Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
032076
Nº Convencional: JSTJ00004265
Relator: H DIAS FREIRE
Descritores: DANO
AGRAVANTES
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196706070320763
Data do Acordão: 06/07/1967
Votação: MAIORIA COM 6 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IS DE 1967/07/03, PÁG. 1300 - BMJ Nº 168, ANO 1967, PÁG. 199
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PATRIMONIO.
Legislação Nacional: CPP29 ARTIGO 646 N6 ARTIGO 668 PARUNICO ARTIGO 669 PARUNICO.
CPC61 ARTIGO 763 N4 ARTIGO 765 N3 ARTIGO 766 N3 N4.
CP886 ARTIGO 15 ARTIGO 30 ARTIGO 31 ARTIGO 32 ARTIGO 34 N34 ARTIGO 191 ARTIGO 481 PARUNICO.
CP852 ARTIGO 484 PAR2.
CONST33 ARTIGO 8.
CCIV66 ARTIGO 11.
CL DE 1884/06/14 N5.
D DE 1886/09/16.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL DE 1966/01/05.
ACÓRDÃO RL DE 1965/03/26.
ACÓRDÃO RP DE 1908/01/23 IN RT ANO26 PAG208.
Sumário :
O paragrafo unico do artigo 481 do Codigo Penal preve o concurso de circunstancia agravante de qualquer natureza.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em Tribunal Pleno:

De harmonia com o disposto no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, o representante do Ministerio Publico junto do Tribunal da Relação de Lisboa recorreu extraordinariamente para o Tribunal Pleno do acordão de 5 de Janeiro de 1966, da mesma Relação, alegando que não admitia recurso ordinario para este Supremo Tribunal e que esta em oposição com o da mesma Relação, proferido em 26 de Março de 1965.
Admitido o recurso, o ilustre Ajudante do Procurador-Geral da Republica, cumprindo o disposto no n. 3 do artigo 765 do Codigo de Processo Civil, aplicavel por força do que prescrevem o paragrafo unico do artigo 669 e o paragrafo unico do artigo 668 do Codigo de Processo Penal, apresentou a alegação a folhas 2 e 3 tendente a demonstrar que existe a invocada oposição entre os dois acordãos, juntos, por certidão, a folhas 4 e 9.
A secção criminal decidiu que se verificam os pressupostos legais relativos ao prosseguimento do recurso e consequente conhecimento pelo Tribunal Pleno (acordão a folhas 17-19).
Seguidamente o magistrado do Ministerio Publico apresentou a alegação junta a folhas 22-27.
Desenvolve douta argumentação para convencer que deve firmar-se assento que fixe a jurisprudencia no sentido decidido pelo acordão recorrido, nos termos que formula.
Obtidos os vistos legais, cumpre decidir.
I) Certo que o Tribunal Pleno não deve considerar definitivamente resolvida a questão preliminar relativa a existencia da oposição que serve de fundamento ao recurso (artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil), temos de começar pela solução deste problema.
Vejamos pois:
A admissibilidade do recurso extraordinario regulado no citado artigo 669 depende da existencia de acordão de uma Relação de que não possa interpor-se recurso ordinario para este Supremo e que esteja em oposição com outro, transitado em julgado, da mesma ou diversa Relação, sobre a mesma materia de direito, desde que apreciada no dominio da mesma legislação.
Ora o acordão recorrido foi proferido no dia 5 de Janeiro de 1966 sobre recurso interposto em processo de policia correccional e por isso não admitia recurso ordinario (artigo 646, n. 6, do Codigo de Processo Penal).
O acordão anterior foi proferido em 26 de Março de 1965 sobre recurso interposto em processo crime ainda não classificado, mas em que procurou verificar-se a existencia de uma infracção que deveria ser julgada em processo de policia correccional.
Temos de considerar este acordão transitado em julgado, uma vez que não houve qualquer oposição (artigo 763, n. 4, do Codigo de Processo Civil).
Em ambos os acordãos se interpretou o paragrafo unico do artigo 481 do Codigo Penal que não sofreu qualquer alteração desde que, no uso da autorização concedida pelo n. 5 da Carta de lei de 14 de Junho de 1884, que aprovou a reforma do Codigo Penal de 1852, foi integrado na "nova publicação oficial do Codigo Penal", determinada pelo Decreto de 16 de Setembro de 1986.
O acordão de 1966 decidiu que o citado paragrafo unico do artigo 481 se refere a todas as agravantes do artigo 34 do Codigo Penal, pelo que "compreende tanto as de caracter real como pessoal, entre as quais a de sucessão de crimes", que militava contra o arguido.
Consequentemente reconheceu legitimidade ao Ministerio Publico para acusar.
O acordão de 1965 reconheceu que se ajusta "mais a letra da lei e ao seu sentido" a jurisprudencia que considera abrangida por aquele paragrafo somente as "agravantes reais", isto e, as que concorrem no facto e não no agente.
Por isso decidiu que o Ministerio Publico não tinha legitimidade para acusar um reu a quem imputou um crime do artigo 481 do Codigo Penal, cometido apenas com "uma agravante de natureza pessoal (sucessão)".
Basta o enunciado das duas decisões para evidenciar que existe a oposição invocada pelo recorrente.
Temos, portanto, que apreciar e decidir o conflito de jurisprudencia em causa.
II) A necessidade, que ninguem contesta, de garantir ao direito criminal, mais do que a nenhum outro, a maior segurança possivel, levou o legislador a criar moldes ou tipos de crimes que circunscrevem a conduta humana susceptivel de cair no dominio daquele direito.
Assim surgiu o principio nullum crimen sine lege que o nosso Codigo Penal não esqueceu (artigo 15) e que ate alcançou força constitucional (artigo 8, n. 9, da Constituição Politica).
E, pois, no tipo ou molde legal que havemos de encontrar todos os elementos que concorrem num facto para que ele constitua infracção penal.
So de expressos termos da lei podemos extrair a ilicitude do facto e a culpabilidade que dele deriva.
Mas aos elementos essenciais, sem os quais não ha crime, podem acrescer circunstancias que, sem afectar a existencia do crime, tem por efeito aumentar ou diminuir a sua gravidade (artigo 30 do Codigo Penal).
As que aumentam a gravidade do crime cometido - unicas que aqui interessam - estão enumeradas no artigo 34 do Codigo Penal com indole taxativa, o que todavia não exclui a possibilidade da existencia de outras, desde que tambem designadas pela lei. Recorda-se, por exemplo, a estabelecida no artigo 191 daquele Codigo.
A lei enumera-as, mas não as classifica. Apenas indica que umas são inerentes ao agente, pelo que contribuem para aumentar a culpabilidade (artigo 31) e que outras são relativas ao facto, pelo que influem no aspecto da ilicitude, do dano resultante do facto sobre que recai a reprovação da ordem juridica (artigo 32).
Quanto a 34 do artigo 34 - acumulação - pode objectar-se que não constitui, em rigor, uma circunstancia agravante visto que cada crime mantem a sua autonomia e por isso nenhum e elemento acidental de qualquer outro.
Contudo a doutrina esclarece que a sua inclusão na serie das agravantes se explica por a pluralidade das infracções poder determinar a aplicação de uma so pena, agravada em atenção a essa pluralidade.
III) O artigo 481 do Codigo Penal, depois de descrever um tipo de crime de dano punido com prisão ate seis meses e multa ate um mes, diz-nos no seu paragrafo unico:
"Não concorrendo circunstancia agravante, a pena sera de multa ate um mes, a qual sera imposta acusando o ofendido, e salva a pena de contravenção, se houver lugar".
Quer dizer, na falta de " circunstancia agravante"
- circunstancia acidental que não seja elemento essencial do crime, mas que, relacionando-se com ele, aumente a sua gravidade ao crime cometido, sera aplicavel uma pena menor do que a ja estabelecida e o Ministerio Publico não podera exercer livremente o direito de acção, apesar de este ser sempre destinado a submeter a apreciação jurisdicional " a pretensão punitiva do Estado" (expressão de Cavaleiro de Ferreira).
IV) O actual texto do transcrito paragrafo e a repetição do paragrafo 2 do artigo 484 do Codigo Penal de 1852, com a eliminação da palavra "alguma" e a substituição da expressão "multa de tres a trinta dias" por "multa ate um mes".
Como com acerto observa o magistrado do Ministerio Publico, a supressão do adjectivo indefinido alguma, "para alem de representar nitida melhoria de forma, em nada alterou o sentido da disposição do Codigo de 1852.
Simplesmente, no dominio desse Codigo, vincava-se bem que toda e qualquer agravante, fosse de que natureza fosse, tinha virtualidade para tornar o crime publico.
Em identico entendimento ja em 1888, O Direito, ano 20, pagina 275 - sustentou que nos crimes de dano intervem o Ministerio Publico sempre que se verifique "qualquer circunstancia agravante".
No ano imediato, a Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 21, pagina 452, pronunciou-se sobre o problema em termos que reflectem a opinião de que o paragrafo unico do artigo 481 abrange todas as agravantes do artigo 34.
E o Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ano II, 1915-1916, pagina 192, publicou o sumario de um despacho em que se decidiu que o "Ministerio Publico tem legitimidade para perseguir os crimes de dano previstos e punidos no artigo 481 do Codigo Penal, desde que concorra alguma circunstancia agravante, embora esta circunstancia consista na acumulação dum crime de natureza particular".
Todavia a partir do acordão da Relação do Porto, de 23 de Janeiro de 1908 - Revista dos Tribunais, ano 26, pagina
208 - foram proferidas algumas decisões que, como a de 1965 agora chamada a causa, so as agravantes relativas ao facto atribuiram o merito de tornar publico o crime descrito no corpo do artigo 481.
Pensamos que não perfilharam a melhor doutrina.
V) O paragrafo unico daquele artigo 481 preve o caso de não concorrer "circunstancia agravante".
Ora uma circunstancia concorre quando acresce ao crime, que existira mesmo sem ela.
E o sentido que claramente deriva do disposto no artigo 30 e no artigo 95 (99, antes da Reforma de 1954) - Luis Osorio, Notas, volume 4, 2. edição, pagina 423, e que melhor se ajusta ao conceito doutrinario de
" circunstancias".
E a expressão "circunstancia agravante" encerra uma designação generica que por si afasta qualquer discriminação ou distinção.
Acresce: A acção penal, com a sua plena indole de acção publica, exerce-se para reprimir e prevenir (prevenção especial e prevenção geral) o perigo que a ordem juridica oferece todo aquele de cuja conduta resulta um ilicito penal.
Ora a frequencia de criminalidade que configura a agravante da reincidencia ou da sucessão de crimes indicia perigo na quase totalidade dos casos superior ao que revela qualquer das agravantes relativas ao facto.
E assim a interpretação que perfilhou o acordão de 1965, alem de impor uma distinção que a letra da lei não favorece, conduz a uma solução que serve mal os fins da acção penal.
O relativo poder de disponibilidade que a lei confere a alguns ofendidos sobre o exercicio da acção (crimes particulares) tem nitido caracter excepcional e por isso não deve exceder o exacto limite que a lei marca (artigo
II do Codigo Civil).
O Estado, como unico titular do direito de punir, não deve suportar restrições a efectivação desse direito que ele proprio não tenha especificado claramente por meio da sua função legislativa.
VI) Nesses termos negam provimento ao recurso e formulam o seguinte assento:
"O paragrafo unico do artigo 481 do Codigo Penal preve o concurso de circunstancia agravante de qualquer natureza".
Sem imposto de justiça.

Lisboa, 28 de Abril de 1967

H. Dias Freire (Relator) - Fernando Bernardes de Miranda - Francisco Soares - Adriano Vera Jardim -
J. Santos Carvalho Junior - Antonio Teixeira de Andrade - Jose Cabral Ribeiro de Almeida - Gonçalves Pereira - Albuquerque Rocha - Oliveira Carvalho (Vencido por entender que so a agravante que respeita ao proprio crime e não a pessoa do agente tem a virtualidade de modificar a natureza juridica do acto delituoso).
- Eduardo Correia Guedes (Vencido pelas razões do voto antecedente)- Lopes Cardoso (Vencido pelas mesmas razões)
- Torres Paulo (Vencido pelas mesmas razões) - Ludovico da Costa (Vencido pelos mesmos fundamentos) - Joaquim de Melo (Vencido pelos mesmos fundamentos).