Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2855/14.2TBVFR-B.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRATO PROMESSA
SINAL
CONTRATO MISTO
UNIÃO DE CONTRATOS
Data do Acordão: 10/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CONTRATO-PROMESSA / ANTECIPAÇÃO DO CUMPRIMENTO, SINAL / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS / DIREITO DE RETENÇÃO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª Edição, p. 274;
- Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª Edição, p. 469;
- Mota Pinto, Teoria Geral Do Direito Civil, 3.ª Edição, p. 444 e 445;
- Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Ensaio sobre o Sinal, p. 21 a 24;
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral Do Direito Civil, 6.ª Edição, p. 546 e 547 ; Contratos Atípicos, p. 221.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º 1, 405.º, N.º 1, 410.º, 440.º, 441.º, 442.º E 755.º, N.º 1, ALÍNEA F).
Sumário :

I A liberdade negocial contemplada no artigo 405º, nº1 do CCivil permite a livre opção de escolha de qualquer tipo contratual com submissão às suas regras imperativas, a livre opção de celebrar contratos diferentes dos típicos, a introdução no tipo contratual de cláusulas defensivas dos interesses das partes que não quebrem a função sócio-económica assumida pelo respectivo tipo e a reunião no mesmo contrato de dois ou mais contratos típicos.

II No contrato misto há um só negócio jurídico com elementos essenciais respeitantes a tipos contratuais diversos; na união de contratos há uma pluralidade de contratos, mantendo cada um a sua autonomia mas com uma finalidade económica comum e uma subordinação que implica que as vicissitudes de um se repercutam no outro.

III Se num contrato promessa de compra e venda de um imóvel, nas cláusulas referentes ao pagamento do preço acordado, o promitente comprador se obriga a satisfazer uma parte em dinheiro e o remanescente através da entrega de uma das casas que iria ser construída no prédio prometido vender e à qual os outorgantes atribuíram um determinado valor monetário, esta prestação não consubstancia, a se, um contrato promessa autónomo  – por parte do promitente comprador em relação ao promitente vendedor –, constituindo antes, uma obrigação daquele contrato.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I Nos autos de Verificação de Créditos, instaurados por apenso à insolvência da sociedade C, SA, foram reclamados créditos com na base no incumprimento pela insolvente de contratos-promessa de compra e venda com ela celebrados e que tiveram por objecto os diferentes imóveis a que se reportam as verbas enunciadas sob os n.ºs 1 a 5 do respectivo auto de apreensão de bens.

Entre outros foi reclamado por A e M, um crédito no valor global de 328.000 euros, que estaria garantido por direito de retenção.

Porque o mencionado crédito foi objecto de impugnação por Caixa Económica - Montepio Geral, realizou-se audiência prévia em que, para além do mais, se determinou o prosseguimento dos ulteriores termos do procedimento para avaliar da existência desses créditos, bem assim das garantias de que beneficiavam.

 

Concretizada audiência de julgamento, proferiu-se decisão que procedeu ao seguinte reconhecimento, no que aos aludidos Reclamantes concerne:

Reconheceu-se  seu um crédito pelo montante global de 329.000 euros (250.000 €, relativos a sinal em dobro + 54.000 €, referentes a cláusula penal + 25.000 €, relacionados com valor em dívida da aquisição pela insolvente do prédio onde seria implantada habitação prometida vender a familiar dos reclamantes), crédito global esse a beneficiar de direito de retenção sobre a Fracção B, apreendida e descrita sob a verba n.º 5.

Do assim decidido interpôs recurso de Apelação o Reclamante Montepio Geral, credor hipotecário, a qual veio a ser julgada procedente, sendo reconhecidos a favor dos identificados Reclamantes os seguintes créditos:

a/ Crédito no montante global de 150.000 euros (125.000 € + 25.000 €, com a indicada origem), de natureza comum, o qual fica graduado, para ser pago pelo produto da venda dos bens apreendidos para a insolvência, no lugar indicada no sentenciado para os créditos comuns; b/ Crédito no montante de 54.000 euros (dita cláusula penal), a beneficiar da garantia decorrente do direito de retenção sobre a fracção apreendida sob a verba n.º 5, o qual fica graduado, para ser pago pelo produto da venda da aludida verba, em 2.º lugar da ordem indicada no sentenciado.

Irresignados, recorrem agora os Reclamantes A e M, concluindo da seguinte forma:

- No recurso de apelação interposto para a Relação, o «Montepio Geral (CEMG)» insurgiu-se contra o reconhecimento a favor de A e mulher, M, de um crédito no montante global de € 329.000,00, garantido por direito de retenção, a ser pago com a preferência decorrente de tal garantia pelo produto da venda da verba imóvel nº 5, levantando as seguintes questões:

a) Inexistência de contrato-promessa de compra e venda em que os Reclamantes figurem como promitentes-compradores e a insolvente como promitente-vendedora;

b) A dar-se como celebrado entre a Insolvente e os Reclamantes esse contrato promessa, sempre o mesmo padeceria de nulidade por na documentação que o poderia titular não se mostrar cumprida a formalidade a que se reporta o art. 410º, nº 3 do CC (falta de reconhecimento presenciai das assinaturas dos promitentes);

c) Indevida consideração dum direito de retenção convencional, a funcionar como garantia quanto ao pagamento de que os Reclamantes sejam titulares;

d) Inexistência de pagamento pelos Reclamantes de qualquer quantia a título de sinal;

e) Consideração de um crédito a favor dos Reclamantes assente em cláusula penal excessiva e indevidamente abrangida por direito de retenção;

f) Indevido reconhecimento a favor dos Reclamantes de um crédito garantido por direito de retenção, pelo montante de € 25.000,00

- No presente recurso de Revista, vêm os ora Recorrentes suscitar a reapreciação do decidido no douto acórdão recorrido a propósito da questão identificada na alínea d), ou seja, sobre a alegada inexistência de pagamento pelos Reclamantes de qualquer quantia a título de sinal.

- Perante a factualidade dada como provada no que tange ao crédito dos credores A e M - supra transcrita em sede de motivação e que aqui se dá por integralmente reproduzida -, os ora Recorrentes preconizaram na sua resposta às alegações do recurso de apelação, e aqui reiteram tal entendimento, que não pode ser feita uma análise parcelar e fragmentada de uma realidade com cada vez mais expressão nas complexas relações jurídicas encetadas nos dias de hoje e que desde há já bastante tempo vem sendo burilada na Doutrina e na Jurisprudência: os denominados, contratos mistos, em sentido lato.

- Antes de tudo o mais, os contratos mistos são contratos atípicos que se consubstanciam em relações contratuais complexas e que, como tal, não podem ser analisados de uma forma linear e padronizada.

 - A doutrina civilista distingue o contrato misto (stricto sensu) da coligação ou união de contratos, também denominada coligação de contratos e a Jurisprudência vem acompanhando tal distinção. - Na distinção entre estas duas figuras assume particular relevância, na qualificação jurídica a fazer, tentar perceber se estamos perante um só contrato atípico, com diversas prestações ou se estamos na presença de dois ou mais contratos, substancialmente relacionados entre si.

- Comum a qualquer uma das figuras jurídicas é a certeza de que as referidas relações contratuais não podem ser analisados de forma fragmentada mas antes como uma e apenas uma realidade, ainda que complexa.

- Ora, no caso sub judice, constata-se que havendo um contrato-promessa matricial de compra e venda de um imóvel, celebrado entre o avô do Credor-Reclamante, ora Recorrente, e a Devedora, o mesmo inclui nas prestações acordadas, a celebração de um segundo contrato de promessa, que é parte integrante do primeiro.

- Ou seja, ao ficar consignado que parte do preço seria pago com a celebração de uma escritura de compra e venda de uma casa que iria ser construída no prédio prometido vender, dúvidas não restam de que estamos perante «um acerto económico unitário», «esquema» que as partes quiseram gizar como um só contrato de promessa de compra e venda que apenas se considerava concretizado com o pagamento integral do preço, de «per si» integrado pelo cumprimento do segundo contrato-promessa de compra e venda, no qual a insolvente figura como promitente-vendedora e o avô do Recorrente como promitente-comprador.

- Cingir a analise do crédito dos Recorrentes a apenas um momento do complexo percurso negocial supra descrito, traduz-se num recorte cirúrgico de uma parte de um longo e complexo processo negocial, empobrecendo-o, diminuindo-o, limitando-o a apenas um documento que faz parte integrante de uma realidade mais abrangente.

- E se dúvidas houvesse acerca da interpretação da vontade das partes no que tange ao segundo contrato, parte integrante do preço, o contrato celebrado, em 30 de Junho de 2011, entre a Insolvente (na qualidade de primeira outorgante) e Joaquim Leite de Sá (na qualidade de segundo outorgante), permite confirmar que tal vontade era a de que o complexo contrato-promessa entre ambas celebrado seria cumprido, designadamente, com o cumprimento (passe a redundância) de um segundo contrato-promessa: «Pelo presente contrato, e na sequência dos negócios firmados entre as partes, a primeira outorgante sociedade promete transmitir ao segundo outorgante (...) e este promete adquirir, para si (...) a casa de habitação melhor identificada (...)».

- Seguro e líquido é que, para analisar a relação contratual encetada entre a Insolvente e os Credores-reclamantes, ora Recorrentes, não se pode "escolher" um dos muitos documentos subscritos pelas partes para, a partir dele, proceder a uma análise truncada daquela que foi a vontade dos contraentes.

- Razões pelas quais se afigura aos Recorrentes que a douta sentença de primeira instância procedeu a uma análise abrangente, globalizante e sensível ao cariz misto e complexo do negócio jurídico subjacente ao «crédito dos credores Armando Leite e Mara Soqueiro.

- E é à luz dessa realidade e dessa qualificação jurídica que deve ser apreciada a questão levantada pelo «Montepio Geral (CEMG)» relativa à alegada «Inexistência de pagamento pelos Reclamantes de qualquer quantia a título de sinal».

- Com todo o devido respeito, e que é muito, embora com acento tónico noutro documento, restringe-se a análise da complexa relação jurídica encetada entre o avô do credor reclamante e a sociedade insolvente, a um único "momento", isolando-o de um passado que o justifica e contextualiza.

- Afigura-se líquido para os Recorrentes que o histórico de "contratos" celebrados entre as partes envolvidas apenas torna clara aquela que foi sempre a sua vontade e consta dos "escritos" iniciais: o avô do credor A prometeu vender à C um terreno pelo valor de 190,000,00€ e a C prometeu vender ao avô do credor uma moradia, que iria ser edificada nesse terreno, pelo valor de 125.000,00€, sendo que a C pagaria os 190.000,00 através da entrega da moradia, devidamente escriturada, e do montante de 65.000,00€.

- No dia 30 de Junho de 2011, o avô do aqui credor e a devedora assinaram um contrato que apenas vem realçar, tornar evidente e manifesta, a promessa de venda da CIF de uma moradia à qual atribuíram, desde o início, com os primeiros contratos, o valor de € 125.000,00. E fazem-no porque a casa estava pronta, a chave foi entregue naquele dia e, das duas promessas de venda iniciais, era a única que faltava cumprir, dado que em 26 de maio de 2006 já havia sido celebrada a escritura de compra e venda do prédio do avô do Recorrente.

- Neste contexto, também não sobejam dúvidas, pensamos, de que quando no dia 30 de Junho de 2011 se menciona que o preço de € 125.000,00 se encontra pago, os contraentes se referem à entrega do prédio objecto do contrato-promessa celebrado em 16 de Marco de 2006.

- Nem sequer outra hipótese alternativa resulta da prova produzida nos presentes autos ou sequer foi alguma vez aventada porque, na realidade, não existe!

- O que nos faz desembocar na questão de saber se foi prestado algum sinal pelo avô do Recorrente.

- E isto porque no douto acórdão recorrido, pese embora não exactamente com a mesma contextualização, foi dado provimento ao entendimento sufragado pelo «Montepio Geral (CEMG)» no sentido de não haver reconhecimento a favor dos ora Recorrentes de um crédito no valor de € 250.000,00, revogando-se o decidido na douta sentença proferida em primeira instância, que considerou tal montante como equivalente ao dobro do sinal prestado pelo avô do reclamante marido no âmbito do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a sociedade insolvente, crédito esse garantido por direito de retenção, nos termos do artigo 755º, nº1, al. f) e 442º do Código Civil.

- Mais concretamente, diz-se o seguinte no douto acórdão (fls.51 a 53) da Relação do Porto: «(...)sempre diremos, em face da realidade fixada nesse âmbito (v. nomeadamente conjunto dos Pontos 21/ a 24/), não poder dar-se como apurado ter ocorrido a entrega de alguma quantia pela celebração desse contrato, sendo insuficiente para o efeito o vertido na parte final do Ponto 21/ onde se refere que o "preço de 125.000 € ", atento o declarado pelos intervenientes no dito contrato, se encontrava "já pago" . Poder-se-ia, contudo, defender no aspecto em análise que seria de atender ao contexto em que esse contrato foi celebrado, por forma a interpretar-se tal declaração de pagamento e, portanto, a ocorrência duma entrega, por força do fixado no anterior contrato celebrado entre os mesmos intervenientes - o de 16.3.2006 (v. Pontos 12/ a 14/) - em que tal entrega estaria englobada no preço fixado para a promessa de venda em que a insolvente figura como promitente-compradora (v. nomeadamente Ponto 13/supra).

- Mesmo que fosse de acolher semelhante interpretação, isso seria insuficiente para considerar a prestação sinal, posto desde logo não poder configurar-se a entrega duma quantia em dinheiro por forma a estabelecer-se a presunção "júris tantum" estatuída no art. 441 do CC, a que acresce a circunstância de não vir comprovado que a entrega do prédio que veio a ser adquirido pela insolvente englobava também a prestação de sinal no âmbito do contrato-promessa celebrado em 30.6.2011".

- Tal entendimento é fruto, percute-se, de uma análise parcelar do negócio jurídico em apreço, pois também gravita em torno de um único momento do processo negocial, no caso, do contrato-promessa celebrado em 30.6.2011, sem dúvida relevante para a clarificação dos escritos precedentes, mas que com eles deve ser sempre articulado, porque deles resulta, porque só por causa deles existe.

- De facto, tal contrato, além de não ter qualquer autonomia, pois só existe por causa dos "contratos matriciais" celebrados antes dele, antes constitui a expressão, a clarificação e também a sedimentação de uma promessa de venda já formulada nos contratos iniciais, por parte da sociedade insolvente, sendo indiscutível que a entrega do imóvel no âmbito do contrato celebrado em 16.3.2006 constitui um sinal, na promessa à data feita pela sociedade insolvente, promessa, essa, confirmada no contrato-promessa datado de 30.6.2011.

- Quanto ao facto de em causa estar a entrega de um imóvel e não de dinheiro, tal não constitui um óbice a que tal entrega permita fazer operar o regime dos artigos 44ie, 4425 e 755º, n° 1, al. f) do Código Civil.

- Pese embora seja controversa a possibilidade de um bem infungível constituir sinal, são muitos os que preconizam a sua admissibilidade.

- Uma decisão que não acolha uma visão abrangente e completa da relação jurídica que subjaz ao crédito dos credores, ora Recorrentes, abarcando todas as suas nuances, não se alicerça naquela que foi a real vontade das partes e traduzir-se-á numa decisão profundamente injusta em termos materiais, para aquele (e seus sucessores) que prometeu vender um prédio à sociedade insolvente e cumpriu a sua promessa mas não viu a promessa a si feita por aquela ser respeitada.

- Porque não haja dúvidas, a promessa de venda de imóveis foi recíproca e concomitante, entre o avô do Recorrente -marido e a sociedade insolvente!

- Deve ser declarado serem os Recorrentes titulares (para além do crédito no montante de € 54.000,00, nos termos constantes no douto acórdão recorrido) de um crédito pelo montante de € 250,000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) como equivalente ao dobro do sinal prestado pelo avô do reclamante marido no âmbito do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a sociedade insolvente, a beneficiar da garantia decorrente do direito de retenção sob a verba nº5 (artigos 442º e 755º, nº1, al. f) do C.C.) o qual fica graduado, para ser pago pelo produto da aludida verba.

Nas contra alegações o Recorrido Montepio Geral (CEMG), pugna pela manutenção do julgado.

II A única questão que se coloca na presente impugnação recursiva é a de saber se ocorreu ou não algum pagamento a título de sinal por banda dos Reclamantes.

 

As instâncias, no que aos Recorrentes diz respeito, deram como assentes os seguintes factos:

1 - No dia 24.7.2014 a aqui devedora apresentou-se a um processo de “PER”, que veio a ser encerrado por terem sido ultrapassados os prazos de negociações, sem que tivesse sido aprovado qualquer plano de revitalização;

2 - A “CGD requereu nestes autos, no dia 1.7.2014, a insolvência da devedora e, após cessar a suspensão da instância determinada pela instauração do “PER”, tal insolvência veio a ser declarada por sentença proferida no dia 15.7.2015, tendo sido determinado o prosseguimento dos autos para liquidação;

3 - A devedora e a sociedade “U, S.A.” haviam formado um consórcio denominado “Consórcio X” e eram comproprietárias de um terreno para construção urbana, situado no Lugar do (…);

4 - As Fracções A, B e C, cuja metade indivisa foi apreendida à ordem destes autos, como verbas 1, 2 e 3, foram edificadas no referido prédio e mostram-se hipotecadas a favor da “CGD”, pela Ap. 15 de 23/05/2007;

5 - A ½ indivisa da Fracção A, que se mostrava registada a favor da “U, S.A.”, veio a ser adquirida por B, mostrando-se tal aquisição registada pela Ap. 2058 de 25/11/2013;

6 - A “U, S.A.” foi declarada insolvente por sentença proferida no dia 25.11.2014, no âmbito do processo n.º …, o qual corre os seus termos no J2 deste Juízo de Comércio;

7 - Para além da ½ indivisa das Fracções autónomas A, B e C, já referidas em 4/, foram ainda apreendidos a favor da “massa insolvente”, o prédio urbano descrito na CRP da … sob o n.º 666, do qual foi desanexada uma parcela para formar o 689/20071221, tendo sido aí edificada a Fracção B (também apreendida à ordem destes autos), ambos hipotecados a favor da credora “Caixa Económica Montepio Geral”, pela Ap. 23 de 2007/11/22.

. O crédito de A e M:

8 - Através de documento particular datado de 21.4.2004, que os outorgantes denominaram de contrato promessa de compra e venda, J e M C (avós do aqui credor A) prometeram vender à aí segunda outorgante (a aqui Devedora), que por sua vez prometeu comprar-lhes, um prédio de casas térreas e campo lavradio junto (…)Conservatória do Registo Predial de (…)sob o n.º 00542/290503, em nome dos promitentes vendedores;

9 - Mais acordaram que o preço da prometida venda seria de duzentos mil euros (200.000 €), pagando a devedora setenta e cinco mil euros (75.000 €) em dinheiro e o remanescente através da entrega de uma casa que iria ser construída no prédio prometido vender e à qual ambas as partes outorgantes atribuíram o valor de cento e vinte e cinco mil euros (125.000 €);

10 - O valor de setenta e cinco mil euros seria liquidado da seguinte forma:

a/ como sinal e princípio de pagamento e na data em que assinaram o acordo referido em 8/, a devedora pagaria aos primeiros a quantia de dois mil e quinhentos euros (2.500 €);

b/ a quantia de vinte e dois mil e quinhentos euros (22.500 €) seria liquidada com a outorga da escritura de compra e venda;

c/ a quantia de vinte e cinco mil euros (25.000 €), seis meses após a data da realização da escritura pública;

d/ um ano após a data da outorga da escritura pública de compra e venda, a compradora/devedora teria de liquidar o remanescente do valor em dívida, ou seja, a quantia de vinte e cinco mil euros (25.000 €);

11 - A casa referida em 9/ foi identificada como sendo uma casa com duas frentes e com acabamentos e materiais iguais às restantes, casas que vão ser construídas pela promitente compradora (devedora) no prédio prometido vender, a qual deveria ser entregue aos promitentes vendedores totalmente acabada e pronta a habitar, no prazo máximo de dois anos após a realização da escritura pública de compra e venda. Tal casa seria equipada com placa, forno, exaustor, misturadora de cozinha e lava louça;

12 - No dia 16 de Março de 2006, os mesmos outorgantes, através de novo documento que devidamente assinaram e denominaram de contrato promessa de compra e venda, declararam dar sem efeito o acordo de 21.4.2004, com excepção do referido em 11/, e acordaram que o prédio objecto do contrato era o prédio urbano, destinado a construção, sito na (…), omisso no registo e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P1010;

13 - Igualmente acordaram que o preço da prometida venda seria de 190.000 € (cento e noventa mil euros), sendo sessenta e cinco mil euros (65.000 €) pagos em dinheiro e o remanescente através da entrega de uma das casas que iria ser construída no prédio prometido vender e à qual os outorgantes atribuíram o valor de cento e vinte e cinco mil euros (125.000 €);

14 - Os supra referidos 65.000 € seriam pagos da seguinte forma: a quantia de  12.500 € (doze mil e quinhentos euros) na data da assinatura do documento; a quantia de  12.500 € (doze mil e quinhentos euros) seria paga aquando da outorga da escritura pública de compra e venda; a quantia de  12.500 € (doze mil e quinhentos euros) seria paga após cento e oitenta dias da realização da escritura pública de compra e venda; e a quantia de  25 000 € (vinte e cinco mil euros) que será liquidada um ano após a outorga da escritura pública de compra e venda;

15 - No dia 22 de Maio de 2006, as mesmas partes procederam à alteração da cláusula 10.º do acordo celebrado a 21 de Abril de 2004, de modo a fazer consignar que acordavam em alterar o prazo fixado para a entrega da casa, que passava a ser de dezoito meses a contar da concessão da licença de construção a ser emitida pela “Câmara Municipal de …”, sem contudo exceder o prazo de três anos a contar da data da escritura pública de compra e venda que nesse dia fora outorgada;

16 - No dia 26.5.2006, através de escritura pública de justificação e compra e venda, o prédio identificado em 12/ foi vendido à aqui insolvente;

17 - Por documento particular assinado em 12 de Outubro de 2010, a aqui devedora declarou que se comprometia a entregar ao avô do aqui credor impugnante a casa de habitação que integrava o preço (parcial) dos sobreditos contratos promessa de compra e venda, e aí melhor identificada, totalmente acabada, equipada e pronta a habitar, impreterivelmente até ao dia 30 de Novembro de 2010, sob pena de ter de indemnizá-lo na quantia de 500 €, (Quinhentos Euros), por cada 30 (trinta) dias de atraso em tal entrega;

18 - Mais se comprometeu a fazer tal entrega mediante o fornecimento ao primeiro outorgante das respectivas chaves, permitindo assim que este entrasse, desde logo, na plena posse de tal casa de habitação, habitando-a, fruindo-a e usando-a, como se de seu legítimo dono e proprietário se tratasse;

19 - Mais declarou a devedora que celebraria a escritura definitiva de compra e venda referente a tal casa de habitação – e relativamente à qual já havia recebido integralmente o preço acordado – com o primeiro outorgante ou com terceiros que este, até à data da escritura, lhe viesse a indicar, impreterivelmente até ao dia 30 de Julho de 2011, sob pena de ter de indemnizar o primeiro outorgante na quantia de 500 € (Quinhentos Euros), por cada 30 (trinta) dias de atraso;

20 - Por fim, comprometeu-se a devedora e entregar ao avô do aqui credor a quantia de 25.000 €,00 (Vinte e Cinco Mil Euros), que confessou ainda dever-lhe por conta do preço acordado no âmbito dos contratos promessa de compra e venda que celebraram, impreterivelmente até ao dia 30 de Setembro de 2011;

21 - No dia 30 de Junho de 2011, o avô do aqui credor e a devedora assinaram um documento que denominaram de “Contrato” pelo qual a devedora declarou transmitir ao avô do aqui credor – pela entrega das respectivas chaves – a casa de habitação supra identificada, pelo preço de 125.000 € (Cento e Vinte e Cinco Mil Euros), já pago, assegurando que tal casa estava totalmente acabada, equipada e pronta a habitar.

Mais declararam que com a entrega das chaves, nessa data, o avô do aqui credor passaria a habitar tal casa, fruindo-a e usando-a, como coisa sua;

22 - Declarou ainda a devedora que, por força de ainda não ter reunido nessa data todas as condições indispensáveis à celebração da escritura definitiva de compra e venda referente a tal casa de habitação, se comprometia a celebrá-la impreterivelmente até ao dia 31 de Dezembro de 2011, num dos Cartórios Notariais localizadas na Cidade de …, sob pena de ter de indemnizar o segundo outorgante na quantia de 1.500 € (Mil e Quinhentos Euros), por cada 30 (trinta) dias de atraso;

23 - Estabeleceram ainda que o avô do aqui credor gozaria “de direito de retenção” sobre o prédio/imóvel em questão, designadamente até ao integral cumprimento “do presente contrato”;

24 - A devedora comprometeu-se ainda a pagar ao avô do aqui credor a quantia de 25.000 € (Vinte e Cinco Mil Euros), que lhe devia por conta do preço acordado, impreterivelmente até ao dia 30 de Setembro de 2011, sem necessidade de qualquer interpelação;

25 - Por documento particular datado de 7.7.2011 e devidamente assinado pelos declarantes, a que as partes chamaram de “Cessão da Posição Contratual”, o avô do aqui credor marido (que aí figura como segundo outorgante) cedeu, de forma gratuita, aos aqui Impugnantes/Reclamantes (que aí figuram como terceiros outorgantes), os quais lhe tomaram por cessão, a posição contratual que aquele detinha no contrato escrito que o mesmo e a aqui Devedora (que aí figura como primeira outorgante) haviam firmado em 30 de Junho de 2011;

26 - Tendo-o feito com todos os seus direitos e obrigações e com o consentimento e autorização expressa da devedora;

27 - Nessa data, os aqui credores Armando M e M passaram a residir na casa supra identificada, onde ainda residem;

28 - Pese embora o acordado, a devedora não marcou a escritura pública de compra e venda até ao dia 31 de Dezembro de 2011, não obstante as interpelações que lhe foram dirigidas por A e M e não obstante estar pago à devedora o montante de 125.000 €;

29 - De igual forma, a devedora não pagou aos aqui credores o montante de 25.000 €, referido em 14/ e 24/;

30 - A casa de habitação objecto dos acordos acima identificados e onde residem os credores A e M corresponde ao prédio descrito na CRP de … sob o n.º 689/20071221-B e está identificado no auto de apreensão de bens a favor da “massa insolvente” como verba n.º 5;

30/a - As interpelações indicadas em 28/ foram efectivadas não só por escrito, através de cartas que A e M dirigiram à devedora, mas também presencialmente, nas diversas reuniões que ocorreram entre os credores e a devedora – Ponto 112 do elenco factual constante do sentenciado;

30/b - A Fracção B onde residem desde 2011 os credores A e M tinha licença de utilização emitida e a escritura pública não foi outorgada porque a devedora não logrou reunir o montante necessário à expurgação da hipoteca que, a favor do credor “Caixa Económica Montepio Geral”, se mostrava registada sobre tal Fracção – Ponto 113 do elenco factual constante do sentenciado.

Vejamos.

O Acórdão recorrido fundamentou a sua posição com o seguinte raciocínio:

«O apelante em referência coloca em causa o reconhecimento a favor dos reclamantes A e mulher M de um crédito garantido por direito de retenção e que o mesmo atinja o valor global de 329.000 euros (v. acima a sua composição, tal como definido no sentenciado), por forma a ser pago com a preferência decorrente daquela garantia pelo produto da venda da verba imóvel designada pelo n.º 5.

Para tanto e na base do contrato ou “acordos” que foram celebrados com a sociedade insolvente aduz que o montante global do crédito que aos identificados reclamantes pode dar-se como verificado se trata de crédito comum e como tal deve ser graduado, suscitando as questões que podem resumir-se ao seguinte:

. Inexistência de pagamento pelos Reclamantes de qualquer quantia a título de sinal;

Convirá referir, antes de mais, que o fim último perseguido por este apelante assenta essencialmente na discordância quanto à verificação dum crédito a favor dos Reclamantes que tenha por base o incumprimento dum contrato-promessa de compra e venda em que aqueles últimos figurem como promitentes-compradores, nessa medida também não podendo ser-lhes reconhecido que o crédito de que sejam titulares beneficia da garantia do direito de retenção, tal como foi ponderado na decisão impugnada.

Abordemos, então, essa questão essencial que passa por saber se entre a sociedade insolvente e os identificados reclamantes foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda, em que aquela figura como promitente vendedora e os últimos como promitentes compradores.

Tanto quanto depreendemos do discurso argumentativo avançado pelo recorrente “Montepio”, defende este que, no contexto em que foram celebrados os contratos com os aludidos reclamantes – referimo-nos ao contrato inicial, a traduzir um contrato-promessa de compra e venda, em que a insolvente é que figuraria como promitente compradora (v. Pontos 8/ a 11/ supra), depois substituído pelo celebrado em 16.3.2006 (v. Pontos 12/ a 14/ supra), com alteração em 22.5.2006 (v. Ponto 16/ supra) e vindo a concretizar-se o contrato definitivo de compra e venda em 26.5.2006 (v. Ponto 16/ supra); bem assim tendo como referência os subsequentes “acordo escrito” e “contato” celebrados em 12.10.2010 (v. Pontos 17/ a 20/) e 30.6.2011 (v. Pontos 21/ a 24/) – não pode falar-se dum  contrato-promessa de compra e venda em que a sociedade insolvente figure como promitente-vendedora, antes transparecendo ser aquela a ocupar a posição de promitente-compradora, mais decorrendo que os escritos reportados a 12.10.2010 e 30.6.2011 não representam senão acordos de pagamento do preço que sobre a insolvente impendia pela celebração do contrato-promessa reportado a 16.3.2006 e ainda não liquidado pela aquisição por aquela do terreno no último referido – no caso, sendo o preço em falta representado pela quantia de 25.000 euros e a entrega da moradia a implantar no dito terreno.

Também com o alcance assim atribuído aos ditos “contratos”, os eventuais créditos de que fossem titulares os mencionados reclamantes, na decorrência de incumprimento imputável à sociedade insolvente, teriam se ser considerados comuns, na precisa medida em que não beneficiariam de garantia assente no direito de retenção.

Analisemos.

Numa primeira abordagem ao que estabelecido foi inicialmente entre os respectivos intervenientes – aludimos nomeadamente ao contrato reportado a 16.3.2006 (Pontos 12/ a 14/) e que esteve na base da celebração da escritura pública de compra e venda de 26.5.2006 (v. Ponto 16/) – e fazendo a sua interpretação parece decorrer a celebração dum contrato-promessa de compra e venda, tendo por objecto um terreno destinado à construção, em que figura como promitente-compradora a sociedade insolvente e como promitente-vendedor o avô do Reclamante marido, sendo o preço (no global de 190.000 euros) a pagar por aquela representado por uma quantia monetária (65.000 euros) e o restante pela entrega de uma das moradias a edificar por aquela no dito terreno.

Contudo, o que se pergunta é se tais intervenientes não assumiram também em simultâneo uma posição inversa à referida, na medida em que, passando o pagamento de parte do falado preço pela entrega duma moradia (avaliada em 125.000 euros) a cargo da insolvente, isso não equivale ou implica que esta última detenha igualmente a posição de promitente-vendedora e o outro interveniente a posição de promitente-comprador, assim nos confrontando com uma união ou coligação de contratos, em que existe uma ligação entre si por força duma relação de dependência (quiçá configurando-se um eventual contrato-promessa de permuta de imóveis).

A resposta à problemática assim equacionada, na ausência de indagação quanto ao que foi a vontade dos referidos intervenientes e tendo apenas como referência os dizeres constantes dos “escritos iniciais” – com maior incidência os reportados a 16.3.2006 e 22.5.2006 (v. Pontos 12/ e 15/ – não se nos afigura evidente.

Contudo, cremos que a atribuição da qualidade de promitente-vendedora em relação à sociedade insolvente recolhe apoio em face do “escrito” a que se reportam os Pontos 21/ e 22/ supra (de 30.6.2011), na medida em que daí resulta que a sociedade insolvente prometeu transmitir a favor do avô do referido reclamante a moradia que estava prevista ser construída no já aludido prédio (este prometido vender àquela e cujo negócio definitivo foi concluído - v. Ponto 16/ supra), mediante o preço de 125.000 euros, o qual foi considerado pelos intervenientes integralmente pago, tanto quanto deduzimos, por via da entrega do aludido prédio objecto do referido contrato-promessa de 16.3.2006.

Na base desta ponderação e tendo, pelo menos, como referência o contrato reportado a 30.6.2011 (v. Pontos 21/ e 22/ supra) temos como adquirido que a sociedade insolvente assumiu de facto a posição de promitente-vendedora, sendo a partir do assim concluído que terá igualmente de avaliar-se a natureza dos eventuais créditos de que sejam titulares os identificados reclamantes.

Não colhe, pois, a pretensão do recorrente/banco de ver considerada a inexistência dum contrato-promessa de compra e venda, tal como definido no art. 410 do CC, em que a insolvente tenha intervindo na posição de promitente-vendedora.

(…)

Pugna ainda este recorrente pelo não reconhecimento dum crédito pelo montante de 250.000 euros, enquanto no sentenciado foi considerado como equivalente ao dobro do sinal prestado pelo avô do reclamante marido no âmbito do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a sociedade insolvente, quando muito e nesse âmbito apenas se podendo considerar um crédito a favor daqueles pelo montante de 125.000 euros e devendo ser qualificado de comum (quarta questão acima enunciada).

Depreende-se do argumentado que foi indevido o recurso à figura o sinal para sustentar o reconhecimento dum crédito do falado montante e com a aludida garantia, posto não ser configurável a celebração dum contrato-promessa de compra e venda em que a insolvente figure como promitente-vendedora, mais acrescendo a circunstância de não vir comprovado a entrega pelo avô do reclamante marido de qualquer montante a título de sinal pela celebração de alguns dos contratos referidos nomeadamente nos Pontos 12/ a 14/ e 21/ a 24/, respectivamente.

No que respeita àquele primeira objecção, já acima reflectimos ter ocorrido a celebração de contrato-promessa de compra e venda em que a insolvente figura como promitente-vendedora, atento o teor do contrato celebrado em 30.6.2011 (v. Pontos 21/ a 24/), subsistindo, contudo, a questão de saber se por via do mesmo foi prestado algum sinal.

Do clausulado nesse contrato ou da demais realidade dada como apurada e com o mesmo conexionada não decorre ter ocorrido a entrega por parte do promitente-comprador de alguma coisa que à luz do prescrito na parte final do art. 440 ou do art. 441, ambos do CC, possa qualificar-se como sinal.

Independentemente da controvérsia que possa suscitar-se quanto ao que pode constituir objecto de sinal – coisa fungível (v.g. quantia monetária) ou infungível (cf. para controvérsia na doutrina quanto a essa matéria, N. Pinto de Oliveira, in “Ensaio sobre o Sinal”, págs. 21 a 24) – sempre diremos, em face da realidade fixada nesse âmbito (v. nomeadamente conjunto dos Pontos 21/ a 24/), não poder dar-se como apurado ter ocorrido a entrega de alguma quantia pela celebração desse contrato, sendo insuficiente para o efeito o vertido na parte final do Ponto 21/, onde se refere que o “preço de 125.000 €”, atento o declarado pelos intervenientes no dito contrato, se encontrava “já pago”.

Poder-se-ia, contudo, defender no aspecto em análise que seria de atender ao contexto em que esse contrato foi celebrado, por forma a interpretar-se tal declaração de pagamento e, portanto, a ocorrência duma entrega, por força do fixado no anterior contrato celebrado entre os mesmos intervenientes – o de 16.3.2006 (v. Pontos 12/ a 14/) – em que tal entrega estaria englobada no preço fixado para a promessa de venda em que a insolvente figura como promitente-compradora (v. nomeadamente Ponto 13/ supra).

Mesmo que fosse de acolher semelhante interpretação, isso seria insuficiente para considerar a prestação de sinal, posto desde logo não poder configurar-se a entrega duma quantia em dinheiro por forma a estabelecer-se a presunção “juris tantum” estatuída no art. 441 do CC, a que acresce a circunstância de não vir comprovado que a entrega do prédio que veio a ser adquirido pela insolvente englobava também a prestação de sinal no âmbito do contrato-promessa celebrado em 30.6.2011.

Temos, assim, como adquirido, por força da realidade dada como apurada e o alcance a atribuir ao contrato-promessa celebrado em 30.6.2011, não ser possível constatar a prestação de sinal pelo montante de 125.000 euros no âmbito desse mesmo contrato.

Mas devendo concluir-se pela não prestação de sinal, cremos também não poder falar-se dum crédito garantido pelo direito de retenção, na decorrência do incumprimento de contrato-promessa de compra e venda, por forma a ter a cobertura do prescrito nas disposições conjugadas dos arts. 755, n.º 1, al f/ e 442, ambos do CC.

Neste contexto será antes de equacionar serem os identificados reclamantes titulares dum crédito comum pelo montante de 125.000 euros, atenta a circunstância da insolvente estar obrigada a entregar a dita moradia, tal como se havia comprometido fazê-lo desde logo na decorrência do contrato-promessa celebrado em 16.3.2006, sob pena de, assim não sucedendo, e por força do naquele clausulado (v. termos do pagamento do preço por parte da insolvente – Ponto 13/ supra), subsistir um enriquecimento ilegítimo.».

O aporema daqui reside na interpretação das declarações de vontade negociais plasmadas no contrato celebrado em 21 de Abril de 20014, referido nos pontos 8., 9. e 10. da materialidade assente, a saber:

«8 - Através de documento particular datado de 21.4.2004, que os outorgantes denominaram de contrato promessa de compra e venda, J e M C (avós do aqui credor A) prometeram vender à aí segunda outorgante (a aqui Devedora), que por sua vez prometeu comprar-lhes, um prédio de casas térreas e campo lavradio junto (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 136 e registado na Primeira Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 00542/290503, em nome dos promitentes vendedores;

9 - Mais acordaram que o preço da prometida venda seria de duzentos mil euros (200.000 €), pagando a devedora setenta e cinco mil euros (75.000 €) em dinheiro e o remanescente através da entrega de uma casa que iria ser construída no prédio prometido vender e à qual ambas as partes outorgantes atribuíram o valor de cento e vinte e cinco mil euros (125.000 €);

10 - O valor de setenta e cinco mil euros seria liquidado da seguinte forma:

a/ como sinal e princípio de pagamento e na data em que assinaram o acordo referido em 8/, a devedora pagaria aos primeiros a quantia de dois mil e quinhentos euros (2.500 €);

b/ a quantia de vinte e dois mil e quinhentos euros (22.500 €) seria liquidada com a outorga da escritura de compra e venda;

c/ a quantia de vinte e cinco mil euros (25.000 €), seis meses após a data da realização da escritura pública;

d/ um ano após a data da outorga da escritura pública de compra e venda, a compradora/devedora teria de liquidar o remanescente do valor em dívida, ou seja, a quantia de vinte e cinco mil euros (25.000 €);».

De tal acordo resulta, sem dúvida alguma que os(agora) Reclamantes prometeram vender à insolvente, que por sua vez prometeu comprar-lhes, um prédio de casas térreas e campo lavradio junto, chamado da Eira, com quinteiro, eira, ramadas e mais pertenças, sito no Lugar …., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 136 e registado na Primeira Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 00542/290503, em nome dos promitentes vendedores, pelo preço de duzentos mil euros (200.000 €), quantia essa que a promitente compradora satisfaria com setenta e cinco mil euros (75.000 €) em dinheiro e o remanescente através da entrega de uma casa que iria ser construída no prédio prometido vender e à qual ambas as partes outorgantes atribuíram o valor de cento e vinte e cinco mil euros (125.000 €), sendo aquele montante de setenta e cinco mil euros (75.000 €), satisfeito do seguinte modo: como sinal e princípio de pagamento e na data em que assinaram o acordo, a devedora pagaria aos primeiros a quantia de dois mil e quinhentos euros (2.500 €); a quantia de vinte e dois mil e quinhentos euros (22.500 €) seria liquidada com a outorga da escritura de compra e venda; a quantia de vinte e cinco mil euros (25.000 €), seis meses após a data da realização da escritura pública.

Ao contrário do que os Recorrentes pretendem defender, não se vislumbra, neste negócio jurídico bilateral, consubstanciado em duas declarações de vontades convergentes, tendo por objecto único a aquisição pela Insolvente de um imóvel àqueles pertencente, que esta tenha querido, por qualquer forma, no mesmo acto negocial, prometer vender àqueles e que aqueles tenham prometido adquirir, um qualquer outro imóvel, cujo preço final, atribuído pelas partes a se, pudesse constituir um sinal.

Decorre do disposto no artigo 236º, nº1 do CCivil que «A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.».

A interpretação nos negócios jurídicos surge-nos, assim, como uma actividade destinada a fixar o sentido e alcance decisivo do seu conteúdo, determinando o conteúdo das declarações que o suportam e, consequentemente os efeitos que visam produzir, cfr Mota Pinto, Teoria Geral Do Direito Civil, 3ª edição, 444/445; Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral Do Direito Civil, 6ª edição, 546/547.

Tendo como boa a doutrina da impressão do destinatário, posição esta adoptada pela doutrina e pela jurisprudência como a mais razoável e mais justa na interpretação negocial, começamos por dizer que a aludida factualidade extratada supra, resultante do acordo havido em 21 de Abril de 2004, nos conduz, a priori, para a existência de um único contrato – o contrato promessa de compra e venda em que os ora Reclamantes prometeram vender à insolvente, que por sua vez prometeu comprar-lhes, um prédio de casas térreas e campo lavradio junto, (…)e não, como defendem os Recorrentes, um contrato misto, consubstanciado no seu dizer, na circunstância de «[h]avendo um contrato-promessa matricial de compra e venda de um imóvel, celebrado entre o avô do Credor-Reclamante, ora Recorrente, e a Devedora, o mesmo inclui nas prestações acordadas, a celebração de um segundo contrato de promessa, que é parte integrante do primeiro. Ou seja, ao ficar consignado que parte do preço seria pago com a celebração de uma escritura de compra e venda de uma casa que iria ser construída no prédio prometido vender, dúvidas não restam de que estamos perante «um acerto económico unitário», «esquema» que as partes quiseram gizar como um só contrato de promessa de compra e venda que apenas se considerava concretizado com o pagamento integral do preço, de «per si» integrado pelo cumprimento do segundo contrato-promessa de compra e venda, no qual a insolvente figura como promitente-vendedora e o avô do Recorrente como promitente-comprador.».

Bem sabemos que na teoria da relação jurídica podem existir situações em que as partes contratantes congregam num só negócio elementos correspondentes a mais do que um tipo de contrato, total ou parcialmente regulados na Lei, «[D]iz-se misto o contrato no qual se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei. Em vez de se realizarem um ou mais dos tipos ou modelos de convenção contratual incluídos no catálogo da lei (contratos típicos ou nominados), as partes, porque os eus interesse assim o impunham, celebram por vezes contratos com prestações de natureza diversa ou com uma articulação de prestações diferente da prevista na lei, mas encontrando-se ambas as prestações ou todas elas compreendidas em espécies típicas directamente reguladas na lei.», apud Antunes Varela,  Das Obrigações em Geral, 6ª edição, 274.

Contudo, os elementos correspondentes a vários tipos contratuais agremiam-se em ordem à realização de função unitária; ou forma-se um acordo pela conjugação de parte de elementos de diversos contratos típicos; ou em certa espécie contratual insinuam-se ou incrustam-se elementos estranhos. Em qualquer caso há fusão e não simples cúmulo; o contrato misto é um contrato só, não se identificando com a união de contratos, cfr Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª edição, 469.

A liberdade negocial contemplada no artigo 405º, nº1 do CCivil permite a livre opção de escolha de qualquer tipo contratual com submissão às suas regras imperativas, a livre opção de celebrar contratos diferentes dos típicos, a introdução no tipo contratual de cláusulas defensivas dos interesses das partes que não quebrem a função sócio-económica assumida pelo respectivo tipo e a reunião no mesmo contrato de dois ou mais contratos típicos.

No contrato misto há um só negócio jurídico com elementos essenciais respeitantes a tipos contratuais diversos; na união de contratos há uma pluralidade de contratos, mantendo cada um a sua autonomia mas com uma finalidade económica comum e uma subordinação que implica que as vicissitudes de um se repercutam no outro: «[S]e o relacionamento entre os tipos for tal que ambos possam subsistir e vigorar como contratos completos e separados, não obstante o vínculo que os liga, a classificação é de união de contratos. Se o relacionamento entre os tipos não permitir a separação, o contrato é classificado como misto», in Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, 221.

Tendo sempre em atenção o acordo de vontades expresso do contrato firmado em 21de Abril de 2004 e os princípios que regem a interpretação dos negócios jurídicos, temos necessariamente de concluir que a existência naquele de uma das figuras trazidas à liça, quer a de contrato misto, quer a união de contratos é uma pura construção teórica, destituída de qualquer concretização material, já que, voltamos a repetir o que se extrai do mesmo é, tão só a declaração de vontade da insolvente a prometer comprar aos Reclamantes, aqui Recorrentes um determinado prédio, que estes lhe prometeram vender, e a forma faseada de pagamento do mesmo por aquela, que envolvia, além da entrega de uma quantia em dinheiro, uma outra parte em espécie, sendo esta uma de uma casa que iria ser construída no prédio prometido vender e à qual ambas as partes outorgantes atribuíram o valor de cento e vinte e cinco mil euros (125.000 €).

Não houve qualquer promessa de aquisição por banda dos Recorrentes daquela casa a construir no terreno prometido vender à Insolvente, pois a casa a construir, no montante de 125.000 €, era ela mesma, parte do preço global a pagar por esta, na prometida compra.

A Lei, no artigo 441º do CCivil estipula que «No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.».

Ora, não sendo os Recorrentes promitentes compradores, mas sim promitentes vendedores, carece de qualquer sentido a sua pretensão, sendo certo que a a constatação do facto dado como provado em 21., isto é que «No dia 30 de Junho de 2011, o avô do aqui credor e a devedora assinaram um documento que denominaram de “Contrato” pelo qual a devedora declarou transmitir ao avô do aqui credor – pela entrega das respectivas chaves – a casa de habitação supra identificada, pelo preço de 125.000 € (Cento e Vinte e Cinco Mil Euros), já pago, assegurando que tal casa estava totalmente acabada, equipada e pronta a habitar. Mais declararam que com a entrega das chaves, nessa data, o avô do aqui credor passaria a habitar tal casa, fruindo-a e usando-a, como coisa sua;», apenas poderá traduzir o eventual cumprimento de uma das cláusulas do contrato promessa referente ao pagamento do preço, por parte da promitente compradora.

Não decorrendo da declaração negocial em apreciação que se possa estar perante uma união de contratos – dois contratos de promessa cruzados, entre as mesmas partes –  que pudesse de alguma forma proporcionar a existência da fixação de um sinal entregue pelos Requerentes à Insolvente, as conclusões soçobram sem mais.

III Destarte, nega-se a Revista, confirmando-se a decisão ínsita no Acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 16 de Outubro de 2016

Ana Pula Boularot (Relatora)

Pinto de Almeida

José Rainho