruto para as filhas gémeas e legado de nua propriedade para “os filhos que tiverem e lhe sobrevivam”, empregue a fls. 36 do testamento» – (realce e sublinhado nossos) – cf. doc.1.

32. A conclusão de que a Ré e ora Recorrente não sucede na titularidade da propriedade de quaisquer dos bens que compõem o legado testamentário de DD, uma vez que tal propriedade não integra a herança aberta por óbito de EE, também resulta inequívoca do teor do Parecer Jurídico junto aos autos, elaborado pelos Exmos. Senhores Professor Doutor Manuel Carneiro da Frada e Professor Doutor Diogo Costa Gonçalves, nos termos do qual «Não existe, portanto, pelo óbito de EE, qualquer direito relativo à propriedade do legado suscetível de transmissão mortis causa à Ré…».

33. «No caso que nos ocupa, a pretensão da viúva de EE relativa aos bens do legado – tal como configurada nos autos – é exclusivamente sucessória, razão pela qual a cláusula testamentária de incomunicabilidade não tem aplicação ao caso (…) a Ré não invoca qualquer direito relativo a bens a partilhar e antes integrantes de uma sociedade conjugal, mas sim derivada do facto de ser herdeira legitimária do de cujus. Ou seja: a Ré não reclama a meação nos bens do legado, mas sim a sua transmissão mortis causa. Não se apresenta, portanto, como cônjuge meeiro, mas sim como cônjuge herdeiro» (cf. cit. Parecer).

34. Os bens em causa não estão excluídos da herança aberta devido à cláusula testamentária de incomunicabilidade do legado aos cônjuges dos legatários, mas antes pelo simples facto de a propriedade de tais bens nunca se ter consolidado na esfera jurídica do de cujus.

35. À semelhança do que sucede quanto a outras deixas testamentárias de usufruto e propriedade que têm por beneficiários os mesmos sujeitos ( as filhas gémeas do autor da sucessão e os seus eventuais descendentes), também quanto ao legado em consideração se tem de concluir que o usufruto dos bens em causa foi deixado a FF e AA e a propriedade aos seus «descendentes em primeiro grau, que lhe sobreviverem» (como amiúde se lê no testamento) (…) Não existe, portanto, qualquer direito relativo à propriedade do legado suscetível de transmissão mortis causa à Ré (ou aos demais herdeiros), pelo óbito de EE; na verdade, ao tempo da sua morte, o de cujus não era titular de qualquer direito sobre os bens em causa» – realce nosso (cf. cit. Parecer).

36. O acórdão recorrido decidiu em conformidade, quer com o texto e o contexto do testamento e a prova produzida, quer com o direito aplicável, não merecendo, pois, qualquer censura, concluindo-se, assim, que «… o legado testamentário de DD haverá de se excluir do acervo hereditário e da relação de bens apresentada no inventário por morte do de cujus, EE» – realce e sublinhado nossos (cf. acórdão recorrido)».


Termos em que requer seja julgado improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.


8. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, as questões a decidir traduzem-se em saber se:


1ª- se o acórdão recorrido, conheceu, de surpresa, do recurso de apelação com fundamento em causa de pedir e/ou pedido diversos dos que constavam da petição inicial, excedendo os limites do pedido formulado pelos autores, violando o disposto nos  art°s 5o, 260°, 265°, 581° n° 4, 596° n° 1, 607° n° 2, 609º, nº1 todos do C.P.C. e enfermando, por isso, da nulidade prevista no art. 615º, nº1, als. d) e e) do mesmo código.


2ª- o acórdão recorrido, ao decidir que foi intenção do testador instituir a favor dos seus netos nascituros uma substituição fideicomissária condicional, sujeita à condição resolutiva de pré-falecimento a sua mãe e ao concluir que, com o falecimento do legatário antes da sua mãe,  aquele não era titular de qualquer direito relativamente aos bens legados, passível de transmissão mortis causa aos seus herdeiros, incorreu em erro de interpretação e aplicação da lei, designadamente dos artºs 1109º nº 2, 1761º, 1866º, 1867º nº 1 e 1870º, todos do Código de Seabra.


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III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


As instâncias consideraram provados os seguintes factos:


1. A Autora AA apresentou, em 15/05/2014, requerimento de inventário, que corre termos no Cartório Notarial de …, sito na Rua …, n.º 10, r/c E, em …, perante a Notária GG, sob o n.º 1915/14 – 1º e 2º PI.

2. O fim do inventário é a partilha de bens de EE, doravante Inventariado, filho dos Autores AA e BB, falecido em 04/11/2013, casado civilmente no regime de comunhão de adquiridos com a R. em 28/06/2013, tendo casado catolicamente em 28/09/2013 – 3º e 5º PI.

3. A Ré e cabeça de casal, em sede de processo de inventário, apresentou em 01 de Fevereiro de 2015, relação de bens – 11º PI.

4. Em 23 de Fevereiro de 2015, a Autora AA apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 32.º do RJPI, reclamação contra a relação de bens apresentada pela Ré – 12º PI.

5. Em 13 de Abril de 2015, a ora Ré apresentou resposta à reclamação contra a relação de bens apresentada pela Autora AA, e em 14 de Maio de 2015, o Autor BB e interessado nos autos de processo de inventário, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 35.º do RJPI, pronunciou-se relativamente à resposta à reclamação contra a relação de bens, reiterando na íntegra o alegado em sede de reclamação contra a relação de bens – 14º e 15º PI.

6. Atendendo a que “a argumentação deduzida com os documentos apresentados (…) bem como a qualificação jurídica que a questão tem merecido em termos registrais (…) facilmente se conclui que a questão é complexa, sendo que os autos não fornecem elementos suficientes para que, com segurança, possa a questão ser aqui decidida.”¸ decidiu a Notária, em 27 de Janeiro de 2016, nos termos do artigo 36.º do RJPI, remeter os interessados para os meios judiciais comuns, constando do seu despacho que “Em face dos articulados de reclamação deduzida e da resposta apresentada, dos documentos matriciais e prediais relacionados, afigura-se ser necessário aferir de uma questão prévia a este inventário, quanto aos bens efetivamente fazem parte do acervo hereditário do inventariado, mais concretamente os que lhe tenham advindo pelas disposições testamentárias de seu avô DD, para apurar da real vontade do testador e, assim, da sua correta interpretação, pelo que não deve ser vedada às partes a possibilidade dessa demonstração e apuramento, em sede própria” – 16º e 17º PI [2].

7. Em sede de inventário, a Ré relacionou bens que integram um legado instituído por testamento datado de 31 de dezembro de 1940 do avô materno do Inventariado, DD, falecido em 18 de Fevereiro de 1949, a saber, as verbas (i) treze (13) a oitenta e seis (86), inclusive, (ii) oitenta e nove (89), (iii) noventa e um (91), (iv) noventa e quatro (94) a cem (100), inclusive, (v) cento e dois (102) a cento e dezasseis (116), inclusive, e (vi) cento de dezoito (118) a duzentos e vinte e cinco (225), inclusive – 25º a 27º PI.

8. A Autora AA e sua irmã, FF, são filhas do autor do legado, i.e., de DD – 34º PI.

9. O testamento de DD dispõe que “a parte de bens legado ou deixados em usufruto à dita minha filha FF, ficará a pertencer em propriedade aos descendentes dela em primeiro grau; e se ela falecer sem descendentes, aos descendentes em primeiro grau de sua irmã AA, e vice-versa. Se ambas falecerem sem descendentes, caso em que o usufruto pertencerá a meu neto, digo meu referido neto HH, aos descendentes legítimos deste em primeiro grau pertencerá a propriedade dos meus bens, e, na falta deles pertencerá tal propriedade aos meus dois sobrinhos, filhos de minha irmã II, ou descendentes legítimos deles em primeiro grau, no caso de os mesmos serem já falecidos. (…) Os bens que deixo em propriedade aos descendentes das ditas minhas filhas FF e AA, ou às pessoas indicadas em sua substituição, no caso desta ter lugar, e bem assim o usufruto que deixo aquelas e aos outros usufrutuários serão incomunicáveis com os cônjuges dos beneficiados ou contemplados.” – 35º PI.

10. O autor do legado sujeitou-o às condições supra referidas, prevendo que o mesmo ficasse confinado à sua linha sucessória descendente, por não pretender que o mesmo se comunicasse aos cônjuges dos mesmos – 37º PI.


Factos não provados (com relevância para a decisão da causa):


a) O autor do legado, ao determinar a incomunicabilidade dos bens que constituíam o legado, deixou estipulado que tal legado não fosse suscetível de entrar na propriedade ou mesmo na posse dos cônjuges dos legatários por virtude da morte (herança) – 38º PI.


***


3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se, essencialmente, com as questões de saber se o acórdão recorrido violou o disposto nos art°s 5o, 260°, 265°, 581° n° 4, 596° n° 1, 607° n° 2, todos do C.P.C., enfermando da nulidade prevista no art. 615º, nº1, als. d) e e) do mesmo código e se incorreu em erro de interpretação e de aplicação do preceituado nos artºs. 1109º nº 2, 1761º, 1866º, 1867º nº 1 e 1870º do Código de Seabra.


3.2.1. Quanto à primeira das questões supra enunciadas, persiste a recorrente em sustentar terem os autores, em instância de recurso, alterado o pedido e a causa de pedir.

Isto porque, na petição inicial, pediram que fosse reconhecido e declarado que os bens que constituíram o legado instituído pelo testamento, datado de 31 de dezembro de 1940, do avô materno de EE e a favor deste, são incomunicáveis à ré e que esta fosse condenada a excluir esses mesmos bens da relação de bens por ela apresentada em sede de processo de inventário e invocaram, no artigo 38º da p. i., como causa de pedir deste pedido, a condição de incomunicabilidade dos cônjuges dos legatários aposta pelo testa­dor.

Contudo, já, em sede de recurso de apelação, alegaram os autores que os bens em causa nunca integraram o património do inventariado nem constituíram o seu acervo hereditário, quer porque, com o falecimento do legatário antes de sua mãe, o legado não chegou a produzir efeitos, por não se ter verificado esta condição suspensiva, quer por verificação da condição resolutiva de pré-falecimento em relação a sua mãe, que destrói a sua qualidade de legatário desde o falecimento do seu avô materno, autor do testamento, quer ainda pela verificação da condição a que estava sujeita a substituição fideicomissária, em conformidade com a vontade do testador.


Daí que, ao decidir que foi intenção do testador « instituir a favor dos seus netos nascituros um legado sob condição resolutiva de pré-falecimento a sua mãe, recte, uma substituição fideicomissária condicional, sujeita – na intenção e expressão - à mesma condição», o acórdão recorrido não só conheceu, de surpresa, do recurso com fundamento em causa de pedir e/ou pedido diversos dos que constavam da petição inicial, como excedeu os limites do pedido formulado pelos autores violando, desse modo, o disposto nos art°s 5o, 260°, 265°, 581° n° 4, 596° n° 1, 607° n° 2, 609º, nº 1 todos do C.P.C. e enfermando também, por isso, da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, als. d) e e) do mesmo código.


     Vejamos.


Consistindo o pedido no efeito prático-jurídico que o autor pretende obter com base no estatuído no quadro normativo aplicável ao litígio em causa, facilmente se compreende, tal como refere o Acórdão do STJ, de 20.09.2018 (processo nº 21852/15.4T8PRT.S1[3] , que o pedido não deve ser interpretado na simples expressão literal em que se mostra formulado no petitório, mas, antes, com o alcance substancial resultante da sua conjugação como os fundamentos da pretensão deduzida, competindo, por isso, ao tribunal proceder a essa interpretação semântica, na latitude cognitiva que lhe é conferida, em matéria de direito, pelo artigo 5.º, n.º 3, e nos limites estabelecidos no artigo 609.º, n.º 1, ambos do CPC.

Por outro lado, sendo a causa de pedir, na expressão legal do art. 581º, nº4 do CPC, o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, significa isto, tal como nos dá conta Lebre de Freitas[4], que :

«(…) embora a causa de pedir seja integrada por factos concretos, está hoje abandonada a ideia de que ela se possa delimitar segundo critérios meramente naturalísticos, o que a conduziria à impossibilidade de a circunscrever em termos jurídicos. Fora o caso de concurso de normas meramente aparente, dois complexos de factos, cada um dos quais integre a previsão duma norma jurídica constitutiva de direitos, só constituirão a mesma causa de pedir se o núcleo essencial das duas normas for o mesmo »

Neste mesmo sentido afirma Miguel Teixeira de Sousa[5]  que:

   «A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada. O critério para delimitar a causa de pedir é necessariamente jurídico. É a previsão de uma regra jurídica que fornece os elementos para a construção de uma causa de pedir.

   (…)

   Os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos “brutos”, mas factos “institucionais”, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica. Isto demonstra que o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstracto, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais ».

Assim, nesta conformidade e ainda na expressão do supra mencionado acórdão do STJ, « a causa de pedir pode ser, analiticamente, configurada por dois vetores complementares:

a) – o seu perfil normativo, que a doutrina designa por causa de pedir próxima[6], traçado não em função da qualificação jurídica dada pelo autor, mas à luz do quadro das soluções de direito plausíveis que ao tribunal cumpre, a final, convocar, em função do efeito prático-jurídico pretendido;

b) – o seu substrato factológico, também designado por causa de pedir remota[7], o qual é preenchido, segundo um critério empírico-normativo, em função do tipo de factualidade desenhada, em abstrato, na factis species aplicável, tendo ainda em conta os critérios de repartição do ónus da prova formulados a partir do sobredito efeito prático-jurídico».

Mas, para além disso, exige a doutrina da substanciação[8], consagrada no citado art. 581.º, n.º 4, do CPC, que a causa de pedir seja preenchida com os factos essenciais causantes do efeito jurídico pretendido, o que, no dizer de Lebre de Freitas, corresponde ao « núcleo fáctico essencial tipicamente previsto  por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido»[9],

Daí também a necessidade de distinguir os factos essenciais nucleares, estruturantes ou identificativos da causa de pedir, quer dos factos complementares que, embora essenciais à procedência da pretensão deduzida, não relevam para identificação ou inteligibilidade daquela, quer ainda dos factos instrumentais[10], pois só os primeiros e os segundos é que integram a causa de pedir, o que, por um lado, faz recair sobre o autor, de harmonia com o disposto no art. 5º, nº1 do CPC, o ónus de alegar os factos essenciais, ou seja, aqueles que são necessários à procedência da ação, em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida, e  que constituem  o objeto do processo[11].

E, por outro lado, significa que a verificação de uma alteração da causa de pedir depende, necessariamente, da identificação de novos factos essenciais dos quais o autor faça decorrer o efeito útil que pretende ver declarado na ação[12].

De sublinhar, todavia, em conformidade com o referido no citado Acórdão do STJ, de 20.09.2018, que, independentemente da coloração jurídica dada pelo autor, a valoração jurídica de uma tal factualidade há de ser feita « no quadro das soluções de direito plausíveis a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5.º, n.º 3, e nos limites do art.º 609.º, n.º 1, do CPC [13]. É o que se designa por princípio da causa de pedir aberta ».  

Em suma, será, pois, dentro destes parâmetros que se indagará se, em instância de recurso de apelação, se verificou uma alteração do pedido e da causa de pedir que os autores/recorrentes, respetivamente, deduziram e alegaram na petição inicial.  

Ora, considerando terem os autores formulado, na petição inicial, os seguintes pedidos:

« 1. Ser reconhecido e declarado, para todos os efeitos legais, que os bens que constituem o legado instituído pelo testamento datado de 31 de dezembro de 1940 do avô materno do inventariado, DD, ( cfr. Doc. 17) são  incomunicáveis à Ré e cabeça-de-casal;

2. e, consequentemente, ser a Ré e cabeça de casal condenada a excluir da relação de bens que apresentou em sede de processo de inventário o acervo de bens que constitui o referido legado instituído por testamento»,

não sofre dúvida que o efeito prático-jurídico que os autores pretendem obter com a procedência da presente ação é a não comunicação à ré e cabeça de casal dos bens que constituem o legado instituído pelo testamento datado de 31 de dezembro de 1940 do avô materno do inventariado, DD, com a consequente exclusão da relação de bens que esta apresentou em sede de inventário.

Por outro lado, analisando todo o texto da petição inicial, dele ressalta, com bastante clareza e evidência, terem os autores invocado, como causa de pedir destes pedidos, ou seja, como facto essencial gerador do efeito de direito material que pretendem alcançar com a procedência da presente ação (a não comunicação à ré e cabeça de casal dos bens que constituem o legado instituído pelo testamento datado de 31 de dezembro de 1940), a vontade real do testador, DD, avô materno do inventariado manifestada no referido testamento junto aos autos (cfr. artigos 33 e segs da petição inicial).

Aliás, foi precisamente em face deste pedido e causa de pedir que o Tribunal de 1ª Instância, ao proferir o despacho a que alude o art. 596º, nº 1 do CPC, identificou o objeto do presente litígio, através da seguinte formulação:

« Apurar se o [14] legado instituído por testamento de DD de 31.12.1940, avô do falecido EE, não são comunicáveis à viúva deste, por vontade expressa do testador, por morte do legatário ». 

E se é certo terem os autores alegado, no artigo 38º da p. i., que «O autor do legado, ao determinar a incomunicabilidade dos bens que constituíam o legado, deixou estipulado que tal legado não fosse susceptível de entrar na propriedade ou mesmo na posse dos cônjuges dos legatários, nem por virtude do regime de casamento (meação nos bens comuns), nem por virtude da morte (herança) », a verdade é que, também contrariamente ao defendido pela ré, não se vê que que esta  condição testamentária  constitua, por si só, a causa de pedir, na medida em que estamos perante uma simples cláusula testamentária que só juntamente com as demais cláusulas permite concretizar a vontade real do testador.

Assim, retomando a distinção que acima fizemos entre factos essenciais nucleares e factos complementares essenciais, diremos que, no caso dos autos, o facto principal e verdadeiramente estruturante e identificativo da causa de pedir, é a vontade real do testador, e que todas as cláusulas testamentárias, nas quais se inclui a citada cláusula “ de incomunicabilidade dos cônjuges dos legatários”, apresentam-se como factos complementares, indiciadores daquele facto principal (vontade do testador) e, nessa medida, integradores da mesma causa de pedir.

De resto, foi precisamente com base nesta linha de entendimento que os autores, para além de remeterem para todo o conteúdo do referido testamento, fizeram referência a outras cláusulas testamentárias,  alegando, para além do mais e expressamente,  que:

«O testamento de DD dispõe que: a parte de bens legados ou deixados em usufruto à dita minha filha FF, ficará a pertencer em propriedade aos descendentes dela em primeiro grau; e se ela falecer sem descendentes, aos descendentes em primeiro grau de sua irmã FF, e vice-versa. Se ambas falecerem sem descendentes, caso em que o usufruto pertencerá a meu neto, digo meu referido neto HH, aos descendentes legítimos deste em primeiro grau pertencerá a propriedade dos meus bens, e, na falta deles pertencerá tal propriedade aos meus dois sobrinhos, filhos da minha irmã II, ou descendentes legítimos deles em primeiro grau, no caso de os mesmos serem falecidos. (…) Os bens que deixo em propriedade aos descendentes das ditas minhas filhas FF e AA, ou às pessoas indicadas em sua substituição, no caso desta ter lugar, e bem assim o usufruto que deixo àquelas e aos outros usufrutuários serão incomunicáveis com os cônjuges dos beneficiados ou contemplados," – vide folhas 24 e seguintes do testamento» (art. 35º )

« O autor do legado sujeitou-o às condições supra referidas, determinando que o mesmo ficasse confinado à sua linha sucessória descendentes, não permitindo que o mesmo se comunicasse aos cônjuges dos mesmos» ( art. 37º );

« os imóveis objecto do legado estão sujeitos a condições que afastam de forma determinante a Ré e cabeça de casal de aceder à propriedade dos bens em causa » ( art. 39º);  

« Condições essas que têm como finalidade única que os bens não sejam transmissíveis para os cônjuges dos legatários, nem por virtude do regime de casamento, nem em consequência da morte » ( art. 40º);

« O autor do legado, além de referir que o mesmo era incomunicável aos cônjuges dos seus herdeiros, deixou definido que a parte dos bens legados ou deixados em usufruto às filhas, ora Autora e sua irmã, apenas se transmitira para os filhos das mesmas (descendentes em 2º grau) no caso de estas falecerem sem filhos» ( art. 60º); 

« Com efeito o autor do legado determinou que são incomunicáveis aos cônjuges dos beneficiários em 1º e 2º grau de parentesco ( filhas e netos, respetivamente) os bens objeto do legado, sendo que tais bens passariam a outros beneficiários » ( art. 61º).

« Tais disposições testamentárias são relevantes e deverão ser respeitadas» ( art. 62º ).

Posto isto e comparando, agora, estas alegações com as alegações feitas pelos autores, em sede de recurso de apelação, designadamente no segmento em que os mesmos afirmam que «com o falecimento do legatário antes da sua mãe, os bens abrangidos pelo legado não integram o acervo hereditário de EE – seja porque o legado não chegou a produzir efeitos, por se não ter verificado a condição suspensiva, seja por verificação da condição resolutiva de pré-falecimento em relação a sua mãe (que destrói a sua qualidade de legatário desde o momento da abertura da sucessão), seja pela verificação da condição a que estava sujeita a substituição fideicomissária, em conformidade com a vontade do testador seu avô» ( cfr. 74ª conclusão), não podemos deixar de concluir, contrariamente ao afirmado pela ré, que estas afirmações não comportam em si qualquer alteração da causa de pedir, na medida em que mais não representam do que a qualificação jurídica dada pelos autores às cláusulas testamentárias  aludidas  no artigo 35 da petição inicial.

E o mesmo vale dizer em relação ao acórdão recorrido que, ao valorar juridicamente estas cláusulas testamentárias, concluiu que foi intenção do testador «instituir a favor dos seus netos nascituros um legado sob condição resolutiva de pré-falecimento a sua mãe, recte, uma substituição fideicomissária condicional, sujeita – na intenção e expressão - à mesma condição», pois, como já se deixou dito, a qualificação jurídica dos factos concretos constitutivos da causa de pedir não implica qualquer alteração ou ampliação factual, não afetando, em nada, a identidade da causa de pedir.

Mas, para além disto, temos também por certo que os autores não procederam, em sede de recurso de apelação, à alteração do pedido ao pedido, pois ao pugnarem pela procedência da ação, estão os mesmos a reiterar pela obtenção do efeito prático-jurídico que haviam peticionado na petição, ou seja, não comunicação à ré e cabeça de casal dos bens que constituem o legado instituído pelo testamento datado de 31 de dezembro de 1940 do avô materno do inventariado, DD, com a consequente exclusão da relação de bens que esta apresentou em sede de inventário.

Daí carecer de qualquer fundamento a afirmação feita pela ré/recorrente de que o acórdão recorrido violou o disposto nos art°s 5o, 260°, 265°, 581° n° 4, 596° n° 1, 607° n° 2, todos do C. P. Civil ou padeça das nulidade previstas no art. e 615° n° 1 als. d) e e),  do mesmo código, por ter conhecido do recurso com fundamento em causa de pedir e/ou pedido diversos dos que constavam da petição inicial e, dessa forma, excedido os limites do pedido formulado pelos recorridos.


Improcedem, por isso, as 1ª a 11ª conclusões das alegações de recurso.


*


3.2.2. Sustenta ainda a ré que o acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e aplicação da lei, designadamente dos artºs 1109º nº 2, 1761º, 1866º, 1867º nº 1 e 1870º do Código de Seabra ao considerar que a instituição do legado da nua propriedade dos bens aos descendentes de primeiro grau das suas filhas gémeas, ficou sujeita à verificação de uma dupla condição - ao nascimento dos legatários (condição suspensiva) e à sua sobrevivência em relação às usufrutuárias (condição resolutiva/substituição fideicomissório condicional) - e ao concluir que, com o falecimento do legatário antes da sua mãe, não se verificou esta última condição de sobrevivência e, por isso, aquele não era titular de qualquer direito relativamente aos bens legados, passível de transmissão mortis causa aos seus herdeiros.

Mais argumenta que, diversamente do consignado no acórdão recorrido, o referido legado não é nem pode ser havido como fideicomisso ou “substituição fideicomissária condicional”, pois que, de acordo com o disposto no art. 1866º do Código de Seabra, o fideicomisso pressupõe duas liberalidades simultâneas, mas do mesmo direito ou objeto, e, diferentemente, no testamento em causa, o testador fez duas liberalidades simultâneas mas de direitos distintos - o usufruto a favor das filhas gémeas e a propriedade a favor dos seus descendentes em primeiro grau.

Defende ainda que, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, os legados da nua propriedade dos bens em causa, instituídos pelo testador a favor dos descendentes em primeiro grau, então nascituros não concebidos, das suas filhas gémeas, não ficaram sujeitos à condição de aqueles sobreviverem às suas mães e usufrutuárias desses mesmos bens, ficando apenas sujeitos à verificação de um único facto futuro e incerto ao tempo do testamento – ou seja, a existência de descendentes em primeiro grau das usufrutuárias – , o que correspondia à condição suspensiva, expressamente prevista e admitida pelo artº. 1824º do Código de Seabra que mandava aplicar às heranças deixadas a nascituros o regime de instituição de herdeiros e legatários, sujeito a condição suspensiva (tal como hoje dispõe o artº. 2204º do C.C., atenta a remissão para os artºs. 2237 a 2239º do C.C.). 

E sendo assim, o inventariado, DD, desde o seu nascimento, adquiriu (juntamente com os seus irmãos e primos, filhos da usufrutuária FF) a contitularidade do direito da raiz ou nua propriedade sobre os referidos bens legados, pelo que, à data da sua morte, ocorrida em 2013, este direito já integrava o seu acervo hereditário, devendo, por isso, ser relacionado no âmbito do processo de inventário para ser partilhado entre os seus herdeiros, em conformidade com o disposto nos artºs. 2024º, 2027º, 2032º, 2132º, 2133º, 2142º, 2156º, 2157º e 2161º e 2286, todos do atual Código Civil.


3.2.2.1. Lei aplicável ao testamento e à sucessão mortis causa do testador e critérios de interpretação do testamento.


Posto que todas estas questões suscitadas pela ré prendem-se, essencialmente, com a natureza jurídica das disposições testamentárias supra referidas no ponto 9 dos factos dados como provados e com a determinação do sentido da vontade do testador, DD ao estabelecer as condições aí referidas, antes de iniciarmos a sua abordagem, impõe-se definir qual a lei aplicável ao respetivo testamento, outorgado por escritura de 31 de dezembro de 1940, e à sucessão mortis causa deste mesmo testador, falecido em 18 de fevereiro de 1949.

É que, apesar de um e outro acontecimento terem ocorrido na vigência do Código de Seabra de 1867, em 1 de junho de 1967, entrou em vigor o novo Código Civil e, por isso, não podemos deixar de atentar na norma de direito transitório contida no art. 5º do DL nº 47344, de 25 de novembro, que aprovou o atual Código Civil e que prescreve que « A aplicação das disposições do novo código a factos passados fica subordinada às regras do artigo 12º do mesmo diploma, com as modificações e os esclarecimentos constantes dos artigos seguintes[15] ».

E, estabelecendo o art. 12º, nº1 do atual C. Civil que «A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuía eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular», não podemos também deixar de concluir, à luz deste preceito, que consagra o princípio fundamental da não retroatividade da lei nova, que a natureza das disposições testamentárias em apreciação nos presentes autos, tem de ser determinada em função do regime legal em vigor à data em que o testamento foi outorgado (31 de dezembro de 1940) e que o regime sucessório dos herdeiros e legatários que sejam chamados à sucessão do testador é o regime legal vigente ao tempo da sua morte (18 de fevereiro de 1949 ).

Ou seja, o regime jurídico a aplicar, num e noutro caso, é o do Código Civil de 1867, ainda que o momento da vocação sucessória ocorra em data posterior à morte do testador e já após a entrada em vigor do atual Código Civil.


*


Assente este ponto, vejamos, então, em matéria de testamento, qual é o regime previsto no Código de Seabra.

Sobre a interpretação do testamento, dispõe o art. 1761º do Código de Seabra que:

« Em caso de dúvida sobre a interpretação da disposição testamentária, observar-se-á o que parecer mais ajustado  com a intenção do testador, conforme o contexto do testamento »[16].

Consagra-se, pois, neste preceito um critério subjetivista na interpretação do testamento, o que é o mesmo que dizer que qualquer deixa testamentária deve valer em conformidade com a vontade real do testador, de acordo com aquilo que ele verdadeiramente quis, tendo em conta o circunstancialismo presente ao tempo em que testou [17].

Trata-se, porém, de uma orientação subjetivista temperada pela natureza formal do contrato, na medida em que a intenção testatória só será juridicamente relevante se tiver nos termos do  testamento um mínimo de correspondência ainda que imperfeitamente expressa[18].    

A averiguação da vontade do testador deve, assim, fazer-se não só com base no texto mas também no “contexto” do testamento, ou seja, deve atender-se não só ao texto de cada uma das disposições isoladamente consideradas, mas a todo o conjunto do testamento, acentuando as ligações entre as suas várias partes e referindo-as ao todo que as engloba.

Dito de outra forma e nas palavras de Manuel Carneiro da Frada e Diogo Costa Gonçalves[19], configurando um testamento «como que um microssistema normativo, destinado a regular os efeitos da morte do testador», está o intérprete obrigado a atender à «unidade de sentido negocial em presença», pelo que «para interpretar cada disposição testamentária é necessário, portanto, atender a todo o testamento, harmonizando o sentido da disposição com aquelas que possam ser as rationes sucessórias de fundo, que presidiram à vontade do testador». 

E ainda no seu dizer, esta referência ao contexto, em sentido amplo, do testamento «reclama também o reconhecimento de que nele está presente uma direção interna que aponta, aquando da interpretação das diversas disposições testamentárias, para o elemento sistemático da interpretação», pelo que «o sentido de uma disposição testamentária não deve ser fixado sem que se proceda à sua coordenação ou subordinação sistemática face às outras disposições do testamento».

Mais sublinha que, na concretização deste critério de interpretação, é muito útil atender à natureza dos bens, à identidade concreta dos beneficiados, podendo ser ainda ser convocados outros elementos interpretativos, tais como a importância da disposição no contexto patrimonial do autor da sucessão e a origem familiar dos bens.

E tudo isto sem prejuízo da possibilidade de produção de prova complementar sobre as intenções do testador, pois não obstante o citado art. 1761º não conter qualquer referência sobre o recurso a esta prova, a verdade é que, mesmo no domínio do Código de Seabra, já era essa a orientação dominante[20].  

Essencial é que o resultado interpretativo da vontade do testador encontre expressão no documento do qual consta o testamento.  

3.2.2.2. Vontade do testador.

Expostas estas coordenadas, importa, agora, enfrentar as questões da determinação do sentido da vontade do testador expressa no testamento junto a fls. 207 a 247 dos autos e da natureza jurídica das seguintes disposições testamentárias, constantes de fls. 22 a 25 do testamento junto aos autos, que se transcrevem:


« Deixo e lego em partes iguais dentro das forças da minha quota disponível a minhas ditas filhas gémeas FF e AA, que neste testamento tenho mencionado, às vezes só com os nomes de FF e AA, o usufruto imediato e vitalício dos seguintes bens, com dispensa de caução:

(…)

Se qualquer das duas ditas minhas filhas gémeas FF e AA falecer, antes ou depois da abertura da minha herança, sem descendentes passará o referido usufruto para a sobreviva; e se esta também falecer sem descendentes, passará o usufruto dos referidos bens para o meu neto HH, filho de minha filha JJ.

Quanto à propriedade dos bens assim deixados em usufruto, pela forma que acabo de expôr, disponho, também dentro das forças da minha quota disponível da maneira seguinte: A parte dos bens legados ou deixados em usufruto à dita minha filha AA, ficará a pertencer em propriedade aos descendentes dela em primeiro grau; e se ela falecer sem descendentes, aos descendentes em primeiro grau de sua irmã FF, e vice-versa.

Se ambas falecerem sem descendentes, caso em que o usufruto pertencerá a meu neto, digo meu referido neto HH, aos descendentes legítimos deste em primeiro grau pertencerá a propriedade dos meus bens, e, na falta deles, pertencerá tal propriedade dos meus dois sobrinhos, filhos da minha irmã II, ou descendentes legítimos deles em primeiro grau, no caso dos mesmos serem já falecidos.

(…)

Os bens que deixo em propriedade dos descendentes das ditas minhas filhas FF e AA, ou às pessoas indicadas em sua substituição, no caso desta interrogar, e bem assim o usufruto que deixo aquelas e aos outros usufrutuários serão incomunicáveis com os cônjuges dos beneficiados ou contemplados.

O mesmo se observará se o usufrutuário fôr o meu neto HH, ou meus ditos sobrinhos ».

Posto que, tal como já se referiu, a determinação do alcance e sentido destas disposições há-de ser feita em função do sentido unitário e global da vontade do testador expressa no testamento, importa, desde logo, contextualizá-las, para o que, interessa ter em conta, por um lado, que, por morte do testador, DD, as suas quatro filhas herdaram, a título de legítima, a metade dos bens da herança, como dispunha o art. 1787º do Código de Seabra.

E, por outro lado, atender:

i) à forma análoga como o testador legou certos valores aos mesmos legatários, estabelecendo, a págs. 28 e 29 do testamento, que:

« Se os valores que tiver no cofre da minha casa de residência em …, ou depositados à ordem, ou a prazo, e os papéis de crédito, géneros, mercadorias e rendimentos de um ano dos bens chegarem para o pagamento dos encargos, despezas e legados em dinheiro e alguma importância sobrar, será esta aplicada na compra de papeis de crédito, de preferência com rendimento ouro, e esses papéis averbados em usufruto, e em partes iguais, às ditas minhas digo ditas duas minhas filhas gémeas, ficando a propriedade deles para os seus descendentes em primeiro grau, que lhe sobreviverem, nos mesmos termos, condições e obrigações já referidas para o legado dos bens atraz indicados de … e outros

ii) ao modo como o testador proibiu, expressamente, os  legatários  da raiz dos bens deixados em usufruto a suas filhas de alienação desses bens, a págs. 30 e 31 do testamento, que:

“Se os descendentes, nascituros, filhos por nascer, das minhas filhas FF e AA, a quem deixo a propriedade dos bens mencionados que a estas lego em usufruto, ou quem os substituir, no caso da substituição ter lugar, quiserem vender ou hipotecar os bens que lhes deixo, não obstante expressa proibição que faço, não o poderão fazer, ainda que isso lhes fosse permitido, antes de entregarem à Misericórdia de … um Milhão de escudos – ou MIL CONTOS – com cujo rendimento ela fará todas as despezas do meu jazigo, aplicando o que sobrar as despezas do seu hospital; mas, não admitindo a lei obrigação de perpetuidade para estas corporações, a Misericórdia será considerada como simples usufrutuaria desta quantia (...).

É claro que o exposto só se aplica aos casos de venda voluntária, nunca aos de expropriação e de caução para garantia de quaisquer obrigações legais unicamente respeitantes aos interessados se de outra forma não puderem providenciar e tal caução for exigida por lei ou decisão judicial.

Se contra o que deixo exposto, aqueles interessados venderem ou hipotecarem, sem entregar à Misericórdia de … a aludida importância de Um Milhão de escudos, poderá esta mover a seguir a acção competente para anular a venda ou hipoteca, ou para lhe ser entregue a dita quantia.

Se fixo a quantia de Um Milhão de escudos, não é porque entenda ser preciso dispender necessàriamente o rendimento dela nos reparos, luz, asseio, flores, esmolas e missas e tudo mais na forma já dita, em que se dispenderá apenas o necessário, mas para assegurar o cumprimento da minha vontade e fazer reverter a falta desse cumprimento em favor de pobreza ou da instrução.»

iii) à forma como sancionou a impugnação ou violação das disposições testamentárias por alguns contemplados, estabelecendo a folhas 35 e 36 do testamento que:


« Se algum dos contemplados impugnar ou contrariar qualquer das clausulas deste meu testamento, perderá todo o direito ao legado ou herança, que reverterá ou passará em usufruto, se de usufruto se tratar, para as minhas filhas gémeas FF e AA, em usufruto para estas e em propriedade pelos filhos que tiverem e sobrevivam, se se tratar de bens ou valores deixados em pleno domínio.»

Ora, analisando neste pano de fundo, as disposições testamentárias respeitantes ao legado de usufruto dos referidos bens feito por DD às suas filhas FF e AA e ao legado da propriedade da raiz desses mesmos bens aos filhos destas suas filhas que vierem a existir e que lhes sobreviverem, o que se alcança, com segurança e bastante clareza, é que, tal como defendem Carneiro da Frada e Diogo Costa Gonçalves[21], relativamente aos bens que integram estes legados foi vontade do testador « consolidar a propriedade na descendência do seu sangue (sem deixar de garantir o uso e a fruição às suas filhas legatárias, com um ano de vida ao tempo do testamento)», constituindo, segundo Paulo Mota Pinto[22], sua preocupação « acautelar o destino daqueles bens, para que permanecessem na sua família direta, ou na linha descendente, ou, subsidiariamente, na dos filhos de sua irmã II» .

E sendo assim é à luz desta vontade que se impõe fixar o sentido jurídico expresso nas disposição testamentárias constantes de fls. 22 a 25 do testamento, por forma a determinar os seus efeitos jurídicos, designadamente quanto à aquisição da propriedade da raiz, ou nua propriedade, pelos netos nascituros do testador, entre os quais se encontrava o EE, mesmo no caso do seu pré-falecimento em relação às suas mães.


3.2.2.3. Qualificação das deixas testamentárias: legado sujeito a uma dupla condição suspensiva e resolutiva ou fideicomisso ou substituição fideicomissária condicional ou ainda legado subordinado a uma condição suspensiva plural e diferida no tempo.


 Vejamos, então, como qualificar juridicamente as deixas testamentárias do legado de usufruto e de propriedade no domínio do regime do Código de Seabra, vigente à data em que o DD outorgou o testamento (1940), tendo em conta que foi escopo do testador atribuir a propriedade de certos bens aos seus netos (filhos das suas filhas gémeas FF e AA) que vierem a existir e que lhes sobreviverem, mas permitir que deles fruíssem, em vida, as suas referidas filhas.

Ora, analisando os elementos estruturantes destas deixas, o que ressalta, de imediato, é estarmos, por um lado, perante a instituição de um legado de usufruto vitalício às filhas gémeas, com substituição em caso de falecimento de uma ou de ambas sem descendentes, expresso através da cláusula testamentária que estabelece « Se qualquer das duas ditas minhas filhas gémeas FF e AA falecer, antes ou depois da abertura da minha herança, sem descendentes passará o referido usufruto para a sobreviva; e se esta também falecer sem descendentes, passará o usufruto dos referidos bens para o meu neto HH, filho de minha filha JJ» e consentido pelo Código de Seabra (na redação dada pelo Decreto nº 19126, de 13 de dezembro de 1930, vigente à data da outorga do testamento), que, no seu art. 2199º, estipulava que o usufruto se podia dar «em favor de uma ou de mais pessoas simultânea ou sucessivamente, com tanto que existam ao tempo em que se torna efectivo o direito do primeiro usufrutuário».

E, por outro lado, perante um legado de propriedade da raiz aos descendentes, em primeiro grau, das referidas filhas do testador (netos nascituros não concebidos), com previsão de substituição destes para o caso de alguma ou ambas destas usufrutuárias “falecerem sem descendentes” (“si sine liberis decesserit”) , ou seja, para o caso de não existirem descendentes seus vivos no momento da sua morte, contido nas disposições testamentárias, que estabelecem - « A parte dos bens legados ou deixados em usufruto à dita minha filha FF, ficará a pertencer em propriedade aos descendentes dela em primeiro grau; e se ela falecer sem descendentes, aos descendentes em primeiro grau de sua irmã AA, e vice-versa.

Se ambas falecerem sem descendentes, caso em que o usufruto pertencerá a meu neto, digo meu referido neto HH, aos descendentes legítimos deste em primeiro grau pertencerá a propriedade dos meus bens, e, na falta deles, pertencerá tal propriedade dos meus dois sobrinhos, filhos da minha irmã II, ou descendentes legítimos deles em primeiro grau, no caso dos mesmos serem já falecidos», também consentido pelo Código de Seabra (na redação dada pelo Decreto nº 19126, de 13 de dezembro de 1930), que, no seu art. 1777º, permitia a instituição como legatário de nascituros não concebidos, desde que «descendentes em primeiro grau de certas e determinadas pessoas vivas ao tempo da morte do testador» e que, no seu art. 1824º, mandava aplicar às heranças deixadas a nascituros o regime da instituição de herdeiros e legatários sujeita a condição suspensiva.

Vê-se, assim, que a consolidação da propriedade do legado na titularidade dos filhos das ditas filhas gémeas do testador ficou sujeita à verificação de dois factos futuros e incertos, ao tempo do testamento, ou seja:

i) da existência de descendentes em primeiro grau das usufrutuárias;

ii) e da sua sobrevivência ao tempo da morte das legatárias do usufruto.

Mas, se a qualificação jurídica deste primeiro requisito como condição suspensiva não suscita qualquer dificuldade, pois era essa a qualificação dada pelo citado art. 1824º, já o requisito da sobrevivência dos legatários (descendentes em primeiro grau) às usufrutuárias, suas mães não deixa de suscitar grandes dúvidas quanto à qualificação jurídica desta cláusula como sendo um simples “legado condicional” ou um “fideicomisso condicional”.

Daí a necessidade de recuperar a discussão doutrinal e jurisprudencial havida acerca da distinção entre as figuras de legado de usufruto vitalício e a do “fideicomisso” ou “substituição fideicomissária”, no domínio do Código de Seabra.

 Na versão originária deste código, o art.1866º, definia o fideicomisso ou substituição fideicomissária como « A disposição testamentária, pela qual um herdeiro ou legatário é encarregado de conservar e transmitir por sua morte a um terceiro a herança ou o legado »[23].

O art. 1867º, dispunha que «São proibidas para o futuro as substituições fideicomissárias, excepto:

1º Sendo feitas por pai ou mãe nos bens disponíveis, em proveito dos netos, nascidos ou por nascer;

2º Sendo feitas em favor dos descendentes, em primeiro grau, de irmãos do testador».

O art. 1868º, estipulava que « O fideicomissário adquire direito à sucessão, desde o momento da morte do testador, ainda que não sobreviva ao fiduciário. Este direito passa aos seus herdeiros».

O art. 1870º, estabelecia que « não se reputará fideicomisso a disposição pela qual algum testador deixe o usufruto de certa coisa a uma pessoa e a propriedade a outra pessoa, com tanto que o usufrutuário ou o proprietário não seja encarregado de transmitir a outrem, por sua morte, o dito usufruto ou a dita propriedade».

E o art. 1871º preceituava que « Serão havidas por fideicomissárias e, como tais, defesas:

1º As disposições com proibição de alienar.

As disposições, que chamarem um terceiro ao que restar da herança ou legado, por morte do herdeiro ou do legatário.

3º As disposições, que impuserem ao herdeiro ou legatário o encargo de prestar a mais de uma pessoa, sucessivamente, certa renda ou pensão».

Com o Decreto nº 19126, de 16 de dezembro de 1930, este quadro normativo alterou-se, passando os supra citados artigos, com exceção do citado art. 1866º, a ter a seguinte redação (também a vigente à data da outorga do testamento e à data da morte do testador):

- art. 1867º « são proibidas as substituições fideicomissárias em mais de um grau»;

- art. 1868º « Se o fideicomissário não aceitar a herança ou legado, ou se falecer antes do fiduciário, caducará a substituição, ficando o fiduciário com a propriedade definitiva dos bens»;

- art. 1870º « Não são substituições fideicomissárias as disposições pelas quais o testador  deixe o usufruto a uma pessoa e a propriedade a outra, ou o usufruto sucessivo, nos termos do artigo 2199º. O usufruto sucessivo só nos termos deste artigo é permitido ».

- art. 1871º « são havidas como fideicomissárias e, como tais, válidas em um grau:

1º As disposições com proibição de alienação por actos entre vivos.

2º As disposições que chamarem um terceiro ao que, restar da herança ou do legado por morte do herdeiro ou do legatário ».

Constata-se, assim, que já no domínio da vigência do Código de Seabra, o fideicomisso ou substituição fideicomissária caraterizava-se pela verificação de três elementos.

São eles, no dizer de Pires de Lima[24], secundando os ensinamentos de Vaz Serra[25]:

« a) Dupla disposição testamentária  do mesmo objeto ( deixa-se a herança ou um legado a A e, por sua morte, a B);

b) Encargo de conservar e transmitir, imposto ao gravado ou fiduciário em proveito do fideicomissário;   

c) Ordem sucessiva (ordo sucessivus), sendo fiduciário e fideicomissário instituídos sucessiva e não simultaneamente».

Segundo aquele mesmo autor, « A substituição fideicomissária caracteriza-se, pois, por uma sucessão na propriedade. O fiduciário encontra-se na situação de proprietário dos bens do fideicomisso, mas com o encargo de os conservar e devolver ao fideicomissário com a abertura da substituição. Neste momento cessa o direito de propriedade do fiduciário e começa o direito (também de propriedade) do fideicomissário».   

Dito de outro modo e nas palavras de Inocêncio Galvão Telles[26], « o fideicomisso supõe que duas pessoas são por testamento chamadas sucessivamente aos mesmos bens – primeiro uma (fiduciário) e depois a outra (fideicomissário), à morte daquela.

O fiduciário tem uma propriedade temporária (vitalícia) e, quando ele falece, essa propriedade passa, como definitiva, ao fideicomissário. O direito do primeiro mantém-se no passado, não se considerando destruído retroactivamente, e o do segundo só existe para o futuro, a partir do decesso daquele.

Justamente para que os bens possam reverter para o fideicomissário, o fiduciário tem o encargo de os conservar, física e juridicamente, não podendo dispor deles, nem por acto inter vivos nem por acto mortis causa. Não os pode vender, nem dar em troca ou pagamento, nem hipotecar ou empenhar, nem doar, nem deixar em testamento, nem deles dispor por qualquer outro modo».

Ou seja, na prática, o fiduciário encontra-se numa situação análoga à do usufrutuário vitalício, na medida em que acaba por ter apenas o uso e fruição dos bens, que cessa com a sua morte, o que explica, que ante a proibição das substituições fideicomissárias estabelecida no art. 1867º do Código Seabra, na sua versão originária, e o repúdio expresso da qualificação da deixa do “ usufruto de certa coisa a uma pessoa e da propriedade a outra pessoa”, contida no art. 1870º, do mesmo código, parte da doutrina tivesse defendido que o fideicomisso não se distinguia da disposição testamentária pela qual se deixava a propriedade de certos bens a um indivíduo e o usufruto a outro[27].

Mas, mesmo após o afastamento da proibição geral dos fideicomissos operado pelo Decreto nº 19126, de 16 de dezembro de 1930 (que, alterando a redação dada ao art. 1867º, passou a admitir livremente as substituições fideicomissárias num grau), houve quem continuasse a defender que a oposição de uma condição à substituição excluía o fideicomisso, negando, por isso, a possibilidade de se atribuir natureza fideicomissária às deixas pelas quais o testador subordinasse a nomeação do herdeiro ou do legatário a uma condição resolutiva, que devesse verificar-se por morte destes, e designasse outra pessoa para suceder no caso em que a condição se cumprisse [28].

Confrontado com esta polémica, que também não encontrava consenso no seio da jurisprudência, veio, então, o Supremo Tribunal de Justiça, no Assento de 14 de dezembro de 1937 [29], uniformizar o entendimento de que «o legado de certa cousa a uma pessoa, sob a condição de passar a terceira, se aquela falecer sem descendentes, é condicional e válido e não substituição fideicomissária».

A verdade é que, mesmo após a prolação deste assento, não se silenciaram as vozes daqueles que defendiam que a circunstância de a reversão dos bens para o fideicomissário depender de condição não bastava para que a disposição deixasse de ser fideicomissária.

Foi o caso de Vaz Serra, para quem o facto de ser aposta uma condição (resolutiva quanto ao primeiro, suspensiva quanto ao segundo) de que fica dependente o direito do segundo instituído e, portanto, o termo do direito do primeiro não exclui, forçosamente, que exista a dupla disposição e a ordem sucessiva que caraterizam o fideicomisso (a instituição de um herdeiro ou legatário e, por morte deste, de outro herdeiro ou legatário), nem é incompatível com a noção de fideicomisso dada pelo art. 1866º do C. Civil  de Seabra, pois não implica, necessariamente, que o primeiro instituído não seja encarregado de conservar, para reverter para o segundo instituído (ou substituto), a herança ou o legado.

Daí defender que, no fundo, tudo depende da vontade do testador e que, « portanto, de duas uma: se o testador apondo a condição « se falecer sem filhos » (si sine liberis decesserit ), quer que, verificada a condição, se resolva a instituição do primeiro instituído, tudo se passando como se o não tivesse sido, não haverá substituição fideicomissária, porque falta a ordem sucessiva que a caracteriza; se, diversamente, apondo a condição, não quer o testador que, verificada ela, se resolva a instituição do primeiro instituído, querendo apenas que essa instituição cesse (isto é, só para o futuro, não com eficácia retroactiva: ex nunc, não ex tunc), o caso é de substituição fideicomissária».    

Sublinha ainda que, nesta segunda hipótese, « não quer o testador privar, ainda que a condição se verifique, o primeiro instituído do gozo e fruição dos bens, tal como se houvesse feito um fideicomisso incondicional, pretendendo unicamente que, se a condição se verificar, o direito do primeiro instituído se extinga para futuro, passando os bens para o segundo instituído», sendo que « a diferença em relação ao fideicomisso incondicional está apenas em que, neste, o fiduciário tem sempre o encargo do fideicomisso, ao passo que, no fideicomisso condicional, o encargo fideicomissário só onera o fiduciário  no caso de a condição se verificar ».       

E realça que esta doutrina em nada contradiz o supra mencionado assento do STJ, na medida em que este reporta-se a um caso em que o testador quis atribuir à condição eficácia retroativa, não existindo, por isso, a ordem sucessiva característica da substituição fideicomissária[30].

No mesmo sentido pronunciou-se Pires de Lima[31], sustentando que o «assento de 1937 tem de ser interpretado restritivamente, não podendo aplicar-se, sob pena de conduzir a resultados absurdos, a todas as hipóteses que a sua letra comporta».  

Mais sublinha que, contrariamente àqueles que negavam «a possibilidade de se atribuir natureza fideicomissária às deixas pelas quais o testador subordinasse a nomeação do herdeiro ou do legatário a uma condição resolutiva, que devesse verificar-se por morte destes, e designasse outra pessoa para suceder no caso em que a condição se cumprisse», «toda a substituição fideicomissária é inevitavelmente condicional, pois está sujeita, antes de mais, à condição da sobrevivência do fideicomissário em relação ao fiduciário».

E sobre a natureza que deva atribuir-se às disposições pelas quais o testador institui uma pessoa herdeira ou legatária, mas nomeia ao mesmo tempo uma outra para se lhe substituir no caso de, à morte do primeiro instituído, se verificar certa condição, defende, na esteira dos ensinamentos de Vaz Serra, que estas deixas testamentárias serão fideicomissárias, ou não, conforme o regime que o testador tiver querido adotar.

Assim, «se o testador quer que a verificação do evento futuro e incerto de que depende o chamamento do substituto tenha eficácia retroactiva, não estaremos perante um fideicomisso. Juridicamente, existirá um único instituído. O substituto ocupará o lugar de herdeiro ou legatário desde o momento da abertura da herança, tudo devendo passar-se como se o chamamento do primeiro instituído não tivesse tido lugar.

Se, diversamente, o testador quer que a verificação da condição só tenha eficácia ex nunc, então estaremos perante um caso nítido de substituição fideicomissária. Há uma dupla disposição dos mesmos bens e uma ordem sucessiva na vocação das pessoas a quem são atribuídos. A verificação da condição não elimina a posição jurídica do primeiro instituído: apenas tem como consequência que o seu direito de propriedade (que se consolidaria se a condição se não verificasse) cessa, transmitindo-se ao segundo instituído».  

Nesta mesma linha de orientação, também Galvão Telles pugnou pela interpretação restritiva do Assento de 14 de dezembro de 1937 no sentido de que a doutrina nele fixada só deverá aplicar-se quando dos termos do testamento se conclua que o de cujus quis atribuir eficácia retroativa à condição.

« Por conseguinte, quando por vontade do disponente a condição não tenha  o poder de resolver o direito do sucessor, e sim o de fazer cessar tal direito (…), a deixa constituirá um verdadeiro fideicomisso»[32], ou uma substituição fideicomissária,  em que o primeiro instituído ( o substituído) chega  a suceder de facto mas depois  é tido como não chamado mercê da ocorrência da condição resolutiva[33].        

Diferentemente, se for vontade do testador subordinar a designação do sucessível, herdeiro ou legatário, à ocorrência de determinado acontecimento incerto a verificar-se à morte ou até à morte de uma delas e considerar que, se o acontecimento se der, essa pessoa como não chamada, retroativamente, à sucessão e, como chamada, também retroativamente, a outra, - caso em que a condição será resolutiva para a primeira e suspensiva para a segunda – estar-se-á perante um legado condicional, em que os efeitos da condição retrotraem-se à data da morte do testador, destruindo «na raíz um dos chamamentos e o faz substituir, também desde a origem, pelo outro».

Ou seja, «só existe no fim de contas um sucessor real, que será o primeiro se o acontecimento incerto se não der, e o segundo na hipótese contrária. Este, a suceder, não sucederá depois daquele, mas em vez dele, como seu substituto directo »[34]

Ante a doutrina exposta e tomando posição sobre esta querela, diremos, desde logo, que se perfilha esta orientação por ser a que melhor se adequa ao regime do Código Civil de 1867, conjugando a vontade do testador ( art. 1761º ) com a natureza do fideicomisso ou  substituição fideicomissária, que, nos termos do art. 1868º (na redação dada pelo Decreto nº 19126), é necessariamente condicional na medida em que está sujeita à condição da sobrevivência do fideicomissário em relação ao fiduciário.


*



Exposta e aceite esta doutrina, cumpre, finalmente, decidir se a mesma tem aplicação ao caso dos autos, ou seja, às disposições testamentárias pelas quais o testador, DD, estabeleceu expressamente a substituição dos legatários da nua propriedade de determinados bens ( seus netos), para o caso de alguma ou ambas as legatárias do usufruto dos mesmos bens (suas filhas gémeas), falecerem sem descendentes, que lhes sobrevivam.

Isto porque, diferentemente da situação que esteve na base da construção jurídica acabada de expor, no caso dos autos não se está diante um simples legado da propriedade sob a condição “si sine liberis decesserit ”, ou seja, do falecimento do próprio legatário sem descendentes, mas, antes, perante um legado da raiz ou nua propriedade feito a nascituros sob condição de estes, nascendo, sobreviverem às suas mães, legatárias do usufruto dos mesmos bens.

Em sentido afirmativo, pronunciou-se Paulo Mota Pinto, no seu parecer junto aos autos, sustentando que « também neste caso haverá legado sujeito a condição resolutiva se o falecimento do legatário (neto) antes da mãe destrói retroativamente (resolve) o seu chamamento à titularidade dos bens; já se tratará de substituição fideicomissária condicional se o testador pretendeu que, em qualquer caso (isto é, mesmo que viesse a falecer antes de sua mãe), cada um dos seus netos fosse titular, até à sua morte, da nua propriedade dos bens deixados em usufruto a sua mãe, apenas com aquela, se ocorrida antes do falecimento de sua mãe, passando para os fideicomissários (irmãos sobreviventes à mãe, ou outros substitutos designados).

Diferentemente, pronunciaram-se Manuel Carneiro da Frada e Diogo Costa Gonçalves, no seu parecer junto aos autos[35], sustentando que a referida doutrina não pode ser aplicada, mutatis  mutandis, à situação do caso presente, que, no seu entender, não é de qualificar como sendo um fideicomisso condicional, sujeito à condição de sobrevivência dos legatários da propriedade às suas mães, legatárias do usufruto, nem como um legado subordinado a uma dupla condição - suspensiva, quanto ao nascimento, e resolutiva, quanto à sua não sobrevivência em relação às usufrutuárias - ,  atendendo à necessidade de conjugar a condição da sobrevivência com a primeira condição suspensiva, decorrente do facto de os legatários da propriedade serem nascituros.

Daí defenderem que « a condição de nascituro (…) aponta no sentido de estarmos diante de um legado sujeito a uma única condição suspensiva, sendo que o facto futuro e incerto é plural e diferido no tempo, impondo-se, por isso, qualificar esta deixa testamentária com um legado da propriedade condicional, sujeito a « uma condição suspensiva factualmente complexa e diferida no tempo: ( i ) a chamada existência de nascituros e ( ii ) a sobrevivência destes às usufrutuárias» .

Até à verificação do último elemento factual da condição – a sobrevivência às usufrutuárias – o legado da propriedade encontra-se sub condictio e o efeito jurídico previsto não se produz na ordem jurídica.

«Não basta, portanto, o nascimento dos descendentes em primeiro grau das legatárias do usufruto para que a condição suspensiva se encontre verificada: é necessária, também, a certeza quanto à sobrevivência dos legatários da propriedade às usufrutuárias, o que ocorre à morte da última usufrutuária».

«Se as usufrutuárias falecerem sem descendentes em primeiro grau - isto é, sem filhos que lhes sobrevivam (ainda que os tenham tido) - , a propriedade do legado reverterá a favor dos legatários em substituição, tal como previsto no testamento».

Salvo sempre o devido respeito por opinião diversa, não cremos que da instituição do legado da nua propriedade pelo DD, a favor dos filhos que as suas duas filhas gémeas viessem a ter e que lhes sobrevivessem, se possa retirar a previsão, pelo testador, de uma verdadeira condição suspensiva de sobrevivência daqueles legatários às respetivas mães.

É que, como afirma Paulo Mota Pinto[36], « isso significaria que o estado de pendência da aquisição dos legatários teria sido prolongado, pelo testador, até ao momento da morte das suas  filhas. E não faria então sentido ter disposto que aos seus netos, filhos destas últimas, atribuía a propriedade dos imóveis[37], enquanto àquelas era atribuído o usufruto» já que «a tratar-se de uma condição suspensiva, com o falecimento das filhas e a sobrevivência a estas dos netos, dar-se-ia logo a consolidação do usufruto com a nua propriedade, na pessoa dos netos, pelo que estes nunca teriam chegado a ser apenas proprietários da raiz».

Em nosso entender, o que se infere das ditas disposições testamentárias é a clara intenção do testador em beneficiar de imediato os seus netos e, por isso, que tenha sido vontade sua atribuir, desde logo, a nua propriedade dos prédios, onerados com o usufruto das suas filhas, aos seus netos nascituros, prevendo a sua substituição caso falecessem antes daquelas, apenas com o propósito de acautelar o destino dos bens em causa e assegurar que os mesmos permanecessem na sua família direta: na linha descendente (caso uma das suas filhas falecesse sem descendentes sobrevivos, entre os filhos da outra filha e, caso ambas as filhas falecessem sem descendentes, nos descendentes legítimos do seu neto HH) ou, subsidiariamente, na dos filhos de sua irmã II.

Integrada, neste contexto, a condição de que depende a vocação dos substitutos dos legatários da nua propriedade, ou seja, a condição de as filhas gémeas do testador falecerem sem descendentes que lhe sobrevivam (“si sine liberis decesserit”) e interpretada esta mesma condição em conjunto com as demais disposições testamentárias, designadamente com aquelas em que o testador proibiu, expressamente, os legatários da raiz dos bens deixados em usufruto a suas filhas de “vender ou hipotecar” esses bens (fls. 30 e 31 do testamento), é nosso entender ser a mesma reveladora da vontade, por parte do testador, de que a sua verificação terá como efeito fazer cessar para o futuro (sem extinguir no passado) a qualidade de sucessor na pessoa dos primeiros instituídos, fazendo-a nascer, mas só para o futuro (ex tunc), na pessoa dos substitutos, o que tudo significa ter sido vontade do testador instituir um fideicomisso condicional.

Com efeito, tal como refere Pires de Lima[38], além da dupla transmissão dos bens objeto do legado e da ordem sucessiva na vocação dos instituídos, não falta, no caso dos autos, o outro elemento essencial  à existência de um fideicomisso, ou seja, obrigação de conservar e transmitir os bens a que alude o art. 1866º do Código Civil de 1867.

Acresce ainda o facto de, no dizer de Vaz Serra[39], ser este, « em regra, o alcance da condição “si sine liberis decesserit”. Na maior parte dos casos o testador, ao utilizar esta condição, não pretende que, verificada ela, seja resolvida a propriedade do primeiro instituído; deseja apenas que comece, à morte deste, a propriedade do segundo, e nisto consiste o fideicomisso.

Aquela condição serve para melhor ser obtido o fim próprio das substituições fideicomissárias: a conservação dos bens na família. Apondo-a, o testador quer evitar que o primeiro instituído, não tendo filhos, aliene os bens e os faça sair do património familiar».

« Só para evitar  que os bens saiam da família foi usada a condição, sem que se haja pretendido impedir a propriedade daquela que primeiramente se instituiu».

E a verdade é que, no caso dos autos, foi precisamente esta a pretensão do testador, pois provado ficou que «o autor do legado sujeitou-o às condições supra referidas, prevendo que o mesmo ficasse confinado à sua linha sucessória descendente, por não pretender que o mesmo se comunicasse aos cônjuges dos mesmos» ( cfr. factos dados como provados e supra descritos sob o nº 10 ), sendo que, nas palavras de Vaz Serra e Pires de Lima, esta preocupação do testador confirma, efetivamente, o carácter fideicomissário das referidas cláusulas da substituição.

Daí não podermos deixar de aderir à posição defendida por Paulo Mota Pinto[40], no seu parecer junto aos autos, sentido de que, «ao prever as substituições dos legatários da raiz na hipótese de falecimento de cada filha sem descendentes, e, sobretudo, ao clarificar que o legado da raiz era feito aos netos que cada filha viesse a ter “ e que lhe sobreviverem”, DD previu uma substituição fideicomissária condicional, isto é, subordinada à condição de sobrevivência de cada neto a sua mãe», cuja preenchimento « deve ser apurado no momento do falecimento de cada neto (se anterior ao de cada filha do testador, sua mãe), ou de cada filha do testador (quanto aos netos não pré-falecidos em relação a sua mãe)».


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3.2.2.4. Assente a qualificação disposições testamentárias supra aludidas e constantes do ponto 9 dos factos dados como provados como um fideicomisso condicional, dependente da condição de sobrevivência dos legatários da nua propriedade em relação às respetivas mães, legatárias do usufruto desses mesmos bens e, resultando da matéria de facto provada e supra descrita no ponto 2, que o EE, filho da usufrutuária e ora autora, AA, faleceu em … .11.2013, não tendo, portanto, sobrevivido à sua mãe, não sofre dúvida que, no momento do seu falecimento, ocorreu a reversão do seu legado da nua propriedade dos bens em causa para os fideicomissários substitutos, pelo que os bens que lhe foram legados, em nua propriedade, pelo seu avô, DD, não integram o seu acervo hereditário, devendo, por isso, ser excluídos da relação de bens apresentada pela ré no processo de inventário instaurado para partilha da herança aberta por óbito do referido EE.

De referir, finalmente, que, não obstante perfilharmos o entendimento de que as analisadas disposições testamentárias configuram um fideicomisso ou substituição fideicomissária condicional, a idêntico resultado chegaríamos, quer se entenda que o legado da nua propriedade que o testador, DD, fez aos seus netos estava configura um legado sob condição suspensiva da sobrevivência dos legatários a suas mães – caso em que, com o falecimento do legatário, EE, antes da sua mãe, o legado não chegou a produzir efeitos por não se ter verificado a condição suspensiva – quer se considere estar perante um legado subordinado à condição resolutiva de pré-falecimento do legatário a sua mãe – caso em que a verificação desta condição destrói a qualidade de legatário desde o momento da abertura da sucessão - pelo que num e noutro caso os abrangidos pelo legado nunca chegariam a integrar o acervo hereditário do inventariado EE.

E tudo isto independentemente da cláusula de incomunicabilidade dos bens aos cônjuges prevista também pelo testador, que, ante a conclusão a que se acabou de chegar, não tem o alcance que a recorrente pretende atribuir-lhe, ou seja, que a mesma constitui uma derrogação da imperatividade legal da sucessão legitimária do cônjuge, questão que nem sequer se coloca no caso dos autos.  

Termos em que, pelo exposto, improcedem todas as demais conclusões das alegações de recurso da recorrente, não merecendo qualquer censura o acórdão recorrido.


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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar provimento à revista e, consequentemente, em confirmar o acórdão recorrido.

As custas devidas na ação e dos recursos ficam a cargo da ré.  



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Supremo Tribunal de Justiça, 7 de novembro de 2019

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

Catarina Serra

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] Não foram referidos  os factos alegados nos arts. 21º a 23º da PI por se considerar que não  relevavam para a decisão da causa, atento o pedido formulado pelos AA.
[3] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[4] In “ Caso julgado e causa de pedir, O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229.º do Código Civil” Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, in ROA 2006, Ano 66, Vol. III, acessível na Internet https://portal.oa.pt./publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-iii-dez-2006, p. 8  
[5] Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, pp. 395 e ss. (395, 401-402).
[6] Cfr.  Milton Paulo de Carvalho, in “ Do Pedido no Processo Civil”, FIEO – Fundação Instituto de Ensino para Osasco, Porto Alegre, 1992, pág. 93.
[7] Cfr.  Milton Paulo de Carvalho, in “ Do Pedido no Processo Civil”, FIEO – Fundação Instituto de Ensino para Osasco, Porto Alegre, 1992, pág. 93
[8] Para uma análise desenvolvida sobre as diversas orientações doutrinárias, cfr. Mariana França  Gouveia, in “ A causa de Pedir na Acção Declarativa”, Colecção Teses, Almedina, 2004, págs. 37- 96.
[9]  “A Acção Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013”, in ROA, Ano 69, Jul/Set. 2009, Lisboa. Segundo este mesmo autor,
[10] Que indiciam os factos essenciais. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa in “ Introdução ao Processo Civil “, 1993, pág. 52.
[11] Neste sentido, cfr. Abrantes Geraldes, in “ Temas da Reforma de Processo Civil”, Vol. I, Almedina, 2.ª Edição, Coimbra, 1998, págs. 192 e 193.
[12] Neste sentido cfr. Paula Costa e Silva, in, parecer junto aos  autos.
[13] Cfr.  Miguel Teixeira de Sousa,  in “ As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa”, Lex, Lisboa, 1995, págs. 123 a 125.
[14]  Devendo ler-se “ se  os bens que constituem o legado”, por forma a estabelecer-se a concordância  com a expressão “ não são comunicáveis”  .
[15] Entre os quais se conta o art. 22º do mesmo diploma que dispõe sobre a declaração de nulidade ou anulação de testamento ou de disposições testamentárias anteriores à entrada em vigor do novo código, mas que não é convocável no caso dos autos por não estar em causa a validade de nenhum destes atos.
[16] Esta norma transitou para o nº1 do art. 2187º do C. Civil de 1966, ao qual foi aditado o nº 2 relativo à admissão de “prova complementar” .
[17] Trata-se, afinal, de, em divergência com a regra geral sobre a interpretação do negócio jurídico, contida no art. 236º do C. Civil, determinar o que quis efetivamente o autor do testamento, de nada interessando  o que é que um declaratário normal teria entendido da deixa testamentária. Por outro lado, sendo o momento temporalmente relevante para a interpretação do testamento, o momento da feitura do testamento, não há que colocar a hipótese de uma “interpretação atualizadora” da vontade do testador.
[18] Neste sentido, cfr. Manuel de Andrade, in, “Teoria geral da relação jurídica”, Vol. II, Coimbra, Almedina, págs. 319 e 320 e Antunes Varela in, “ Ineficácia do testamento e vontade conjectural do testador”, Coimbra, 1950, págs. 35 e 36.
[19] In fls. 25 a 29 do seu parecer junto aos autos.
[20] Neste sentido, cfr. Manuel de Andrade, in, “Teoria geral da relação jurídica”, Vol. II, Coimbra, Almedina, pág.167; Ferrer Correia, in, “Erro e interpretação na teoria do negócio jurídico”, 1ª ed., Coimbra, págs. 233 a 235 e Antunes Varela in, “ Ineficácia do testamento e vontade conjectural do testador”, Coimbra, 1950, pág. 37.
[21] In  fls. 36 e  37 do seu  parecer junto aos autos. 
[22] In  fls. 31 do seu parecer junto aos autos.
[23] Cujo regime não difere do previsto no art. 2286º do atual Código Civil.
[24] In RLJ, ano 101, 1968-1969, pág. 40.
[25]   “Sobre o problema dos fideicomissos condicionais”, in RLJ, ano 62, pág. 195.
[26] “ Legado condicional e fideicomisso”, parecer, in Revista do Notariado 1988/1 (Janeiro-Abril), pág. 86. 
[27] Sobre o tema, cfr. a seguinte doutrina citada por Paulo Mota Pinto no seu parecer junto aos autos: Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro, in “Dos fideicomissos no direito civil moderno – Comentários aos arts 1866.º a 1874.º do Código Civil Português”, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1872, págs. 211 e segs.; António José Teixeira D’Abreu, in “Das substituições fideicomissárias”, Coimbra, França Amado, 1894, págs. 25, 77 e segs.; José Tavares, in “Sucessões e direito sucessório”, 1.ª ed., Coimbra, França Amado, 1903, págs. 464 e segs. E também, mesmo depois da reforma de 1930, Luiz da Cunha Gonçalves, in  “Tratado de direito civil”, vol. X, Coimbra, Coimbra Editora, 1935, págs. 151, 155, 158 e segs.
[28] Contra a figura do fideicomisso condicional manifestaram-se autores como José Gabriel Pinto Coelho, “Das cláusulas accessorias dos negócios jurídicos”. Vol. 1: A condição, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1909-1910, pág. 449; António D’Abranches Ferrão, “ Das doações segundo o Código Civil Português”, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1912, pág. 256.
[29] Publicado  no Diário do Governo , I série, de 28 de dezembro de 1937.
[30] Cfr. Vaz Serra, in “Sobre o problema dos fideicomissos condicionais”, Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de maio de 1967, RLJ, ano 101.º, 1968 e 1969, págs. 52 e 53. 
[31] Cfr. Pires de Lima, in Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de maio de 1967, RLJ, ano 101, 1968-1969, págs. 40 e segs.
[32] Cfr.  “Direito de representação, substituição vulgar e direito de acrescer”, in dissertação de concurso para Professor Extraordinário do Grupo de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1943, pág. 160 e “Substituição directa e fideicomisso condicional”, in, O Direito, ano 127, I-II, 1998, págs. 215-241.
[33] Cfr. Galvão Telles, “ Legado Condicional e fideicomisso”, parecer in, Revista do Notariado, 1988/1(janeiro-Abril), pág. 87.
[34] Cfr. Galvão Telles, “Legado Condicional e fideicomisso”, parecer in, Revista do Notariado, 1988/1(janeiro-Abril), pág. 87.
[35] Cfr. fls. 45, 46, 50, 51, 74 e 75 deste mesmo parecer.
[36] A fls. 52 e 53 do seu parecer junto aos autos. 
[37] Ainda que por força do efeito retroativo do preenchimento da condição, adquirissem ex tunc, desde a morte do testador ou, pelo menos, desde o seu nascimento (condição legal da aquisição).
[38] Cfr. Pires de Lima, in Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de maio de 1967, RLJ, ano 101, 1968-1969, pág. 47, nota 1.
[39] In RLJ, ano 62, pág. 370 e ano 63, pág. 3.
[40] Cfr. fls. 63 e 64 do seu parecer junto aos autos.