Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3396/14.3T8GMR.2.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: REFORMA DE ACÓRDÃO
CUSTAS
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
SENTENÇA
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
TAXA DE JUSTIÇA
TEMPESTIVIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
COMPETÊNCIA
DECISÃO FINAL
Data do Acordão: 03/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: DEFERIDA A DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA NAS INSTÂNCIAS DE RECURSO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Nos recursos (que para efeitos do RCP se consideram processo autónomo – art. 1º, nº 2) a taxa de justiça “é sempre fixada” ou, “é fixada” nos termos da tabela I-B, tal como preceituam os nºs 2, dos arts. 6º e 7º, do Regulamento.

II - Verificando-se o exagero ou desproporcionalidade entre a taxa remanescente e a especificidade da situação (complexidade da causa e trabalho produzido) há sempre a possibilidade de ser requerida, ou decidida oficiosamente, a dispensa (total ou parcial) do pagamento dessa taxa remanescente, ao abrigo do nº 7, do art. 6º, do RCP.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.



AA requereu incidente de liquidação de sentença contra Riopele – Têxteis, SA., respetivamente, Autor e Ré na ação principal, ao abrigo do disposto no art.º 358.º, n.º 2, do CPC.

Prosseguindo os autos seus termos, foi proferido por este STJ acórdão com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista e revogar o acórdão recorrido, repristinando-se o decidido pela 1.ª instância.

Custas pelo recorrido, por ter ficado vencido (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC)”.

Vem agora o recorrido:

ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento de Custas Processuais (CP) e no artigo 616.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 679.º e 666.º, n.º 1, do mesmo diploma –, requerer a REFORMA DA DECISÃO QUANTO A CUSTAS, NA MODALIDADE DE DISPENSA DO REMANESCENTE”.

Alega:

Em primeiro lugar, os presentes autos tratam de um incidente de liquidação.

Nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 4, do RCP, os incidentes estão sujeitos ao pagamento da taxa de justiça fixada na Tabela II.

Ora, a Tabela II do RCP na sua parte final, ao contrário da Tabela I do RCP, não prevê qualquer pagamento de remanescente de taxa de justiça acima do limiar de € 275.000,00”.

Em segundo lugar, este raciocínio não se altera pelo facto de estarmos perante um recurso, pois as normas dos artigos 6.º, n.º 2 e 7.º, n.º 2, do RCP, que determinam que aos recursos a taxa de justiça é fixada pela Tabela I-B, também não são aqui aplicáveis.

É que a Tabela I-B apenas deve ser aplicada em sede de recurso, quando, na primeira instância, se aplique a Tabela I-A a essa acção.

É dizer: a Tabela I-B só pode aplicada aos recursos a cuja acção era aplicável a Tabela I-A.

O que, conforme já demonstrado, não é o caso dos autos (aos incidentes, incluindo incidentes de liquidação, aplica-se a Tabela II, cfr. artigo 7.º, n.º 4, do RCP)”.

“E, em terceiro lugar e sem prejuízo de tudo quanto se referiu, sempre se diga que as circunstâncias do caso concreto imporiam a dispensa do remanescente da taxa de justiça, por referência a todas as Instâncias intervenientes nos autos, nos termos e para os efeitos do disposto o artigo 6.º, n.º 7, do RCP”.

Termos em que deve a presente reforma ser admitida e considerada procedente e, em consequência, ser o Recorrido dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça”.

Notificado o Magistrado do Ministério Público pronunciou-se dizendo:

- Parece-nos estar fora de causa, ao contrário do que pretende o requerente, a aplicação, ao caso dos autos da tabela II A ou II B, do RCP.

- A tabela a aplicar, nesta fase de recurso, ao procedimento instaurado pelo requerente é a da Tabela I – B do RCP.

- Nos termos do n.º 7, do artigo 6.º, do RCP, o M.ºP.º não se opõe a que, nesta fase de recurso seja dispensado o pagamento, pelo recorrido, do remanescente da taxa de justiça, atendendo à simplicidade da questão submetida à apreciação do STJ.


*


Conhecendo:

Os presentes autos tratam de incidente de liquidação de sentença.

O valor processual fixado é de 330426,39€.

O acórdão pretendido reformar quanto a custas, nesta matéria, apenas refere “Custas pelo recorrido, por ter ficado vencido”, sem se pronunciar sobre a taxa remanescente.

Nos termos do nº 7 do art. 6º do RCP o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta exceto se o juiz, de forma fundamentada, o dispensar, total ou parcialmente.

O requerente termina o seu requerimento pedindo que seja dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

É sobre este pedido que o Tribunal tem de se pronunciar, em termos de procedência (total ou parcial) ou, improcedência.

No entanto, o requerente alega que, no caso, não se aplica a tabela I-B e, não há lugar a remanescente.

É certo que deve ter-se em conta a regra especial estabelecida no art. 7º, n.º 4, do RCP, que tem aplicação, como é o caso, em processos de incidentes, mesmo que corram por apenso, mas apenas na 1ª Instância.

O nº 4 do referido art. 7º tem aplicação em decisões da primeira instância, mas já não tem aplicação em fase de recursos (quando admissíveis) sendo que a taxa de justiça é determinada de acordo com a tabela II para a o decidido na 1ª Instância e de acordo com a tabela I-B para o decidido em recurso.

Atualmente (vigência do RCP) a taxa de justiça corresponde à contrapartida devida pelo impulso processual de cada parte, sendo fixada em função do valor e complexidade da causa – Cfr. art. 6º, n.º 1, do RCP e art. 529º, n.º 2, do CPC.

E o art. 1º do RCP, no seu n.º 2 refere que a taxa de justiça incide sobre cada processo autónomo tributável, considerando-se como tal, cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso.

O art. 6º do RCP estabelece as regras gerais de fixação da taxa de justiça correspondente ao caso concreto e, o art. 7º do mesmo diploma estabelece as regras especiais, sendo que as regras gerais abarcarão todas as situações não previstas nas regras especiais.

O nº 2 do art. 7º tem aplicação nos recursos interpostos nas ações a que se reporta o nº 1, quer sejam processos especiais com aplicação das taxas previstas na tabela I, quer sejam os casos previstos expressamente na tabela II.

Como dizem as normas legais dos nºs 2, dos arts. 6º e 7º, do Regulamento, nos recursos (que para efeitos do RCP se consideram processo autónomo – art. 1º, nº 2) a taxa de justiça “é sempre fixada” ou, “é fixada” nos termos da tabela I-B.

Desta interpretação, com cabimento na letra e no espírito do RCP, resulta que o legislador usou a taxa de justiça como meio dissuasor de interposição de recursos nos processos expressamente referidos na tabela II, entendendo que nesses processos (incidentes e procedimentos cautelares, entre outros aí discriminados), em princípio, não se justificará a fase de recurso porque não põem termo ao processo. Não seguimos o entendimento de José António Coelho Carreira in Regulamento das Custas Processuais anotado, 2ª ed., pág. 161 ao referir que a aplicação das taxas da tabela I-B aos recursos de todos os processos “terá tido como objectivo único um aumento substancial da receita”.

E refere este autor, “a opção do legislador em determinar sempre a fixação da taxa de justiça nos recursos pela tabela I-B do Regulamento tem como consequência o facto de, para muitos dos processos previstos na tabela II do Regulamento, a taxa de justiça do recurso ser superior à do próprio processo”.

Também Salvador da Costa in As Custas Processuais- Analise e Comentário, a pág. 127 refere que “resulta dos artigos 6º, nº 2 e 7º, nº 2, que a taxa de justiça nos recursos é sempre fixada nos termos da tabela I-B…” e especifica a pág. 130 que “a taxa de justiça devida nos recursos de decisões proferidas nas espécies processuais constantes da tabela II é calculada com base na tabela I-B, do que pode resultar ser a taxa de justiça do recurso superior à da causa”.

Assim, entendendo as partes que se justifica e é admissível o recurso, este será taxado nos termos normais para os recursos, aplicando-se sempre as taxas da tabela I-B, como preceituam os arts. 6º, nº 2 e 7º, nº 2, do RCP. O art. 6º, nº 2 refere “nos recursos a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B”, utilizando o art. 7º, nº 2, “é fixada”.

O legislador entendeu que a tabela a aplicar na fase de recurso, independentemente do tipo de processo autónomo, é sempre a tabela I-B (o art. 1º, nº 2, indica os que considera como processo autónomo para efeitos do Regulamento).

E verificando-se o exagero ou desproporcionalidade entre a taxa remanescente e a especificidade da situação (complexidade da causa e trabalho produzido) há sempre a possibilidade de ser requerida, ou decidida oficiosamente, a dispensa (total ou parcial) do pagamento dessa taxa remanescente.

Nos termos do art. 1º, nº 2, do RCP e para efeitos do que o Regulamento dispõe, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria. Para efeitos de custas, no processo há autonomia entre a fase em que corre na 1ª Instância, a fase em que corre na Relação e a fase em que corre no STJ, donde resulta não haver qualquer incompatibilidade ou inconsistência do sistema que,  nos incidentes seja aplicada a tabela II quando o procedimento corre na 1ª Instância e aplicada a tabela I-B quando o procedimento se encontra em fase de recurso (Relação ou STJ).

Face ao que dispõe o art. 1º, nº 2, do RCP, o contador quando elabora da conta, atende autonomamente às diversas fases que o processo percorreu e não conta a fase do recurso em função das taxas da tabela correspondente para a 1ª Instância, isto é, conta as fases de recurso independentemente das taxas e tabela pelas quais foi contada a fase da 1ª Instância.

Pelo que nada impede que nos procedimentos cautelares e incidentes (e outros) se aplique a tabela II -A na 1ª Instância e a tabela I-B nos recursos.

Este é o entendimento que verificamos ser seguido no STJ, em acórdãos proferidos, onde apenas se pronunciam sobre a dispensa ou não, do pagamento da taxa remanescente, tendo como isento de dúvidas que as taxas aplicáveis, nos recursos em procedimentos cautelares ou incidentes, são as da tabela I-B.

Veja-se o Ac. do STJ, 12-12-2013, no Proc. 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1ao referir: “1. A cobrança de mais de €150.000 como contrapartida de tramitação processual, inserida no âmbito de procedimento cautelar – embora de valor muito elevado e reportado a relações jurídicas de grande complexidade substantiva - que se consubstanciou essencialmente na emissão e confirmação de um juízo de inadmissibilidade de um recurso de apelação violaria os princípios da proporcionalidade e da adequação, erigindo-se, por isso, em ilegítima restrição no acesso à justiça”. E aplicou a norma contida no nº 7 do art. 6º do RCP, dizendo que se interpreta tal regime normativo em termos de estar facultado ao juiz, quando entenda justificada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, graduar a proporção dessa dispensa, em função da apreciação casuística da especificidade da situação em causa.

E no mesmo sentido o Ac. do STJ de 26-02-2019, no Proc. 3791/14.8TBMTS-Q.P1.S2, que no incidente de liquidação em processo de execução referiu e relativamente às custas “O requerimento de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7 do RCP, deve ser formulado antes da elaboração da conta de custas” – (note-se que sobre a oportunidade  do requerimento de dispensa do pagamento da taxa remanescente se pronunciou este STJ no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022, publicado no DR 1.ª série, de 03 de janeiro de 2022 — Processo n.º 1118.16.3T8VRL-B.G1.S1-A).

Do exposto se verifica não seguirmos o entendimento perfilhado por alguns acórdãos dos Tribunais de Relação que entendem que não faria qualquer sentido aplicar, aos incidentes e outros processos previsto no nº 4 do art. 7º, a tabela II e, aplicar a tabela I quando interposto recurso desses mesmos processos.

Não seguimos o entendimento sufragado no Ac. da Rel. do Porto de 13-01-2020, no Proc. nº 10526/19.7T8PRT-A.P1, “nos procedimentos cautelares, ainda que em fase de recurso, a taxa de justiça é determinada de acordo com a tabela II, pelo que não há lugar a pagamento do designado remanescente da taxa de justiça”, e no Ac. da Rel. de Guimarães, de 24-01-2019, no Proc. nº 2589/17.6T8BRG-A. G1 que decidiu: “Assim nos procedimentos cautelares, ainda que em fase de recurso, a taxa de justiça é determinada de acordo com a tabela II, pelo que não há lugar a pagamento do designado «remanescente da taxa de justiça», calculado nos termos do artº 6º, nº 7, sem prejuízo de, se o procedimento revestir especial complexidade o juiz possa determinar, a final, o pagamento de um valor superior, dentro dos limites estabelecidos na tabela II-A”. E no mesmo sentido o Ac. da Rel. Évora de 09-11-2017, no Proc. 2052/15.0T8FAR.E2 e 27-06-2019, no Proc. nº 1489/09.8TBVNO-A.E1.


*


Tendo em conta o exposto, há que analisar a questão suscitada da dispensa de pagamento da taxa remanescente.

Alega o requerente:

O presente incidente não chegou sequer a ser apreciado quanto ao seu mérito, nem foi realizada qualquer diligência.

Na verdade, o incidente foi julgado inadmissível pela 1.ª Instância e foi apenas sobre a sua admissibilidade que se pronunciaram tanto o Tribunal da Relação de …, como o Supremo Tribunal de Justiça.

Foi apresentado apenas um articulado por cada uma das partes (salvo o requerimento de prorrogação de prazo para contestar apresentado pelo Réu, de que não chegou sequer a beneficiar).

Não foi realizada audiência prévia.

Não foram encetadas diligências probatórias.

E não foi realizada audiência de julgamento.

Em sede de apelação e de revista, as Partes limitaram-se igualmente a apresentar cada uma o seu articulado.

E não lhes foi notada qualquer conduta senão a de absoluta cooperação com o Tribunal”.

Porque estamos ante pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na sequência de interposição de recurso de revista nenhum impedimento legal existe ao seu conhecimento, conforme resulta do disposto nos arts 527º, nº 1 e 529º, nº1, ambos do CPC e art. 1º, nº 2 e 6º, nºs 1 e 2 e 7º, nº 2, do RCP, na medida em que, para efeito de sujeição ao pagamento de custas stricto sensu e de taxa de justiça, os recursos são considerados  processos ou procedimentos autónomos, funcionando o princípio da autonomia.

Tendo em conta o Acórdão Uniformizador nº 1/2022, in Diário da República n.º 1/2022, Série I de 2022-01-03, “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.

Sendo que as partes têm conhecimento do teor decisório com a notificação e, a partir dessa notificação sabem se são vencedores ou vencidos (total ou parcialmente) e, se vencidos sabem que têm até ao transito em julgado a oportunidade de requerer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Porque a parte vencedora a final fica dispensada do pagamento da taxa remanescente, conforme art. 14, nº 9, do Reg. das Custas Processuais, o qual é imputado à parte vencida.

Assim a oportunidade, no caso vertente, para requerer a dispensa de pagamento da taxa remanescente era até ao trânsito do acórdão proferido neste STJ, tendo sido apresentado o requerimento em tempo oportuno.

Há que conhecer do requerimento de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, apresentado pelo requerente do incidente de liquidação.


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Vem sendo entendimento da jurisprudência que a norma constante do nº 7 do artº 6º do RCP (Regulamento das Custas Processuais) deve ser interpretada no sentido de o juiz poder corrigir o montante da taxa de justiça quando o valor da ação ultrapasse o montante máximo fixado como limite de cálculo da taxa de justiça com base no valor da causa (€275.000) e, dispensar o pagamento, ou da totalidade ou de uma parte, do remanescente da taxa de justiça devida a final, ponderando as circunstâncias do caso concreto (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), servindo de orientação os princípios da proporcionalidade e da igualdade.

Ou seja, o RCP estabelece um sistema misto de cálculo final da taxa de justiça processual, que assenta somente no valor da ação até um certo limite máximo e na possibilidade de correção da taxa de justiça para menos (dispensa total ou parcial do remanescente) quando se trate de processo de valor tributário assinalável (superior àquele limite máximo de €275.000), e que não seja considerado de excecional complexidade.

O STJ, no acórdão, de 12-12-2013, no Proc. n.º 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1 refere: O Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Dezembro – que sucedeu ao Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro - procurou adequar “o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da Justiça nos respectivos utilizadores”.

E acrescenta, “Esta possibilidade de graduação prudencial do montante das custas devidas nos procedimentos de valor especialmente elevado só veio a ser consagrada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que aditou ao artigo 6.º do RCP um n.º 7 em que, em estreito paralelismo a norma que figurava no artigo 27.º, n.º 3, do CCJ, se prevê: «Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento»”.

No caso dos autos temos que, “Por despacho de 5 de Maio de 2021, entendendo que faltam os pressupostos legais necessários à interposição do presente incidente de liquidação”, foi proferida a seguinte decisão:

Absolvo da instância a ré pela verificação de uma excepção dilatória inominada de inexistência de pressuposto processual necessário à interposição do incidente de liquidação, artigos 577º e 578º do Código de Processo Civil.”

Por outro lado, “O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 16/9/2021, julgou a apelação procedente e revogou a decisão recorrida determinando o prosseguimento dos trâmites do incidente de liquidação”.

Interposto recurso de revista foram suscitadas como questões a decidir: “1. Se há violação de caso julgado;

2. Caso se entenda que o incidente de liquidação pode ser objecto de matéria nova, se o art.º 358.º, n.º 1, do CPC padece de inconstitucionalidade por violação do direito a um processo equitativo”.

Sendo decidido que: “Daqui resulta que o acórdão recorrido violou duplamente o caso julgado:

- por considerar, contra o que havia sido decidido na acção, que a obrigação era ilíquida e que não estava dependente de simples cálculo aritmético;

- e que o incidente de liquidação era o meio apropriado”.

Constando do dispositivo: “Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista e revogar o acórdão recorrido, repristinando-se o decidido pela 1.ª instância.

Custas pelo recorrido, por ter ficado vencido (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC)”.

Nos presentes autos foi fixado à ação o valor de 330426,39 €.

Valor que relevará quando da elaboração da conta final, nos termos do art. 30º, do RCP.

Tendo em conta o valor da ação e as regras processualmente previstas para o cálculo do remanescente temos:

330426,39 – 275000 =55426,39: 25000 = 2,217 (3)

3x1,5 =4,5 x 102 = 459,00€;

A taxa remanescente será no montante de 459,00€, relativamente a cada um dos recursos (apelação e revista).

Sem descurar a taxa de justiça já paga quando da interposição de cada recurso, no montante de 816,00€ (102 x 8).

E, no caso concreto, não há lugar a taxa remanescente na 1ª Instância, porque aí, é aplicável a tabela II-A anexa ao RCP e, a taxa remanescente só tem lugar quando aplicável a tabela I.

Pelo que não faria sentido conferir, à 1ª Instância, o conhecimento da dispensa ou não, do pagamento do remanescente da taxa de justiça em processo no qual, nessa instância, não se aplica essa regra.

Aplicando o que ficou exposto ao caso dos autos, verifica-se a não complexidade processual, quer no recurso de revista, quer no recurso de apelação.

Como alega o requerente:

- O incidente de liquidação não chegou a ser apreciado quanto ao seu mérito;

- Não foi realizada qualquer diligência;

- O incidente foi julgado inadmissível pela 1.ª Instância e foi apenas sobre a sua admissibilidade que se pronunciaram tanto o Tribunal da Relação de Guimarães, como o Supremo Tribunal de Justiça;

- Foi apresentado apenas um articulado por cada uma das partes;

- Em sede de apelação e de revista, as partes limitaram-se a apresentar cada uma o seu articulado.

Assim, e ponderando o valor da causa e da utilidade económica dos interesses a ela associados, julga-se adequado dispensar o requerente do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas instâncias de recurso.


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Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC:

I - Nos recursos (que para efeitos do RCP se consideram processo autónomo – art. 1º, nº 2) a taxa de justiça “é sempre fixada” ou, “é fixada” nos termos da tabela I-B, tal como preceituam os nºs 2, dos arts. 6º e 7º, do Regulamento.

II - Verificando-se o exagero ou desproporcionalidade entre a taxa remanescente e a especificidade da situação (complexidade da causa e trabalho produzido) há sempre a possibilidade de ser requerida, ou decidida oficiosamente, a dispensa (total ou parcial) do pagamento dessa taxa remanescente, ao abrigo do nº 7, do art. 6º, do RCP.

Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam na 1ª Secção do STJ em deferir o requerimento do recorrido, de reforma do acórdão quanto a custas, dispensando o requerente do pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a € 275000,00, nas Instâncias de recurso (apelação e revista).

Sem custas, por o requerimento ser deferido sem oposição.


Lisboa, 29-03-2022


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo – Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua – Juiz Conselheiro 2º adjunto