Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
233/14.2T8BRG.G1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: MANDATO FORENSE
PERDA DE CHANCE
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
ADVOGADO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, N.º 3 E 682.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1, 798.º E 799.º.
Sumário :

I. O autor que demanda o seu ex-advogado, invocando dano de perda de chance, pelo facto de este não ter contestado uma ação dentro do prazo legal, tem o ónus de demonstrar que o mandatou antes de terminar o prazo para contestar.

II. Não se fazendo prova de que o advogado foi mandatado para contestar uma ação antes de ter terminado o prazo para esse efeito, não é possível apurar se ele incumpriu a prestação devida, pelo que falha um pressuposto base para a sua eventual responsabilização pelos danos que o mandante hipoteticamente não teria tido na ação não contestada.

Decisão Texto Integral:

I. RELATÓRIO


1. GG Unipessoal L.da propôs ação declarativa, no Juízo Central Cível de Braga, contra BB e CC S.A., formulando os pedidos de condenação:

"A. Solidariamente ambos os RR, a quantia de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros), por via dos factos em apreço nos autos - vide 4 a 76 e 98 a 111 da p.i, acrescidas de juros contados desde a citação até efetivo e integral pagamento

B. O primeiro réu, a quantia de 49.953,65€ (quarenta e nove mil, quinhentos e trinta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos) acrescidas de juros contados desde a citação até efetivo e integral pagamento."
Alegou, em síntese, que DD instaurou contra si o processo 17/10.7TBAMR, no Tribunal Judicial da Comarca de Amares, e que, depois de citado, contactou o réu BB, que é advogado, para o representar nessa lide. No entanto, o réu BB contestou já depois de concluído o respectivo prazo, motivo por que tal peça não foi admitida, o que conduziu à sua condenação a:
- realizar as obras e trabalhos tendentes à conclusão da obra e retificação, supressão e eliminação dos vícios, defeitos e desconformidades verificados no prédio urbano identificado nessa ação;
- suportar despesas e encargos com o transporte e armazenamento/depósito dos artigos que se encontravam no interior do imóvel, pelo tempo necessário à realização das obras;
- pagar ao demandante, a título de compensação pelos danos de natureza patrimonial, a quantia de € 163 045.87, acrescida de juros calculados desde a citação até efetivo pagamento.

Acrescentou que tal ação n.17/10.7TBAMR estava inevitavelmente condenada ao fracasso, atenta a falta de fundamento do aí Autor.


Mais alegou que a ré CC, por força da apólice n. ..., de seguro de grupo de responsabilidade civil profissional, subscrita pela Ordem dos Advogados, responde pelos atos do réu BB até ao limite de € 150 000,00.

2. A ré CC contestou dizendo, em síntese, que o réu BB, pelo menos desde 13 de janeiro de 2012, que tinha conhecimento dos factos que poderiam vir a gerar a sua responsabilização civil, pelo que "nos termos expressamente previstos no artigo 3º alínea a) das condições especiais da apólice …, encontra-se o presente sinistro excluído das coberturas e garantias previstas da referida apólice de seguro."
3. O réu BB contestou afirmando, em síntese, que "nunca foi mandatado pela autora para contestar o processo 17/10.7TBAMR, dentro do prazo legal."
4. Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença na qual se entendeu que: “não tendo a Autora demonstrado ter conferido o mandato de forma a que fosse possível apresentar a contestação dentro do prazo legal entendemos não se poder concluir que existiu incumprimento do contrato de mandato pelo primeiro Réu”; e se decidiu nos seguintes termos:"julga-se totalmente improcedente a presente acção e consequentemente decide-se absolver os Réus dos pedidos formulados pela Autora."

5. Inconformada com essa decisão, a autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães. O réu BB apresentou contra-alegações defendendo a improcedência do recurso.

6. O Tribunal da Relação de Guimarães confirmou a decisão da primeira instância, sustentando, como se transcreve, que:

“(…) sendo verdade que a A. mandatou o Réu para a realização de serviços jurídicos, está em causa responsabilidade contratual, não é menos verdade que não se provou que o mandatou nummomento em que este ainda dispunha de prazo para apresentar contestação no respectivo processo. E assentando o pedido da autora, entre outros, no facto de ter contratado os serviços do réu a tempo deste poder contestar no processo 17/10.7TBAMR, nos termos do artigo 342° n.1 do Código Civil, cabia-lhe a ela o ónus da prova da tempestividade dessa contratação. Só uma vez provado que o mandato tinha sido confiado ao réu a tempo dele apresentar contestação em nome da sua mandatária é que, depois, perante a junção intempestiva dessa peça, funcionava a presunção estabelecida no artigo 799° n. 1 do CC (…)”

7. Inconformada com aquela decisão, a Autora interpôs recurso de Revista excecional, ao abrigo do art.672º, n.1, alínea a) do CPC, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:

«1. O recurso é interposto nos termos do artigo 672º 1, alínea a) do CPC, por estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pela 2a Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, que negou provimento ao recurso interposto da sentença proferida pelo Juízo Central Cível — J3, da Instância Central da Comarca de Braga, a qual entendeu que pese embora a Recorrente tenha mandatado o Réu BB, para contestar a ação que correu termos no Tribunal de Amares sob o n.17/10.7TBAMR, a Recorrente não o mandatou em tempo, no prazo em curso para a contestação.

3. Não se conformando com a absolvição dos Réus, a ora Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que o recebeu como de apelação.

4. Apreciado o recurso, veio a Relação de Guimarães julga-lo improcedente, mantendo a decisão proferida na 1 a instância.

5. Ora, com o regime de recursos introduzido pelo DL n. 303/2007, de 24.08, a regra é a da inadmissibilidade de recurso de revista para o STJ das decisões da Relação que confirmem, sem voto de vencido, a decisão da lª instância (dupla conforme).

6. Estando presentes os requisitos da revista "normal", a qual apenas não será admissível nos autos por se verificar uma situação de dupla conforme, poderá o recurso ser admitido como de revista excecional, caso em que a sua admissão caberá à Formação a que alude o n.3 do art. 672º do CPC.

 7. No caso, entende a recorrente que se verificam preenchidos os pressupostos para ser admitido o recurso como de revista excecional, nos termos do artigo 672º 1. alínea a) do CPC, por estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

8. Na verdade, há relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito quando se trate de questão complexa, de difícil resolução, cuja subsunção jurídica imponha um importante, e detalhado, exercício de exegese, um largo debate pela doutrina e jurisprudência com o objetivo de obter um consenso em termos de servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação, com que poderão contar, das normas aplicáveis, quer para as instâncias, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito.

9. O conceito genérico da citada alínea a) implica que a questão “sub judice” surja, em geral, quando o quadro legal suscite dúvidas profundas na doutrina e na jurisprudência, a ponto de ser de presumir que gere com probabilidade decisões divergentes (cfr., v.g. e “inter alia”, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Dezembro de 2009, P. n. 01206/09 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no P. n. 417/08.2 TBCBR.C1.S1; cf. também, “una voce sine discrepante”, os Acórdãos dos Processos n.s 1949/08.TBGMR.C1.S1, 9630/08.1TBMAI.P1.SI e 1742/08.8TBAVR.C1.S1).

10. No caso em apreço, assume especial relevância, senão mesmo determinante e decisiva, a seguinte questão: o mandato, em que a Recorrente mandatou o Réu para a realização de serviços jurídicos, estando em causa a responsabilidade contratual, empobrecimento e perda de chance do Recorrente, aquando da não apresentação de contestação em prazo.

11. Conforme já referido, a base para a improcedência da presente ação resulta no facto de o tribunal ter entendido que a Recorrente não fez prova de que mandatou o Réu BB, em tempo legal, para contestar a ação que correu termos sob o n. 17/10.7TBAMR no Tribunal de Amares.

12. A verdade é que, além da prova documental junta, foi, em julgamento produzida prova testemunhal, segura, isenta, clara, objetiva e credível, demonstrativa que a Recorrente confiou, em tempo, o processo ao Réu BB, a quem mandatou para contestar a ação, que a Relação igualmente ignorou.

13. Quanto à testemunha EE, foi ela a pessoa que rececionou o expediente pelo qual a Recorrente foi citada no âmbito do processo n. 17/10.7TBAMR do Tribunal de Amares, tendo sido ela que, deu disso conhecimento ao legal representante da Recorrente.

14. Mais estabeleceu no tempo, lugar e espaço o momento em que o legal representante se deslocou ao escritório do Réu BB a propósito desta ação e o mandatou para efetuar a contestação.

15. Não se trata de não agradar à Recorrente a forma como a prova foi apreciada, mas sim de, resultar da prova produzida, prova que deve a levar a decisão diversa.

16. Conforme resulta das suas declarações do legal representante da Recorrente, deslocou-se a Portugal para festejar com a sua esposa e testemunha EE, no seu aniversário.

17. Resultando que a mesma faz anos no dia 14 de janeiro de 2010 e tendo este regressado a ... dois dias depois, voltou a Portugal, motivado pelo alerta da sua esposa e com vista a reunir e mandatar o Réu BB para contestar e conduzir tal processo contra si instaurado.

18. Por essa altura e estando em Portugal, atenta a preocupação e gravidade com este assunto — ação judicial intentada contra a Recorrente — deslocou-se ao escritório do réu BB, pessoa a quem confiou o assunto.

19. Não há, pois, dúvidas que rececionou a carta com a citação remetida pelo Tribunal de Amares no âmbito do proc. 17/10.7TBAMR.

20. Nessa sequência, avisou de imediato, o seu marido e legal representante da Recorrente, que se deslocou a Portugal para mandatar o réu para contestar a ação declarativa.

21. O que veio a suceder, tendo o legal representante da Recorrente mandatado 0 1º Réu, a quem deixou a carta com a citação e assinou uma procuração, o que aconteceu ainda no decorrer do mês de janeiro de 2010.

22. 0 mandato conferido pela Recorrente resulta também do depoimento da testemunha FF.

23.Das declarações desta testemunha, Inspetor da Polícia Judiciária, resulta que, em conversa com o Réu, este reconheceu, ter tratado do processo com atraso, devido a problemas de saúde do seu filho, mas que estaria a resolver o assunto, isto é, reconheceu o problema por si criado, não tendo imputado o mesmo, por qualquer forma, à Recorrente.

24.No mesmo sentido, o depoimento da testemunha GG, advogado de profissão, pessoa que veio finalizar o processo, após o réu BB ter «saído de cena», renunciando à procuração, o que sucedeu apenas em 7.05.2012, resultando claro o incumprimento do Réu BB do contrato do mandato.

25. Também do depoimento da testemunha HH resulta que o Réu BB faltou à verdade na questão essencial, isto é, quanto ao momento em que tomou conhecimento da ação que correu termos sob o n. 17/10.7TBAMR no Tribunal de Amares.

26. A tese do Réu BB, é de que, tomou conhecimento da existência desta ação por intermédio do mandatário de DD(HH), pessoa que representava, quer como Autor nesta ação, quer como executado no processo n.0 604/09.6TBAMR.

27. A Recorrente tinha, à data, pendente contra o Sr. DD uma execução no valor aproximado de 100.000,00€, que corria termos sob o n.604/09.6TBAMR.

28. Na pendência da mesma, o aí executado, instaurou contra a aqui A., ação declarativa de condenação no qual peticionava, além do mais, o pagamento de indeminização de valor superior a 160.000,00 €.

29. Por factos imputáveis ao aqui Réu, a ação não foi contestada e, em consequência, foi a aqui A condenada no pedido, o que gerou um contra crédito daquele DD sobre a Autora, não tendo esta recebido qualquer quantia no âmbito da execução que corria sob o n.604/09.6TBAMR do então tribunal de Amares.

30. Aquilo que o Réu BB alegou foi que, relativamente, a ação declarativa instaurada por aquele DD contra a Recorrente, tomou conhecimento dela por intermédio do colega, HH, pessoa com quem se reuniu num café em …, denominado «C...», sendo que é isso mesmo que consta das suas declarações de parte.

31. Estando em causa, transmitir a um colega (mandatário do exequente, numa execução de quase cem mil euros) que, fruto da não contestação duma ação judicial, acabava de ter um «trunfo» (contra crédito) para não só não pagar, mas ter que receber - e não era pouco — é algo que não se esquece, pela importância que teve. (seria o momento-chave para a vitória, em toda a linha, em todos os processos que os opunham.

32.Da conjugação dos depoimentos das testemunhas EE, FF, GG e HH, resulta claro que o Réu BB, não só tomou conhecimento da ação declarativa que correu termos sob o n. 17/10.7TBAMR no Tribunal de Amares, como foi mandatado pela Autora para a contestar.

33.0 Réu estava na posse e tinha conhecimento de todos os elementos necessários à contestação, pois esses argumentos haviam já — infundadamente — sido utilizados pelo dono da obra, DD para atrasar pagamentos, situação que se veio a arrastar e a dar origem à execução n. 609/09.6TBAMR.

34. Como resulta da prova documental, foi alegado pela Recorrente e aceite pelo Réu, este representou a Recorrente na ação executiva 604/09.6TBAMR.

35.0ra o primeiro Réu nesta ação estava já na posse de grande parte dos elementos necessários para apresentar a contestação à ação declarativa, dado que, representava a sociedade no processo executivo n. 604/09.6TBAMR, no qual peticionava o pagamento de 94.885,00€, cfr. doc 3 junto aos autos com a p.i.

36. Inexistem assim dúvidas que, a prova testemunhal produzida em audiência, designadamente a que se acaba se referir, é por si, bastante para se concluir que o Réu BB foi mandatado pela Recorrente, no prazo legal para contestar a ação declarativa 17/10.7TBAMR, que se encontrava na posse de todos os elementos para o fazer e que só não o fez por factos que apenas a si são imputáveis.

37. Se atentarmos nos autos é o próprio Réu que admite e aceita que a Recorrente o contactou no mês de janeiro do ano 2010 a propósito desta ação declarativa que ele não contestou, neste sentido vide pontos 39 e 40 da sua contestação.

38. Aí refere o Réu que o Sr. AA, legal representante da Recorrente, se reuniu com ele no seu escritório, no qual foi abordado o tema das novas fotografias.


39. As alegações apresentadas pelo primeiro Réu em sua defesa, quer na sua contestação, quer em fase de julgamento são de tal forma, salvo o devido respeito, «caricatas», que custa a entender como foi possível o Tribunal "a quo" atender às mesmas para suportar a sua absolvição, mantendo-as a Relação.

40. Desde a Universidade de direito somos dados a perceber que, na apreciação dos factos, os tribunais devem atender a critérios de normalidade, isto é, ao normal ser das coisas, ao homem médio. A nossa jurisprudência vem decidindo da mesma forma. Sucede assim mesmo no direito penal, onde está em causa a liberdade das pessoas e também, naturalmente em sede cível.

41. 0 Réu é advogado de profissão e conhece bem os meandros da lei e da justiça, sabe dos riscos que corre no exercício da sua atividade.

42. 0 Réu quer fazer crer que teve dúvidas se a ação lhe foi entregue dentro do prazo legal no escritório, dúvidas ao ponto de "por em causa a sua funcionária" mas ao invés de esclarecer essa dúvida, com uma simples conversa questionando-a - inventou um suposto justo impedimento! Tal não faz sentido. E ainda que fosse para «fazer um favor à A» - o que não se concebe nem nunca tal lhe foi pedido — perguntamos: e o réu não se salvaguardaria com uma declaração do legal representante da Recorrente??

43. Então acede — segundo o mesmo, sem culpa — a inventar um justo impedimento a troco de nada e sem ter responsabilidade?

44. Seguindo critérios de normalidade, nenhum homem médio age desta forma. O Réu não se colocaria numa situação destas, i.é, de aparente, responsabilização por factos que não cometeu e sobre os quais não tinha domínio.

45. É assim incorreta e interpretação da prova efetuada pelo tribunal "a quo" e da Relação, da versão do Réu, isto sem prescindir da Recorrente ter, per si, pela prova testemunhal e documental — feito prova bastante dos factos que alegou.

46. Sempre com o devido respeito, cremos que a forma como a prova — testemunhal e documental — foi apreciada na Douta sentença proferida e no Acórdão proferido, constitui uma «proteção» à atividade da advocacia que não tem cabimento legal.

47. Deu o Tribunal como provado, quase a totalidade da matéria alegada pela Recorrente, com exceção de que, não teria mandatado o Réu, dentro do prazo legal, para a apresentar a contestação, mas sem qualquer fundamento.

48. Teve o tribunal da 1ª e 2a instância a preocupação de justificar a ação do Réu BB, naquilo que consiste em «passar uma esponja» sobre factos invocados pelo mesmo e que se revelaram ser falsos. Estamos a falar da questão do justo impedimento.

49. Teve o Tribunal a necessidade de assentar a doença do Réu e de justificar a sua atitude ao invocar um justo impedimento.

50. Cremos, contudo, que o fez sem razão, e que a apreciação de tal matéria em sentido inverso ao do já decidido por Tribunal Superior — da Relação de Guimarães — a propósito da mesma questão, — cfr. Certidão do proc. 17/10.7TBAMR junta aos autos sob o doc. n. 1.

51.Na verdade, no âmbito do proc. 17/10.7TBAMR.G1, da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães, foi decidido: "dos factos resulta apenas que o Sr. Advogado da R. foi submetido a uma intervenção cirúrgica no dia 17 de fevereiro de 2010, ultimo dia do prazo para apresentação da contestação, o que o impossibilitou de exercer a sua atividade profissional durante 7 dias. Ora os sete dias terminaram em 24 de fevereiro de 2010. Findo este prazo o Sr. Advogado devia ter apresentado a contestação e suscitado o justo impedimento, o que só fez cerca de 20 dias depois. A circunstância de se ter apurado que no dia 11 de março de 2010, Sr. Advogado compareceu na ... para consulta entre as17 horas e as 18 horas, não demonstra que o período de incapacidade para o exercício da profissão se prolongou ate essa data. Aliás, o Sr. Advogado subscreveu os requerimentos supra referidos dirigidos ao 1º  Juízo do Tribunal de Trabalho, em 4 e 11 de Março de 2010, sendo que no requerimento de 4 de Março foi referido que tinha sido submetido a uma pequena intervenção cirúrgica e se considerava necessário apenas o prazo de 5 dias para dar uma resposta a outras questões sobre as quais o requerimento de 4 de Março não se pronunciava, o que significa que o seu impedimento cessou antes do dia 15. Assim, afigura-se que os factos provados não permitem concluir que o Sr. Advogado se apresentou a praticar o acto logo que cessado o impedimento, mesmo entendendo este "logo" com razoabilidade. E ainda que não se tivesse procedido a qualquer alteração da matéria de facto, os factos dados como apurados na la instancia eram insuficientes para a procedência do requerido, por não estar demonstrada a impossibilidade de trabalhar após o dia 24 de fevereiro de 2010, tendo a contestação só sido apresentada em 15 de março.

52. Valorar o mérito e bondade do justo impedimento é algo que, nestes autos, não faz sentido e muito menos sentido faz, seguir a tese do Réu, quando, decisão judicial, proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, transitada em julgado, concluiu o inverso do que agora o Tribunal de 1 a e 2a instância dão como não provado.

53. Sendo certo, que em sede de julgamento, através de prova documental e testemunhal, o ónus da prova que cabia à Recorrente da prova da tempestividade da contratação do Réu para prestar serviços jurídicos, foi devidamente produzido e demonstrado de forma evidente.

54. É assim certo que o Réu, invocou naquele processo 17/10.7TBAMR, factos que não correspondiam à verdade e não foram atendidos pelo Tribunal da Relação de Guimarães que considerou não existir justo impedimento e que a invocação desse motivo — a que o tribunal não atendeu — foi efetuada, não em favor da Recorrente, mas sim, em «desespero de causa» pelo Réu, que, não obstante se encontrar mandatado para contestar a ação, não o fez no prazo legal.

55. Na verdade, por factos imputáveis ao Réu BB, ao não contestar a ação nos termos em que se encontrava mandatado, viu-se a Recorrente na contingência obrigatória e sem alternativa, de ter que aceitar a compensação de créditos.

56. Não atenderam ainda as duas instâncias que na sequência da falta de contestação da ação n.17/10.7TBAMR e condenação — factos imputáveis ao primeiro réu BB - e por forma a compensar os créditos com a autora nesses autos, viu-se a Recorrente «forçada» - atento o facto de após 14/01/2013 ter contra si uma sentença judicial, que constitui título executivo - a desistir do pedido nos autos de injunção n. 424694/10.4YlPRT, nos quais requeria, o pagamento de 83.830,00€, bem como a desistir igualmente da execução que correu termos sob o n. 604/09.6TBAMR na qual peticionava o pagamento de 94.885,00€.

57. Desistências essas que o executado e Réu nessas ações imediatamente aceitou por compensação do crédito a que, judicialmente, por culpa do 1º réu teve direito e que, nunca teria não fosse o comportamento, pelo menos negligente, do primeiro réu.

58. Cedências essas que a Recorrente teve de vir a concretizar devido à conduta do 1º réu que ao não contestar a ação que lhe foi confiada, levou a que, de preceito, o Tribunal nos termos legalmente previstos no CPC, proferisse decisão condenatória contra a Recorrente.

59. Fruto da atuação do Réu BB, viu a Recorrente empobrecido o seu património nesse montante de 198.876,65€ e ainda no montante relativo a custas de parte, no valor de 1.077,00€ (mil e setenta e sete euros), o que totaliza 199.953,65€ (cento e noventa e nove mil novecentos e cinquenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos), tudo como melhor resulta da desistência do processo executivo e homologação, desistência do processo de injunção e nota discriminativa de custas de parte.

60. Inexistem assim dúvidas da verdadeira finalidade da ação que o réu BB não contestou, bem como das consequências de natureza económica que resultaram para a Recorrente.

61. Esta questão assume, fundamental importância e relevância, porque a contradição diz respeito ao ponto principal em discussão nestes autos, i.é, saber que a Recorrente mandatou ou não, em tempo legal, o Réu BB para contestar a ação que correu termos no Tribunal de Amares sob o n 0 17/10.7TBAMR.

62. Tendo resultado provado que, depois de Réu alegar que encontrou o Dr. HH no Café C... (o que este não confirma), contactou o legal representante da Recorrente a propósito da ação, tendo este referido que já lhe deixado esses documentos no escritório.

63. Mais resulta que, nessa sequência, o legal representante da Recorrente foi buscar uma cópia da citação — que tinha tirado para seu arquivo — reiteramos cópia, porque o original tinha sido entregue ao Réu BB.


64. No entanto, a douta sentença e acórdão negam tais evidências, sendo certo que negam os factos notórios e evidentes de que resulta um claro empobrecimento e perda de chance para a Recorrente, por o Réu BB não ter apresentado a contestação em tempo.

65.Uma referência quanto à procuração a que se alude em 2 dos factos provados, situação à qual ambos os tribunais dão pouca relevância.

66. 0 Réu fez grande drama à volta desta questão e o tribunal, não obstante, a pouca valoração que resulta da motivação da sentença, acaba por referir que, a procuração junta naquele processo, tinha data de 19/3/2010.

67. Se a ideia é permitir concluir que a ação não foi contestada pelo réu BB porque lhe faltava a procuração forense assinada tal não faz qualquer sentido.

68. Desde logo porque qualquer contestação pode ser apresentada sem se juntar a procuração forense.

69. 0 Réu, pessoa que tratava de assuntos da Recorrente e outras empresas do mesmo legal representante, poderia contestar e protestar juntar a procuração.

70. Ademais nos tempos que correm (e já era assim em 2010) é consabido que as peças processuais e documentos/procurações são enviados por via eletrónica, o que permite por exemplo, que a mesma procuração digitalizada seja remetida a vários processos e com o mesmo valor em termos de representação.

71. Aliás foi isso que sucedeu com o Réu, remetendo a contestação em 15/3/2010, tendo a procuração data de 19/3/2010.
72.Ao contrário daquilo que o Tribunal concluiu, entende a Recorrente, em face da prova documental junta e às alegações supra expostas neste recurso, que foi efetuada prova bastante do momento em que a esta terá dado conhecimento ao primeiro Réu da citação por si recebida para a ação e conferido - de facto e independentemente da data da procuração - o mandato.

73. E esse momento é, conforme a conjugação da prova exposta, Janeiro de 2010 poucos dias após a receção da citação e muito dentro do prazo legal para apresentar a contestação, (cujo prazo apenas terminava em 17 Fevereiro de 2010), tendo o Réu BB tomado conhecimento nessa data - janeiro de 2010.

74. Sempre o Réu BB foi assegurando à Recorrente, que o assunto (processo) estava "a ser resolvido e que esta não se preocupasse", resultando isso do depoimento da testemunha EE, FF, bem como das declarações de parte do gerente da A.

75. Assim, entende-se que a prova documental junta na 2a instância, designadamente a certidão de todo o processo 17/10.7TBAMR, designadamente Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no âmbito do proc. 17/10.7TBAMR.GI, conjugada com a contestação apresentada pelo Réu, o depoimento das testemunhas EE, FF, HH, J. GG, bem como das declarações de parte do legal representante da Recorrente, permite concluir com grau de certeza que a Recorrente entregou ao primeiro Réu BB, advogado, a carta de citação e documentos que acompanhavam (designadamente fotografias) no decurso do mês de Janeiro de 2010 e que o mandatou para contestar a ação declarativa supra citada, sendo que o réu, por factos que só a ele são imputáveis, apenas apresentou a contestação em 15 de Março de 2010, ou seja, fora do prazo legalmente previsto, o que acarretou para a Recorrente as consequências financeiras demonstrados nos autos, com prejuízos próximos dos duzentos mil euros.

76. Na verdade, o primeiro Réu não agiu com a máxima prudência e não usou todos os esforços possíveis para obter sucesso da causa, alias, fez, precisamente o contrário, deixando passar o prazo de que a Recorrente dispunha para contestar a ação.

77. Quanto à relevância jurídica e a sua importância para uma melhor aplicação do direito, importa ter em conta que o que está em causa é um mandato, a Recorrente mandatou o Réu para a realização de serviços jurídicos, estando em causa responsabilidade contratual, o empobrecimento e perda de chance da Recorrente pela omissão do Reu ao não apresentar a contestação atempadamente, mesmo munido de toda a documentação necessária.

78. Vem-se sedimentando o entendimento de que a relevância jurídica de uma questão, apresentando-se como autónoma, deve revelar-se pelo elevado grau de complexidade que apresenta, pela controvérsia que gera na doutrina e/ou na jurisprudência ou ainda quando, não se revelando de natureza simples, se revista de ineditismo ou novidade que aconselhem a respetiva apreciação pelo Supremo, com vista à obtenção de decisão suscetível de contribuir para a formação de uma orientação jurisprudencial, tendo em vista, tanto quanto possível, a consecução da sua tarefa uniformizadora.

79. Para efeitos da melhor aplicação do direito e sua clara necessidade, a relevância jurídica será de considerar quando a solução da questão postule análise profunda da doutrina e da jurisprudência, em busca da obtenção de um resultado que sirva de guia orientadora a quem tenha interesse jurídico ou profissional na sua resolução, havendo a necessidade de apreciação de ser aferida pela repercussão do problema jurídico em causa e respetiva solução na sociedade em geral, para além daquela que sempre terá, em maior ou menor grau, nos interesses das partes no processo.

80. Esta questão demonstra uma particular importância, na medida em que se conferiu ao Réu, advogado de profissão, uma excessiva proteção das 2 instâncias, com vista a aceitar o justo impedimento anteriormente não aceite e dando como provados e não provados factos que permitiram a sua absolvição e condenação da Recorrente, sem qualquer fundamento legal e clara omissão de factos, testemunhais e documentais.

81. Importa, desde já, deixar claro, que o Réu BB, não ilidiu a presunção de culpa que sobre si, in casu, recaiu.

82. Ora tratando-se de responsabilidade contratual, cabe à parte faltosa — ou seja, neste caso ao Réu - o dever de provar que não agiu culposamente, inversão que autoriza a conclusão de que, provado o inadimplemento, é presumida a culpa do devedor/Réu.
83. Presume-se, por isso, que o Réu, advogado BB, é culpado pelo defeito do serviço, salvo prova em contrário, por ser a presunção juris tantum.

84. No caso em apreço, conforme alegado no recurso de apelação, os factos demonstram que o primeiro Réu não cumpriu a obrigação a que estava adstrito pois apresentou dentro do prazo legal, a contestação, tendo suscitado/inventado um justo impedimento que não foi admitido judicialmente, o que implicou desentranhamento da contestação, o que apenas ao Réu BB é imputável.

85. Tal implicou a condenação da Recorrente no pedido, com as consequências/prejuízos que os autos demonstram.

86. Réu ao assumir o patrocínio da Recorrente, por força do contrato de mandato celebrado, ficou vinculado a desenvolver, com adequada diligência, uma determinada atividade jurídica, ficando também adstrito à prática de todos os atos materiais instrumentais necessários à execução desse mesmo contrato.

87. Se o devedor deixa de realizar pontualmente a prestação, pode ficar constituído em responsabilidade perante o credor.

88. Para que o devedor se torne responsável, necessário é, ainda, que o facto não realização da prestação debitória lhe seja imputável, quer dizer, que esta tenha procedido com culpa, o que é o caso nos presentes autos.

89. A existência do prejuízo é mais um elemento a considerar, sendo necessário que os prejuízos que o credor invoca e pretende ver ressarcidos hajam sido causados pela falta de cumprimento. Entre o acto ilícito (e culposo), de um lado, e os prejuízos, do outro, tem de haver um nexo de causalidade. Os danos hão de poder considerar-se consequência ou efeito da falta de realização da prestação debitória. Essa causalidade verifica-se no caso concreto, pois a foi a falta de contestação pelo Réu que implicou a condenação da Recorrente no pedido na ação a que se vem aludindo.

90. Estabelece o Estatuto da Ordem dos Advogados: "o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas".
91. Não há dúvidas de que o facto de o Réu BB, ao não ter apresentado atempadamente, a contestação, com o consequente desentranhamento da contestação, que apenas a ele é imputável, implicou a condenação da Recorrente no âmbito de ação que correu termos sob o n.17/10.7TBAMR no Tribunal de Amares.

92. A conduta do réu consubstancia inexecução ilícita e culposa da obrigação de assistência técnica do Réu advogado à Recorrente/cliente e foi causa necessária para que a Recorrente tivesse sido condenada no pedido.

93. Ao não ter apresentado, no prazo legal, a contestação, o Réu não agiu de acordo com as regras estatutárias e deontológicas da profissão de advogado, não cumpriu o mandato ou cumpriu-o defeituosamente, sendo-lhe imputável tal incumprimento face à presunção de culpa, que não ilidiu. Tal omissão é-lhe imputável a título de culpa.

94. Deste modo, ao contrário do decidido pelo Tribunal de primeira e segunda instância — sem prescindir do que alegamos neste recurso quanto ao facto de se ter verificado prova bastante por parte da Recorrente — entendemos que a decisão é inversa, isto é, presume-se a culpa do Réu e este não a ilidiu. Antes pelo contrário, a prova documental e testemunhal produzida consolidou a culpa do primeiro Réu.

95. Constitui pois questão de indiscutível relevo jurídico, claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, para efeitos do disposto no artigo 6720 n. 1, al. a) do CPC, saber se a conduta do Réu, ao incumprir os seus deveres deontológicos, usando indevidamente um justo impedimento, e provocando um grave prejuízo, empobrecimento e perda de chance ao Recorrente, com a apresentação extemporânea da contestação, quando a Recorrente lhe havia facultado todos os elementos atempadamente, poderá levar indefinidamente à absolvição.

96. É, pois, uma questão de indiscutível relevo jurídico, claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, saber se a excessiva proteção conferida aos advogados, no exercício da sua profissão, aceitando indevidamente justos impedimentos, poderão ter um alcance nefasto na defesa dos seus clientes, provocando-lhes danos patrimoniais.

97. A esta questão jurídica alia-se o instituto da perda de chance, que é um fenómeno crescente neste tipo de situações e que ainda não mereceu a devida consideração e proteção jurídica.

98. De facto, tanto na responsabilidade contratual, como na extracontratual, é possível a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade naquelas situações em que exista uma possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, ainda que de verificação incerta e um comportamento de terceiro que, por ação ou omissão, elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir.

99. Na verdade, a chance ou oportunidade perdida merece a tutela direito porque, à data da sua lesão, integra o património jurídico do lesado — património económico e património moral — sendo suscetível de avaliação económica e jurídica.

100. In prima facie, saliente-se que para alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a probabilidade atual e não meramente futura da obtenção dessa vantagem patrimonial e a frustração resultante do acto ou omissão de terceiro pode, em determinadas circunstâncias, constituir um bem jurídico digno de tutela.

101. A título meramente indicativo, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de OI de Julho de 2014 estatuiu que a figura da perda de chance se relaciona com a circunstância de alguém ser afetado no seu direito de conseguir uma vantagem futura ou de impedir um dano por facto de terceiro.

102. Não obstante o reconhecimento da dificuldade de considerar a autonomia da figura da perda de chance no direito português, principalmente no que tange o ao estabelecimento do nexo de causalidade enquanto requisito da responsabilidade civil, o referido Acórdão concluiu que não devem assimilar-se os planos do dano e da causalidade com implicação na perspetiva de excluir como dano autónomo a perda de chance, visando-se dessa forma indemnizar não a perda de resultado querido, mas antes a da oportunidade perdida como um direito em si mesmo violado por uma conduta que pode ser omissiva ou comissiva.

103. Ao mesmo tempo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de abril de 2010 admitia a relevância da perda de chance como um dano autónomo indemnizável referindo que a perda de chance não se confunde com a perda de expectativa, uma vez que aqui não havia uma esperança de um direito, por se ter percorrido um iter que a ele conduziria com forte possibilidade.

104. De outra banda, existe jurisprudência e doutrina que consagram a figura da perda de chance como um dano atual autónomo consubstanciando numa frustração irremediável, por acto ou omissão de terceiro, de verificação de obtenção de uma vantagem que probabilisticamente era altamente razoável de supor que fosse atingida ou na verificação de uma desvantagem que razoavelmente seria de supor não ocorrer não fosse essa omissão.

105. Ora, por razões de segurança jurídica, porque está em causa a perda de chance do Recorrente e uma lesão do património jurídico do lesado/Recorrente, provocado pela omissão de um terceiro, deverá o Supremo atender à sua relevância jurídica para uma melhor aplicação do direito, evitando que situações enquadradas neste padrão, levem à constante lesão do património dos clientes/Recorrentes.

106. Impõe-se, por isso, a revogação da decisão recorrida, condenando-se os Réus no pedido.

Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se procedente por provada a presente ação, condenando-se os réus nos termos do pedido. Assim se fará, serena, sã e objetiva JUSTIÇA»

8. A segunda ré CC contra-alegou, sustentando a inadmissibilidade e a improcedência do recurso.

9. A Formação a que alude o art. 672º, n.3 do CPC admitiu o recurso, com base na alínea a) do art.672º, n.1 do CPC.

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS

1. Objeto do recurso:

Tendo presente que as conclusões das alegações da Recorrente delimitam o objeto do recurso e que a revista respeita, em regra, apenas à análise de problemas de direito, são as seguintes as questões em discussão:

- Saber se a Recorrente mandatou o 1º Réu/Recorrido, como seu advogado, para contestar a ação correspondente ao proc. n. 17/10.7TBAMR (do Tribunal de Amares), antes de ter terminado o prazo para apresentar essa contestação;

- Saber se os Réus/Recorridos devem ser civilmente responsabilizados pelos prejuízos que a Autora/Recorrente alega ter sofrido pelo facto de aquela ação não ter sido contestada dentro do prazo legal, ou seja, prejuízos pela perda de chance.

2. Factos provados:

É a seguinte a factualidade que as instâncias deram como provada:
1. A Autora exerce a atividade de compra e venda de imóveis e construção civil.
2. Contra a aqui Autora foi intentada, em 11 de janeiro de 2010, ação declarativa de condenação, por DD, que correu termos sob a forma de processo ordinário com o n.17/10.7TBAMR, no Tribunal Judicial da Comarca de Amares, na qual o aí autor peticionava o seguinte:
a. Ser a demandada condenada na realização das obras e trabalhos tendentes à
conclusão da obra e retificação, supressão e eliminação dos vícios, defeitos e desconformidades verificados no prédio urbano supra identificado.

b. Ser a demandada condenada a suportar todas as despesas e encargos que o
demandante tenha com o transporte e armazenamento/depósito dos artigos desportivos pelo tempo necessário à realização das obras, danos cujo valor, por, presentemente não poder ser determinado ou quantificado deverá a sua liquidação ser remetida para execução de sentença (cfr. art. 564.° e 569.° do C. Civil e 471.°, n. 1 al. c) e n.2 e 378.° e ss. Todos do Código de Processo Civil;

c. Ser a demandada condenada a pagar ao demandante, a título de compensação pelos danos de natureza patrimonial, na quantia de 163.045,87 € (cento e sessenta e três mil e quarenta e cinco euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros calculados desde a citação até efectivo pagamento.

3. A Autora foi citada para a ação referida no número anterior por carta expedida a 15/1/2010 e recebida a 18/01/2010, terminando o prazo para contestar em 17/02/2010.

4. A Autora, através do seu legal representante, contactou o primeiro Réu para que a representasse na ação referida em 2) outorgando procuração, datada de 19 de março de 2010, a seu favor conferindo-lhe poderes forenses.

5.O primeiro Réu apresentou articulado de contestação na ação referida em 2) no dia 15/03/2010 e no final do articulado invocou justo impedimento para a sua apresentação fora do prazo legal, invocando a entrega da contestação apenas naquela data por se encontrar doente, conforme consta da certidão de fls. 80 e seguintes dos presentes autos.

6. Por despacho de 19/03/2010 foi julgado verificado o justo impedimento e por requerimento de 2 1/04/20 10 o autor naqueles autos arguiu a nulidade por não ter sido ouvido antes da prolação da decisão sobre o invocado justo impedimento, tendo sido julgada procedente a nulidade.

7. O Autor naqueles autos, DD, pronunciou-se quanto ao alegado justo impedimento, pugnando pelo seu indeferimento e juntando documentos (certidão a fls. 279 e seguintes).

8. O Autor naqueles autos, DD, apresentou requerimento em 01/06/2010 pugnando pela inadmissibilidade do requerimento apresentado pelo Dr. BB, aqui primeiro réu, ou caso assim não se entendesse, se considerasse não escritos os novos factos alegados e inadmissível o meio de prova junto simultaneamente (conforme melhor consta de fls. 312 e seguintes dos presentes autos).

9. Por despacho proferido na referida ação de processo ordinário n. 1 7/1 0.7TBAMR, datado de 1 1/06/2010, o Mmo Juiz a quo convidou o primeiro Réu a juntar aos autos prova dos factos que alegara, tendo este arrolado a testemunha II, sua funcionária de escritório e o Autor naqueles autos, DD, interpôs recurso do despacho.

10. Por decisão singular do Tribunal da Relação de Guimarães foi dado provimento ao recurso, determinando-se que o Mino. Juiz a quo decidisse o incidente em conformidade com as provas oferecidas aquando da dedução do incidente de justo impedimento.

11. Foi proferido despacho e julgado verificado o justo impedimento, do qual foi interposto recurso, na sequência do que foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 12/01/2012, revogando o despacho que julgou verificado o justo impedimento julgando a contestação extemporânea e ordenando o seu desentranhamento. conforme consta da certidão junta os autos a fls. 5 19 e seguintes cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

12. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães foi notificado ao primeiro Réu em 13/01/2012.

13. Na ação de processo ordinário n.17/10.7TBAMR foi proferido despacho em    26/11/2012 do seguinte teor:"regularmente citado, o réu não apresentou contestação, razão pela qual, nos termos do disposto no artigo 484., n.l do C.P.C, se consideram confessados os factos articulados pelo autor."

14. Na ação de processo ordinário n.17/10.7TBAMR veio a ser proferida
sentença em 08/01/2013, transitada em julgado, nos seguintes termos, no que
concerne à parte dispositiva: em face do exposto, julgo presente ação procedente e,
consequentemente decido:

a) Condenar a ré a realizar as obras e trabalhos tendentes à conclusão da obra e retificação, supressão e eliminação dos vícios, defeitos e desconformidades verificados no prédio urbano supra identificado;
b) Condenar a ré a suportar todas as despesas e encargos que o demandante tenha com o transporte e armazenamento/depósito dos artigos desportivos pelo tempo necessário à realização das obras, danos cujo valor, por, presentemente não poder ser determinado ou quantificado deverá a sua liquidação ser remetida para execução de sentença (cfr. art. 564.° e 569.° do C. Civil e 471.°, n. 1 al. c) e n. 2 e 378.° e ss. todos do Código de Processo Civil.
c) Condenar a Ré a pagar ao demandante, a título de compensação pelos danos de natureza patrimonial, na quantia de € 163 045,87 (cento e sessenta e três mil e quarenta e cinco euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros calculados desde a citação até efetivo pagamento. Custas pela Ré.

15. Após ter conhecimento da ação de processo ordinário n.17/10.7TBAMR
o primeiro Réu informou a Autora que iria dar entrada da contestação e que iria tratar
da questão.


16. O primeiro Réu representava a Autora no processo executivo n.604/09.6TBAMR, no qual peticionava o pagamento de € 94 885,00 e havia sido deduzida oposição à execução, tendo sido o mesmo que acompanhou todo o dossier, bem como foi ele que mediou as negociações com a parte contrária e elaborou os documentos necessários, mormente a declaração de dívida que titulava a execução, bem como a execução propriamente dita que corria termos no tribunal de Amares.

17. A quando da assinatura da declaração de dívida que titulava a execução que correu termos sob o n.604/09.6TBAMR, as partes negociaram já um desconto comercial.

18. A aqui Autora, para além da referida execução n.604/09.6TBAMR, havia instaurado a injunção n.424694/10.4YIPRT contra DD, na qual requeria o pagamento de € 83 830,00 relativos a trabalhos extra por si executados e constantes da fatura n. 100009.

19. Na sequência da sentença referida em 13) e por forma a compensar os créditos com DD a Autora veio a desistir do pedido nos autos de injunção n. 424694/1 0.4Y1PRT, por requerimento datado de 08/03/2013.

20. E a desistir do pedido na execução n.604/09.6TBAMR, desistência
homologada por sentença datada de 21/03/2013.

21.Desistências que DD aceitou por
compensação do crédito resultante da sentença referida em 13).

22. O primeiro Réu renunciou ao mandato por requerimento apresentado na ação n. 17/10.7TBAMR em 07/05/2012.

23. A aqui Autora requereu a junção aos autos da ação n.17/10.7TBAMR procuração por si outorgada a favor do Dr. GG, advogado e da advogada estagiária Dr.a JJ, datada de 08/06/2012.  

24. O gerente e sócio da Autora. AA, requereu na acção n. 17/10.7TBAMR a sua intervenção mediante requerimento subscrito pela sua mandatária Dr.a KK, a quem outorgou procuração datada de 09/02/2012, tendo esta renunciado ao mandato em 07/05/2012.

25.DD deduziu oposição ao incidente de
intervenção que não veio a ser admitido por despacho proferido em 19/10/2012.


26. No processo que correu termos no Tribunal Judicial de Amares com o n. 574/09.0TBAMR, o primeiro Réu apresentou requerimento datado de 08/04/2010 invocando justo impedimento.

27.A Ré, CC SA, celebrou com a Ordem dos Advogados de  Portugal   um  contrato  de  seguro de  responsabilidade  civil  profissional, titulado pela apólice de seguro n…., pelo qual assumiu, nos termos expressamente definidos nas condições particulares do contrato, perante o Tomador de Seguro (Ordem dos Advogados), a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade de advocacia conforme regulado no estatuto da Ordem dos Advogados, desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor), garantindo, até ao limite de capital seguro expressamente previsto nas referidas condições particulares da apólice de seguro, o pagamento de indemnizações "pelos prejuízos patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados", sendo o limite indemnizatório máximo contratado para o seu período de vigência/período seguro (0:00 horas do 01 de Janeiro de 2014 às 0:00 de 1 de Janeiro de 2015) fixado em € 150 000,00; sendo a esta quantia, deduzida a correspondente franquia contratual aplicável, igualmente prevista nas Condições Particulares da Apólice, cujo valor ascenderá aos € 5 000,00 por sinistro.

28. Nos termos previstos na alínea a) do artigo 3º das Condições Especiais da apólice …, "Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação".

29.A Ré teve conhecimento do sinistro dos autos com a citação para a presente ação, que ocorreu em 01 de outubro de 2014,

30. O primeiro Réu padeceu de um período de doença em fevereiro de 2010, tendo sido operado e tendo estado incapacitado de exercer a sua atividade profissional desde 17/02/2010, por um período provável de 7 dias, tendo ainda estado doente na primeira semana de março de 2010, comparecendo a uma consulta em 11/03/2010.

31. Na ação de processo n.17/10.7TBAMR o ali autor DD alegava ter celebrado com a sociedade AA, … L.da aqui A., em 1 de Agosto de 2007, um contrato de empreitada, pelo qual esta se obrigava, "mediante o pagamento do preço de € 600 000,00, a executar a construção de um pavilhão, "composto de dois pisos, com área de armazém de 1 921,70 m2, e de escritórios de 550,00 m2, num total de 2 471,70 m2 de área de construção, a levar a efeito no prédio urbano, composto de lote de terreno para construção urbana, sito no lugar de …, freguesia …, concelho de .., com área de 5 596,50 m2" (cfr. cláusulas 1a e 8ª do contrato de empreitada) devendo a obra estar concluída até 31 de Março de 2008, e que a aqui Autora apenas procedeu à entrega parcial da obra em 22 de Fevereiro de 2009, sem a mesma estar concluída e apresentando ainda defeitos, vícios e desconformidades, faltando realizar diversos trabalhos, DD ter sofrido diversos danos, conforme consta da petição inicial junta a fls. 81 e seguintes.

32. A Autora obrigou-se, nos termos do contrato de empreitada celebrado com
DD, junto a fls. 113 e seguintes, e cujo teor aqui se dá por integralmente
reproduzido, a "executar integral e cabalmente a totalidade da identificada obra, de
acordo com o projeto aprovado, comprometendo-se a fornecer mão-de-obra,
equipamentos, materiais e acompanhamento técnico, e a executá-la em conformidade
com as melhores regras e técnicas de construção" (cláusula segunda); a realizar
"todos os trabalhos de construção civil, prestação de serviços, fornecimentos de
materiais e de equipamentos necessários e indispensáveis à integral execução do
edifício a que se reporta a cláusula primeira - construção do pavilhão já melhor
descrito supra - incluindo escavações, contenções periféricas, assentamento de
fundações diretas e/ou indiretas, estruturas, betonagens, coberturas,
revestimentos, instalações técnicas, equipamentos e tudo o mais que se revelar
necessário e indispensável à concretização dos referidos objetivos" sendo também
sua responsabilidade a execução dos arranjos exteriores, designadamente, a vedação
do muro do logradouro e a respetiva pavimentação e marcação dos lugares de
estacionamento, nos termos que constantes do projeto e orçamento anexo (cláusula
terceira); a "colocar em obra para a perfeita e integral execução da ora contratada
empreitada os necessários e adequados meios humanos e equipamentos", sendo que
"os materiais e equipamentos a colocar e a empregar pelo empreiteiro em obra e a
incorporar na edificação a erigir terão a qualidade, dimensões, forma e demais
características adequadas e, na sua omissão, os designados normativos, regras de
arte aplicáveis e respetivos documentos de homologação" (cláusulas quarta e
quinta).

33.       Nos termos do contrato de empreitada celebrado entre a aqui Autora e
DD a obra deveria ser realizada e concretizada até ao prazo limite do dia 31 de Março de 2008 (cláusula décima quinta) e na eventualidade de serem ultrapassados os limites temporais aí previstos, quer no que respeita à conclusão e entrega definitiva da obra. quer dos prazos parcelares que ficariam a constar do plano de trabalhos integrante do caderno de encargos, seria permitido ao dono da obra resolver o contrato (clausula décima sétima).

34.Foi expressamente estipulado entre as partes um prazo de garantia de 5
anos, contra vícios e defeitos ocultos de construção dos trabalhos realizados na
presente empreitada, o qual iniciar-se-ia na data da respetiva receção e aceitação
sem reservas da obra pelo dono de obra, DD (cláusula vigésima sexta).

35. DD enviou à Autora cartas datadas de 15/01/2009, 14/04/2009, 15/04/2009, 20/10/2009 e 6/11/2009. juntas a fls. 122 a 138, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 

36.LL, assinou o documento denominado "declaração", junto a fls. 139, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

37. O primeiro Réu manteve uma relação profissional durante de cerca de 5
anos com AA.


38. Após a contestação da parte contrária no processo executivo n.
604/09.6TBAMR, o primeiro Réu foi aconselhando a Autora a negociar com DD, reunindo por várias   vezes   com   os   representantes   deste,   no   sentido   da compensação de créditos e avaliação das diferenças compensatórias.


39. Após reunião com o mandatário de DD, que lhe comunicou que face à não contestação na ação de processo ordinário n.17/10.7TBAMR as negociações para acordo não deveriam continuar pois já havia uma garantia potencial de compensação de créditos, o primeiro Réu ligou ao gerente da Autora para comparecer no escritório.

40.Tendo o gerente da Autora comparecido no escritório do primeiro Réu, este questionou-o acerca da ação e o gerente da Autora afiançou que se tratava da ação que já tinha deixado no escritório do Réu, dizendo que tinha falado do processo ao Réu e tinha deixado documentos no escritório.

41. O gerente da Autora foi a casa, regressando ao escritório do primeiro Réu com cópia da citação para o processo 17/10.7TB AM R que lhe entregou, tendo este elaborado a contestação e invocado o justo impedimento»

3. O direito aplicável:

O problema que a Recorrente apresenta para justificar a revista excecional – a eventual responsabilidade de um advogado pelo denominado dano da perda de chance – corresponde, na realidade, a um tipo de questão de grande relevância jurídica (tanto pela frequência com que se tem colocado nos tribunais, como pela própria complexidade da matéria).

           Todavia, quando se entra na análise detalhada do objeto do recurso (para além do filtro da Formação), constata-se que no caso concreto está em causa, antes de mais, uma questão de julgamento da matéria de facto, que condiciona o conhecimento da subsequente matéria de direito, ou seja, a eventual responsabilização do 1º Recorrido.

3.1. Nas longas conclusões das suas alegações, a Recorrente dedica-se, maioritariamente, a discorrer sobre a matéria de facto, particularmente sobre a prova testemunha (por exemplo, do ponto 12 ao ponto 25, pontos 32, 36, 37), bem como à apreciação crítica do julgamento que as instâncias fizeram da matéria de facto (sobretudo nos pontos 45 a 54).

            Ora, sobre os factos que as instâncias consideraram provados e sobre as razões de ciência que conduziram a tais conclusões não pode o Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se, como resulta claramente da opção legislativa que se verteu nas seguintes normas:

Art. 682º do CPC:

1 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

2 - A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º.

3 - O processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.

            Estabelece o art.674º, n. 3 do CPC: “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

           

Quanto à importância que a decisão recorrida dispensou à matéria que se considerou provada pelo TRG, no recurso interposto no proc. n.17/10.7 TBAMR.G1 (referido no ponto 51 das conclusões das alegações da Recorrente), nada há a censurar. O que o TRG apreciou nesse recurso foi a questão de saber se a justificação apresentada pelo advogado da ré nesses autos, ou seja, o 1º Réu/Recorrido nos presentes autos (traduzida no facto de ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica no último dia do prazo para apresentar a contestação) constituía ou não justo impedimento à apresentação atempada da contestação. Não se discutiu nesse recurso a questão de saber se o 1º Recorrido foi mandatado pela Recorrente para contestar aquela ação já depois de ter terminado o prazo legal para esse efeito (questão que está em causa nos presentes autos).

Não existindo insuficiência ou contradição no julgamento da matéria de facto, nem violação de regras processuais respeitantes à adequação dos meios probatórios, a matéria fáctica que as instâncias deram como assente não pode ser alvo do recurso de revista.

Assim, tendo as instâncias concluído (vd. supra pontos 4 e 6 do Relatório da presente decisão) que não se fez prova da data em que a Autora/Recorrente mandatou o Réu/1º Recorrido para contestar a referida ação, não se sabendo, assim, se foi antes ou depois de o prazo legal para o efeito já ter decorrido, não pode o STJ decidir sobre tal matéria.

Em resumo, tendo por base a factualidade provada, cujo julgamento não pode ser alterado pelo STJ, face às regras estabelecidas nos artigos 682º e 674º, n.3 do CPC, vejamos se as questões de direito podiam ter sido decididas de modo diferente.

3.2.  Como consta da factualidade provada, a Recorrente mandatou o 1º Recorrido, na qualidade de advogado, para contestar uma ação [Proc. n.17/10.7 TBAMR], cujo prazo terminava a 17.02.2010. A contestação deu entrada em juízo no dia 15.03.2010, tendo a procuração data de 19.03.2010, e o Recorrido invocou justo impedimento, traduzido no facto de ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica. Todavia, a invocação do justo impedimento veio a ser considerada improcedente, com o consequente desentranhamento da contestação, e a agora Recorrente veio a ser condenada nessa ação.

Nos presentes autos, a Recorrente/Autora pretende que os Recorridos [advogado e sua seguradora] sejam responsabilizados pelos danos que sofreu naquela outra ação, e não teria sofrido se a contestação tivesse sido atempadamente apresentada; e alega que mandatou o 1º Recorrido antes de ter terminado o prazo para apresentar aquela contestação, ou seja, 17.02.2010.

O 1º Recorrido defendeu-se alegando que a Recorrente o mandatou já depois de aquele prazo estar ultrapassado.

As instâncias concluíram que não se provou a data em que o 1º Recorrido foi mandatado para contestar a ação; não se sabendo, portanto, se foi antes ou depois de o prazo ter terminado.

Como se entendeu no acórdão recorrido, cabia à Autora/Recorrente, nos termos do art.342º, n.1 do Código Civil, o ónus de provar esse facto.

A prova daquele facto era de crucial importância para se poder concluir se existiu ou não incumprimento (ou cumprimento defeituoso) do mandato.

Não basta invocar a existência da presunção de culpa prevista no art.799º do CC, como faz a Recorrente, pois essa presunção respeita apenas a um dos pressupostos da responsabilidade contratual, precisamente a culpa.

Antes de se poder concluir se o devedor da prestação convencionada faltou culposamente ao cumprimento (art.798º CC), é necessário concluir se ele faltou, efetivamente, ao cumprimento devido, ou seja, a realização da prestação que permitiria alcançar a satisfação do interesse do credor.  Para tal seria necessário saber se, no momento em que o Recorrido foi mandatado para contestar a ação (momento que não se confunde com a data da procuração, podendo coincidir ou não), o prazo para esse efeito já se tinha esgotado.

Se esse prazo ainda não tivesse decorrido, a prestação teria sido legalmente possível, pelo que se passaria à análise dos demais requisitos da responsabilidade contratual, nomeadamente a culpa, o nexo de causalidade e o dano (a eventual perda de chance).

Se o prazo para contestar já estivesse ultrapassado (mesmo incluindo o prazo adicional com multa), a prestação pretendida pelo mandante já não seria legalmente possível (embora o fosse materialmente), pois o tribunal rejeitaria o articulado apresentado[1]. Em tal hipótese ainda seria de questionar se o mandante conhecia essa consequência legal e, mesmo assim, se teria assumido a “alea” de “tentar a sorte” para ver se a contestação seria recebida (mas tal questão já extravasaria o objeto do recurso e não existe prova nesse sentido).

Assim, não sendo possível saber se houve ou não omissão do comportamento devido, falha a verificação do primeiro requisito para a eventual responsabilização do 1º Recorrido. E, como supra referido, o ónus de demonstrar a existência desse requisito cabia à Recorrente/Autora, pois é esta quem invoca o direito a uma indemnização (art.342º, 1 do CC).

Conclui-se, com base nas razões supra enunciadas, que a decisão em revista não merece censura, porquanto fez a correta aplicação das regras de direito substantivo e de direito processual pertinentes.

DECISÃO: Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 19 de dezembro de 2018

Maria Olinda Garcia (Relatora)

Catarina Serra

Salreta Pereira

______________________

[1] Não cabe no âmbito do presente recurso (porque a questão não foi suscitada) saber se o 1º Recorrido, enquanto advogado, tomou a atitude certa ao aceitar o mandato para contestar quando, na sua versão, o prazo legal já se encontrava ultrapassado (procurando “aproveitar” o justo impedimento: ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica), ou se o comportamento correto devia ter sido o de se abster de usar esse “expediente”.