Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B2640
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: ELECTRICIDADE
CONDUÇÃO DE ELECTRICIDADE
RISCO
FORÇA MAIOR
ART.509º DO CCIVIL
Nº do Documento: SJ200711080026407
Data do Acordão: 11/08/2007
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :

1 – Porque a condução e entrega de energia eléctrica é uma actividade perigosa, a lei impõe – art.509º, nº1 do CCivil - que quem beneficia dessa mesma actividade, suporte – objectivamente – os respectivos riscos, reparando os danos ou prejuízos consequência do seu exercício.
2 – Só assim não será se os danos forem devidos a causa de força maior, nos termos em que a define o nº2 do mesmo artigo, ou seja, algo que, embora previsível, não é susceptível de ser dominado pelo homem.
3 – Se um raio, um simples raio, pode não ser – não é – susceptível de ser dominado pelo homem, se esse homem for o simples consumidor de energia eléctrica, já não pode aceitar-se que esse mesmo simples raio não seja “dominável” por uma empresa como a ré, cujo objecto negocial é exactamente a produção, o transporte e a distribuição de energia.
4 - A menos que o raio fosse um “especial” raio, fora de toda e qualquer previsão de uma empresa como a ré, em pleno século XXI .
5 - Uma rede de condução e entrega de energia eléctrica não pode localizar fora de si própria a existência normal de trovoadas e de raios que, por isso, não podem dizer-se independentes do seu funcionamento e utilização, embora exteriores a ela.
6 – E, por isso, não preenchem o conceito de causa de força maior tal como o define o nº2 do art.509º, como excludente da responsabilidade objectiva prevista no nº1 do artigo.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA, BB, CC, DD, EE instauraram, em 29 de Janeiro de 2003, no Tribunal Cível da comarca de Vila Nova de Famalicão, onde foi distribuída ao 5º Juízo, contra
EN – ELECTRICIDADE DO NORTE, S.A. ( depois EDP DISTRIBUIÇÃO – ENERGIA, S.A. )acção ordinária, pedindo a condenação desta a pagar a cada um deles indemnização ( 46 063,47 euros, 6 353,39 euros, 8 028,85 euros, 17 750,68 euros, 5 410,75 euros, com IVA e juros legais desde a citação na providência cautelar instaurada em 23 de Outubro de 2002 sobre cada uma destas quantias ) pelos danos sofridos em 30 de Setembro de 2002, em consequência de um raio que caiu num poste de alta tensão, danificando-lhes determinados bens e haveres, e no pagamento a cada um deles de 5 000,00 euros, a título de indemnização por danos morais, quantias a que acresçam os respectivos juros legais. E ainda na condenação da mesma EDP a retirar o referenciado poste de alta tensão, que se não encontrava com as regras técnicas em vigor, nem em perfeito estado de conservação.
A ré contestou ( fls.14 ) , afirmando que toda a linha possuía a protecção que se impunha, estando de acordo com as normas técnicas aplicáveis;
a descarga atmosférica produziria os mesmos efeitos, mesmo que existisse cabo de guarda, tratando-se de fenómeno previsível, mas não susceptível de ser dominado em si ou nas suas consequências.
E deduziu, e foi aceite, incidente de intervenção provocada da COMPANHIA DE SEGUROS FIDELIDADE - MUNDIAL, S. A. que, por sua vez, apresentou contestação ( fls.34 ) e juntou a apólice respectiva, alegando que, na anuidade a que o sinistro se reporta, o seguro vigorou com a franquia de “ 30% dos prejuízos indemnizáveis no máximo de 14 963,94 euros por ocorrência para danos materiais, sendo certo que o limite da responsabilidade da interveniente são 99 759,57 euros.
Foi elaborado ( fls.55 ) o despacho saneador e a base instrutória ( com cópia dactilografada a fls.184 ), que não sofreram qualquer reclamação.
Efectuado o julgamento, com respostas nos termos do despacho de fls.258, foi proferida a sentença de fls.267 a 280 que julgou a acção improcedente e absolveu a EDP Distribuição – Energia, S.A. dos pedidos contra ela formulados.
Não se conformaram os autores e dela interpuseram recurso, mas o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de fls.347 a 360, julg|ou| totalmente improcedente a apelação.
De novo inconformados, pedem os autores revista para este Supremo Tribunal.
Alegando a fls.377, apresentam os recorrentes as seguintes CONCLUSÕES:
A. Pelo doc. de fls.246, junto pela ré EN/EDP ( confissão à parte contrária que os AA aceitam e como tal faz prova plena – art.376º, nº1, 352º e 358º, nº1 e nº2 CCivil ) verifica-se que o poste nº6 ( onde se deu o acidente) estava à data do acidente, apenas equipado com isoladores simples, quando deveria estar com isoladores (reforçados) e duplos com 8 elementos (4x4); Prova plena fixada por Lei a esta confissão, e que a 1ª e a 2° Instâncias não consideraram "in casu " (art.722º-2 "in fine " C PC)
B. A R. EN/EDP confessa também na contestação, e a 1ª Instância deu como provado no seu ponto 15°, que em remodelação daquela linha de alta tensão, foi retirado o cabo de guarda/pára raios.
C. Assim, aquela linha de alta tensão estava (e está) totalmente desprotegida - só tendo protecções à distância!
D. O STJ dispõe de elementos de facto suficientes para excepcionalmente alterar a matéria de facto de vários Quesitos, conforme acima se alega nos pontos 2, 3, 7, 8, 9.
E. A resposta ao Q13 (15° da sentença) deve ser excepcionalmente alterada pelo STJ para provado, face a tais elementos probatórios, colhidos logo após o acidente.
F. Os factos dos nºs 16°, 17°, 18°, 19° e 20° da sentença devem também, e por estas razões excepcionais, ser alterados, por haver fundamento concreto para tal, pelo menos para os prejuízos e valores apontados pelo Sr. Juiz da providência cautelar apensa.
G. Estes factos e prova sobre danos reais dos AA. constituem uma contradição sobre decisão de matéria de facto, que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.
H. Se assim se não entender, deve o processo voltar às instâncias por decisão do STJ, pois esta matéria de facto pode e deve ser ampliada ( art.729º - 3º "in fine" CPCivil).
I. Deve ser arbitrada uma indemnização de pelo menos 15.000 euros a cada A., a título de danos morais, face aos factos 21 e 22 da sentença;
J. O Dec. Reg. 1/92 de 18/2 no seu art.136º e seguintes determina um reforço especial das linhas e isoladores de alta tensão, quando atravessem povoações e edifícios ( caso dos autos ), situação que se não verificava "in loco" conforme acima se concluiu em A, B e C.
L. Estava pois, e por mais esta razão, numa situação de ilegalidade e irregularidade, para além de já não ter cabo de guarda/pára raios e outras protecções.
M. A linha de alta tensão em causa foi projectada em 1954 para ter cabo de guarda (vide fls. 243 quando se fala em cabo de terra) e a ré EDP/EN remodelou a linha em 1989, retirou o cabo de guarda, que não justificou no plano técnico tal decisão (vide fls. 246 e 247). Não juntou aos autos, memória descritiva e justificativa de tal empreitada de remodelação e decisão de retirada (vide acta de fls.248 e 249) - agiu assim com culpa grave e subjectiva.
N. Deixou assim a linha mais desprotegida e como tal irregular e ilegal (situação que se mantém).
O. A ré EDP/EN mantinha e mantém ainda hoje aquela linha de alta tensão, sem todas as protecções técnicas que a protejam de descargas eléctricas atmosféricas, o que é um perigo constante e daí o fundamento da alínea I) do pedido da p.i. inicial ( que a toda poderosa EN/EDP, como soberana e detentora do monopólio da energia deste País, se recusa a retirar - Esperamos que o STJ tenha a coragem de inverter esta situação ).
P. Os arts.509º-1º e 493º-2º CCivil estabelecem uma presunção legal, que a R. poderia ilidir e não o fez. O ónus de provar que a linha em causa tinha todas as protecções, não foi feito pela R.
Q. O Ac. do STJ de 3.10.2002 junto com a Providência Cautelar a fls. 64 a 79 não tem paralelo com o presente caso, pois existia "electrodo/cabo de guarda/terra ...e a linha obedecia à boa técnica " e mesmo assim deu-se o acidente ( art.509º -1º "in fine" CCivil ), o que não é o caso dos autos;
R. A doutrina do Ac. do STJ 25.03.2004 - in CJ, I, págs.149 e l50 , tem plena aplicabilidade ao presente caso, pelas razões de segurança dos cidadãos em idênticas situações, razoabilidade e Justiça social ( quem são os AA. perante a toda poderosa EDP!...) que lhe estão subjacentes.
Contra – alegando a fls.395, a recorrida EDP Distribuição – Energia, S.A. por sua vez:
1 – Não se verificam os pressupostos a que alude o nº2 do art.722º do CPCivil, admitindo a recorrida que é com base em tais pressupostos que os recorrentes impugnam o acórdão do TRPorto;
2 - No documento junto aos autos a folhas 246 a recorrida refere-se a isoladores simples e duplos, não resultando desta designação que uns são reforçados e outros não;
3 - O documento em causa foi apenas um dos meios de prova de que se serviu o Tribunal de 1ª Instância para julgar o pleito, sendo que o conteúdo e o significado técnico das realidades nele referidas foram devidamente esclarecidos por reputados técnicos em audiência de julgamento;
4 - O Tribunal de 1ª Instância formou a sua convicção nos diversos elementos de prova carreados para os autos e não teve qualquer dúvida em reconhecer a regularidade e conformidade das instalações eléctricas da EDP com a legislação aplicável;
5 - As questões suscitadas pelos recorrentes nas suas conclusões não cabem no âmbito de apreciação do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. arts.721° e 722° do CPCivil), sendo certo que os recorrentes não dão cumprimento ao estatuído no nº2 do artigo 690° do CPCivil.
6 - A recorrida EDP logrou ilidir a presunção de culpa a que alude o nº1 do artigo 509° do CCivil, pois além de ter resultado provado que as linhas se encontravam em perfeito estado de conservação, igualmente se demonstrou que não sofriam de qualquer desconformidade com os regulamentos aplicáveis;
7 - Mais se provou que o acidente dos autos se ficou a dever a uma descarga atmosférica directa na linha de 60 KV (60 000 volts) que fracturou uma cadeia de isoladores e um dos condutores da linha, vindo este a cair sobre uma linha de 15 KV e de uma outra de baixa tensão;
8 – Os danos verificados nas instalações dos recorrentes ficaram, pois, a dever-se a um fenómeno considerado como de força maior a que a recorrida EDP não podia obstar.
Contra – alega também a recorrida Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, S.A. pugnando também pelo acerto do acórdão recorrido e consequente confirmação.
Estão corridos os vistos legais.
Serão os factos | fixados pelas instâncias | os factos?
São. E para eles se remete ao abrigo do disposto no art.713º, nº6, aplicável por força do que dispõe o art.726º, ambos do CPCivil.
E são, porque são improcedentes as conclusões A a F da alegação de recurso.
Como se sabe - e resulta do estipulado nos arts.26º da Lei nº3/99, de 13 de Janeiro ( LOFTJ ) e 722º e 729º, nº1 do CPCivil - o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é, em regra só conhece da matéria de direito.
Em consequência está-lhe vedado, à partida, sindicar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa por parte da Relação.
Só assim não acontecerá, podendo ser alterada pelo STJ a decisão quanto à matéria de facto, se houver “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” – art.722º, nº2, 2ª parte.
Ora, não há em relação a qualquer dos factos procurados nos vários quesitos cujas respostas os recorrentes pretendem ver alteradas qualquer disposição da lei que exija uma certa espécie de prova para prova, passe o pleonasmo, do facto afirmado na resposta, como não há também qualquer prova na qual se possa fundar, sem controvérsia, uma resposta diferente daquela que foi dada.
Os factos afirmados estão, portanto, dentro da livre convicção do julgador, e a decisão de facto é – repete-se – domínio exclusivo das instâncias – ao STJ compete aceitar o facto tal como vem fixado no acórdão recorrido.
O que se impõe, agora, é que a esse facto aplique o direito. Basicamente o direito que nos vem fornecido pelo art.509º, nº1 e 2 do CCivil.
Assim:
1. Aquele que tiver a direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega de energia eléctrica ... e utilizar essa instalação no seu interesse, responde pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade ..., como pelos danos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.
Não importará aqui, como eventual fonte de responsabilidade civil, a questão da instalação pois se provou que – ponto 43 da matéria de facto – ao tempo do acidente as linhas da EDP, nomeadamente a LN 60 kv, a LN 15 kv e as linhas de baixa tensão se mantinham em perfeito estado de conservação.
O acidente não foi um problema de instalação.
Mas também, se bem pensamos, não se pode dizer ( como se diz na sentença de 1ª instância em frase depois importada – e assumida - para o acórdão recorrido ) que « no caso sub-specie, os danos sofridos pelos autores não resultaram da condução ou entrega da energia eléctrica ... resultaram isso sim de uma descarga atmosférica que, por sua vez, originou curto-circuitos e incêndios causadores dos danos ».
Não é assim.
Não caiu nenhum raio em cima das casas dos autores. Não entrou nenhum raio na casa dos autores.
O que aconteceu – assim se provou – foi o seguinte:
próximo das casas dos autores existe um poste de alta tensão de condução de energia eléctrica ( 60.000kv), que não tem cabo de guarda;
no dia 30 de Setembro de 2002, pelas 1600 horas, ocorreu uma trovoada no local;
de repente uma faísca caiu sobre | esse | poste;
deu-se uma grande explosão;
o poste entrou em sobrecarga eléctrica;
um cabo/condutor e o fusível do dito poste, partiram-se;
o cabo de alta tensão caiu sobre a linha de média e baixa tensão e o telhado da casa do autor AA, que entrou em curto-circuito e sobre tensão, tendo ardido a instalação eléctrica;
a rede de distribuição de energia de baixa tensão aos domicílios, entrou também em sobrecarga e curto-circuito;
os contadores de energia que os autores têm à entrada das suas casas, explodiram e começaram a arder.
a energia de pelo menos 15.000 volts entrou assim directamente nas casas dos autores, provocando vários danos interiores, designadamente estragando electrodomésticos ligados à corrente eléctrica, quadros eléctricos, instalações eléctricas e de água.
O que entrou nas casas dos autores - e directamente! - foi a energia de 15 000 volts. Através exactamente da instalação destinada à condução e entrega da energia eléctrica da qual a ré EDP DISTRIBUIÇÃO – ENERGIA, S.A. faz o objecto do seu negócio.
Ora esta, a da distribuição de energia eléctrica, é uma actividade perigosa.
E porque assim é, é que a lei impõe que quem beneficia dessa mesma actividade, suporte – objectivamente – os respectivos riscos.
É um caso de responsabilidade objectiva. Sem culpa.
Escreve Antunes Varela, Das obrigações em Geral, vol.I, Almedina, 3ª edição, pág.586 – e está sempre a ser citado na doutrina e na jurisprudência – que as empresas que exploram a produção, o transporte, a distribuição de energia eléctrica « como auferem o principal proveito da sua utilização é justo que suportem os respectivos riscos ».
Mas acrescenta, como acrescenta o nº2 do art.509º do CCivil, que não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; consider|ando-se| de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa.
Precisamente: as instâncias concluíram porque esta, este raio, foi uma causa de força maior dos danos sofridos pelos autores, ancorando essa conclusão na noção de causa de força maior como sendo algo que, embora previsível, não é susceptível de ser dominado pelo homem.
Ora, um raio – um simples raio – pode não ser – não é – susceptível de ser dominado pelo homem, se esse homem for o simples consumidor de energia eléctrica, um dos autores.
Mas já não pode aceitar-se que esse mesmo simples raio já não seja dominável por uma empresa como a ré, cujo objecto negocial é exactamente a produção, o transporte e a distribuição de energia.
A menos que o raio fosse um “especial” raio fora de toda e qualquer previsão de uma empresa como a ré, em pleno século XXI – como já escreveu o agora Relator, para a cegonha, na declaração de voto no acórdão deste STJ de 13 de Julho de 2004, CJSTJ, Tomo II, pág.158.
O funcionamento e a utilização de uma rede de distribuição de energia eléctrica não pode localizar fora de si própria a existência normal de trovoadas e de raios.
As trovoadas e os raios não são independentes do funcionamento e utilização da rede de distribuição. Podem ser – são – exteriores, mas não são independentes dessa utilização e funcionamento porque fenómenos naturais comuns e correntes com os quais a empresa que tem o negócio tem que contar em absoluto na montagem dele.
Não preenchem, por isso, o conceito de causa de força maior tal como o define o nº2 do art.509º como excludente da responsabilidade objectiva prevista no nº1 do artigo.
A menos que – admite-se - tivessem algo de especial, algo de fora do comum.
Mas essa excepcionalidade competiria à empresa alegá-la e prová-la e isso não está feito.
Em consequência, a ré EDP ( e a ré seguradora, por força do contrato de seguro ) é objectivamente responsável pela indemnização dos danos sofridos pelos autores.
Que estão provados mas não quantificados.
Provados os danos patrimoniais nos pontos 11º, 12º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º;
provados os danos não patrimoniais em consequência necessária dos factos recolhidos nos pontos 13º, 21º, 22º, 39º e no decurso do tempo que levam já para se verem restituídos ao status quo ante, em tudo o que isso mesmo agrave o seu desamparo e não tenha tradução material directa.
Daí que fixação do montante indemnizatório tenha que ser deixada para o incidente adequado, conforme o que resulta do disposto no nº2 do art.661º do CPCivil.
O montante indemnizatório global terá, naturalmente, um triplo limite:
para cada um dos autores, o montante formulado na petição inicial;
para a ré seguradora, o limite da responsabilidade assumida através do contrato de seguro;
em geral, os limites fixados no art.510º do CCivil e, por remissão deste, no art.508º do mesmo Código.
Em relação, todavia, a este último item haverá necessariamente que dizer o seguinte:
o “acidente” que nos ocupa ocorreu em 30 de Setembro de 2002.
A essa data os preceitos dos arts.510º e 508º tinham uma determinada redacção, que afinal reconduziria os limites indemnizatórios a um montante a definir em função da alçada da Relação.
Hoje, porém, a redacção do nº1 do art.508º, introduzida pelo Dec.lei nº59/2004, de 19 de Março, reza:
a indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
Este diploma, esta alteração da redacção do nº1 do art.508º, dá expressão legislativa a uma interpretação da lei anterior que conduzia à solução de que o art.508º, nº1 do CCivil estaria revogado tacitamente na medida em que a indemnização pelo risco pudesse ter como limite máximo montante inferior ao limite mínimo fixado para o seguro obrigatório automóvel.
A expressão jurisprudencial “definitiva” dessa mesma revogação veio a ser fixada no acórdão PUJ nº3/2004, deste Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Março de 2004, publicado na 1ª série do DR de 13 de Maio de 2004, que « visando a uniformização de jurisprudência, consagra a interpretação de que o segmento do art.508º, nº1 do CCivil em que se fixam os limites máximos da indemnização a pagar aos lesados em acidente de viação causados por veículos sujeitos ao regime do seguro obrigatório automóvel, nos casos em que não haja culpa do responsável, foi tacitamente revogado pelo art.6º do Dec.lei nº522/85, de 31 de Dezembro, na redacção dada pelo Dec.lei nº3/96, de 25 de Junho».
Na expressão do seu preâmbulo, este último decreto-lei vem respeitar a obrigação de cumprimento da Directiva nº84/5/CE, de 30 de Dezembro de 1983, « relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis | e que | estabelece, de entre outros critérios, que o montante global mínimo para danos corporais e materiais por sinistro pelos quais o seguro é obrigatório seja equivalente a 600 000 ECU ».
E se o Estado Português a não cumpriu antes porque « o Tratado de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias consagrou, no entanto, um período derrogatório até 31 de Dezembro de 1995 para se alcançar o referido montante de capital mínimo », a verdade é que foi sucessivamente aproximando os montantes de capital mínimo do seguro a essa obrigação de concordância final, obtida com o Dec.lei nº3/96.
Veja-se o preâmbulo do Dec.lei 18/93, de 23 de Janeiro, o último a alterar os montantes do art.6º do Dec.lei nº522/85, antes do Dec.lei nº13/96 ( no caso para 35 000 000$00 por lesado e 50 000 000$00 no caso de coexistência de vários lesados ): « o presente diploma vem dar cumprimento a essa obrigação | a obrigação da Directiva nº84/5/CE |, tendo como objectivo a aproximação progressiva do limite acima enunciado ».
O que significa que a revogação tácita de que acima se fala também se cumpre nos limites da aproximação sucessiva que conduziu ao cumprimento integral da Directiva pelo Dec.lei nº3/96.
E conduz a que os limites do risco a que se tem que atender aqui são iguais aos que o seguro automóvel obrigatório fixava à data do “acidente” como limites mínimos, cuja última alteração ocorrera com a entrada em vigor do Dec.lei nº301/2001, de 23 de Novembro, no dia seguinte ao da sua publicação.
Resta acrescentar:
aos montantes indemnizatórios que vierem a ser fixados acrescerão juros de mora legais contados desde a notificação da quantificação que os autores fizerem no adequado incidente de liquidação, ma vez que este incidente abre a porta para a quantificação ser feita ao momento em que for deduzido – veja-se, neste sentido, o acórdão deste STJ de 28 de Janeiro de 1997 ( Silva Paixão ) , CJSTJ, T1, pág.83
o pedido formulado pelos autores de « condenação da mesma EDP a retirar o referenciado poste de alta tensão, que se não encontrava com as regras técnicas em vigor, nem em perfeito estado de conservação » tem, naturalmente, que improceder atento o que resulta de tudo o que vem dito: que a responsabilidade da EDP é apenas e só uma responsabilidade objectiva uma vez falece a culpa necessária a uma imputação subjectiva do dano.

D E C I S Ã O
Na parcial procedência do recurso, concede-se a revista e, revogando em parte a decisão recorrida, condenam-se a ré EDP DISTRIBUIÇÃO – ENERGIA, S.A. ea interveniente COMPANHIA DE SEGUROS FIDELIDADE - MUNDIAL, S. A. a, solidariamente, e com os limites acima definidos, pagarem aos AA, BB, CC, DD e EE as quantias que vierem a liquidar-se no adequado incidente de liquidação, às quais acrescerão os juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação da quantificação efectuada até integral pagamento.
No mais vão as rés absolvidas.
Custas provisoriamente a suportar pelos autores e pelas rés, na proporção de metade para cada grupo, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam os autores.
Lisboa, 08 de Novembro de 2007

Pires da Rosa (Relator)
Mota Miranda
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Custódio Montes **
Alberto Sobrinho *

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*(Vencido, pois considero que o raio integra, no caso vertente, causa de força maior, face ao disposto no nº 2 do artº 509º C.Civil, e, como tal, negaria a revista e confirmaria a revisão recorrida.)

**Vencido pelos seguintes fundamentos:
a lei define caso de força maior.
diz, de facto, o nº 2 do artº 509º do CC que se considera "força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa".
E o nexo causal é quebrado "se os danos não forem efeito adequados dos riscos próprios da actividade" -STJ de 15.7.72, citado por Rodrigues Bastos, Notas ao CC, Vol. II, pág. 315.
Ora, vem demonstrado que o raio- não um "simples raio", como se diz no acórdão - caiu sobre o poste de alta tensão de energia eléctrica (60.000Kv), provocou uma grande explosão, determinando que o poste entrasse em sobrecarga eléctrica, partindo-se um cabo/condutor e o fusível do poste, caindo o poste de alta tensão sobre o poste de baixa tensão e o telhado de casa do autor, entrando em curto-circuito e sobretensão, ardendo a instalação eléctrica; vem ainda demonstrado que o raio rompeu uma cadeia de isoladores e um dos condutores a ela ligado, impedindo o funcionamento dos descarregadores de sobretensões que equipavam a LN 15 KV.
Ou seja, foi essa destruição que impediu que a protecção, de que estava dotada a linha, fosse accionada e impedisse os danos ocorridos na casa dos AA.
Esse facto é exterior ao funcionamento da distribuição da electricidade, não sendo efeito adequado dos riscos próprios do seu transporte e entrega.
Por isso, à face do artº 509º, 2 do CC, tem de considerar-se "causa de força maior".
Com esta matéria de facto provada, negaria a revista e confirmaria a decisão recorrida.