Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
232/06.8TBBRR.L3.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: DIREITO DE SUPERFÍCIE
CONTRATO MISTO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
EXTINÇÃO
CONFUSÃO
REMUNERAÇÃO
CONTRATO ATÍPICO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONCLUSÕES
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
RECURSO DE REVISTA
OBJECTO DO RECURSO
PROVA PERICIAL
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTE DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / HIPOTECA / CAUSAS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ALÉM DO CUMPRIMENTO / REMISSÃO / NOÇÃO / CONTRATOS EM ESPECIAL / LOCAÇÃO / PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – DIREITO DE SUPERFÍCIE / CONSTITUIÇÃO DO DIREITO / DIREITOS E ENCARGOS / EXTINÇÃO DO DIREITO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – DISPOSIÇÕES E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS – ATOS PROCESSUAIS / NULIDADES DOS ATOS – PROCEDIMENTOS CAUTELARES / ARRESTO – ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES – SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA – RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
-Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª Edição, 270;
-António Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Reprint, 1979, 707 e ss.;
-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.ª Edição, 398 e 399;
-Armindo Ribeiro Mendes, O Direito de Superfície, ROA, Ano 32, 1972, 34 e 35;
-C.A. da Mota Pinto, Direitos Reais, Almedina, 1975, 291, 292 e 299;
-Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, 517 e 518;
-Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, 2017, 441 e 442;
-Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, Reimpressão, 86;
-J. A. Mouteira Guerreiro, Reflexões sobre o direito de superfície, a sua titulação e registo, os volumes e o conceito de prédio urbano, RFDUP, Volume 6, 2009, 211 a 215;
-Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6.ª Edição, 433;
-Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 2.ª Edição, págs. 198 a 200,
-Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª Edição, 375 e 376;
-Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, 2.ª Edição, 398;
-Osvaldo Gomes, Manual de Loteamentos Urbanos, 502;
-Paulo de Tarso Pacheco Carreiro, Origem, evolução e conceito actual do direito de superfície, ROA, n.ºs 1 e 2, Ano 12, 1952;
-Santos Justo, Direitos Reais, 389.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 405.º, N.ºS 1 E 2, 688.º, N.º 1, ALÍNEA C), 868.º, 1022.º, 1023.º, 1067.º, N.º 1, 1154.º, 1525.º, N.º 1, 1526.º, 1528.º, 1530.º, 1534.º, 1536.º, N.º 2, 1538.º, N.º 1 E 1541.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º 1, ALÍNEA B), 7.º, N.º 1, 8.º, 195.º, N.º 1, 376.º, 389.º, 396.º, 571.º, 573.º, 576.º, N.º 3, 579.º, 607.º, N.ºS 4 E 5, 608.º, N.º 2, 615.º, N.º 1, 635.º, N.º 4, 639.º, N.ºS 1 E 3, 662.º, N.ºS 1, 2 E 4, 663.º, N.º 2, 674.º, N.ºS 1, 2 E 3 E 682.º, N.ºS 1 E 2.
LEI DE ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ), APROVADA PELA LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO: - ARTIGO 46.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 22-01-2015, PROCESSO N.º 24/09.2TBMDA.C2.S1;
- DE 19-10-2016, PROCESSO N.º 3285/05.2TVPRT.P1.S1;
- DE 19-01-2017, PROCESSO N.º 841/12.6TBMGR.C1.S1, TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Tendo a Relação apreciado todas as questões que lhe foram colocadas nas conclusões da alegação recursória, apesar do reparo dirigido à recorrente pela forma vaga e evasiva como concluiu o seu recurso de apelação, no que toca à questão de direito e à anunciada impossibilidade de conhecer desse pedido por falta de objecto, apresenta-se destituída de fundamento a arguida omissão de pronúncia.

II - Por outro lado, tendo as questões enunciadas nas conclusões do recurso sido objecto de análise e decisão pelo tribunal recorrido, não havia, naturalmente, necessidade de as aperfeiçoar, caindo, assim, também por terra a invocada nulidade processual decorrente da falta de convite ao aperfeiçoamento pela qual a recorrente se bate.

III - Fora do âmbito do recurso de revista está, como é pacificamente aceite, a apreciação/valoração que as instâncias fizeram da prova pericial, de per si ou no confronto com os restantes meios de prova sujeitos à regra da livre apreciação.

IV - É de qualificar juridicamente como contrato atípico misto que integra elementos da locação (art. 1022.º do CC) e elementos da prestação de serviço (art. 1154.º do CC), o acordo em que a autora se obrigou a “ceder à ré o uso e fruição de uma área total de 34.240 m2” integrada no Parque Industrial do Barreiro, bem como a conceder-lhe a utilização das ruas de acesso necessárias e a prestar-lhe uma multiplicidade de serviços – esgotos (colectores gerais), iluminação das ruas principais de acesso, vigilância estática (portarias) e corpo de intervenção geral (bombeiros) – mediante uma contrapartida pecuniária global que a ré (a recorrente), por sua vez, se obrigou a entregar-lhe.

V - Atenta a economia do contrato – que forma um todo orgânico, unitário e complexo –, embora se aproximando dos tipos contratuais acima referidos, afasta-se deles e não deve ser reconduzido apenas ao arrendamento ou somente à prestação de serviços.

VI - Por outro lado, não permitindo a matéria de facto dada como provada estabelecer qualquer relação de prevalência entre os elementos que se aproximam do arrendamento e os que se aproximam da prestação de serviços, não há que aplicar ao caso a teoria da absorção.

VII - O direito de superfície surge como efeito do negócio jurídico de alienação da obra, independentemente da alienação do chão, o que significa que o proprietário do solo, também chamado fundeiro, conserva o direito de propriedade sobre o solo, enquanto o superficiário passará a poder usar e fruir a obra já existente, sem que o seu direito se estenda ao subsolo ou à porção da superfície que não fica coberta pela construção.

VIII - Embora se esteja perante uma só coisa, tudo se passa, em sentido jurídico, como se a mesma tivesse sido parcelada idealmente em partes dotadas de autonomia que lhes permite serem excepcionalmente objecto de diversos direitos reais: o superficiário tem a propriedade superficiária, enquanto o fundeiro tem o direito de propriedade sobre o solo, podendo ainda ter a expectativa jurídica de aquisição da obra superficiária se o direito de superfície for temporário ou estiver sujeito a condição resolutiva (arts. 1536.º, n.º 2, e 1538.º, n.º 1, ambos do CC).

IX - A constituição do direito de superfície sobre as edificações não exclui o pagamento da prestação que vinha sendo realizada pela ré, pois o art. 1530.º do CC expressamente contempla essa obrigação do superficiário para com o fundeiro, o chamado cânon superficiário que tanto pode ser pago de uma só vez ou anualmente.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Relatório

I AA - Parques Empresariais, S.A., cuja denominação social foi, entretanto, alterada para BB, S.A. apresentou, em 14/12/2005, requerimento de injunção contra CC, S.A., no sentido de lhe ser paga a quantia global de €71 529,36, sendo €69 156,54 de capital, €2 194,82 de juros moratórios, à taxa de 9,05%, vencidos desde 01/07/2005, e €178,00 de taxa de justiça paga.

Para o efeito, invocou que o crédito peticionado é proveniente do incumprimento pela ré da obrigação de pagamento da retribuição consignada no contrato de uso e fruição que ali indica e que se encontra titulado nas facturas n°s 50…9, 50…5 e 50…8 vencidas nos dias 01 dos meses de Julho a Setembro de 2005.

A ré apresentou oposição, invocando, no essencial, que o “contrato de uso e fruição” no qual a autora se funda para peticionar a referida quantia é um contrato de arrendamento que deixou de ter objecto desde a data em que passou a ser superficiária dos imóveis a que o contrato respeitava, já que, não podendo ser, relativamente aos mesmos imóveis, superficiária e arrendatária, o aludido contrato caducou e daí que nada deva à autora a esse título.

Para além disso, deduziu reconvenção, sustentando que, face à coincidência que existe entre os prédios que eram objecto do dito “contrato de uso e fruição” e os prédios sobre os quais incide o direito de superfície de que se diz titular e que lhe foi atribuído a título não oneroso, os pagamentos por si realizados, à autora, até Julho de 2005, com base naquele contrato, foram feitos indevidamente e sem causa, assistindo-lhe, como tal, o direito de, ao abrigo do artigo 473.º do Código Civil, exigir a restituição das quantias pagas, a esse título, desde 12/07/1991, que ascendem ao montante de €2 627 623,90, a que acrescem os juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Após remessa do processo à distribuição como acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, a autora respondeu à matéria de excepção vertida na oposição e contestou a reconvenção, sustentando, em síntese, que o contrato do qual emerge o seu crédito não é um contrato de arrendamento, mas antes um contrato de natureza mista (já que a retribuição estabelecida constitui contrapartida quer da utilização dos terrenos, quer do fornecimento dos bens e serviços que vem prestando à ré), não tendo a ré direito à peticionada restituição por não haver coincidência entre o objecto do direito de superfície e o objecto do “contrato de uso e fruição”, e ainda que aquela tivesse direito a alguma restituição, tal direito há muito que estaria prescrito, concluindo, desse modo, pelo total inêxito da reconvenção.

Além disso, a autora ampliou o pedido por forma a contemplar no peticionado:

a) a declaração de validade e eficácia do “contrato de uso e fruição”;

b) a declaração de que a ré tem a obrigação de proceder ao pagamento pontual da retribuição estabelecida na cláusula 2ª desse contrato e respectivas actualizações;

c) a condenação da ré a pagar-lhe, para além das quantias peticionadas no requerimento de injunção:

- a retribuição de €69 156,54 relativa aos meses de Outubro a Dezembro de 2005.

- a retribuição mensal de €70 885,44 relativa aos meses de Janeiro a Março de 2006.

- todas as retribuições vincendas e suas actualizações.

d) a condenação da ré no pagamento de juros à taxa legal de 9,05% e 9,25%, desde o vencimento de cada uma das retribuições até integral pagamento, sendo o montante de juros vencidos até à data desse articulado de €3 654,23.

Treplicou a ré a pugnar pela inadmissibilidade parcial da réplica, pelo indeferimento da ampliação do pedido e pela improcedência das excepções opostas ao pedido reconvencional.

Após declaração de suspensão da instância por causa prejudicial, de que a autora agravou, com êxito, foram proferidos, em 18 de Setembro de 2009, despacho saneador a indeferir liminarmente o pedido reconvencional, seguido do conhecimento de mérito da causa.

Tais decisões foram impugnadas pela ré, com êxito, e retornado o processo à 1ª instância, foram admitidos o pedido reconvencional e a ampliação do pedido, fixaram-se os factos já assentes e organizou-se a base instrutória, sem reclamações.

No incio da audiência final, foi proferido despacho, na sequência de arguição da ré, a declarar a incompetência absoluta do tribunal, por preterição do tribunal arbitral.

Esse despacho foi posteriormente revogado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que mandou prosseguir o processo por julgar extemporaneo o conhecimento daquela excepção, decisão que seria mantida por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Prosseguiu o processo com a realização da audiência final, já na vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, tendo sido proferida sentença (em 22-01-2016) que, na total procedência da acção e improcedência da reconvenção, decidiu o seguinte:

a) Declarar que o “contrato de uso e fruição” celebrado entre a AA, S.A e a ré, com início em 1 de Janeiro de 1990, é válido e eficaz.

b) Declarar que a ré tem a obrigação de proceder ao pagamento pontual da retribuição estipulada no art.° 2° desse contrato e respectivas actualizações.

c) Condenar a ré a pagar à autora:

1. As quantias de Euros 138.313,09 (cento e trinta e oito mil trezentos e treze euros e nove cêntimos) e de Euros 283.541,76 (duzentos e oitenta e três mil quinhentos e quarenta e um euros e setenta e seis cêntimos) de retribuições devidas nos termos do referido contrato, relativas, respectivamente, aos anos de 2005 e 2006.

2. As retribuições devidas nos termos do mesmo contrato, com as actualizações nele previstas, relativas aos anos de 2007 a 2015 e a do mês de Janeiro de 2016.

3. Juros de mora sobre cada mensalidade dessas retribuições, calculados à taxa legal aplicável aos créditos da titularidade de empresas comerciais, desde o vencimento de cada uma delas até integral pagamento.

d) absolver a autora do pedido reconvencional.

Inconformada com o assim decidido, a ré apelou, impugnando de facto e de direito, sem qualquer sucesso, tendo a Relação de Lisboa confirmado o sentenciado pela 1ª instância.

Persistindo inconformada, interpôs a ré recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as conclusões que se transcrevem:

1 - A Recorrente na suas conclusões de recurso de Apelação, cumpriu escrupulosamente o ónus estabelecido no artigo 639.° n.°s 1 e 2 do CPC, tendo indicado, de forma inequívoca, as normas jurídicas violadas, o sentido com que as normas deviam ter sido interpretadas, bem como as normas incorrectamente aplicadas e as que deviam ter sido aplicadas.

2 - A Recorrida compreendeu perfeitamente o objecto do recurso, tendo respondido ao mesmo sem suscitar a existência de qualquer vício, contrapondo os argumentos que, no seu entender, deveriam sustentar a sentença recorrida, o que não se concede.

3 - A expressão "efetue devida interpretação e aplicação do Direito aos factos (...)" transcrita pelos Venerandos Desembargadores no douto Acórdão recorrido, com base na qual (embora sem razão) pretende fundamentar a "forma evasiva" como a Recorrente colocou a questão de Direito, não consta das conclusões de recurso, mas sim do pedido formulado na parte final desta peça processual como corolário lógico do recurso, não se aplicando o ónus previsto no artigo 639.° n.° 1 e 2 do CPC.

4 - Ao não conhecer do pedido de aplicação do Direito aos factos, por falta de objecto, o que não se aceita, embora esta questão tenha sido devidamente suscitada pela Recorrente, o Tribunal a quo não se pronunciou acerca da mesma, incorrendo, assim, na nulidade prevista artigo 615.° n.° 1 alínea d), primeira parte do CPC, que aqui se argui expressamente.

5 - Se o douto Acórdão recorrido, entendeu - embora, sem qualquer fundamento - que as conclusões da Recorrente eram deficientes, por serem vagas no que respeita ao pedido de aplicação do Direito aos factos, então, o Venerando Juiz Desembargador Relator deveria ter convidado a Recorrente a completá-las ou esclarecê-las nos termos do disposto no artigo 639.° n.° 3 do CPC, sob pena de não se conhecer do recurso nessa parte.

6 - Não o tendo feito, o Tribunal a quo incorreu, em qualquer caso, na nulidade prevista no artigo 195.° n.° 1 do CPC, uma vez que a omissão daquele dever influi necessariamente no exame ou na decisão da causa.

7 - Todavia, para a eventualidade de Vossas Excelências assim não entenderem, o que só pode mera hipótese se configura, à cautela, sem conceder, sempre se dirá que a matéria de facto suscitada no âmbito do presente recurso configura uma situação excepcional prevista nos artigos 674,° n.° 3 e 682.° n.° 2 do CPC, pelo que constitui fundamento de revista.

8 - Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o relatório pericial pelo facto de se encontrar acompanhado de documentos autênticos que constam dos autos - escrituras públicas e certidões prediais - não faz dele próprio um documento autêntico de tal forma que seja insusceptível de admitir prova em contrário, através de outros meios legais de prova.

9 - Os documentos autênticos juntos aos autos - escrituras públicas e certidões prediais - apenas fazem prova plena dos factos que neles são atestados (artigo 371.° n.° 1 do Código Civil), o que não invalida que tal factualidade corresponda efectivamente ao que foi acordado entre as partes.

10 - A prova pericial constitui um meio de prova específico e autónomo, distinto da prova documental, ainda que por documento autêntico, e que tem por fim a apreciação de factos por meio de peritos quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam (artigo 388.° do Código Civil).

11 - No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação das provas, segundo o qual a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo Tribunal (artigo 607.° n.° 5 do CPC e artigo 389.° do Código Civil).

12 - A este respeito, o Tribunal Constitucional entendeu que "estando em causa matéria de índole técnica, não se imporá, por via do dever de fundamentação consagrado no n.° 1 do artigo 205.° da Constituição, que o juiz demonstre a ou as razões técnicas que o fizeram divergir do juízo pericial. Bastará, isso sim, fazer indicação das provas concretas e, designadamente, as produzidas em audiência por testemunhas que têm conhecimentos especiais e técnicos ou por documentos juntos aos autos, que fundaram o seu juízo divergente daqueloutro constante da perícia anteriormente efectuada" (cfr. Acórdão do TC, n.° 422/99, de 30/06/1999).

13 - 0 douto Acórdão recorrido ao entender que a prova pericial não pode ser afastada pela prova testemunhal e documental não impugnada junta aos autos, indicada pela Recorrente e cujo teor foi confirmado por testemunhas com conhecimento directo, e que em face da prova produzida, foram dados como provados factos que contrariam frontalmente os resultados periciais, violou o disposto nos artigos 376.°, 396.° e 389.°, todos do Código Civil, no que diz respeito à fixação da força dos meios de prova, pelo que enferma de erro na fixação dos factos materiais e que impõe a sua alteração.

14 - A Recorrente não se conforma com a decisão tomada pelo Tribunal a quo na fixação dos factos a seguir identificados, julgando improcedente o pedido de alteração desta matéria de facto, em virtude da violação do disposto nos artigos 376.°, 396.° e 389.°, todos do Código Civil, nem com a respectiva decisão tomada pelo Tribunal de 1ª Instância sobre a matéria de facto no que respeita às respostas dadas aos artigos 12.°, 24.° e 25.° da base instrutória, por reputá-los incorrectamente julgados e, como tal, objecto de impugnação, por entender que foi deficientemente apreciada a prova testemunhal (matéria de facto gravada) e não foram devidamente considerados os documentos não impugnados, que ao mesmo se encontram juntos.

15 - No que respeita às respostas aos artigos 12.°, 17.° e 25.° da base instrutória (correspondente aos pontos 34 a 36 dos factos provados e alínea b) dos factos não provados da Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância) verifica-se que existe um aspecto absolutamente essencial para a boa decisão da causa, sobre a qual a perícia não só não se pronuncia - nem tão-pouco se devia pronunciar, porquanto trata-se de prova documental produzida no âmbito do processo negocial estabelecido entre as partes - bem como distorce a realidade, que se relaciona com o facto, de por força do contrato outorgado com o Estado Português (no processo de privatização da Recorrente), ter sido acordado que o direito de superfície abrangia todos os seus imóveis e com duração até ao ano de 2049 (sendo que a duração é irrelevante para o caso sub judice).

16 - Esta matéria é essencialmente jurídica, pelo que, no caso sub judice não se exige que o julgador tenha que estar munido de outros conhecimentos específicos ou técnicos para além daqueles que já domina, para poder fundamentar um juízo divergente da perícia, como se impunha.

17 - Da prova abundantemente produzida nos presentes autos a este respeito, quer documental, quer testemunhal, resultaram provados factos que contrariam frontalmente os resultados periciais, nos quais o Tribunal de 1ª Instância fundamentou as respostas aos quesitos 12, 17.° e 25.° da base instrutória e que foi confirmado pelo Tribunal a quo.

18 - Os documentos n.° 17 e 19.° juntos com a oposição a fls... (cfr. pontos 25 e 27 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância) que representam, respectivamente, a acta da reunião de 11 de Junho de 1991 e o contrato de compra e venda das acções representativas da totalidade do capital social da Recorrente, são fundamentais para a boa decisão da causa, porquanto dos mesmos resulta que as partes contratantes consideravam que o direito de superfície era sobre todos os imóveis da CC e vigoraria até ao ano de 2049 (cfr. pontos 1 e 4 da acta da reunião de 11 de Junho de 1991 que corresponde ao documento n.° 17 junto com a oposição a fls... e ponto 25 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de Ia Instância, bem como as cláusulas 4.a n.° 1 e 5.a n.° 1 do contrato de compra e venda de acções que corresponde ao documento n.° 18 junto com a oposição a fls... e ponto 27 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância).

18 - Nos presentes autos não se discute a duração (se até 2019 ou se até 2049) do direito de superfície, mas apenas coloca-se em questão a dimensão e o âmbito daquele direito de superfície constituído a favor da Recorrente que abrange todos os imóveis da CC.

19 - Os conteúdos dos supra referidos documentos podem ainda ser complementados com o sentido correcto das declarações das testemunhas da Recorrente, ambos pessoas de reputada idoneidade, DD, jurista, advogado e professor universitário que prestou consultoria financeira e jurídica ao "Grupo EE" no âmbito do processo de privatização (cujo depoimento se encontra gravado a 10-11-2015, entre as 09:58:15 e 11:54:32 - cfr. registo gravação áudio em suporte digital no sistema H@bilus Media Studio e Acta da Audiência de Julgamento da 2.a Sessão de 10-11-2015 com a Ref.a 341105945) e FF, industrial e acionista da EE, S.A. (cujo depoimento se encontra gravado a 10-11-2015, entre as 15:15:15 e 16:05:33 - cfr. registo gravação áudio em suporte digita! no sistema H@bílus Media Studio e Acta da Audiência de Julgamento da 2.a Sessão de 10-11-2015 com a Ref.a 341105945), os quais tiveram participação directa em todo o processo negocial da privatização da Recorrente, confirmam que o processo negocial de privatização da CC tendo em vista a aquisição da totalidade das acções desta incluía todas as suas instalações industriais da área que ocupava.

20 - No depoimento prestado pela testemunha da Recorrente DD, este afirmou, nomeadamente, que se pretendia adquirir o capital social de uma empresa que detinha uma universalidade de bens, constituído por um terreno amplo murado, excluindo o porto e as zonas adjacentes ao porto por serem do domínio público e, para além disso, incluía tudo, ou seja, terrenos e arruamentos (as vias de circulação, estadas, caminhos internos pertenciam à sociedade e não ao Município ou Estado), terrenos livres porque a intenção do Grupo EE era aumentar a capacidade e construir novos edifícios, existindo uma plataforma industrial, parte dela ocupada pela fábrica pelos silos, outra parte ocupada com arruamentos para que os veículos pesados pudessem circular, para cargas e descargas e desenvolvimento das manobras e incluía outro terreno livre, entre os silos e a fábrica e os escritórios, armazéns, havia também terreno livre que no projecto EE se destinava a construir mais unidades de produção e de ensacamento (cfr. depoimento com registo gravação áudio entre os minutos 25:53 e 26:54, minutos 27:03 e 28:45, minutos 27:03 e 42:08, minutos 45:35 e 46:31, minutos 53:20 e 54:20, minutos 54:33 e 54:50 e minutos 56:15 a 59:50, sob a epígrafe "2. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto").

21 - Por sua vez, no depoimento prestado pela testemunha da Recorrente FF, este afirmou, nomeadamente, que o processo negocial de compra de acções da CC abrangia o bloco silar, a fábrica, os escritórios, os terrenos afins e os espaços envolventes da fábrica, destinando-se à construção de armazéns, ou seja, todo o terreno vedado (com rede e muro) das instalações ficou propriedade da CC por 60 anos (cfr. depoimento com registo gravação áudio entre os minutos 02:10 e 03:49, minutos 04:05 e 04:54, minutos 09:07 e 09:30, minutos 11:08 e 11:48, minutos 12:17 e 13:01, minutos 14:20 e 14:37, minutos 18:20 e 18:51, minutos 14:20 e 14:37 e minutos 29:10 e 29:31, sob a epígrafe "2. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto").

22 - Termos em que do teor dos supra referidos documentos n.° 17 e n.° 18 a fls... da oposição (cfr. ainda pontos 25 e 27 dos factos provados da sentença recorrida), bem como o depoimento das testemunhas Recorrente DD e FF (cujos depoimentos se encontram devidamente registados), impõem que a resposta ao artigo 12.° da base instrutória seja positiva, com a seguinte formulação: "A área referida no acordo referido no n.° 13 dos factos provados, corresponde com exclusão da zona "non aedificandi" aos imóveis sobre os quais foi constituído o direito de superfície a favor da ré" e as resposta aos artigos 17.° e 25.° da base instrutória seja negativa, afastando, assim, o resultado da prova pericial.

23 - Não o tendo feito o douto Tribunal a quo incorreu em erro na fixação dos factos materiais, violando o disposto nos artigos 376.°, 396.° e 389.°, todos do Código Civil, no que diz respeito à fixação da força destes meios de prova, pelo que deverá, ao abrigo do dispostos nos artigo 682.° n.° 2 e 674.° n.° 3 do CPC (artigo 662.° n.° 1 do CPC), ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, no que aos referidos artigos diz respeito, passando dos mesmos a constar, respectivamente, como "Provado" e "Não provado" devendo, simultaneamente, ser alterado, em conformidade, nos factos provados e factos não provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1.a Instância.

24 - O douto Acórdão recorrido efectuou uma errada qualificação jurídica do contrato em apreço, interpretou incorrectamente cláusulas contratuais do contrato de compra e venda de acções e aplicou erradamente o Direito aos factos dados como provados nos presentes autos.

25 - O ponto da discórdia nos presentes autos relaciona-se com o denominado contrato de uso e fruição celebrado entre a GG, S.A. (anterior denominação social da Recorrida) e a Recorrente, numa data em que ambas as sociedades eram detidas pela GG, S.A., (cujo capital social pertencia integralmente ao Estado Português) que representa um verdadeiro contrato de arrendamento, porquanto estabelece o gozo de um bem imóvel mediante retribuição e que tem por objecto a "área definida no Anexo I" (cfr. ponto 13, 15, 16 e 17.° dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância), nos termos dos artigos 1022.° e 1023.° do Código Civil.

26 - O Tribunal a quo efectua uma errada qualificação do contrato, tal como aconteceu com o Tribunal de 1ª Instância, ao entender que se trata de um contrato atípico com semelhanças ao contrato de utilização de loja em centro comercial, o que não se verifica.

27 - Em primeiro lugar, está longe de ser pacífica a qualificação jurídica dos contratos relativos à utilização de loja em centros comerciais, encontrando-se a doutrina dividida e a jurisprudência não é uniforme.

28 - A este respeito o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que "A cedência pelo arrendatário, num centro comercial, de um espaço vazio, no qual o cessionário vai instalar o seu estabelecimento comercial, integra o conceito de subarrendamento para comércio, embora as partes o denominem de cessão de exploração de estabelecimento comercial" (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17-01-1991, www.dgsi.pt).

29 - Neste mesmo sentido, Pinto Furtado sustenta que o contrato de cedência de loja em centro comercial consiste na concessão temporária do gozo de uma fracção individualizada de um prédio urbano, mediante o pagamento de uma retribuição, pelo que configura um contrato de arrendamento comercial, sendo que as demais especificidades e características do contrato não têm a potencialidade de o descaraterizar (cfr. Manual do Arrendamento Urbano, Coimbra, 1996).

30 - Os contratos de utilização de loja em centro comercial apresentam determinados elementos distintivos, tais como, por exemplo, a exigência por parte da entidade gestora do centro de uma percentagem de comparticipação dos lucros dos lojistas, bem como a cobrança de uma determinada percentagem para fazer face a encargos com a divulgação publicitária do centro comercial, para potencializar as vendas dos seus lojistas que beneficiam desta estratégia integrada de promoção pelo facto de ali se encontrarem instalados, juntamente com lojas de referências (denominadas lojas âncora que são objecto de preferência de uma vasta clientela), o que não se verifica no caso sub judice.

31 - No caso sub judice trata-se de um parque industrial onde se encontram instalados estabelecimentos industriais em locais determinados (no caso concreto resulta de uma autonomização de negócios da GG - antiga proprietária daquele recinto industrial – e subsequente processo de privatização da CC - cfr. pontos 2 e 27 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1.a Instância), sem reunir os elementos característicos das situações das lojas em centros comerciais.

32 - Todavia, para a eventualidade de Vossas Excelências assim não entenderem e, ao invés, considerarem que estamos perante um contrato misto de arrendamento e prestação de serviços, o que só por mera hipótese se configura, à cautela, sem conceder, sempre se dirá que o contrato deve qualificar-se como de arrendamento, embora acessoriamente com prestação de serviços associados, devendo estabelecer-se uma relação de prevalência entre os dois tipos contratuais, por forma a concluir-se, de acordo com a teoria da absorção dos contratos, pela submissão da prestação de serviços às normas legais concernentes ao tipo dominante que é o arrendamento, porquanto existe uma prestação principal ao lado de uma prestação meramente acessória.

33 - O valor de Eur. 113.127,36 por ano a título de retribuição, apenas encontra justificação para um arrendamento (prestação principal), pois, de outro modo, não haveria qualquer justificação para a Recorrida cobrar tal elevada quantia pela alegada prestação de serviços (afigurando-se desproporcional e sem qualquer contrapartida), pelo que esta é absorvida por aquele.

34 - Pelo que, o Tribunal a quo devia ter efecutado correcta interpretação e subsumir à factualidade dada como provada o disposto nos artigos 1022.° e 1023.° do Código Civil.

35 - A privatização da recorrente CC foi um processo sujeito a negociação que tive início com um caderno de encargos onde se estabeleciam as condições em que a GG se propunha proceder à alienação da totalidade da sua participação social, relativamente ao qual foram solicitados e prestados esclarecimentos, na sequência dos quais o Grupo EE apresentou uma proposta de aquisição da totalidade do capital social da recorrente CC, na condição do direito de superfície sobre todos os imóveis da CC (sem especificação ou excepção), ser prorrogado por um prazo de 99 anos (cfr. documento n.° 11 junto com a oposição a fls... e ponto 19 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, bem como os documentos n.°s 12, 13 e 14 juntos com a oposição a fls... e pontos 20, 21 e 22 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância).

36 - A GG, S.A. declarou que estava disposta a aceitar o prolongamento até ao ano de 2049 do período de concessão dos terrenos à CC, o que foi aceite pelo Grupo EE (cfr. documento n.° 15 e n.° 16 juntos com a oposição a fls... e pontos 23 e 24 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância).

37 - Foi realizada uma reunião, em 11 de Junho de 1991, entre a GG e o Grupo EE da qual foi lavrada uma acta onde este considera que o bloco silar irá fazer parte do património da CC em regime de direito de superfície por 60 anos (até 2049) e reafirma que é pressuposição da sua proposta que lhe seja concedido o direito de superfície para construir novas edificações industriais nas áreas da CC (cfr. ponto 1 e 4 do documento n.° 17 junto com a oposição a fls... e ponto 25 e 26 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância).

38 - O processo negocial foi concluído com a outorga do contrato de compra e venda de acções representativas da totalidade do capital social da recorrente CC, a 12 de Julho de 1991, onde através do estabelecido nas cláusulas 4.a n.° 1 e 5.a n.° 1, conclui-se que a GG, por si e pelas sociedades suas dominadas - onde se inclui a Recorrida (cfr. ponto 2 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância) -ficou obrigada a constituir sobre todos os seus imóveis direito de superfície questão que se relaciona especificamente com a extensão ou âmbito do direito de superfície em discussão nos presentes autos, sendo aqui irrelevante ser até ao ano de 2049 (cfr. documento n.° 19 junto com a oposição a fls... e ponto 27 do factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância).

39 - Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o sentido correcto da estipulação contratual constante da cláusula 5ª, n.° 1 do contrato de compra e venda de acções, no que diz respeito à extensão ou âmbito do direito de superfície acordado, mais precisamente, através da interpretação da expressão "A GG por si e pelas sociedades suas dominadas, obriga-se a cumprir perante a EE e ou CC (...) outorgando e fazendo outorgar em tempo útil as escrituras e demais documentos necessários para tal cumprimento" onde se inclui a Recorrida (cfr. pontos 2 e 3 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1.a Instância), determina que ficou contratualmente obrigada a constituir sobre todos os seus imóveis direito de superfície até ao ano de 2049, de modo a permitir a construção de novas edificações industriais nas áreas da CC, obrigação essa que é extensível à Recorrida.

40 - O direito de superfície efectivamente acordado entre as partes, no que diz respeito à extensão ou âmbito (e não o prazo que é irrelevante para este caso) não se limita às edificações existentes, mas a toda a área da CC, ou seja, edificações existentes e áreas circundantes, para construção de novas edificações industriais.

41 - Em cumprimento das suas obrigações, a GG, por escritura pública, celebrada a 5 de Junho de 1992, constituiu direito de superfície sobre o bloco silar até 2049 (cfr. ponto 28 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância), mas após aquela data, não foi praticado qualquer outro acto jurídico relevante adequado ao cumprimento das obrigações respeitantes aos direitos de superfície sobre os imóveis da CC, a que ficou contratualmente adstrita.

42 - A Recorrente tem o direito de superfície sobre todos os imóveis da CC e que esse direito, inclusivamente, comporta a construção de novas edificações industriais nas áreas sobrantes dos prédios, nos termos dos artigos 1524.° e 1525.° n.° 1 do Código Civil.

43 - Os prédios de que a Recorrente é superficiária fazem parte do mesmo complexo industrial da Recorrente, constituindo, portanto, uma única unidade produtiva (cfr. pontos 28 e 40 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância) tanto assim é que no âmbito do processo de privatização aquela área foi vedada e separada do resto do complexo industrial da GG.

44 - A Recorrente é superficiária de todos os imóveis, com excepção da área "non aedificandi" incluídos e localizados exactamente no interior da área definida no anexo I do denominado contrato de uso e fruição (cfr. documento n.° 25 que constitui o denominado contrato de uso e fruição a fls... da oposição, bem como o ponto 13 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância).

45 - A Recorrida só se tornou proprietária dos imóveis em 1995 (cfr. ponto 32 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância), já depois da constituição do direito de superfície, porque até então apenas detinha a gestão dos imóveis que pertenciam à GG, em nome desta (cfr. ponto 7 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância).

46 - Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo o único sentido interpretativo correcto da cláusula 5ª, n.° 1 do contrato de compra e venda de acções da Recorrente CC, é a que permite concluir que existe uma coincidência entre o objecto do direito de superfície e do denominado contrato de uso e fruição.

47 - Verifica-se a coincidência entre o objecto do direito e do denominado contrato de uso e fruição (que configura um contrato de arrendamento), pelo que desde a constituição dos direitos de superfícies sobre todos os imóveis da CC, tal contrato caducou, por se ter consolidado nas mãos do mesmo titular o direito ao arrendamento e o direito de superfície, subsumindo-se à figura a confusão prevista no artigo 868.° do Código Civil.

48 - O facto de a Recorrente ter efectuado o pagamento da retribuição prevista no denominado contrato de uso e fruição durante 15 anos - de Janeiro de 1990 até Junho de 2005 - que, aliás, já se encontrava a ser efectuado antes da privatização tendo os serviços continuado a processá-lo mensalmente - não tem por resultado que os mesmos sejam devidos (cfr. ponto 38 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância).

49 - Em 2005 a Recorrente tomou conhecimento do facto de se encontrar proceder ao pagamento de retribuição pela ocupação de imóveis de que era superficiária, pelo que remeteu as cartas que constituem os documentos n.° 2, n.° 26, n.° 27, n.° 28, n.° 29 e n.° 30 junto com a oposição a fls... onde transmitiu à Recorrida que o denominado contrato de uso e fruição não podia subsistir e que os montantes cobrados com esse fundamento não eram devidos (cfr. os documentos n.° 2, n.° 26, n.° 27, n.° 28, n.° 29 e n.° 30 junto com a oposição a fls... e pontos 44, 45 e 46 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância).

50 - O contrato denominado de uso e fruição com base no qual pretende fundamentar os avultados montantes peticionados nos presentes autos carece de objecto, porquanto o gozo, uso e fruição, pela Recorrente tem por fundamento legal o direito de superfície a seu favor.

51 - Por consequência, não são devidas as quantias peticionadas pela Recorrida à Recorrente, nos presentes autos bem como que devem ser restituídas todas as quantias que aquela lhe pagou, sem fundamento, desde a data da constituição do direito de superfície a favor da Recorrente, ao abrigo do enriquecimento sem causa, previsto no artigo 473.° do Código Civil, conforme peticionado em sede de reconvenção e resultou provado (cfr. pontos 38 e 39 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância).

52 - Todavia, para a eventualidade de Vossas Excelências assim não entenderem e, ao invés, considerarem que estamos perante um contrato atípico semelhante ao de utilização de loja em centro comercial, o que só por mera hipótese se configura, à cautela, sem conceder, sempre se dirá que acerca deste tema coloca-se a questão de saber se as cartas remetidas pela Recorrente à Recorrida, conforme resultou provado nos autos (cfr. ponto 44, 45 e 46 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância), produzem o efeito jurídico adequado destinado a pôr termo ao contrato em apreciação no caso subjudice.

53 - A Recorrente nos artigos 77.° a 102.° da Oposição alegou que remeteu várias cartas, sendo a primeira datada de 28 de Abril de 2005, através das quais foi referido que o denominado contrato de uso e fruição não podia subsistir, bem como que os montantes cobrados com esse fundamento não eram devidos (cfr. documentos n.° 2, n.° 26, n.° 27, n.° 28, n.° 29 e n.° 30 todos juntos com a Oposição da fls...).

54 - Nos termos das comunicações da Recorrente datadas de 28 de Abril e de 31 de Maio de 2005 (cfr. documentos n.° 26 e 28.° juntos com a oposição autos e pontos 45 e 46 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância), a Recorrente manifestou inequivocamente a vontade de que o contrato denominado de uso e fruição não podia mais continuar a vigorar, conforme é bem patente pela expressão "não pode este "contrato de uso e fruição" subsistir".

55 - Após aquelas comunicações da Recorrente admitiu, única e exclusivamente, proceder ao pagamento de serviços na medida em que os mesmos sejam efectivamente prestados, o que se reconduz necessariamente a uma realidade diversa da até aí existente, conforme é bem patente pela expressão "A CC, S.A. reitera que não se opõe a proceder ao pagamento dos "serviços e o acesso a infra-estruturas inerentes e indossociáveis da localização no Parque Empresarial, na medida em que os mesmos lhe sejam efectivamente prestados e/ou disponibilizados".

56 - Prevalecendo a tese do contrato atípico semelhante ao de utilização de loja em centro comercial, o que não se concede, à cautela, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o único sentido interpretativo correcto das comunicações da Recorrente de 28 de Abril e 31 de Maio de 2005, é a de que o contrato foi denunciado.

57 - A questão da subsistência (ou não) do contrato denominado de uso e fruição foi devidamente alegada pela Recorrente na sua oposição, tendo inclusivamente resultado provada, constituindo, portanto, uma questão central da controvérsia no caso subjudice, pelo que se impõe ao julgador dever da sua resolução, nos termos do artigo 608.° n.° 2 do CPC (cfr. neste sentido os doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/05/2004, Proc. n.° 752/04, www.dgsi.pt e do STJ de 13/05/2004. Proc. n.° 04B839, www.dqsi.pt).

58 - A denúncia é o meio destinado a fazer cessar os contratos de execução duradoura (contratos renováveis ou celebrados por tempo indeterminado), com uma determinada antecedência razoável de acordo com as regras da boa-fé (artigo 762.°, n.° 2 do Código Civil), que traduz uma declaração de vontade unilateral receptícia (artigo 224.° n.° 1 do Código Civil) de um dos contraentes no sentido de que não querer a renovação ou a continuação do contrato.

59 - A denúncia reveste a natureza de declaração negocial jurídico-potestativa, pelo que se impõe à contraparte no exercício do correspondente direito potestativo extintivo da relação contratual duradoura.

60 - A doutrina é consensual quanto à possibilidade dos contratos por tempo indeterminado serem denunciáveis (cfr. neste sentido Carlos Alberto Mota Pinto em Teoria Geral do Direito Civil, 4.a ed. (António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto), Coimbra Editora, 2005, pág. 631).

61 - O denominado contrato de uso e fruição, teve início no dia 1 de Janeiro de 1990 e tem duração indeterminada, uma vez que não existe qualquer cláusula a prever o prazo de vigência (cfr. pontos 13 e 15 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância).

62 - A Recorrente comunicou por escrito que o denominado contrato de uso e fruição não podia subsistir, bem como que os montantes cobrados com esse fundamento não eram devidos e, ainda, procedeu à devolução dos recibos dos meses de Julho e Agosto de 2005 (cfr. documentos n.° 2, n.° 26, n.° 27, n.° 28, n.° 29 e n.° 30 todos juntos com a oposição a fls. e os pontos 44, 45 e 46 dos factos provados da sentença proferia pelo Tribunal de 1ª Instância).

63 - Estas comunicações surgem num contexto em que a Recorrente tinha vendido a sua actividade principal - fabrico de alimentos compostos para animais - tendo por consequência deixado de laborar, implicando alterações profundas em termos logísticos, sendo que nada justificava o elevado montante cobrado - pelo que termos contratuais até aí existentes cessaram em virtude da denúncia operada.

64 - O contrato denominado contrato de uso e fruição foi denunciado pela Recorrente, por carta datada de 28 de Abril de 2005, tendo a mesma produzido os seus efeitos em 30 de Junho de 2005 (correspondente ao último pagamento realizado - cfr. ponto 38 dos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância), data em que aquele cessou, com todas as consequências legais, incluindo, desde logo, que não seja devida qualquer quantia pela Recorrente a partir desse momento.

65 - Pelo que o Tribunal a quo devia ter efecutado correcta interpretação e subsumir à factualidade dada como provada ao disposto nos artigos 224.° n.° 1 e 762.° n.° 2 do Código Civil.

66 - Em face ao supra alegado, o douto Acórdão recorrido aprecia deficientemente os factos provados nos presentes autos e subsume de forma errónea o disposto nos artigos 576.° n.° 3, 579.° e 571.° a 573.° do CPC, artigos 371° e 372.° do Código Civil e artigos 2.° n.° 1 a) e 7.° do Código do Registo Predial, artigos 393.° n.° 2 e 394.° n.° 1 do Código Civil, 635.° n.°s 3 a 5 e 639.° n.° 1 do CPC e 485.° e 486.° do CPC, bem como a douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância também interpretava e subsumia de forma errónea ao caso sub judice o disposto nos artigos 1022.°, 1023.°, 1067.° n.° 1, 1154.°, 405.° n.° 1, 1524.° e 1528.°, 1305.°, 817.° do Código Civil e artigos 804.° n.° 1, 805.° n.° 2 alínea a), 806.° n.° 1 e 2 e 102 do Código Comercial, devendo antes efectuar devida interpretação e aplicação do disposto nos artigos 615.° n.° 1 d), primeira parte e 639.° n.° 1, n.° 2 do CPC, artigos 376.° n.° 1, 389.° e 396.° do Código Civil, artigo 607.°, n.° 5 do CPC e artigos 1022.°, 1023.°, 1524.°, 1525.°, 868.°, 473.° e 482.° do Código Civil e ter julgado a acção improcedente, por não provada, bem como ter julgada procedente a reconvenção, por provada.

67 - Não o fazendo violou, o douto Acórdão recorrido, entre outras, como o douto suprimento de Vossas Excelências, as disposições dos artigos 615.° n.° 1 d), primeira parte e 639.° n.° 3 do CPC, artigos 376.° n.° 1, 389.° e 396.° do Código Civil, artigo 607.°, n.° 5 do CPC, 608.° n.° 2 do CPC, bem como a douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância violava as disposições do artigo 607.°, n.° 5 do CPC e artigos 389.°, 1022.°, 1023.°, 1524.°, 1525.°, 868.°, 473.° e 482.° do Código Civil.

A autora ofereceu contra-alegação a pugnar pelo insucesso da revista.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II - Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

1 - A autora é proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob a ficha nº 004…/9…0 - alínea S) dos factos assentes.

2 - A constituição da ré, bem assim como a da autora, teve como objectivo principal a autonomização de negócios, até então desenvolvidos pela GG, S.A., cujo capital social era integralmente detido pelo Estado Português, em consequência da nacionalização da antiga HH - Companhia União Fabril - alínea I) dos factos assentes.

3 - A ré foi constituída por escritura pública lavrada em 09 de Outubro de 1989, com o capital social de cinco milhões de escudos, integralmente subscrito e realizado pela GG, S.A., tendo por objecto o fornecimento de produtos e serviços para a pecuária, designadamente o fabrico e a comercialização de alimentos, produtos de higiene e outros produtos para animais, bem como a importação e exportação de tais produtos e outros afins - alínea M) dos factos assentes).

4 - Por escritura pública lavrada em 28 de Dezembro de 1989, a GG, S.A., na qualidade de única accionista da ré, declarou proceder ao aumento do capital social desta última em oitocentos e noventa e cinco milhões de escudos, inteiramente realizado e subscrito por si própria, da seguinte forma:

- pela entrada, em regime de direito de superfície, por 30 anos, dos seguintes imóveis, que fazem parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número 2986 do Livro B-9, actualmente sob o número 00370/190291:

a) edifício de alvenaria com cobertura de placa de betão, com báscula anexa, com a área de 240 m2, actualmente inscrito na matriz sob o artigo 7608;

b) edifício de 3 pisos, em alvenaria, com cobertura de zinco e placa de betão, com a área de 6.100 m2, actualmente inscrito na matriz sob o artigo 7609;

c) edifício de um só piso, em alvenaria, com cobertura de zinco, com a área de 480 m2, actualmente inscrito na matriz sob o artigo 7607.

- pela entrada dos bens e equipamentos constantes do documento complementar anexo à escritura.

- com a quantia em dinheiro de dez milhões dois mil trezentos e vinte e um Escudos - alínea N) dos factos assentes.

5 - A autora foi constituída por contrato registado em 16 de Janeiro de 1990 e tem por objecto o desenvolvimento e gestão de parques empresariais, a promoção e implantação nesses parques de actividades industriais e de serviços, fornecendo-lhes os apoios necessários, bem como comprar, vender e revender imóveis - alínea L) dos factos assentes.

6 - A cedência de áreas e a prestação de serviços em parques industriais constitui a actividade comercial corrente da autora, tendo a mesma mantido com outras empresas, com vista à utilização de áreas no Parque Industrial do … e prestação de serviços, acordos escritos que foram designados como “contrato de uso e fruição” - art° 15° da base instrutória.

7 - Por acordo escrito intitulado “Contrato de Gestão”, datado de 2 de Fevereiro de 1990, junto de fls. 272 a 275 e que aqui se dá por reproduzido, a GG, S.A. declarou conceder à autora a gestão de todos os bens constantes do anexo 1 ao mesmo, com faculdade de cedência a terceiros em condições a estabelecer pela autora, com início em 01 de Janeiro de 1990, pelo prazo de um ano, automaticamente renovável por iguais períodos e sujeita a caducidade quando a GG transferisse para a autora a totalidade desses bens - art° 18° da base instrutória.

8 - Nesses bens incluíam-se quer os terrenos pertencentes à GG, quer aqueles que eram por si explorados mediante o pagamento de taxas à APL - art° 19° da base instrutória.

9 - Ao abrigo do acordo referido no n° 7 a autora passou a explorar e gerir o Parque do …, cedendo espaços, bens e serviços às empresas e cobrando retribuição - art° 20° da base instrutória.

10 - Por sua vez, a própria autora pagava uma retribuição à GG pela exploração que fazia de todos os bens que constituíam o complexo industrial do … - art° 21° da base instrutória.

11 - A autora não celebra contratos com nenhuma empresa que queira instalar-se no aludido Parque sem que esta adquira os serviços inerentes a essa instalação e ao funcionamento do Parque - art° 22° da base instrutória.

12 - Todos os utilizadores do Parque entregam à autora uma quantia, a título de retribuição por aqueles serviços, determinada em função da área que ocupam - art° 23° da base instrutória.

13 - Por documento denominado “contrato de uso e fruição”, a autora declarou ceder à ré o uso e fruição da área indicada no desenho 29442 anexo com a letra A, num total de 34.240 m2 da área utilizada, mediante retribuição anual do valor de 22.680.000$00, a pagar em doze prestações mensais correspondentes cada um a um doze avos daquela quantia, dentro dos cinco primeiros dias úteis do mês a que diga respeito, conforme documento junto a fls. 142 a 146 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido - alínea A) dos factos assentes.

14 - No mesmo acordo e com vista a permitir o pleno uso da área em causa, a autora obrigou-se ainda a conceder à ré a utilização de ruas de acesso necessárias, esgotos (colectores gerais), iluminação das ruas principais de acesso, vigilância estática (portarias) e corpo de intervenção geral (bombeiros), tudo incluído na retribuição estipulada pelas partes - alínea B) dos factos assentes.

15 - As partes estipularam que o acordo descrito no n° 13 iniciava a sua vigência “a partir de 01 de Janeiro de 1990” - alínea C) dos factos assentes.

16 - O “contrato de uso e fruição” descrito no n° 13 teve a sua génese no ano de 1989, altura em que o Estado Português era o accionista único da GG, S.A., cujo “desmembramento” veio a dar origem à constituição da autora e da ré - alínea H) dos factos assentes.

17 - Por via do descrito no número anterior, o Estado Português detinha igualmente de forma integral, ainda que indirecta, a totalidade do capital social quer da autora, quer da ré - alínea J) dos factos assentes.

18 - Um dos concorrentes à privatização da ré foi um conjunto de empresas que se auto-designou como “Grupo EE” que integrava as sociedades Rações EE, S.A e II, S.A.- art° 1° da base instrutória.

19 - Os imóveis sobre os quais foi constituído o direito de superfície, referidos no n° 4, foram identificados no “Caderno de Encargos” dessa privatização como “escritórios”, “fábrica”, “armazém de expedição”, “silos”, “armazéns velhos” e “edifícios da báscula” - art° 2° da base instrutória.

20 - Ao abrigo do previsto nesse “Caderno de Encargos”, a “II, S.A.” (em representação do “Grupo EE”) solicitou os esclarecimentos constantes da carta datada de 23 de Abril de 1991, junta a fls. 86 a 88 - art° 3° da base instrutória.

21 - A GG, S.A respondeu nos termos constantes do documento junto a fls. 91 a 94 - art° 4° da base instrutória.

22 - O denominado “Grupo EE” apresentou, em 16 de Maio de 1991, a proposta de aquisição total do capital social da ré que consta do documento junto a fls. 104 a 106 - art° 5° da base instrutória.

23 - Em resultado de negociações a GG, S.A declarou estar disposta a aceitar “(...) o prolongamento até ao ano de 2049 do período de concessão dos terrenos à CC nos mesmos termos e condições dos contratos em vigor” - art° 6° da base instrutória.

24 - O “Grupo EE” aceitou essa proposta da GG, S.A com os fundamentos constantes do documento junto a fls. 108 - art° 7° da base instrutória.

25 - Em 11 de Junho de 1991 ocorreu uma reunião entre a GG, S.A e a proponente, com o objecto e as conclusões constantes do documento junto a fls. 109 a 111 - art° 8° da base instrutória.

26 - A GG, S.A e o “Grupo EE” acordaram que iria fazer parte do património da CC, S.A o direito de superfície, até 2049, sobre o bloco silar e que seria concedido à mesma o direito de superfície para construir novas edificações industriais nas áreas que ela ocupava, também, até 2049 - art° 9° da base instrutória.

27 - Em 12 de Julho de 1991, a GG, S.A. declarou vender à Rações EE, S.A, que declarou comprar, pelo preço de 1.600.000.000$00, as acções representativas da totalidade do capital social da ré, obrigando-se ainda a autora a constituir a favor da ré direito de superfície até ao ano de 2049 do bloco silar existente nas suas instalações, conforme documento junto a fls. 113 a 118 - art° 10° da base instrutória.

28 - Por escritura pública lavrada em 05 de Junho de 1992, a GG, S.A. declarou vender à ré, que declarou comprar, o direito de superfície, até ao ano de 2049, dos seguintes imóveis, que fazem parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número 00…6/1…1:

- prédio urbano maciço em betão assente em estacaria de cimento, sito na Rua …, freguesia e concelho de …, com a área coberta de 400 m2 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 7606, actual 2324;

- edifício de um só piso em alvenaria com cobertura de placa, sito na Rua …, freguesia e concelho de …, com a área coberta de 81 m2 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 7610, actual 2328;

- silo em betão e torre de carga, sito na Rua da União, freguesia e concelho de …, com a área coberta de 1040 m2 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 7612, actual 2330 - alínea O) dos factos assentes.

29 - Pela ap. 09 de 19.02.1991 foi inscrito a favor da ré direito de superfície, pelo prazo de 30 anos, dos edifícios descritos no n° 4 - alínea P) dos factos assentes.

30 - Pela ap. 07 de 22.07.1992 foi inscrito a favor da ré direito de superfície, até ao ano de 2049, dos edifícios descritos no n° 28 - alínea Q) dos factos assentes.

31 - Os imóveis sobre os quais incidem os direitos de superfície constituídos a favor da ré encontram-se inscritos em nome da autora - alínea R) dos factos assentes.

32 - Por escritura pública de «Aumento de capital e alteração parcial de contrato», outorgada a 19 de Abril de 1995, a GG, S.A., transferiu para a AA, de quem era, à data, accionista única, os imóveis referidos nos n°s 1 e 31 - alínea T) dos factos assentes.

33 - A ré nunca entregou à autora qualquer quantia pela utilização dos edifícios identificados nos n°s 4 e 28 dos factos provados - art° 16° da base instrutória.

34 - A área que circunda esses edifícios faz parte dos prédios referidos nos n°s 1, 4 e 28 e da área explorada pela autora mediante concessão da Administração do Porto de Lisboa - art° 17° da base instrutória.

35 - A área referida no acordo descrito no n° 13 é constituída por uma área concessionada pela Administração do Porto de Lisboa à autora, pela área do prédio sob a descrição 446 referido no n° 28, pela área do prédio com a descrição 370 referido no n° 4 e pelo prédio sob a descrição 497 referido no n° 1 - art° 12° da base instrutória.

36 - A diferença entre a área referida no acordo referido no n° 13 e a área de implantação dos edifícios sobre os quais incide o direito de superfície corresponde a 25.379m2 - art° 25° da base instrutória.

37 - Desde 01 de Janeiro de 1990, a autora presta à ré os serviços descritos no n° 14 - art° 24° da base instrutória.

38 - Desde Janeiro de 1990 até Junho de 2005, a ré entregou mensalmente à autora, através de cheque, o valor previsto no «Contrato de uso e fruição» a título de retribuição, actualizada nos termos desse acordo - alínea U) dos factos assentes.

39 - Desde 12 de Julho de 1991 a autora cobrou à ré, e esta pagou-lhe, o montante total global de € 2.627.623,90 (dois milhões, seiscentos e vinte e sete mil, seiscentos e vinte e três euros e noventa cêntimos), correspondente às seguintes quantias mensais (valores aos quais acresceu o Imposto sobre o Valor Acrescentado a taxa legal em vigor à data de cada um dos pagamentos mensais):

Julho a Dezembro de 1991: € 9.126,93/mês

Janeiro a Dezembro de 1992: € 11.747,82/mês

Janeiro a Dezembro de 1993: €12.734,64/mês

Janeiro a Dezembro de 1994: €13.554,75/mês

Janeiro a Dezembro de 1995: €14.096,94/mês

Janeiro a Dezembro de 1996: €14.576,23/mês

Janeiro a Dezembro de 1997: €15.057,25/mês

Janeiro a Dezembro de 1998: €15.403,56/mês

Janeiro a Dezembro de 1999: €15.896,47/mês

Janeiro a Dezembro de 2000: €16.198,51/mês

Janeiro a Dezembro de 2001: €16.846,45/mês

Janeiro a Dezembro de 2002: €17.469,77/mês

Janeiro a Dezembro de 2003: €18.151,09/mês

Janeiro a Dezembro de 2004: €18.856,72/mês

Janeiro a Junho de 2005: €19.051,39/mês - alínea V) dos factos assentes.

40 - Os prédios de que a ré é superficiária, acima identificados, fizeram parte, até ao final do ano de 2004, do complexo industrial da CC, constituindo, até então, uma única unidade produtiva - art° 11° da base instrutória.

41 - Desde 1 de Julho de 2005 que a ré não entrega à autora qualquer quantia a título de retribuição prevista no “contrato de uso e fruição” - alínea X) dos factos assentes.

42 - A autora emitiu e enviou à ré os seguintes documentos, denominados “Recibos”, no valor global de € 69.156,54:

- o Documento de fls. 37 com o n° 50...9, com vencimento em 1/7/2005;

- o Documento de fls. 38 com o n° 50...5, com vencimento em 1/8/2005, e

- o Documento com o n° 502918, com vencimento em 1/9/2005 - alínea D) dos factos assentes.

43 - A ré não entregou à autora os valores referentes aos documentos identificados no número anterior - alínea E) dos factos assentes.

44 - Os documentos designados por "Recibo” com os nºs 50…9 e 50…5, de fls. 37 e 38, respectivamente, foram devolvidos pela ré à autora, acompanhados de carta datada de 7 de Setembro de 2005, junta a fls. 36, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - alínea F) dos factos assentes.

45 - Em 25 de Agosto de 2005, a ré enviou à autora a carta de fls. 39, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - alínea G) dos factos assentes.

46 - Entre autora e ré foi trocada a correspondência nas datas e com o conteúdo constante dos documentos juntos a fls. 147 a 154, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - alínea Z) dos factos assentes).

47 - A autora não entregou à ré qualquer montante da quantia reclamada através da carta junta a fls. 151 e 152 - alínea AA) dos factos assentes.

48 - A ré intentou contra GG, S.A uma acção declarativa sob a forma ordinária de processo que correu termos sob o n° 37/05.3TBBRR no 3° Juízo Cível do Tribunal da Comarca do …, pela qual peticionou a condenação da ali ré a constituir a seu favor direito de superfície até 2049 sobre os imóveis correspondentes aos artigos matriciais n°s 2325, 2326 e 2327 (antigos art°s 7607, 7608 e 7609) e o prédio descrito no registo predial sob o n° 00370 e a indemnizá-la no montante de Euros 3.980.000,00 e a pagar-lhe Euros 136.233,00 pela mora de cumprimento, com o acréscimo diário de Euros 1.513,70 até ao cumprimento da primeira das referidas obrigações ou, em alternativa, até ao pagamento de Euros 3.980.000,00 e de juros moratórios à taxa legal sobre esta última quantia ou o montante de Euros 136.233,00 desde a data da citação - art° 59° da oposição da ré e n° 4, 2ª parte, do art° 607° do Código de Processo Civil.

49 - A aqui autora foi chamada a intervir nessa acção, como ré, no âmbito de incidente de intervenção principal (alínea b) do n° 1 do art° 5° e n° 4, 2ª parte, do art° 607° do Código de Processo Civil.

50 - Essa acção culminou com acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que absolveu a aqui autora da instância com fundamento na sua ilegitimidade e sentença da 1ª instância (ambos transitados em julgado) que condenou a GG, S.A a pagar à autora o valor, apurado em liquidação posterior, do direito de superfície relativo aos imóveis matricialmente inscritos sob os art°s 2325, 2326 e 2327, correspondentes ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o n° 00370 (idem).

Factos Não provados:

a) Que JJ fizesse também parte do auto-designado “Grupo EE” (art° 1° da base instrutória).

b) Que a área referida no acordo descrito no n° 6 dos factos provados corresponda, com exclusão da zona “non aedificandi” e dos arruamentos, aos edifícios sobre os quais foi constituído o direito de superfície a favor da ré (art° 12° da base instrutória).

c) Que os pagamentos referidos nos n°s 38 e 39 dos factos provados tivessem sido efectuados de forma automática pelos serviços da ré (art° 13° da base instrutória).

d) Que apenas em 2005 a ré tivesse sido alertada pelos seus auditores de que a retribuição prevista no acordo de “uso e fruição” se reportava exclusivamente à ocupação dos edifícios de que é superficiária (art° 14° da base instrutória).

e) Que a diferença entre a área referida no acordo referido no n° 13 e a área de implantação dos edifícios sobre os quais incide o direito de superfície corresponda a 26.000m2 (art° 25° da base instrutória).

f) Que os valores pagos pela ré à autora digam apenas respeito à utilização exclusiva dessa área de 26.000 m2 de terreno e dos serviços indicados no n° 14 (art° 26° da base instrutória).

III – Fundamentação de direito

A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente (art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil), podem sintetizar-se nas seguintes questões jurídicas por ela colocadas a este tribunal:

1. Nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia.

2. Violação das regras de direito probatório e consequente erro na fixação dos factos materiais;

3. Qualificação jurídica do denominado “contrato de uso e fruição”;

4. Cessação desse contrato por caducidade ou, subsidiariamente, por denúncia.

Antes da abordagem dessas questões, convém assinalar que, não obstante ocorrer dupla conforme (o Tribunal da Relação confirmou, por unanimidade e com fundamentação idêntica o sentenciado em 1ª instância) e o recurso ter por objecto decisão proferida já depois de 01 de Setembro de 2013, a revista para o Supremo Tribunal de Justiça é admissível, uma vez que o processo foi instaurado antes de 01 de Janeiro de 2008 (art.ºs 5º, n.º 1, 7º, n.º 1, e 8º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho).

Esclarecido este ponto, apreciemos, então, separadamente cada uma das enunciadas questões.

1 – Nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia

A recorrente sustenta que o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, causa de nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, alínea d) - primeiro segmento - do Cód. Proc. Civil, também aplicável ao acórdão da Relação ex vi do art.º 666º do mesmo código, vício que se traduz no incumprimento ou desrespeito, por parte do julgador, do dever prescrito no art.º 608º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

No entendimento da recorrente, não tendo a Relação conhecido do “pedido de aplicação do Direito aos factos” por falta de objecto, com fundamento na forma evasiva como tal questão fora colocada, sem previamente a ter convidado a completar ou esclarecer as atinentes conclusões, nos termos do art.º 639.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, incorreu na nulidade prevista no art.º 195.º, n.º 1, do mesmo Código, por a omissão influir necessariamente no exame e na decisão da causa.

A razão não está, porém, do seu lado.

Com efeito, não obstante se ter afirmado, no acórdão recorrido, que a forma evasiva e vaga como a recorrente colocara a questão atinente à matéria de direito sempre levaria à sua improcedência e que o aludido pedido de “interpretação e aplicação do direito aos factos” carecia de objecto, nem por isso a Relação deixou de apreciar as questões por ela suscitadas nas conclusões do recurso de apelação.

De facto, como se alcança do teor de fls. 1832 a 1835, o acórdão posto em crise começou por enunciar as questões de facto e de direito concretamente colocadas pela recorrente em sede de apelação e seguidamente, como cristalinamente evidencia o teor de fls. 1836 a 1862, passou a conhecer de todas elas, incluindo as referentes à aplicação do direito, fazendo-o, quer por adesão aos fundamentos de direito constantes da decisão proferida na 1.ª instância, quer acrescentando outros em reforço dos argumentos que naquela foram plasmados, dessa forma, justificando a confirmação da decisão recorrida.  

Assim, para além de refutar, ponto por ponto, a pretendida alteração da matéria de facto, o acórdão da Relação debruçou-se sobre a qualificação jurídica do contrato em causa (uso e fruição), concordando com a que fora feita pela 1.ª instância (cfr. fls. 1855 e 1856), e ainda sobre a legitimidade da recorrida para a cedência de espaços à recorrente, a constituição do direito de superfície a favor da recorrente e suas implicações, concluindo que, nesse ponto, a recorrente se baseara num pressuposto (suposta coincidência das áreas que são objecto do direito de superfície e das áreas que são objecto do “contrato de uso e fruição”) que não se provou, tendo, ao invés, ficado provada realidade bem diversa, a corroborar a posição da recorrida, incluindo a subsistência do dito “contrato de uso e fruição” e afastando tanto a denúncia como a caducidade do mesmo.

Significa isto que, apesar do reparo dirigido à recorrente pela forma vaga e evasiva como concluiu o seu recurso de apelação, no que toca à questão de direito e à anunciada impossibilidade de conhecer desse pedido por falta de objecto (mas não de outros), o certo é que a Relação acabou afinal por apreciar todas as questões que lhe foram colocadas nas conclusões da alegação recursória, sendo, por isso, destituída de fundamento a arguida omissão de pronúncia que, de modo algum, ocorreu. E, por outro lado, tendo as questões enunciadas nas conclusões do recurso sido objecto de análise e decisão pelo tribunal recorrido, não havia, naturalmente, necessidade de as aperfeiçoar, caindo, assim, também por terra a invocada nulidade processual decorrente da falta de convite ao aperfeiçoamento pela qual a recorrente se bate, sem qualquer razão.

2 - Violação das regras de direito probatório e consequente erro na fixação dos factos materiais

Importa sublinhar, antes de mais, que na fixação da matéria factual relevante para a solução do litígio a Relação tem a derradeira palavra, através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 662.º do Cód. de Proc. Civil, acrescendo que da decisão proferida nesse particular por esse Tribunal não cabe sequer recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art.º 662º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil).

Este limita-se, no exercício da sua função de tribunal de revista, a definir e aplicar o regime ou enquadramento jurídico adequado aos factos já anterior e definitivamente fixados, ou seja, apenas conhece de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto, ou se tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova, podendo, no limite, mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto (cfr. art.º 46.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - e art.ºs 662º, n.º 4, 674º, n.ºs 1 a 3, e 682º, n.ºs 1 e 2, do Cód. de Proc. Civil).

É, pois, residual a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no apuramento da factualidade relevante da causa, restringindo-se, afinal, a fiscalizar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes. Nessas situações, do que se tratará é de saber se a Relação, ao proceder da forma como o fez, se conformou, ou não, com as normas que regulam tal matéria (direito probatório), o que, no fundo, constitui matéria de direito, caindo, por isso, na esfera de competência própria e normal do Supremo Tribunal de Justiça[1].

Clarificado isto, e virando o enfoque da nossa atenção sobre a reponderação da decisão da matéria de facto realizada pela Relação, traduzida na denegação de qualquer alteração ao elenco dos factos provados e não provados, não vemos qualquer inobservância dessas regras probatórias. Pelo contrário, como se alcança do teor do acórdão recorrido, mais propriamente de folhas 1835 a 1855, as provas indicadas pela apelante (e ora recorrente), para sustentar a parte impugnada da decisão da matéria de facto, foram examinadas pela Relação, que motivou a sua decisão de forma coerente e transparente, de acordo com o princípio da convicção racional, consagrado pelo art.º 607º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, que combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva, sendo certo que nesse domínio (da livre convicção do julgador) está vedado ao Supremo exercer censura e sindicar a respectiva substância (art.º 662º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil).

Nas aludidas páginas do acórdão da Relação nada se descortina que possa ser tido como violador de qualquer norma probatória. Ao invés, surge ali traçado um trilho argumentativo baseado na análise crítica das provas produzidas, no tocante aos pontos de facto impugnados pela apelante (e ora recorrente), conjugando o teor dos documentos juntos, com os resultados da perícia e ainda com os depoimentos testemunhais prestados, para daí, num discurso escorreito e perfeitamente lógico, coerente e convincente, concluir pela confirmação do juízo emitido pela 1ª instância.

No entanto, a recorrente sustenta, neste particular, que a Relação, ao ter entendido que a prova pericial não pode ser afastada pela prova testemunhal e documental junta aos autos, violou o disposto nos art.ºs 376º, 396º e 389º, todos do Cód. Civil, enfermando o acórdão recorrido de erro na fixação dos factos materiais – em concreto, nas respostas dadas aos artigos 12º, 17º e 25º da base instrutória (correspondentes aos pontos 34 a 36 dos factos provados e à alínea b) dos factos não provados) –, impondo-se, por isso, a sua alteração.

Também, aqui, não assiste à recorrente qualquer razão. É que, em parte alguma do acórdão recorrido consta ou se considera que o relatório pericial é um documento autêntico, insusceptível de admitir prova em contrário. O que resulta, com meridiana clareza, da análise da fundamentação ínsita no acórdão recorrido é que, como já foi assinalado, ao reapreciar a matéria de facto impugnada pela recorrente, a Relação se apoiou, para formar a sua convicção, na prova pericial (à qual atribuiu credibilidade), em conjugação com os documentos autênticos juntos aos autos e com a prova testemunhal a que fez referência, fazendo prevalecer estes meios probatórios sobre a prova testemunhal e sobre a prova documental que a recorrente indicou.

É certo que se considerou igualmente no acórdão recorrido ser inadmissível a prova testemunhal indicada pela recorrente no que tange à constituição do direito de superfície com a amplitude que pretendia. Porém, tal conclusão, contrariamente ao que a recorrente pretende fazer crer, não resultou da circunstância de se ter entendido que o relatório pericial constitui, ele próprio, um documento autêntico.

Aliás, a única prova que é apontada, no acórdão em crise, como sendo dotada de força probatória plena é a documental, mais propriamente as escrituras públicas e as certidões do registo predial atinentes à constituição e ao objecto do direito de superfície, sendo, pois, por referência a esta prova que aí se afirmou que a prova testemunhal indicada pela recorrente não servia para afastar a realidade espelhada por aqueles documentos no que toca àquela específica matéria, por os mesmos não terem sido impugnados.

Já no que se refere à prova pericial, o que resulta claramente do acórdão recorrido é que a Relação considerou que a mesma, uma vez realizada, está sujeita ao princípio da livre apreciação do tribunal, tendo sido, ao abrigo desse princípio, que entendeu que, sendo a mesma, além do mais, consentânea com os aludidos documentos autênticos, a sua credibilidade saía reforçada.

Assim, estando a prova pericial sujeita ao princípio da livre apreciação, é mais do que evidente que o tribunal recorrido não estava impedido de, no uso dos poderes que lhe são conferidos, a fazer prevalecer sobre outros meios probatórios, também eles sujeitos ao dito princípio, tal como sucede com a prova testemunhal e documental que a recorrente invocou em abono da sua tese no sentido de ver alterada a matéria de facto. E ao proceder, desse modo, não significa que o acórdão recorrido tenha atribuído à perícia realizada força probatória plena, pois, como é bom de ver, não há qualquer similitude entre a atribuição de força probatória plena a um meio probatório e a atribuição de maior credibilidade a um determinado meio de prova, sujeito ao princípio da livre apreciação, por o mesmo ser consentâneo com outros revestidos da referida força qualificada.

É esta, sem dúvida, a realidade que está reflectida no acórdão recorrido e tanto assim é que a Relação não deixou de fazer referência, ao reapreciar a prova, aos depoimentos e aos documentos indicados pela recorrente, concluindo que os mesmos deveriam ser desconsiderados por, no confronto com os outros, não assumirem a relevância que a mesma lhes atribui, sendo certo que, nessa tarefa, se moveu, como já se sublinhou, dentro dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil e orientando-se pelo que se dispõe no art.º 607º, n.º 5, do mesmo diploma legal (aplicável ex vi do art.º 663º, n.º 2).

Nesta conformidade, não integrando a prova pericial – sujeita, como se disse, ao princípio da livre apreciação - nenhuma das excepções previstas na parte final do n.º 3 do art. 674º do Cód. Proc. Civil e, como já se disse, tendo a Relação motivado a sua decisão, de forma lógica e coerente, à luz do dito princípio, é óbvio que o Supremo Tribunal de Justiça está impedido de sindicar a substância da decisão da matéria de facto que resultou da apreciação desse meio probatório em conjugação com os demais (art.º 662º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil).

Em bom rigor, o que revelam as conclusões da alegação recursória é que a recorrente discorda da apreciação crítica e conjugada da prova feita pela Relação e da convicção que, com base nessa prova e no princípio da livre apreciação, a mesma formou.

Todavia, não se enquadrando tal discordância em quaisquer das excepções a que antes se fez referência, o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa. Fora do âmbito do recurso de revista está, como é pacificamente aceite, a apreciação/valoração que as instâncias fizeram da prova pericial, de per si ou no confronto com os restantes meios de prova sujeitos à regra da livre apreciação, não fazendo, por isso, qualquer sentido trazer à colação, como fez a recorrente, os diversos depoimentos testemunhais prestados, talvez pensando que estava perante a 2ª instância, a competente para a apreciação da impugnação da matéria de facto e em relação à qual, frise-se, tem a última palavra.

Em suma, não ocorreu, neste domínio, erro susceptível de sindicância deste Tribunal Supremo e também não se descortina qualquer violação das regras de direito probatório, soçobrando tudo o que a recorrente alegou e concluiu a tal propósito.

3 - Qualificação jurídica do denominado “contrato de uso e fruição”

Insurge-se a recorrente contra a qualificação jurídica do contrato em questão feita pelo Tribunal da Relação (e pela 1ª instância), sustentando, para tanto, que este considerou tratar-se de um contrato atípico com semelhanças ao contrato de utilização de loja em centro comercial, quando, na verdade, reportando-se a um parque industrial onde se encontram instalados estabelecimentos industriais, o questionado contrato não apresenta os elementos distintivos daquele tipo de contratos: quer porque não existem as denominadas lojas âncora, quer porque os mencionados estabelecimentos não reúnem as características das lojas em centro comerciais.

Invoca, ademais, que a qualificação jurídica dos contratos relativos à utilização de loja em centros comerciais nem sequer é pacífica na doutrina e na jurisprudência, havendo quem os qualifique como contratos de arrendamento comercial, tal como pretende a recorrente no caso dos autos.

Trata-se, porém, de uma discussão que se afigura inócua para o caso, posto que o que resulta, sem margem para dúvidas, do acórdão recorrido é que a Relação, convergindo com o decidido pela 1.ª instância, qualificou o acordo celebrado entre as partes – consubstanciado no escrito intitulado “contrato de uso e fruição” – como sendo um contrato atípico ou inominado, celebrado ao abrigo do princípio da liberdade contratual ínsito no art.º 405º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil, que congrega elementos da locação (em concreto, do arrendamento para outra finalidade que não a habitacional) e aspectos da prestação de serviços nos termos dos ar.ºs 1022.º, 1023.º, 1067.º, n.º 1, e 1154.º, todos do Cód. Civil.

É, pois, apenas esta a qualificação que importa reter, com vista a aferir do seu acerto ou não, sendo totalmente irrelevante a comparação que se faz no acórdão recorrido, por referência ao afirmado a esse respeito na sentença, com o contrato de utilização de loja em centro comercial e com as semelhanças que o contrato em discussão teria com este. Dito de outro modo, não é pelo simples facto de o contrato em causa não reunir os elementos característicos das lojas em centros comerciais e um parque industrial não ser um centro comercial que o mesmo poderá, sem mais, como defende a recorrente, ser juridicamente qualificado como contrato de arrendamento, já que o que importa, para se concluir nesse ou noutro sentido, é antes analisar os traços característicos do negócio firmado entre as partes, a sua causa, bem como as obrigações que do mesmo decorrem para cada uma delas.

Ora, ponderando o seguinte quadro factual provado:

- A autora foi constituída por contrato registado em 16 de Janeiro de 1990 e tem por objecto o desenvolvimento e gestão de parques empresariais, a promoção e implantação nesses parques de actividades industriais e de serviços, fornecendo-lhes os apoios necessários;

- A cedência de áreas e a prestação de serviços em parques industriais constitui a actividade comercial corrente da autora, tendo a mesma mantido com outras empresas, com vista à utilização de áreas no Parque Industrial do … e prestação de serviços, acordos escritos que foram designados como “contrato de uso e fruição;

- Por acordo escrito intitulado “Contrato de Gestão”, datado de 2 de Fevereiro de 1990, junto de fls. 272 a 275 e que aqui se dá por reproduzido, a GG, S.A. declarou conceder à autora a gestão de todos os bens constantes do anexo 1 ao mesmo, com faculdade de cedência a terceiros em condições a estabelecer pela autora, com início em 01 de Janeiro de 1990, pelo prazo de um ano, automaticamente renovável por iguais períodos e sujeita a caducidade quando a GG transferisse para a autora a totalidade desses bens;

- Nesses bens incluíam-se quer os terrenos pertencentes à GG, quer aqueles que eram por si explorados mediante o pagamento de taxas à APL;

- Ao abrigo do acordo referido no n.º 7 a autora passou a explorar e gerir o Parque do …, cedendo espaços, bens e serviços às empresas e cobrando retribuição;

- Por sua vez, a própria autora pagava uma retribuição à GG pela exploração que fazia de todos os bens que constituíam o complexo industrial do …;

- A autora não celebra contratos com nenhuma empresa que queira instalar-se no aludido Parque sem que esta adquira os serviços inerentes a essa instalação e ao funcionamento do Parque;

- Todos os utilizadores do Parque entregam à autora uma quantia, a título de retribuição por aqueles serviços, determinada em função da área que ocupam;

- Por documento denominado “contrato de uso e fruição”, a autora declarou ceder à ré o uso e fruição da área indicada no desenho 29442 anexo com a letra A, num total de 34.240 m2 de área utilizada, mediante retribuição anual do valor de 22.680.000$00, a pagar em doze prestações mensais correspondentes cada um a doze avos daquela quantia, dentro dos cinco primeiros dias úteis do mês a que diga respeito, conforme documento junto a fls. 142 a 146 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

- No mesmo acordo e com vista a permitir o pleno uso da área em causa, a autora obrigou-se ainda a conceder à ré a utilização de ruas de acesso necessárias, esgotos (colectores gerais), iluminação das ruas principais de acesso, vigilância estática (portarias) e corpo de intervenção geral (bombeiros), tudo incluído na retribuição estipulada pelas partes;

- As partes estipularam que o descrito acordo iniciava a sua vigência “a partir de 01 de Janeiro de 1990;

Propendemos por considerar, como as instâncias, que o acordo firmado entre as partes é de qualificar juridicamente como contrato atípico misto que integra elementos da locação (art.º 1022º do Cód. Civil) e elementos da prestação de serviço (art.º 1154º do Cód. Civil).

Com efeito, por força do citado acordo, a autora (a recorrida) obrigou-se, no âmbito da sua actividade de desenvolvimento e gestão de parques empresariais e de promoção e implantação nesses parques de actividades industriais e de serviços, com o fornecimento dos apoios necessários, a “ceder à ré (a recorrente) o uso e fruição de uma área total de 34.240 m2” integrada no Parque Industrial do …, bem como a conceder-lhe a utilização das ruas de acesso necessárias e a prestar-lhe uma multiplicidade de serviços – esgotos (colectores gerais), iluminação das ruas principais de acesso, vigilância estática (portarias) e corpo de intervenção geral (bombeiros) – mediante uma contrapartida pecuniária global que a ré (a recorrente), por sua vez, se obrigou a entregar-lhe. Ou seja, conforme flui da matéria de facto acima transcrita, está em causa um complexo industrial, com organização própria, que, com vista à implantação de actividades industriais, contempla o fornecimento dos indicados serviços a par da cedência de uma área de utilização, tudo com vista ao desenvolvimento, em pleno, dessas actividades.

Daqui resulta que, para além de existir unidade da contraprestação a cargo da ré (a recorrente), existe igualmente unidade do esquema económico subjacente à contratação, mostrando-se, assim, preenchidos os dois critérios que permitem concluir que, no caso, se está perante um único contrato que, embora se aproximando dos tipos contratuais acima referidos, deles se afasta, sendo evidente a sua atipicidade.

Às diversas prestações a cargo da autora (a recorrida) corresponde uma única prestação (una e indivisível) a cargo da ré (a recorrente), traduzida numa retribuição única e global, à qual está subjacente um esquema ou acerto económico unitário, posto que, tal como se provou, a autora (a recorrida) não negoceia com qualquer empresa, que se pretenda instalar no parque industrial que gere, nenhuma das prestações a seu cargo separada ou isoladamente, mas apenas em conjunto, estando, pois, essa instalação dependente da aquisição dos serviços a ela inerentes e ao funcionamento do parque.

Sendo esta a economia do contrato – que forma um todo orgânico, unitário e complexo – é evidente que o mesmo não é susceptível de ser reconduzido apenas ao arrendamento como pretende a recorrente e nem sequer somente à prestação de serviços.

Por outro lado, não permitindo a matéria de facto dada como provada estabelecer qualquer relação de prevalência entre os elementos que se aproximam do arrendamento e os que se aproximam da prestação de serviços, não há que aplicar ao caso a teoria da absorção, tal como pretende a recorrente, uma vez que esta pressuporia que se tivessem provado factos dos quais se extraísse a prevalência de um tipo contratual sobre o outro ou, mais rigorosamente, factos dos quais se retirasse que as prestações típicas de um ou outro dos tipos contratuais em jogo assumiu maior preponderância[2].

Não revelando a materialidade dada como provada essa prevalência ou preponderância, não pode presumir-se, ao contrário do sustentado pela recorrente, que a prestação anual que a mesma ficou obrigada a entregar à recorrida - por, no seu entender, ser elevada - constitua contrapartida apenas pela cedência da área em questão e já não pela prestação de serviços, tanto mais que essa interpretação não tem qualquer correspondência com o clausulado do acordo em apreciação (cfr. factos provados sob os pontos 12. a 15. e documento junto de fls. 142 a 146 cujo teor foi aí dado por reproduzido). Repare-se que a retribuição estabelecida foi fixada globalmente e, portanto, de forma indiferenciada, constituindo contrapartida quer da cedência da dita área, quer da prestação de serviços, não se vislumbrando que exista no referido texto qualquer passagem que autorize a prevalência que a recorrente dele pretende extrair, sendo certo que a aplicação da teoria da absorção não prescinde da alegação e prova de factos dos quais se extraia a prevalência de um dos elementos contratuais que integram o contrato misto.

Deste modo, tratando-se de um contrato atípico misto em que as prestações de diferente natureza que o integram formam um todo unitário e complexo, sem que dele sobressaia qualquer elemento preponderante, a sua disciplina resulta das estipulações que as partes, ao abrigo da liberdade contratual, nele incluíram e, na sua falta, das normas que regem as espécies contratuais típicas com as quais o mesmo apresenta maior afinidade e do regime geral dos contratos.

Por tais motivos, não colhe a retórica argumentativa da recorrente no sentido de enquadrar tal acordo num arrendamento.

4 - Cessação desse contrato por caducidade ou, subsidiariamente, por denúncia.

Claudicando a tese da recorrente no sentido de se estar perante um contrato de arrendamento e mantendo-se a matéria de facto inalterada pelas razões acima expostas, crê-se que a solução jurídica para o pleito não pode ser outra que não a seguida no acórdão recorrido.

A recorrente entende, contudo, que o contrato se extinguiu na decorrência do direito de superfície constituído a seu favor, concluindo que havendo coincidência entre os imóveis que são objecto do “contrato de uso e fruição” (que, no seu entender, constitui um verdeiro contrato de arrendamento) e os imóveis que são objecto dos direitos de superfície de que é titular, aquele primeiro contrato se extinguiu por falta de objecto, não podendo admitir-se que possa ser simultaneamente superficiária e arrendatária dos mesmos imóveis.

Todavia, como já se viu, o contrato firmado entre as partes não se reduz ao arrendamento, nem tem somente por objecto o gozo de um imóvel determinado ou de vários, na medida em que engloba a cedência de uma área, para além da ocupada com os edifícios, e a prestação de serviços e apoios necessários à sua utilização e ao funcionamento do Parque, mediante uma contrapartida globalmente fixada em função dessa área, sendo, portanto, essas duas realidades indissociáveis.

Não existe, pois, ao invés do que sustenta a recorrente, coincidência entre o objecto do ajuizado “contrato de uso e fruição” e o objecto do direito de superfície de que a recorrente é titular, constituído sobre as concretas construções que vêm descritas nos factos dados como provados. Mais, a recorrente nem sequer logrou provar que exista coincidência entre a área, inserida no complexo industrial do …, que lhe foi cedida pela autora (a recorrida) por força do contrato em causa nos autos e a área de implantação dos imóveis de que é superficiária, tendo, ao invés, ficado demonstrado que existe entre tais áreas uma diferença de 25.379 m2, e ainda que parte da área cedida à recorrente é explorada pela recorrida (a autora) mediante concessão da Administração do Porto de Lisboa (cf. factos provados sob os pontos 34. a 36.). Ou seja, a área que circunda as construções sobre as quais incide o direito de superfície constituído a favor da recorrente faz parte não só dos prédios de que a recorrida é proprietária, como também de uma área da Administração do Porto de Lisboa que a mesma explora por lhe ter sido concessionada, não podendo, portanto, afirmar-se que exista a pretendida coincidência (cf. factos provados sob os pontos 29., 30., 31. e 34. a 36.).

Apesar de não restarem dúvidas quanto à titularidade da recorrente do direito de superfície sobre as construções identificadas nos pontos 4. e 28. da factualidade provada, o qual está inscrito no registo a seu favor (cfr. se vê dos pontos 29 e 30. dessa mesma factualidade), tal direito apenas incide sobre os edifícios aí descritos e já não sobre a área onde estão implantados ou, mais rigorosamente, sobre o solo, sendo certo que apenas esse direito de superfície – isto é, o que se mostra constituído - releva para o caso e já não aquele que não se chegou a constituir.

Com efeito, não há que trazer à colação, como pretende a recorrente, o direito de superfície que a GG, S.A. se obrigou a constituir a seu favor no âmbito do processo negocial encetado com o “Grupo EE” para aquisição das acções representativas do seu capital social, posto que resulta bem patente da materialidade dada como provada que esse direito não chegou a ser constituído, bem como que essa matéria já foi objecto de apreciação, no âmbito de uma acção judicial intentada pela recorrente contra a GG, S.A., que culminou com a condenação desta a pagar àquela, em virtude do seu incumprimento contratual, o valor, a apurar em liquidação, correspondente ao dito direito de superfície (cf. pontos 18. a 27. e 48. a 50.).

Assim, no caso vertente, apenas releva o direito de superfície de que a recorrente é titular e tanto o seu objecto como a natureza jurídica do mesmo impedem que a tese da recorrente possa vingar.

Na verdade, o direito de superfície que é, hoje, pacificamente considerado um direito real e um eficaz instrumento de realização da política dos solos, nem sempre mereceu a simpatia e a atenção dos civilistas, já que, como é sabido, veio pôr em causa o princípio da acessão imobiliária, expresso na velha máxima superfícies solo cedit, que assumia carácter absoluto, visando evitar as indesejáveis propriedades imperfeitas, potencialmente causadoras de conflitos de direitos. Foi apenas com a Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948 que tal direito passou a estar regulado, entre nós – como “superfície edificada” e “superfície para edificação” –, e mesmo assim de forma limitada, já que apenas o Estado, as autarquias e as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa podiam constituir, em terrenos do seu domínio privado, o direito de superfície[3]. É, finalmente, o Código Civil de 1966 que vem admitir a figura geral do direito de superfície, definindo-o, no artigo 1524º, como (…) a faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações.

Como deflui deste normativo, esta figura jurídica comporta dois aspectos que podem existir cumulativamente ou estar dissociados. São eles, por um lado, aquele poder jurídico de construir (ou plantar) sobre solo alheio, o qual confere ao titular respectivo a possibilidade jurídica de construir e manter a obra sem que o proprietário do solo adquira por acessão a propriedade da obra ou da plantação feitas pelo primeiro; e por outro, os poderes jurídicos de que é titular o superficiário e que têm por objecto o edifício ou a plantação superficiária, tenham ou não estas sido realizadas pelo superficiário[4].

A noção legal de direito de superfície, ao contemplar a disjunção “ou” entre os vocábulos “construir” e “manter”, deixa bem clara a possibilidade de alienação separada de obras já existentes, sendo certo que essa possibilidade resulta igualmente do princípio geral plasmado no art.º 1528º do Cód. Civil, do qual decorre que tal direito tanto pode ter como objecto o direito de efectuar uma construção em terreno alheio, como pode ter por objecto uma obra já existente[5], o que sucedeu no caso em apreço.

O direito de superfície surge aqui como efeito do negócio jurídico de alienação da obra, independentemente da alienação do chão, o que significa que o proprietário do solo, também chamado fundeiro, (no caso, a autora/recorrida) conservará o direito de propriedade sobre o solo, enquanto o superficiário (a recorrente) passará a poder usar e fruir a obra já existente, surgindo esta como um corpo estranho incrustado no terreno, sem que o seu direito se estenda ao subsolo ou à porção da superfície que não fica coberta pela construção e sem que o espaço aéreo esteja reservado à sua ocupação, dado que estes continuam na titularidade do fundeiro.

Embora se esteja perante uma só coisa, tudo se passa, em sentido jurídico, como se a mesma tivesse sido parcelada idealmente em partes dotadas de autonomia que lhes permite serem excepcionalmente objecto de diversos direitos reais: o superficiário tem a propriedade superficiária, enquanto o fundeiro tem o direito de propriedade sobre o solo, podendo ainda ter a expectativa jurídica de aquisição da obra superficiária se o direito de superfície for temporário ou estiver sujeito a condição resolutiva (art.ºs 1536º, n.º 2, e 1538º, n.º 1, ambos do Cód. Civil) – é, pois, isso que resulta claramente do disposto no art.º 1528º in fine do mesmo Código e que se infere do art.º 1526º.

A autonomia destes dois direitos resulta, de resto, do facto de um e outro serem transmissíveis (separadamente) por acto entre vivos ou por morte (art.º 1534º do Cód. Civil), o que reforça a ideia de que o próprio legislador os concebe como dois direitos distintos. A mesma separação é, aliás, pressuposta no art.º 1541º do citado Código (que rege para os direitos reais constituídos sobre a superfície ou sobre o solo, em caso de extinção do primeiro), bem como pela circunstância de o direito de superfície poder ser objecto de hipoteca (artigo 688º, n.º 1, alínea c), do Cód. Civil) – o que bem ilustra o facto de o mesmo não se confundir com a propriedade quer da obra, quer do solo, quer de uma e de outro em conjunto.

Importa reter, portanto, que o direito de superfície é hoje entendido, de forma pacífica, como um direito complexo, típico e autónomo em relação à propriedade do solo, moldando-se os poderes do superficiário sobre o implante nos do proprietário.

Pois bem, no caso sub judice, o direito de superfície que se mostra constituído a favor da recorrente não contempla qualquer faculdade de edificação, tendo antes, exclusivamente, por objecto as construções já existentes à data em que aquele foi constituído e que, por força da sua alienação, se separou da propriedade do solo (cfr. factos provados sob os pontos 4. e 28. a 30.).

Ora, incidindo o aludido direito de superfície apenas sobre essas construções, forçoso é concluir que a propriedade do solo onde as mesmas estão implantadas se mantém na titularidade da recorrida que, nessa justa medida, é livre de ceder a sua utilização (isto é do solo), acompanhada dos serviços que dela são indissociáveis, mediante uma contrapartida pecuniária – tal como fez através do “contrato de uso e fruição” celebrado com a recorrente, sem que, portanto, se possa dizer que aquele direito seja incompatível com esta cedência. Mais, a simples constituição do direito de superfície sobre essas edificações não exclui o pagamento da prestação que vinha sendo realizada, pois o art.º 1530º do Cód. Civil expressamente contempla essa obrigação do superficiário para com o fundeiro, o chamado cânon superficiário, que tanto pode ser pago de uma só vez ou anualmente[6].

Em suma, é evidente que não há qualquer coincidência entre o objecto do direito de superfície de que a recorrente é titular e o objecto do “contrato de uso e fruição” que a mesma firmou com a recorrida e que confere àquela, por força das obrigações a que se vinculou, o direito de, mediante uma contrapartida pecuniária global, utilizar a área aí expressamente identificada (que inclui o solo nos quais as ditas construções estão implantadas, mas também uma área de 25.379m2), que faz parte de um parque industrial, e de, concomitantemente, beneficiar dos serviços e infra-estruturas inerentes a essa utilização e indispensáveis ao funcionamento do dito parque. Ou seja, enquanto o direito de superfície de que a recorrente é titular tem exclusivamente por objecto as construções a que se fez alusão, mas não o respectivo solo, nem as áreas que as circundam, que se mantêm na titularidade da recorrida (quer por força do seu direito de propriedade que sobre eles incide, quer por força da concessão da área do domínio público hídrico que lhe foi feita pela Administração do Porto de Lisboa – cf. factos provados sob os pontos 31., 34. e 35.), o “contrato de uso e fruição” tem por objecto a cedência da utilização de uma área que, para além de ser propriedade da recorrida ou de estar na sua disponibilidade mediante concessão, se provou ser muito mais extensa do que a parte do solo que as mencionadas construções ocupam, bem como a prestação dos serviços inerentes e necessários a essa utilização.

Por tais razões, carece também de sentido a invocada extinção do “contrato de uso e fruição” por confusão (art.º 868º do Cód. Civil), com fundamento no facto de se terem reunido na mesma pessoa – no caso, a recorrente - as qualidades de superficiária e de arrendatária sobre os mesmos imóveis. É que, como se viu, nem a recorrente é arrendatária das ditas construções, nem o direito que tem sobre elas, por força do direito de superfície constituído a seu favor, se estende ao solo onde estão implantadas ou a quaisquer parcelas do solo que as circundam, posto que estes continuam a ser propriedade da recorrida.

Refira-se, de resto, que o caso vertente é paradigmático da autonomia existente entre os dois direitos a que supra se fez referência e que caracteriza esta modalidade que o direito de superfície pode comportar: por um lado, o direito da superficiária, aqui recorrente, sobre as construções; e, por outro, o direito de propriedade da fundeira, aqui recorrida, sobre o solo no qual aquelas construções estão implantadas e bem assim sobre o solo que as circunda e que faz parte de vários prédios que a mesma mantém na sua titularidade ou que explora.

E nem se diga, como pretende a recorrente, que o direito de superfície que a GG, S.A. se obrigou a constituir a seu favor (e que contemplaria igualmente a faculdade de edificar outras obras) altera a solução a que atrás se chegou, já que o que resulta da factualidade dada como provada é, como se disse, que tal direito acabou por não ser constituído e a GG, S.A. foi inclusive condenada a indemnizar a recorrente em virtude desse incumprimento contratual, sendo a aqui recorrida alheia a essa obrigação.

Por outro lado, embora não se olvide que, de acordo com o preceituado no art.º 1525º, n.º 1, do Cód. Civil, quando o objecto do direito de superfície seja a construção de uma obra, o mesmo pode abranger uma parte do solo não necessária à sua implantação, desde que ela tenha utilidade para o uso da obra, a verdade é que para que tal suceda terá de haver estipulação das partes nesse sentido e essa parcela terá de estar incluída nos limites do solo consignados no título constitutivo do direito.

Ora, no caso vertente, para além do direito de superfície de que a recorrente é titular não comportar, como se viu, a referida modalidade – isto é, de construção de uma obra –, mas antes, tão só, a manutenção das construções já existentes, também não resulta do título constitutivo desse direito que, para além das porções de terreno correspondentes à implantação dessas construções, o mesmo se estendesse a quaisquer outras partes do solo, sendo que tal é quanto basta para que, também por esta via, a tese da recorrente não possa vingar.

         Deste modo, dúvidas não restam que o “contrato de uso e fruição” em causa nos autos não se extinguiu por caducidade, nem por falta de objecto, nem por confusão, não merecendo, consequentemente, censura o acórdão recorrido ao ter concluído nesse sentido.

Mas será que se pode dizer que esse contrato se extinguiu por denúncia?

Invoca a recorrente, a este propósito e à semelhança do que já havia feito em sede de apelação – numa derradeira tentativa de evitar o pagamento das quantias peticionadas nos autos – que, ainda que se entenda que se está perante um contrato atípico, se terá de concluir que as cartas que a mesma remeteu à recorrida – que foram dadas como provadas nos pontos 44. a 46. – eram aptas a pôr termo ao contrato, por ter aí expressado a sua vontade nesse sentido, sustentando que tendo denunciado o contrato por carta datada de 28 de Abril de 2005, denúncia essa que produziu efeitos em 30 de Junho de 2005 (por ter sido a data do último pagamento realizado), o mesmo cessou, a partir daí, com todos os seus efeitos, não sendo, portanto, devida qualquer quantia à recorrida a partir dessa data.

Como se sabe, a denúncia constitui, tal como sucede com a revogação e com a resolução, uma forma de cessação do contrato, configurando um direito potestativo, assente numa declaração unilateral receptícia, que produz o efeito extintivo de uma relação jurídica, em regra duradora, tendo eficácia apenas para o futuro. O mesmo é dizer que, uma vez denunciado o contrato, a partir do momento em que a declaração opera os seus efeitos, cessam as obrigações que daquele decorriam para ambas as partes, pelo que servindo os factos atinentes a esta figura de causa extintiva do direito que a autora (recorrida) invocou, é indubitável que os mesmos integram matéria de defesa por excepção, constituindo, no caso, excepção peremptória (art.ºs 571º, e 576º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil), e, nessa medida, deveria ser deduzida, por força do princípio da concentração da defesa, na contestação, sendo que depois deste articulado apenas são admissíveis as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou ainda as que sejam de conhecimento oficioso (art.º 573º do citado Código).

Não se enquadrando a denúncia em quaisquer das hipóteses ressalvadas pelo n.º 2 do mencionado normativo, desde logo, por se tratar de excepção que não é de conhecimento oficioso, estava, naturalmente, a mesma dependente de invocação pela parte que dela se pretendia aproveitar (no caso, a recorrente) sob pena de ficar precludida essa via de defesa (art.º 579º do Cód. Proc. Civil). A verdade, porém, é que a recorrente não invocou oportunamente a denúncia do contrato, tendo apenas feito tal invocação em sede de recurso de apelação.

Com efeito, da análise da contestação apresentada pela recorrente facilmente se conclui que é totalmente omissa a esse propósito. E nem se diga, como a recorrente agora pretende fazer crer, que tal invocação foi feita de forma implícita ou por remissão para os documentos que citou no seu articulado e que juntou aos autos (em concreto, as cartas a que faz referência). É que a defesa que a recorrente construiu, na sua contestação, foi toda ela alicerçada na alegada extinção do “contrato de uso e fruição” desde o momento da constituição a seu favor do direito de superfície, tendo sido igualmente nessa extinção que ancorou o seu pedido reconvencional, a título de enriquecimento sem causa, por as quantias que teria pago à recorrida entre Julho de 1991 e Junho de 2005 carecerem de fundamento e apenas por erro terem sido liquidadas.

Ora, a invocação da denúncia do contrato por carta de 28-04-2005, com suposta produção de efeitos em 30-06-2005 (data do último pagamento realizado), pressuporia, afinal, a validade e a vigência do contrato até essa data (nunca admitida pela recorrente), fazendo, naturalmente, cair por terra o pedido reconvencional deduzido e daí que, conforme se observa no acórdão recorrido, fosse dificilmente compaginável com a defesa apresentada a invocação dessa excepção.

         É verdade que a recorrente podia ter lançado mão desse meio de defesa a título subsidiário, o certo, porém, é que não o fez – e não o tendo feito oportunamente, sibi imputet. Por outro lado, dos documentos que a recorrente alega ter feito expressa alusão no seu articulado e que juntou aos autos, também não se retira uma tal invocação – ainda que implícita – por não haver nos mesmos qualquer referência a uma suposta manifestação de vontade no sentido de pôr termo ao contrato para o futuro, através da sua denúncia, mas antes uma clara afirmação de que o contrato há muito se mostrava cessado e de serem, consequentemente, indevidos os pagamentos efectuados desde 12-07-1991 como contrapartida desse mesmo contrato.

         Por tais motivos, há que considerar que a recorrente não invocou a denúncia do contrato em momento oportuno (isto é, na sua contestação) e consequentemente ficou precludido esse direito, sendo certo também que não o poderia fazer posteriormente (designadamente em sede de recurso de apelação), por a excepção em questão não ser de conhecimento oficioso e também não estar em causa qualquer meio de defesa superveniente.

Aliás, a invocação de tal excepção perante a Relação constituiu questão nova, que não havia sido apreciada pela 1.ª instância precisamente por não ter sido invocada, pelo que, tal como a Relação, também o Supremo Tribunal de Justiça está impedido de a apreciar.

Nesta conformidade, improcedem ou mostram-se deslocadas todas as conclusões da recorrente, a quem não assiste razão para se insurgir contra o decidido pela Relação, que não merece os reparos que lhe aponta, nem viola as disposições legais que indica.

IV - Decisão

Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


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Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).

*


Lisboa, 02 de Novembro de 2017


António Piçarra (relator)

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes

___________


[1] Cfr, neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Processo Civil, 2.ª edição, pág. 398, Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, pág. 270, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, Volume II, 2015, págs. 517 e 518, António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, págs. 398 e 399, e, entre outros, os acórdãos do STJ de 22-01-2015 (proc. 24/09.2TBMDA.C2.S1), de 19-10-2016 (proc. 3285/05.2TVPRT.P1.S1) e de 19-01-2017 (proc. 841/12.6TBMGR.C1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Cfr, sobre os critérios a utilizar na definição do regime jurídico dos contratos mistos (absorção, combinação ou analogia), Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 7ª edição, Reimpressão, pág. 86, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª edição, págs. 198 a 200, e Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª edição, págs. 375 e 376.,  
[3] Cfr, neste sentido, J. A. Mouteira Guerreiro, “Reflexões sobre o direito de superfície, a sua titulação e registo, os volumes e o conceito de prédio urbano” in RFDUP, vol. 6, 2009, págs. 211 a 215, Osvaldo Gomes, Manual de Loteamentos Urbanos, pág. 502, Santos Justo, Direitos Reais, pág. 389, e António Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Reprint, 1979, págs. 707 e ss., e, para maiores desenvolvimentos, a propósito da origem do deste direito, seu conceito e evolução, incluindo no direito comparado, Paulo de Tarso Pacheco Carreiro, “Origem, evolução e conceito actual do direito de superfície” in ROA, n.ºs 1 e 2, Ano 12, 1952, e Armindo Ribeiro Mendes, “O Direito de Superfície” in ROA, Ano 32, 1972.
[4] Cfr Armindo Ribeiro Mendes, ob. cit., págs. 34 e 35.
[5] Cfr, neste sentido, C.A. da Mota Pinto, Direitos Reais, Almedina, 1975, págs. 291 e 292, Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª edição, pág. 433, e Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, 2017, pág. 441.
[6] Cfr, neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª edição, pág. 433, e Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, 2017, pág. 442, e C.A. da Mota Pinto, Direitos Reais, Almedina, 1975, pág. 299.