Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7/21.4PFFUN.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
RELATÓRIO SOCIAL
FACTOS PESSOAIS
FURTO
VIOLÊNCIA DEPOIS DA SUBTRAÇÃO
CONCURSO APARENTE
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 06/01/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O tipo do art. 211.º do CP (violência depois da subtracção)  consome o tipo legal do art. 203.º do CP (furto), distinguindo-se do roubo “através do momento em que o agente exerce a violência: se for antes da subtracção, estaremos perante o tipo legal de roubo, se for depois da subtracção, estaremos perante o presente tipo legal”.

II - À semelhança do que sucede com o roubo em relação ao furto, também aqui a relação que se estabelece entre normas é a de consumpção; a condenação pelo ilícito típico mais grave exprime já de forma bastante o desvalor de todo o comportamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



1. Relatório

1.1. No Processo Comum Colectivo n.º 7/21.4PFFUN, do Tribunal Judicial da Comarca ……, Juízo Central Criminal ……. - Juiz ..., em que é arguida AA, foi proferido acórdão a decidir:

a) absolver a arguida da prática do crime do crime de roubo que lhe era imputado no âmbito do inq. nº 205/20……;

b) condenar a arguida como autora de um crime de roubo simples, do art. 210º, nº1, do CP, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão (inq. 509/18……);

c) condenar a arguida como autora de um crime de abuso de confiança, do art. 205º, nº1 do CP, na pena de 6 (seis) meses de prisão (inq. 509/18……);

d) condenar a arguida como autora de um crime de abuso de confiança, do art. 205º, nº1 do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão (inq. 1724/18……);

e) condenar a arguida como autora de um crime de extorsão, do art. 223º, nº1 do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão (inq. 1724/18…..);

f) condenar a arguida como autora de um crime de coacção, do art. 154º, nº1 do CP, na pena de 7 (sete) meses de prisão (inq. 1724/18…….);

g) condenar a arguida como autora de um crime de roubo simples, do art. 210º, nº1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão (inq. 1015/20……);

h) condenar a arguida como autora de um crime de roubo simples, do art. 210º, nº1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão (inq. 1424/20…..);

i) condenar a arguida como autora de um crime de roubo simples, do art. 210º, nº1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão  (inq. 1469/20…….);

j) condenar a arguida como autora de um crime de roubo simples, do art. 210º, nº1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão (inq. 1469/20……);

k) condenar a arguida como autora de um crime de roubo simples, do art. 210º, nº1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão (inq. 1469/20……);

l) condenar a arguida como autora de um crime de roubo simples, do art. 210º, nº1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão (inq. 1469/20…..);

m) condenar a arguida como autora de um crime de roubo simples, do art. 210º, nº1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão (inq. 18/20…..);

n) condenar a arguida como autora de um crime de roubo simples, do art. 210º, nº1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (inq. 1835/20…….);

o) condenar a arguida como autora de um crime de furto simples, do art. 203º, nº1 do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão;

p) condenar a arguida como autora de um crime de violência após a subtração, do art. 211º, nº1, por referência ao art. 210º, n.º1 e 2 b) e 204º, nº2 al. f) do CP, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão (inq. 2175/20…….);

q) condenar a arguida AA como autora de um crime de roubo simples, do art. 210º, nº1 do CP, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão (inq. 7/21……);

r) Em cúmulo jurídico, condenar a arguida na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

Inconformada com o decidido, interpôs a arguida recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo:

“1 – O presente recurso versa matéria de direito.

2 –  O Supremo Tribunal de Justiça conhece da matéria de direito nos termos previstos no artigo 432 nº 1 alínea c) do C.P.P.

3 –  A recorrente não se conforma com o douto acórdão que a condenou em cúmulo jurídico na pena única de 9 anos de prisão, pela prática dos seguintes crimes: - 10 crimes de roubo simples, ps. e ps. pelo artigo 210 n.º 1 do CP; - dois crimes de abuso de confiança, dos artigos 205º n.º 1 do CP; - um crime de coação, do artigo 154º n.º 1 do CP; - um crime de extorsão, do artigo 223º n.º 1 do CP; - um crime de furto simples, do artigo 203º n.º 1 do CP; - um crime de violência após subtração, dos artigos 211º e 210º ns. 1 e 2 b), com referência ao artigo 204º n.º 2 f), todos do CP.

4 –  A recorrente foi condenada sem que se tivesse efectuado o relatório social sobre as suas condições pessoais.

5 –  Efetivamente, sem Relatório Social, e sem conhecer as condições pessoais da arguida, inexistem elementos que permitam apurar da sua futura integração social e os condicionalismos que estiveram na base da sua atuação.

6 –  O tribunal a quo ao decidir sem a prévia realização do Relatório Social da arguida, decidiu sem que se encontrasse munido de matéria de facto bastante.

7 – Pelo que se constata a existência do vício da insuficiência de decisão da matéria de facto provada, nos termos previstos no artigo 410.º n º 2 al. a) do C.P.P..

8 – Impondo-se por isso que o tribunal recorrido venha produzir prova sobre os factos supra mencionados, de molde a que se possa vir alcançar uma decisão fundamentada, não existindo outra solução para alcançar aquele caminho que não seja a anulação do julgamento e o consequente reenvio do processo para novo julgamento respeitante as questões referidas, ou a outras que o tribunal considere pertinente para a boa decisão da causa nos termos previstos no 410º nº 2 al. a) e 426º al. a todos do Código de Processo Penal.

9 – Por outro lado, resulta que a ora recorrente foi condenada na pena de um ano e quatro meses de prisão pela prática de um crime de furto e na pena de 3 anos e quatro meses de prisão pela prática de um crime de violência após subtração p.p. pelo artigo 211 nº1 por referência ao artigo 210º nº 1 e 2 al. b) e 204º nº 2 al. f ) do CP a que se reportam os factos do inquérito nº 2175/20…...

10 – O inquérito supra mencionado reporta-se aos factos dados como provados na alínea H dos factos provados.

11 –  Resulta que a ora recorrente furtou um telemóvel a BB e colocou-se em fuga tendo sido perseguida pelo ofendido e quando abordou a ora recorrente esta exibiu uma faca na sua direção, provocando-lhe receio pela sua vida e integridade física e fazendo com que se afastasse.

12 – Ora o crime de violência depois de subtração só se pode verificar na sequência de um crime de furto e não de um crime de roubo ou de qualquer outro.

13 – Entender-se de outra forma colidiria com o princípio da tipicidade.

14 – Que foi o que ocorreu conforme decorre dos factos provados na alínea H pela quais a ora recorrente foi condenada.

15 – O tribunal a quo deveria ter decidido condenar a arguida pelos factos a que se reporta o Inquérito nº 2175/20….. mas tão só pela pratica do crime de violência após subtração .

16 – Já que o crime de furto cometido pela arguida respeitante ao inquérito 2175/20…. está consumido pelo crime de violência após a subtração.

17 –  Em suma a arguida deveria ter sido condenada pelo crime de violência depois de subtração p.p. pelo artigo 211º do C.P.P. em relação de concurso aparente com um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203º do C.P.

18 –  O crime de violência depois de subtração entra numa relação de concurso aparente com o furto, qualificado ou não, que tiver ocorrido. Esta relação será de consumpção uma vez que na previsão do art. 211º do C.P. já está acautelada a proteção do bem jurídico patrimonial como dos bens jurídicos pessoais atingidos com os meios violentos.

19 –  O que aquela disposição legal trata é, o que foi um simples furto como se fosse um roubo nos termos do artigo 210º do C.P., atendendo a perigosidade revelada pelo agente. Ora, assim sendo não poderia a ora recorrente ter sido condenada por um crime de furto e pelo crime de violência após subtração, conforme resulta da condenação aplicada a recorrente no que concerne ao inquérito nº 2175/20……, porque o crime de furto já está subsumido no crime de violência após subtração.

20 – Quanto a medida da pena defende-se que a pena aplicada não é proporcional à culpa e gravidade dos factos praticados, a qual deverá ser atenuada e assim reduzida a pena aplicada.

21 – A arguida foi condenada em cúmulo jurídico na pena única de 9 anos de anos de prisão, mas temos de ter em atenção a moldura penal dos vários crimes que a recorrente praticou .

22 –  a) Assim vejamos, o crime de roubo p.p. pelo artigo 210 nº 1 do CP o qual é punido com uma pena de prisão de 1 a 8 anos de prisão.

b) Ao crime de abuso de confiança p.p. pelo artigo 205 nº 1do C.P. o qual é punido até 3 anos de prisão ou em pena de multa.

c) Ao crime de extorsão p.p. pelo artigo 223 do C.P. é aplicável uma pena de prisão até 5 anos.

d) Ao crime de cocção p.p. pelo artigo 154 nº 1 do C.P. o qual é punido com uma pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

e) Ao crime de furto simples p.p. pelo artigo 203 nº 1 do C.P. o qual é punido com uma pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

f) Ao crime de violência após a subtracção o qual é punido pelo artigo 211 nº 1 por referência ao artigo 210 nº 1 e 2 b) e 204 nº 2 al. f) do C.P. ( 3 a 15 anos de prisão )

23 - Atendendo as molduras penais dos crimes pelos quais foi a arguida condenada, associado ao valor diminuto dos bens patrimoniais subtraídos e a não ocorrência de danos pessoais em resultado da actuação da arguida com exceção dos factos ocorridos no inquérito nº 1424/20……, associado a ter agido num quadro de consumos de drogas sintéticas que influencia a capacidade de forma direta de agir de acordo com as normas jurídicas vigentes na sociedade, parece-nos que as penas aplicadas a recorrente foram exageradas e por esse motivo injustas.

24 - Assim no que concerne

a) ao inquérito nº 1724/718…… no que concerne ao crime de extorsão não deveria ter ultrapassado os 6 meses de prisão e quanto ao crime de coação não deveria ultrapassar os 4 meses de prisão.

b) inquérito 1015/20…… a pena não deveria ter ultrapassado1 ano de prisão.

c) inquérito nº 1424 20….. a pena não deveria ter ultrapassado um ano de prisão

d) inquérito n 1469/20…… a pena não deveria ultrapassar os 4 anos

e) inquérito 18/20…… não deveria ter ultrapassado um ano de prisão inquérito nº 1835/20…… a pena não deveria ultrapassar um ano de prisão

f) inquérito nº 2175/20……. a pena não deveria ter ultrapassado os dois anos de prisão.

g) inquérito nº 7/21…… não deveria ter ultrapassado um ano de prisão

25 –   Defende-se que em cúmulo jurídico a arguida deveria ter sido condenada numa pena única que não superasse os 5 anos de prisão por se revelar adequada e proporcional aos factos praticados pela recorrente.

26 – A recorrente têm mantido excelente comportamento prisional existindo apenas o registo de uma ocorrência a que foi sujeita a uma repreensão.

27–  A determinação da medida concreta da pena de ser feita em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção geral e especial das penas.

28 –  A medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa.

29 – Assim parece-nos que a pena aplicada a arguida é deveras exagerada e desproporcional atenta a moldura penal prevista para os crimes pelos quais foi condenada. Atenta a idade da arguida, ao ter atuado num quadro de toxicodependência de produtos estupefacientes nomeadamente drogas sintéticas, a sua juventude, ao valor quase irrisório de alguns dos valores roubados e não ter danos físicos graves nos ofendidos na sequencia da atuação da arguida parece-nos que aplicação de uma pena de 9 anos de prisão coloca em crise a suas futura reintegração social e profissional, razão pela qual se defende que a pena não deveria ultrapassar os cinco anos de prisão.”

O Ministério Público respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido da parcial procedência, concluindo:

“1. A arguida AA foi condenada, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos de prisão.

2. Inconformada com a decisão proferida, veio dela interpor recurso, invocando que o tribunal a quo cometeu a nulidade prevista no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, porquanto, proferiu decisão sem ter solicitado a elaboração de um relatório social com vista a averiguar das suas condições sociais, familiares e económicas; E ainda,

3. Alega que entre o crime de furto simples e o crime de violência depois da subtração existe concurso aparente, pelo que não deveria ter sido condenada em concurso real (factos provados artigo H); E, por fim,

4. Argui, por fim, que a medida da pena de 9 anos de prisão revela-se excessiva.

5. Nos termos da alínea g), do n.º 1, do artigo 1.º e do n.º 1, do artigo 370.º, do Código de Processo Penal, a requisição de relatório social ou da informação dos serviços de reinserção social não é obrigatória. Trata-se de uma faculdade.

6. Contudo, no que em especial se refere às condições pessoais de vida da arguida/recorrente, o tribunal solicitou à DGRSP a realização do relatório social e a arguida recusou colaborar na entrevista no âmbito da deslocação do técnico da DGRSP ao Estabelecimento Prisional ………. e, não obstante, foi prestada informação pela DGRSP pelo acompanhamento efetuado à arguida em sede de regime probatório noutros processos e a sua vivência em contexto de Estabelecimento Prisional.

7. Tal factualidade resultou da discussão da causa e consta da sentença recorrida, conforme resulta do ponto intitulado “Matéria de facto provada relativamente às condições pessoais, sociais, familiares e económicas da arguida”, dada como provada, factualidade para cujo respetivo apuramento o tribunal valorou a informação prestada pela DGRSP, porquanto não infirmadas por outros meios probatórios. Assim, improcede o alegado.

8. O crime de violência depois da subtração entra numa relação de concurso aparente com o furto, qualificado ou não, que tiver ocorrido. Esta relação será de consunção, uma vez que na previsão do artigo 211.º, do CP, já está acautelada a proteção tanto do bem jurídico patrimonial como dos bens jurídicos pessoais atingidos com os meios violentos. Pelo exposto, nesta parte, procede o alegado.

9. Atendendo a que a arguida agiu com dolo direto, que o grau de ilicitude é mais intenso nas situações em que a arguida usou de violência física consubstanciada em agressões e que são elevadas as necessidades de prevenção geral, assim como as de prevenção especial em face do estilo de vida errante da arguida, temos que a pena de prisão em que foi condenada a arguida – 9 anos - não é exagerada, devendo apenas ser reformulada por conta do concurso aparente entre o crime de furto e o crime de violência depois da subtração, caindo apenas a pena relativa ao crime de furto que foi de 1 ano e 4 meses de prisão.”

O processo foi remetido (indevidamente) ao Tribunal da Relação ……. e a Sra. Desembargadora a quem foi distribuído ordenou a remessa ao Supremo.

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a resposta ao recurso. A arguida nada acrescentou, o processo foi aos vistos e teve lugar a conferência.

1.2. O acórdão recorrido, na parte que ora releva, tem o seguinte teor:

“A)    Inquérito 509/18…….

No dia 14 de Julho de 2018, cerca das 20H30, em ………., AA seguia no mesmo autocarro que CC, portador de um défice cognitivo, com um grau de incapacidade permanente global de 60% e, ao aperceber-se da sua presença, abordou-o e pediu-lhe o telemóvel emprestado para fazer uma chamada telefónica.

Na posse do telemóvel de marca Samsung Galaxy Grand Prime, no valor de 219,80€, AA retirou o cartão, que entregou a CC, e saiu do autocarro, levando consigo o aparelho e uma nota de cinco euros que estava guardada no interior da capa de proteção do aparelho, de que se apoderou e utilizou em proveito próprio.

No dia 21 desse mesmo mês de Julho, AA avistou CC na paragem de autocarro localizada na Rua ………….., no ………….. e, conhecedora da sua limitação cognitiva e da incapacidade deste em reagir, aproximou-se dele e puxou-o para um canto, assumindo uma postura agressiva e intimidatória.

Nessa altura, AA ordenou-lhe que lhe desse “tudo o que tinha” e, aproveitando-se do temor que lhe havia incutido, revistou-o e retirou-lhe, bruscamente, o telemóvel que CC tinha guardado no bolso traseiro das calças que envergava.

A seguir, AA entrou no autocarro, levando consigo o telemóvel daquele, de marca NOS NOVU III, no valor comercial de 99,99€, que utilizou em seu próprio benefício.

A arguida agiu livre e conscientemente, com consciência da ilicitude e punibilidade da sua conduta.

Actuou com intenção de integrar os telemóveis no seu património, bem sabendo que o fazia contra a vontade, e em prejuízo do seu legítimo proprietário.

Sabia, a arguida, que o telemóvel de marca Samsung Galaxy Grand Prime lhe havia sido entregue, pelo respectivo proprietário, a título temporário, pelo tempo necessário à realização de uma chamada telefónica.

Agiu da forma descrita, com intenção de obter um benefício pecuniário que sabia ser indevido.

Agiu, ainda, a arguida, com conhecimento que intimidava CC com as frases que proferiu e pela postura agressiva que assumiu, tal como pretendia, tendo actuado com intenção de que este não reagisse ao facto de lhe ter retirado, bruscamente, o telemóvel das calças, em virtude do temor que lhe incutiu, bem sabendo que CC padecia de um défice cognitivo, causador de especial incapacidade de se opor a essa subtração.

B) Inquérito 1724/18…….

No dia 24 de Agosto de 2018, cerca das 14H00, na Estrada …………, no ………, AA aproximou-se de DD e pediu-lhe o telemóvel emprestado para fazer uma chamada telefónica, que esta lhe entregou.

Após ter realizado uma ligação telefónica, AA continuou na posse do telemóvel, e não o devolveu, apesar de DD lho ter solicitado.

Perante a insistência de DD em reaver o seu telemóvel, AA disse-lhe, num tom de voz firme e intimidatório, para parar de se manifestar publicamente pois que se continuasse, ou solicitasse ajuda, iria molestá-la fisicamente, o que aquela acatou com receio do que pudesse acontecer-lhe.

A seguir, AA anunciou que iria devolver o telemóvel, mas, apenas, mediante o recebimento da quantia de 50 euros, sem o que não o restituiria.

Assim, ambas deslocaram-se até à caixa automática da rede multibanco mais próxima, localizada na Rua ………, onde DD procedeu ao levantamento da quantia de 50€ que entregou a AA, para que esta lhe devolvesse o seu telemóvel.

Nessa altura, AA exigiu-lhe mais 50€, quantia que DD também se viu obrigada a entregar-lhe, por ser a única forma de reaver o seu telemóvel.

Após ter recebido os 100€ que exigiu, AA devolveu o telemóvel à sua legítima proprietária, afastando-se com o dinheiro, que utilizou em proveito próprio.

A arguida agiu livre e conscientemente, com conhecimento da ilicitude e punibilidade da sua conduta.

Actuou com intenção de integrar o telemóvel no seu património, bem sabendo que o fazia contra a vontade, e em prejuízo da sua legítima proprietária.

Sabia, a arguida, que o telemóvel lhe havia sido entregue, pela respectiva proprietária, a título temporário, pelo tempo necessário à realização de uma chamada telefónica e que, após o ter usado para esse efeito, deveria tê-lo restituído.

Agiu da forma descrita, com intenção de obter um benefício pecuniário que sabia ser indevido.

Agiu, ainda, a arguida, com conhecimento que intimidava DD, tal como pretendia, para que esta não reagisse ao facto de se ter apoderado do seu telemóvel, bem sabendo que esta se retraia, contra a vontade, e apenas, pelo receio que lhe tinha incutido, de que poderia atentar contra a sua vida ou integridade física.

A arguida também sabia que a queixosa cedeu à exigência de lhe entregar as quantias monetárias que indicou, contra a vontade e por ser esse o único meio de reaver o seu telemóvel, tal como sabia que, dessa forma, a forçava a adoptar um comportamento que iria prejudicá-la patrimonialmente.

C) Inquérito 1015/20…….

No dia 16 de Junho de 2020, cerca das 22H00, na Travessa ………, em ……, no …, AA abordou EE e pediu-lhe uma moeda de vinte cêntimos.

Perante a recusa desta em lhe dar a quantia solicitada, AA agarrou-lhe com força, o braço esquerdo e arrancou-lhe das mãos a carteira, retirando do seu interior a quantia, em dinheiro, de 25€.

A seguir, deitou a carteira ao chão e afastou-se, levando o dinheiro consigo, que utilizou em proveito próprio.

A arguida agiu livre e conscientemente, com conhecimento da ilicitude e punibilidade da sua conduta.

Actuou da forma descrita com intenção de se apoderar do dinheiro que existisse na carteira, bem sabendo que não lhe pertencia, que obtinha um benefício patrimonial a que se sabia sem direito e que, pela forma inopinada com que actuou obrigava a sua legítima proprietária a suportar a subtração, tal como pretendeu, para impedi-la de reagir.

D) Inquérito 1424/20……..

No dia 9 de Agosto de 2020, cerca das 17H20, na Rua …….., em ……….., AA abordou FF empurrou-a, com violência, projectando-a contra um portão de ferro, onde FF embateu com a cabeça e, a seguir, caiu no chão, desamparada.

Nessa altura, AA, aproveitando-se do facto de FF estar caída no solo, indefesa, em consequência do empurrão que lhe infligiu, retirou-lhe da carteira, quantia pecuniária não concretamente apurada.

A seguir, AA afastou-se do local, levando consigo o dinheiro, tendo-o gasto em proveito próprio.

Em consequência da agressão, FF sofreu uma lesão na região parietal, o que lhe determinou dez dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho.

A arguida agiu livre e conscientemente, com conhecimento da ilicitude e punibilidade da sua conduta.

Actuou da forma descrita com intenção de se apoderar do dinheiro que existisse na carteira de FF, bem sabendo que não lhe pertencia, que obtinha um benefício patrimonial a que se sabia sem direito e que, pela forma inopinada e violenta com que actuou obrigava a sua legítima proprietária a suportar a subtração, tal como pretendeu, para impedi-la de reagir.

E) Inquérito 1469/20……

No dia 17 de Agosto de 2020, cerca das 13H00, AA dirigiu-se a GG e HH quando estavam sentados num banco da  ………., no ………, e pediu-lhes uma moeda de vinte cêntimos. GG, então, retirou uma moeda da sua carteira e entregou-lha, mas, com esse gesto, AA percebeu que aquele tinha mais dinheiro e manifestou vontade em receber mais, pedido que GG recusou.

Nessa altura, AA exigiu-lhe o dinheiro, sem o que, afirmou, iria contagiá-los com a doença SIDA de que disse ser portadora.

Assustado, GG entregou-lhe uma nota de cinco euros e algumas moedas, com receio de que AA concretizasse o que tinha dito.

A seguir, AA fez a mesma exigência a HH que, receosa que AA a contagiasse com a doença que dizia ter, entregou-lhe uma nota de cinco euros.

AA ficou na posse do montante de 10€, que forçou GG e HH a entregar-lhe e que gastou em proveito próprio.

Nesse mesmo dia, cerca das 15H00, AA abordou II e JJ, que estavam sentados num banco na ……….., a quem também pediu uma moeda de 20 cêntimos.

Ao receber de II uma moeda de 50 cêntimos, AA disse querer mais dinheiro e, perante a recusa em lhe ser satisfeito o pedido, convenceu-os, intimidando-os, que era portadora da doença SIDA e que, caso não lhe entregassem todo o dinheiro que tinham, iria contagiá-los.

Perante a postura exaltada e agressiva assumida por AA e, ainda, pelo receio, que esta lhes incutiu, de que iria contagiá-los com a doença de que padeceria, JJ entregou-lhe, de imediato, a quantia de 4 euros, em moedas e II uma nota de cinco euros.

Tais quantias monetárias, no valor global de 9 euros, foram-lhes restituídas por AA, perante os agentes da PSP que se deslocaram ao local.

A arguida agiu livre e conscientemente, com conhecimento da ilicitude e punibilidade da sua conduta.

Actuou da forma descrita com intenção de se apoderar de todo o dinheiro que as vítimas tivessem consigo, bem sabendo que, dessa forma, obtinha um benefício patrimonial a que se sabia sem direito e que agia contra a vontade dos respectivos proprietários.

Sabia, a arguida, que as palavras intimidatórias que proferia e a postura agressiva que assumiu eram idóneas a amedrontar os ofendidos, provocando-lhes receio pela vida e integridade física, tal como quis, tendo pleno conhecimento que, ao agir desse modo, constrangia-os a entregarem-lhe o dinheiro que lhes exigiu.

F) Inquérito 18/20…….

No dia 2 de Setembro de 2020, cerca das 16H40, na Estrada ………, em ………., …….., AA abordou KK, quando esta estava sentada num banco da Estrada …………., e pediu-lhe uma moeda de vinte cêntimos .

Após insistência, KK deu-lhe uma moeda de 50 cêntimos e AA, ao recebê-la, disse que queria mais dinheiro.

Perante a recusa, AA convenceu-a que era portadora de uma doença contagiosa e exigiu-lhe que lhe entregasse todo o dinheiro que tinha, sem o que iria contagiá-la.

Temorizada, KK entregou-lhe as moedas que tinha, no valor global de 2,70€, que lhe foram restituídos, após terem sido apreendidos, pela PSP, pouco tempo após os factos.

A arguida agiu livre e conscientemente, com conhecimento da ilicitude e punibilidade da sua conduta.

Actuou da forma descrita com intenção de se apoderar de todo o dinheiro que KK tivesse consigo, bem sabendo que, dessa forma, obtinha um benefício patrimonial a que se sabia sem direito e que agia contra a sua vontade.

Sabia, a arguida, que as palavras intimidatórias que proferia e a postura agressiva que assumiu eram idóneas a amedrontar KK, provocando-lhe receio pela vida e integridade física, tal como quis, tendo pleno conhecimento que, ao agir desse modo, constrangia-a a entregar-lhe o dinheiro que lhe exigiu.

G) Inquérito 1835/20……..

No dia 6 de Outubro de 2020, cerca das 17H15, na Rua …………., em …….., no ……, AA abordou LL e pediu-lhe uma moeda de vinte cêntimos, que esta recusou dar.

Perante a recusa, AA convenceu-a que era portadora de uma doença contagiosa e, exibindo-lhe uma seringa, ordenou-lhe que lhe entregasse todo o dinheiro que tinha, sem o que iria contagiá-la.

LL, então, com receio que AA concretizasse o que havia dito, entregou-lhe duas notas emitidas pelo Banco Central Europeu, uma de dez euros e outra de cinco euros, no valor total de 15€.

AA utilizou a quantia de 9,80€ em proveito próprio, tendo sido restituído a LL o montante de 5,20€, apreendido pela PSP.

A arguida agiu livre e conscientemente, com conhecimento da ilicitude e punibilidade da sua conduta.

Actuou da forma descrita com intenção de se apoderar de todo o dinheiro que LL tivesse consigo, bem sabendo que, dessa forma, obtinha um benefício patrimonial a que se sabia sem direito e que agia contra a sua vontade.

Sabia, a arguida, que as palavras intimidatórias que proferia e a postura agressiva que assumiu eram idóneas a amedrontar LL, provocando-lhes receio pela vida e integridade física, tal como quis, tendo pleno conhecimento que, ao agir desse modo, constrangia-a a entregar-lhe o dinheiro que lhe exigiu.

H) Inquérito 2175/20…….

No dia 17 de Novembro de 2020, cerca das 21H10, na Rua ……….., em …………., no ………, AA atirou-se para a estrada, simulando estar ferida, no momento em que BB se aproximava, conduzindo a sua viatura.

BB saiu da viatura, apressadamente, para a ajudar, e deixou cair no chão o telemóvel marca Samsung Galaxy S9 Plus, no valor de 659€.

AA, ao ver o telemóvel apoderou-se dele e colocou-se em fuga, levando-o consigo.

BB, então, perseguiu-a para recuperar o seu aparelho e quando a abordou, AA exibiu uma faca na sua direção, provocando-lhe receio pela sua vida e integridade física e fazendo com que se afastasse.

Dessa forma, AA conseguiu manter o telemóvel na sua posse, que utilizou em proveito próprio.

A arguida actuou livre e conscientemente, com conhecimento da ilicitude e punibilidade da sua conduta.

Actuou da forma descrita, com intenção de integrar o telemóvel na sua esfera patrimonial, sabendo que não lhe pertencia e que agia contra a vontade e autorização do seu legítimo proprietário.

Sabia, ainda, a arguida que ao exibir a faca na direção da vítima, incutia-lhe a convicção de que atentaria contra a sua vida, caso tentasse recuperar o telemóvel, tal como pretendia, para impedi-lo de reagir e não ter de restituir o telemóvel que tinha subtraído.

I) - Inquérito 2239/20……

No dia 25 de Novembro de 2020, cerca das 16H00, na Estrada …….., em ………, no …….., AA colocou-se à frente do veículo conduzido por MM, enquanto gesticulava para este parar.

Assim que MM imobilizou a viatura, AA abriu a porta do lugar ao lado do condutor e sentou-se, pedindo que a transportasse.

Durante o percurso, AA apoderou-se do telemóvel de MM, de marca Xiaomi Redmi 7, no valor de 170€, que estava pousado num espaço de arrumação existente no veículo e que levou consigo quando aquele lhe exigiu que saísse da viatura, após aquela lhe ter pedido dinheiro.

A arguida actuou livre e conscientemente, com conhecimento da ilicitude e punibilidade da sua conduta.

Actuou da forma descrita, com intenção de integrar o telemóvel na sua esfera patrimonial, sabendo que não lhe pertencia e que agia contra a vontade e autorização do seu legítimo proprietário.

J) Inquérito 7/21………

No dia 9 de Fevereiro de 2021, cerca das 16H30, na Rua …………, em ……., ……., AA abordou NN e exigiu-lhe dinheiro, dizendo-lhe ser portadora de uma doença contagiosa, que lhe transmitiria caso não o fizesse.

Enquanto proferia tais palavras intimidatórias, que convenceram, NN da veracidade do que dizia, AA mantinha uma mão oculta atrás das costas, criando a convicção de que estava a esconder um instrumento de agressão.

Aterrorizada, NN pousou no chão duas moedas de cêntimos de 0,01 e 0,05 cêntimos, mas AA disse ser insuficiente e exigiu -lhe a quantia de cinco euros, reafirmando ser portadora de uma doença contagiosa e que iria transmiti-la caso não recebesse esse montante.

NN, então, com receio que AA concretizasse o que havia dito, pousou no chão uma nota de cinco euros.

AA recolheu a quantia monetária e ausentou-se do local, tendo sido perseguida, à distância, por NN, que contactou a PSP e recuperou o dinheiro.

A arguida agiu livre e conscientemente, com conhecimento da ilicitude e punibilidade da sua conduta.

Actuou da forma descrita com intenção de se apoderar de dinheiro que NN tivesse consigo, bem sabendo que, dessa forma, obtinha um benefício patrimonial a que se sabia sem direito e que agia contra a sua vontade.

Sabia, a arguida, que as palavras intimidatórias que proferia e a postura agressiva que assumiu eram idóneas a amedrontar NN, provocando lhe receio pela vida e integridade física, tal como quis, tendo pleno conhecimento que, ao agir desse modo, constrangia-a a entregar-lhe o dinheiro que lhe exigiu, o que pretendia.

Matéria de facto provada relativamente às condições pessoais, sociais, familiares e económicas da arguida

Antes da prisão preventiva em que se encontra presentemente, AA mantinha consumos de drogas sintéticas, registando-se que a sua vida tem sido orientada, há vários anos, em função de um quadro de dependência. Deslocava-se a casa da mãe e do padrasto uma a duas vezes por semana, mas saía sem qualquer justificação.

Foi acompanhada pela DGRSP entre 2016 e 2018, numa suspensão da execução da pena com regime de prova (Proc. 158/15…….), mas não colaborou no acompanhamento. Manteve o consumo frequente de drogas e não se disponibilizou para tratamento, não se tendo mostrado responsiva face à intervenção em sede de uma condenação judicial. A falta de investimento na sua reabilitação psicossocial acabou por ditar a revogação da medida judicial e a execução da respetiva pena de prisão.

No estabelecimento prisional frequenta a escola (…… e …..), atividade religiosa e frequentou ação sobre procura ativa de emprego dinamizada por uma instituição externa. Sofreu uma repreensão verbal.

Dos antecedentes criminais da arguida

- A arguida sofreu as seguintes condenações:

a) pela prática, em 30.03.2015, de um crime de roubo, na pena de 4 meses de prisão, suspensa por 1 ano;

b) pela prática, em 16.11.2018, de um crime de roubo em transportes públicos, na pena de 1 ano de prisão, suspensa por 18 meses.

(…)

Determinação da moldura penal

O tribunal determinará a medida concreta da pena, devendo socorrer-se dos critérios plasmados nos artigos 40º e 71º do CP, isto é, deve determinar a medida concreta da pena «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).

Segundo o artigo 71º do CP, na determinação da medida concreta da pena ter-se-á em conta, para além da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, «todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele».

Preceitua o art. 70º que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Ora, está provado que antes da prisão preventiva em que se encontra presentemente, AA mantinha consumos de drogas sintéticas, registando-se que a sua vida tem sido orientada, há vários anos, em função de um quadro de dependência. Deslocava-se a casa da mãe e do padrasto uma a duas vezes por semana, mas saía sem qualquer justificação.

Foi acompanhada pela DGRSP entre 2016 e 2018, numa suspensão da execução da pena com regime de prova (Proc. 158/15…….), mas não colaborou no acompanhamento. Manteve o consumo frequente de drogas e não se disponibilizou para tratamento, não se tendo mostrado responsiva face à intervenção em sede de uma condenação judicial. A falta de investimento na sua reabilitação psicossocial acabou por ditar a revogação da medida judicial e a execução da respetiva pena de prisão.

No estabelecimento prisional frequenta a escola (……. e …….), atividade religiosa e frequentou ação sobre procura ativa de emprego dinamizada por uma instituição externa. Sofreu uma repreensão verbal.

Verifica-se, consequentemente, que a ausência de hábitos e rotinas de trabalho e a permeabilidade à influência do grupo de pares, agravados pela problemática aditiva, constituíram factores condicionadores da sua evolução pessoal e contribuíram para a adoção de comportamentos criminais. Consequentemente, entende-se que a pena de multa não realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Assim, tendo em conta que:

(i) a arguida agiu com dolo directo;

(ii) o grau de ilicitude é mais intenso nas situações em que a arguida usou de violência física consubstanciada em agressões;

(iii) são elevadas as necessidades de prevenção geral, assim como as de prevenção especial em face do estilo de vida errante da arguida;

O Tribunal entende adequado, considerando as sobreditas finalidades da punição, aplicar-lhe as seguintes penas:

a) uma pena de 1 ano e 3 meses de prisão, pela prática do crime de roubo, consumado, e uma pena de 6 meses de prisão, pela prática de um crime de abuso de confiança, no âmbito do inq. nº 509/18……. (A));

b) uma pena de 1 ano de prisão, pela prática de um crime de abuso de confiança; uma pena de 1 ano de prisão pela prática de um crime de extorsão; e 7 meses de prisão, pela prática do crime de coacção, na forma tentada, no âmbito do inq. nº 1724/18……. (B));

c) uma pena de 1 ano e 2 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo simples, no âmbito do inq. nº 1015/20……. (C));

d) uma pena de 1 ano e 7 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo, no âmbito do inq. nº 1424/20……. (D));

e) uma pena de 1 ano e 4 meses de prisão, pela prática de cada um dos quatro crimes de roubo simples que a arguida praticou no âmbito do inq. nº1469/20……. (E)).

f) uma pena de 1 ano e 4 meses de prisão pela prática de um crime de roubo simples, no âmbito do inq. nº 18/20…… (F));

g) uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de um crime de roubo simples, no âmbito do inq. nº 1835/20……. (G));

h) uma pena de 1 ano de prisão pela prática de um crime de furto simples e uma pena de 3 anos e 4 meses de prisão pela prática de um crime de violência após a subtracção (H));

i) uma pena de 1 ano e 4 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, no âmbito do inq. nº 2239/20……..;

j) uma pena de 1 ano e 2 meses de prisão pela prática de um crime de roubo simples, no âmbito do inq. nº 7/21……..

Do cúmulo Jurídico das penas aplicadas à arguida.

De acordo com o disposto no art. 77º, n.º 1 do C. Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.

A pena do concurso terá de ser fixada em função das exigências gerais da culpa e da prevenção, contendo o art. 77º, n.º 1, segunda parte do C. Penal um critério especial (para além dos gerais constantes do art. 71º, n.º 1 do mesmo diploma legal), isto é, haverá que atender, em conjunto, aos factos e à personalidade do agente. “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.” Figueiredo Dias, ob. cit., citação contida no Ac. STJ de 6-03-2008, CJ (STJ) 2008, I, 249.

No âmbito dessa análise impõe-se aferir se o conjunto dos factos revela uma tendência (uma «carreira») criminosa ou se configura antes uma pluriocasionalidade que não assenta na personalidade, antes em circunstâncias específicas de um determinado hiato temporal.

Há ainda que ter presente o disposto no art. 77º, n.ºs 2 e 3 do C. Penal, de tal modo que “a pena aplicável ao concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”

A moldura abstracta do cúmulo jurídico tem como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares que o integram – 3 anos e 4 meses de prisão – e como limite máximo a soma de todas as penas – 23 anos e 5 meses de prisão. Considerando tudo o que acima ficou dito, o Tribunal decide aplicar à arguida, uma pena única de 9 anos de prisão.”


2. Fundamentação

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a apreciar respeitam a: (a) insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, (b) relação de concurso  dos crimes de furto e de violência depois da subtracção e (c) medida das penas parcelares e medida da pena única.


(a) Da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão - art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP

A recorrente começa por se insurgir contra a matéria de facto que serviu de base à decisão condenatória, por via da arguição de vício de texto. Argumenta que o tribunal “decidiu sem a prévia realização de relatório social sobre as suas condições pessoais”,  “decidiu sem que se encontrasse munido de matéria de facto bastante” e sem conhecer as condições pessoais da arguida. Assim, inexistiriam elementos que permitissem “apurar da sua futura integração social e os condicionalismos que estiveram na base da sua actuação”. Adviria, por tudo, o vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, do art. 410.º n.º 2 al. a) do CPP.

O Ministério Público contrapôs que tal vício não ocorre, pois “o tribunal solicitou à DGRSP a realização do relatório social e a arguida recusou colaborar na entrevista no âmbito da deslocação do técnico da DGRSP ao Estabelecimento Prisional ………….. e, não obstante, foi prestada informação pela DGRSP pelo acompanhamento efectuado à arguida em sede de regime probatório noutros processos e a sua vivência em contexto de Estabelecimento Prisional”, que “tal factualidade resultou da discussão da causa e consta da sentença recorrida”. Encontrar-se-iam, pois, no acórdão, todos os factos necessários a decisão proferida.

O vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito, e existe sempre que o tribunal deixa de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insusceptível de adequada subsunção jurídica, concluindo-se pela existência de factos não apurados que seriam relevantes para a decisão da causa. Estariam em causa os factos relativos à personalidade e à situação pessoal da arguida, necessária à determinação da sanção.

A questão da determinação da sanção, no que à prova da base factual se refere, é tratada no art. 369.º do CPP. Este preceito, numa disciplina próxima da césure, constitui sinal claro do protagonismo que a pena assume no processo e na decisão justa do caso.

Uma vez comprovados os factos relativos à questão da culpabilidade, como nota Maia Gonçalves, o tribunal “entra na tramitação destinada à individualização da pena. Aqui, e só agora, são tomados em conta os elementos respeitantes aos antecedentes criminais do arguido, as perícias sobre a personalidade e o relatório social. Os elementos já apurados podem ser bastantes e então entra-se logo na escolha da pena (…). Mas se suceder serem tais elementos insuficientes, e ser indispensável prova complementar, reabre-se a audiência procedendo à produção dos meios de prova necessários, ouvindo-se, sempre que possível, (…) quaisquer pessoas que possam depor com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido” (Código de Processo Penal anotado, 2009, p. 837).

Este protagonismo adjectivo é resultado da correlativa importância material da pena, no contexto da decisão condenatória.

Na determinação concreta da pena, o art. 71.º do CP manda considerar, ao que agora releva, “as condições pessoais do agente e a sua situação económica” (al. d)), “a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto” (al. f)).

Na lição de Jescheck, “as condições pessoais e económicas do agente influem primordialmente nas repercussões que a pena tem sobre a integração social daquele (prevenção especial). Daí que o tribunal tenha que esclarecer suficientemente tais condições pessoais para poder ajuizar o alcance que o cumprimento de uma pena (…) tem para a vida pessoal e privada do autor (Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Granada, 2002, p. 939). Chama o autor a atenção para a “importância da sensibilidade individual do autor frente à pena” – o que implicaria ter de conhecer o autor – e para a problemática dos “prejuízos de natureza extra penal que para o autor podem derivar da condenação” – o que também o demandaria.

Anabela Rodrigues elucida que os “factores que relevam para a medida da pena da culpa e que têm a ver com a personalidade (…) são (…) aqueles que o legislador considera sob o designativo de «condições pessoais do agente e sua situação económica» (alínea d)) e a «gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto» (alínea f)) (…). O que de mais relevante haverá a considerar a propósito do factor da medida da pena que se refere à «gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto», é que desta forma o legislador quis chamar autonomamente a atenção para a relevância da personalidade para a medida da pena da culpa. (…) A personalidade releva para o juízo de culpa” (A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, 1995, pp. 665-667). E acaba por concluir que “a generalidade dos factores relativos à personalidade do agente poder-se-á dizer que relevam para a medida da pena preventiva, geral e especial. É assim que, não só as condições pessoais e económicas do agente, como as qualidades da personalidade, ganham relevo neste contexto” (loc. cit. p. 678).

Também Lourenço Martins destaca que “essencial para a individualização da pena, quer da perspectiva da culpa quer da prevenção, é a personalidade do arguido”; assinala a “ambivalência das condições pessoais e económicas” e, com particular interesse para o caso, que a conduta posterior ao facto criminoso “pode ser produzida de imediato à sua prática ou no decurso do tempo até ao julgamento” (Medida da Pena, Finalidades Escolha, 2010, pp. 511-513).

Na mesma linha, a jurisprudência tem-se sempre pronunciado no sentido da relevância dos factos pessoais (do arguido) no processo de determinação da pena, acrescendo que às decisões condenatórias são reconhecidas especiais exigências de fundamentação, mormente tratando-se de uma condenação em pena de prisão efectiva.

Assim, se o tribunal de julgamento encerrar a produção de prova sem ter obtido informação sobre os factos pessoais do arguido, avançando para a leitura de uma sentença condenatória sem antes diligenciar pela obtenção da informação (relativa à personalidade e às circunstâncias de vida),  pode suceder a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d) do CPP (omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade). E ao proferir acórdão condenatório com omissão de factos relevantes para a determinação da sanção, este está ferido do vício de insuficiência da matéria de facto provada, do art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP, com as consequências previstas no art. 426.º, n.º 1 do CPP.

De tudo resulta que o vício invocado pela recorrente abstractamente não o foi a despropósito, no sentido de, em abstracto, poder realmente corresponder à apodada omissão de base factual relevante para a decisão. No entanto, para que tal vício suceda em concreto, no que às circunstâncias pessoais do condenado respeita, duas condições (cumulativas) se têm de verificar: o acórdão ser omisso quanto a factos  pessoais do condenado e tal omissão resultar de uma inactividade do tribunal no sentido de obter a informação probatória em falta.

Ora, da análise do acórdão recorrido resulta que nenhuma das duas condições se verifica no caso presente. Por um lado, na fase de julgamento, e como se impunha, o tribunal diligenciou pela obtenção de prova dos factos relativos à personalidade e condições de vida da arguida, inexistindo violação do princípio da investigação; pelo outro, os factos provados do acórdão incluem os factos pessoais que foi possível apurar, atenta a livre opção da arguida em não prestar declarações sobre os mesmos em julgamento, em não colaborar na elaboração do relatório social oficiosamente solicitado, em não oferecer qualquer outra prova sobre a sua situação pessoal.

 Assim, dos autos resulta que a ausência de relatório social mais completo relativo à pessoa da arguida teve na base as suas próprias opções de defesa; mas do acórdão resulta também que a ausência desse meio de prova  não redundou na apodada “deficiência”  do acórdão, como defende agora a recorrente.

A posição da recorrente não deixa agora de surpreender, pois o tribunal procurou ouvir a arguida presente em julgamento sobre a sua situação pessoal, o tribunal ordenou a elaboração de relatório social,  o tribunal descreveu nos factos provados do acórdão todos os factos pessoais que, mesmo assim, logrou apurar.

Ali pode ler-se:

“Matéria de facto provada relativamente às condições pessoais, sociais, familiares e económicas da arguida.

Antes da prisão preventiva em que se encontra presentemente, AA mantinha consumos de drogas sintéticas, registando-se que a sua vida tem sido orientada, há vários anos, em função de um quadro de dependência. Deslocava-se a casa da mãe e do padrasto uma a duas vezes por semana, mas saía sem qualquer justificação.

Foi acompanhada pela DGRSP entre 2016 e 2018, numa suspensão da execução da pena com regime de prova (Proc. 158/15……), mas não colaborou no acompanhamento. Manteve o consumo frequente de drogas e não se disponibilizou para tratamento, não se tendo mostrado responsiva face à intervenção em sede de uma condenação judicial. A falta de investimento na sua reabilitação psicossocial acabou por ditar a revogação da medida judicial e a execução da respetiva pena de prisão.

No estabelecimento prisional frequenta a escola (crochet e inglês), atividade religiosa e frequentou ação sobre procura ativa de emprego dinamizada por uma instituição externa. Sofreu uma repreensão verbal.

Dos antecedentes criminais da arguida

- A arguida sofreu as seguintes condenações:

a) pela prática, em 30.03.2015, de um crime de roubo, na pena de 4 meses de prisão, suspensa por 1 ano;

b) pela prática, em 16.11.2018, de um crime de roubo em transportes públicos, na pena de 1 ano de prisão, suspensa por 18 meses.”

E na motivação da matéria de facto referira-se:

“O passado criminal da arguida, dado como provado, resultou do teor do seu certificado de registo criminal, junto aos autos, que tal atesta.

A aquisição processual da factualidade referente às condições sociais e pessoais da arguida, seu percurso de vida e sua personalidade, aí descritas, decorrem do conteúdo do Relatório Social a ela referente, ainda que de forma incipiente por falta de colaboração, com que os autos foram instruídos.”

Se a prova produzida nestas circunstâncias se afigurava insuficiente na visão da defesa, cumpria-lhe então ter tido em julgamento um empenhamento mais activo no processo de determinação da sanção, contribuindo para a prolação de pena justa e eficaz. Independentemente das obrigações oficiosas decorrentes do princípio da investigação, que se mostra amplamente observado, podia a defesa ter trazido a julgamento a prova dos factos que estima agora omissos, envolvendo-se mais abertamente na problemática da determinação da pena.

Por tudo, resta concluir que o quadro circunstancial apurado revela uma selecção de factos suficiente, de acordo com a definição do objecto do processo na concepção de que este inclui também os factos trazidos pela defesa, para mais nada indiciando que tenha sido desconsiderada, pelo tribunal, qualquer diligência probatória imprescindível à decisão sobre a pena.

Para finalizar, refira-se o acórdão do STJ de 05.09.2007 (Rel. Sousa Fonte), em cujo sumário pode ler-se:

“I - Independentemente de se considerar ser ou não ser obrigatória a requisição do relatório social ou da informação dos serviços de reinserção social aos quais alude o art. 370.º, n.º 1, do CPP para aplicação de uma pena de prisão efectiva – a letra da lei sugere francamente que se trata de uma faculdade do tribunal e o TC, no seu acórdão n.º 182/99, Proc. n.º 759/98, de 22-03-1999, já decidiu não ser inconstitucional a norma do n.º 1 do art. 370.º do CPP quando interpretada no sentido de não ser obrigatória essa solicitação –, entendemos, na esteira da jurisprudência mais comum do STJ, que a falta desse relatório ou informação ou a falta de produção de qualquer outra prova suplementar para determinação da espécie e da medida da pena a aplicar poderá justificar o reenvio do processo para novo julgamento, quando o resultado for a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos dos arts. 410.º, n.º 2, al. a), e 426.º, ambos do CPP (neste sentido cf., entre muitos outros, os Acs. de 30-11-2006, Proc. n.º 3657/06 - 5.ª e de 11-01-2006, Proc. n.º 3461/05 - 3.ª, o segundo também subscrito pelo relator deste).

II - O TC entendeu que a não obrigatoriedade da requisição de relatório social «não restringe, seja de que forma for, que o arguido exerça plenamente toda a panóplia de acções ou actividades com vista a assegurar uma sua efectiva defesa». E, no mesmo acórdão, considerou também que a norma do n.º 1 do art. 370.º do CPP «não contende com o exercício, pelo tribunal, de poderes inquisitórios, designadamente com vista ao apuramento de factos ou circunstâncias que se revelem favoráveis ao arguido» e que a referida não obrigatoriedade não colide com o princípio da adequação da punição à culpa do agente.”


(b) Da relação de concurso  entre os crimes de furto e de violência depois da subtracção

A recorrente insurge-se contra a condenação em concurso efectivo pelos crimes de furto simples e de violência depois da subtração, relativamente aos factos provenientes do proc. n.º 2175/20…….. Defende que deveria ter sido condenada por um crime de violência depois da subtracção do art. 211.º do CP em concurso aparente com um crime de furto do art. 203.º do CP. Ou seja, deveria ter sido punida apenas pelo crime mais grave.

O Ministério Público acompanhou esta posição, referindo na resposta que o crime de violência depois da subtração entra numa relação de concurso aparente com o furto que tiver ocorrido, que a relação será de consumpção, uma vez que na previsão do art. 211.º do CP já está acautelada a proteção tanto do bem jurídico patrimonial como dos bens jurídicos pessoais atingidos com os meios violentos.

Nesta parte, recorrente e recorrido têm razão. A arguida deve ser punida apenas à luz do tipo penal mais grave.

Concretamente, estão em causa os seguintes factos objectivos provados (os que importa agora considerar):

“No dia 17 de Novembro de 2020, (…) AA atirou-se para a estrada, simulando estar ferida, no momento em que BB se aproximava, conduzindo a sua viatura.

BB saiu da viatura, apressadamente, para a ajudar, e deixou cair no chão o telemóvel marca Samsung Galaxy S9 Plus, no valor de 659€.

AA, ao ver o telemóvel apoderou-se dele e colocou-se em fuga, levando-o consigo.

BB, então, perseguiu-a para recuperar o seu aparelho e quando a abordou, AA exibiu uma faca na sua direção, provocando-lhe receio pela sua vida e integridade física e fazendo com que se afastasse.

Dessa forma, AA conseguiu manter o telemóvel na sua posse, que utilizou em proveito próprio.”

Destes factos retiraram-se no acórdão as seguintes conclusões de direito:

“Do crime de violência depois da subtracção

Nos termos do disposto no art. 211º do CP, as penas previstas no artigo anterior (ou seja as aplicáveis ao crime de roubo) são, conforme os casos, aplicáveis a quem utilizar os meios previstos no mesmo artigo para, quando encontrado em flagrante delito de furto, conservar ou não restituir as coisas subtraídas. É, manifestamente, o caso dos autos no que diz respeito ao inquérito 2175/20……. (H). Efectivamente, a arguida, após se ter apropriado de um telemóvel de marca Samsung Galaxy S9 Plus exibiu uma faca de cozinha que transportava consigo no intuito de conservar a detenção do referido objecto. Consequentemente, com esta conduta a arguida preencheu os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em análise.”

E mais adiante, aditou-se:

“Do crime de furto

A arguida vem acusada da prática de um crime de furto simples no inquérito 2175/20…… (…) De acordo com o disposto no n.° l, do artigo 203° do CP, «Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa»(…) Em face do que fica dito, dúvidas não restam de que a arguida preencheu os elementos objectivos e subjectivos dos crimes imputados com a sua actuação descrita em H) e I).”

Nada se acrescentou no acórdão no referente à unidade ou pluralidade de infracção e à relação existente entre os tipos de crime que se consideraram realizados pela arguida.

Mais adiante, já aquando da determinação da(s) pena(s), fixou-se “uma pena de 1 ano de prisão pela prática de um crime de furto simples e uma pena de 3 anos e 4 meses de prisão pela prática de um crime de violência após a subtracção (H))”. Note-se que o dispositivo do acórdão enferma de erro de escrita ao consignar como pena correspondente ao crime de furto simples “1 ano e 4 meses de prisão”, e não “1 ano de prisão” como se encontra decidido na fundamentação, lapso que resulta evidente de todo o acórdão.

Retira-se do exposto que o tribunal considerou que os dois crimes em análise se encontravam numa relação de concurso efectivo, embora nada fundamentasse a propósito da unidade ou pluralidade da infracção.

Como se adiantou, o episódio de vida em apreciação descrito em H deve ser punido tão só com a pena do art. 211.º do CP (violência depois da subtracção). Esta “consome o tipo legal de furto simples” distinguindo-se do roubo “através do momento em que o agente exerce a violência: se for antes da subtracção, estaremos perante o tipo legal de roubo, se for depois da subtracção, estaremos perante o presente tipo leal” (Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense ao Código Penal, dir. Figueiredo Dias, Tomo II, p. 200).

À semelhança do que sucede com o roubo em relação ao furto, também aqui a relação que se estabelece entre normas é a de consumpção. Ou seja, a circunstância de à conduta da arguida, num primeiro momento, serem abstractamente aplicáveis duas normas incriminadoras, não leva a concluir estar-se em presença de um concurso de factos puníveis.

Como ensina Figueiredo Dias, “importa antes de tudo determinar se as normas abstractamente aplicáveis se não encontram numa relação lógico-jurídica tal (…) que, em verdade, apenas uma delas ou algumas delas são aplicáveis, excluindo a aplicação desta ou destas normas (prevalecentes) a aplicação da ou das restantes normas (preteridas); pela razão de que à luz da(s) norma(s) prevalecente(s) se pode já avaliar de forma esgotante o conteúdo de ilícito (e de culpa) do comportamento global  (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal…, p. 992). E embora para estes casos Figueiredo Dias prefira a expressão “unidade de norma ou de lei”, em detrimento da tradicional “concurso aparente”, assim sucedendo mormente nos casos de “especialidade” e de “subsidiariedade”, já na “consumpção” considera que se trata mais de um concurso aparente.

No caso em análise, como se disse, a relação que se estabelece entre os dois tipos é a de consumpção, uma vez que “a condenação pelo ilícito típico mais grave exprime já de forma bastante o desvalor de todo o comportamento: lex consumens derogat legi consuntae” (Figueiredo Dia uma pena de 1 ano de prisão pela prática de um crime de furto simples s, loc. cit., p. 1001).

E assim sendo, o acórdão é de revogar na parte em que procedeu à condenação da arguida na pena de 1 (um) ano de prisão pela prática de um crime de furto simples, tendo-a condenado na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão pela prática de um crime de violência depois da subtracção, sendo apenas esta última pena de confirmar.

           

(c) Da medida das penas parcelares e da pena única

A recorrente impugnou a medida de todas as penas parcelares e única, propondo a redução relativamente a cada um dos crimes da condenação e a retirada do cúmulo jurídico da pena correspondente ao furto simples.  Fundamenta a asserção formulada - de que “a pena única de nove anos de prisão em que foi condenada é excessiva” - na eliminação da dita pena parcelar e na redução de todas as demais.

O Ministério Público contrapôs que “a arguida agiu com dolo direto, que o grau de ilicitude é mais intenso nas situações em que a arguida usou de violência física consubstanciada em agressões e que são elevadas as necessidades de prevenção geral, assim como as de prevenção especial em face do estilo de vida errante da arguida”, rematando que a pena de 9 anos prisão não é exagerada, devendo apenas ser reformulado o cúmulo de modo a “cair” a pena relativa ao crime de furto.

O recurso procedeu já, na parte da revogação da pena parcelar correspondente ao crime de furto simples (matéria referida em H dos factos provados), o que implica a reformulação do cúmulo jurídico com esse fundamento. Ou seja, o novo cúmulo jurídico deixa de englobar a parcelar de um ano de prisão (e não de 1 ano e 4 meses de prisão, conforme correcção de lapso de escrita a que já se procedeu em (b)). Mas só nessa medida e nessa parte se mostra justificada a intervenção correctiva do Supremo em matéria de pena.

Com efeito, da análise do acórdão, sempre no confronto da impugnação efectuada em recurso e do contributo do contraditório, resulta que todas as (demais) parcelares se encontram devidamente fundamentadas e justificadas, quer no que respeita à sua escolha, quer à sua medida.

Como se sabe, o processo de determinação da pena é uma “actividade judicialmente vinculada” (na expressão de Figueiredo Dias), o que implica, sempre de acordo com o quadro legal e constitucional, que relativamente a tipos que prevejam pena compósita alternativa (prisão ou multa) o tribunal comece por justificar, especialmente, o afastamento da pena não detentiva, quando for essa a sua opção (art. 70.º do CP).

Embora não expressamente impugnada no recurso, não deixa o Supremo de consignar a correcção da decisão também na parte respeitante à escolha da pena, momento precedente à medida da pena.

Sumariamente, justificou-se no acórdão que “a ausência de hábitos e rotinas de trabalho e a permeabilidade à influência do grupo de pares, agravados pela problemática aditiva, constituíram factores condicionadores da sua evolução pessoal e contribuíram para a adoção de comportamentos criminais. Consequentemente, entende-se que a pena de multa não realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Mas relevante também aqui é a circunstância de, por um lado, tais crimes concorrerem com muitos outros sancionados tão só com prisão (como os de roubo) e, pelo outro, a prática dos crimes suceder-se a condenação anterior em pena suspensa, que se revelou ineficaz na prevenção da recidiva.

No respeitante à medida das penas parcelares, constata-se que se encontram fixadas bastante próximo dos limites mínimos das molduras abstractas. E na sua fixação o colectivo de juízes atendeu às circunstâncias que se impunha considerar, sempre em correspondência com os factos provados do acórdão, justificando sumariamente que “(i) a arguida agiu com dolo directo; (ii) o grau de ilicitude é mais intenso nas situações em que a arguida usou de violência física consubstanciada em agressões; (iii) são elevadas as necessidades de prevenção geral, assim como as de prevenção especial em face do estilo de vida errante da arguida”.

Valem aqui todas as considerações efectuadas em (a), a propósito da relevância dos factos pessoais na mensuração da pena. Constata-se que a arguida é jovem, de vinte e sete anos de idade, e evidencia necessidades de ressocialização prementes.

Como se nota no acórdão, “antes da prisão preventiva em que se encontra presentemente, mantinha consumos de drogas sintéticas, registando-se que a sua vida tem sido orientada, há vários anos, em função de um quadro de dependência. Deslocava-se a casa da mãe e do padrasto uma a duas vezes por semana, mas saía sem qualquer justificação.

Foi acompanhada pela DGRSP entre 2016 e 2018, numa suspensão da execução da pena com regime de prova (Proc. 158/15…….), mas não colaborou no acompanhamento. Manteve o consumo frequente de drogas e não se disponibilizou para tratamento, não se tendo mostrado responsiva face à intervenção em sede de uma condenação judicial. A falta de investimento na sua reabilitação psicossocial acabou por ditar a revogação da medida judicial e a execução da respectiva pena de prisão.”

As exigências de prevenção especial são elevadíssimas, indo ao encontro das exigências de prevenção geral, igualmente diagnosticadas com acerto. Não se vê, pois, razão que leve a detectar e a declarar o erro de decisão no que respeita a  todas as penas parcelares aplicadas no acórdão, muitas delas fixadas perto do limite mínimo da moldura abstracta, como se disse.

Passando à sindicância da pena única, considerou-se acertadamente que a pena do concurso teria de ser fixada em função das exigências gerais da culpa e da prevenção, devendo  atender-se, em conjunto, aos factos e à personalidade da arguida, tudo devendo “passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.”

Dá nota Figueiredo Dias que “a generalidade das legislações manda construir para a punição do concurso uma pena única ou pena do concurso, desde logo justificável à luz da consideração – necessariamente unitária – da pessoa ou da personalidade do agente; e politico-criminalmente aceitável à luz das exigências da culpa e da prevenção (sobretudo de prevenção especial) no processo de determinação e de aplicação de qualquer pena” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 280). E ensina que a mera adição mecânica das penas faz aumentar injustamente a sua gravidade proporcional e abre a possibilidade de ser deste modo ultrapassado o limite da culpa. Pois se a culpa não deixa de ser sempre referida ao facto (no caso, aos factos), a verdade é que, ao ser aferida por várias vezes, num mesmo processo, relativamente ao mesmo agente, ela ganha um mesmo efeito multiplicador. (…) Por outro lado, uma execução fraccionada (…) opõe-se inexoravelmente a qualquer tentativa séria de socialização” (loc. cit.).

Razões de culpa, de prevenção e da personalidade da pessoa justificam, pois, o cúmulo jurídico de penas. E lembra Cavaleiro de Ferreira que o cúmulo material de penas não só não é adoptado na lei vigente, como nunca o foi por nenhum dos códigos penais precedentes (Lições de Direito Penal, II, 2010, p. 156).

No acórdão, graduou-se a pena única  numa moldura abstracta de 3 anos e 4 meses de prisão – a mais elevada das penas parcelares que integram o cúmulo -  a 23 anos e 5 meses de prisão – a então soma de todas as parcelares. E nessa moldura, o colectivo de juízes decidiu aplicar à arguida a pena única de 9 anos de prisão, pena que se mostrava amplamente justificada e claramente necessária às finalidades da punição.

Na verdade, é concretamente de atribuir à pluralidade de crimes em análise um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta, pois o conjunto dos factos mostra-se já reconduzível a uma certa tendência criminosa. O “grande facto” apresenta-se aqui indiciador de uma tendência criminosa, reconhecendo-se a gravidade do concreto ilícito global, sendo necessária uma pena suficientemente robusta para a satisfação das exigências de prevenção geral e especial. Uma pena que assegure a tutela de todos os bens jurídicos afrontados pelas condutas reiteradas da arguida, e no respeitante à personalidade desta, não desconsiderando embora a sua juventude e a circunstância de os crimes em concurso se relacionarem com uma comprovada dependência do consumo de estupefacientes.

No que respeita ao problema da dependência de drogas, o Supremo tem-se dividido quanto ao valor a atribuir à influência da toxicodependência na avaliação do comportamento do agente. Reconhece-lhe um efeito agravante, nalgumas decisões, por partir de “formas de vida que têm na sua origem uma opção voluntária e consciente” (assim, acordão STJ de 07.05.08). Atribui-lhe força atenuante, noutras decisões: “as regras da experiência permitem inferir que a toxicodependência pode ter contribuído, de algum modo, para criar no arguido uma predisposição para a prática de crimes” (assim, acórdão STJ de 12.07.2007; esta análise encontra-se desenvolvida por Lourenço Martins, em A Medida da Pena, p. 276-286).

Mas independentemente da posição que se adopte sobre a relevância dos hábitos de consumo de drogas na fixação da pena, o grau de toxicodependência  visível no conjunto dos factos provados, aliado à idade da arguida,  não pode ficar fora da ponderação. Assim deve ser, desde logo porque a pena visa sempre a recuperação social do condenado, a sua preparação para uma vida conforme ao direito, a sua devolução ao meio livre. Visa recuperar e nunca segregar.

A pena única que se perspectiva deve assim dar resposta, designadamente, às necessidades específicas de uma reclusa com problemas de dependência de drogas, que, em meio livre, e tendo sofrido já duas penas de prisão suspensas, uma delas reforçada com regime de prova, não logrou ser bem sucedida no processo de ressocialização (em liberdade). Adite-se que os estabelecimentos prisionais dispõem de respostas dirigidas às necessidades específicas de reclusos com problemas de dependência de drogas. Tais respostas incluem abordagens de cariz médico e medicamentoso e de cariz cognitivo comportamental, em suma, um tratamento disponível a prestar a condenado que a ele adira voluntariamente.

  Mas considerando-se acertada a pena aplicada no acórdão à luz da moldura abstracta prefigurada então pelo tribunal de julgamento, cumpre ponderar se a descida do limite máximo em (apenas) um ano se deve ou não reflectir, mesmo que timidamente, na pena única. E a resposta é afirmativa.

Aceitando-se que, na moldura abstracta em causa, tal descida (do limite máximo) resulta quase insignificante, não pode, no entanto, deixar de se reconhecer que à pena única nunca será indiferente a existência de mais ou de menos um crime, cometido pela condenada. Mesmo que dos mesmos factos se trate, já que, no caso, a revogação da condenação pelo crime de furto simples resultou de razões de direito e não de facto.

Assim, tudo ponderado, considera-se que a prevenção geral positiva ou de integração (finalidade primordial a prosseguir com as penas), permanecerá em concreto assegurada com uma pena única de 8 (oito) anos e 10 (dez) meses de prisão. E a prevenção especial positiva, que não pode pôr em causa (e em concreto não põe) a pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, se mostra igualmente assegurada com a nova pena única de 8 (oito) anos e 10 (dez) meses de prisão, que deve assim ser a aplicada.

           

3. Decisão

Face ao exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se a pena de 1 (um) ano de prisão correspondente ao crime de furto simples, reduzindo-se a pena única para 8 (oito) anos e 10 (dez) meses de prisão, mantendo-se no mais o acórdão.

Sem custas (art. 513º, n.º 1, do CPP, a contrario).


Lisboa, 01.06.2022


Ana Barata Brito, Relatora

Pedro Branquinho Dias, Adjunto

Nuno Gonçalves, Presidente de Secção