Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
320/12.1TBVRM-E.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: INTERPRETAÇÃO DE SENTENÇA
HABILITAÇÃO DO CESSIONÁRIO
CASO JULGADO
CITAÇÃO PESSOAL
CITAÇÃO EDITAL
TRÂNSITO EM JULGADO
SENTENÇA
ANULAÇÃO DE DESPACHO
AÇÃO EXECUTIVA
Data do Acordão: 01/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. As sentenças, os acórdãos e os despachos judiciais são actos jurisdicionais aos quais são aplicáveis as normas jurídicas previstas nos arts. 237º a 238º do CC relativas à interpretação dos negócios jurídicos.

II. O incidente de habilitação de cessionário produz efeitos exclusivamente processuais, sem interferir com a discussão de direito que constitui o objeto da ação principal (na medida em que o incidente de adquirente ou cessionário visa produzir apenas uma modificação nos sujeitos da lide, não interferindo nem dando azo à discussão do direito que constitui o objeto da causa, tal como é configurada pelo pedido e pela causa de pedir).

III. Tendo o executado sido citado pessoalmente em 2015 (depois de ter ocorrido a sua citação edital), sido proferido em 10.07.2016 despacho a determinar/esclarecer que a sua citação válida era (apenas) a citação pessoal e não a citação edital, e sido proferido em 12/06/2019 decisão a julgar nula a citação edital do executado (nulidade que este havia suscitado), ali se decidindo que «anula-se o processado posterior ao requerimento executivo”, não pode uma posterior decisão (de 20/12/2021), interpretando aquele despacho de 12.06.2019 – apenas argumentando a “decorrência do trânsito em julgado da sentença proferida em 12/06/2019 que decretou a anulação de todo o processado posterior ao requerimento executivo” e que os incidentes de habilitação de cessionário tramitados e decididos nos autos o tinham sido “à revelia do executado”, quando o não foram (pois o foram após a citação pessoal do executado) – , concluir que esse despacho de 12.06.2019 decidiu anular todos os actos praticados nos autos posteriores à citação pessoal do executado, incluindo tais sentenças de habilitação.

IV. Assim, não resultando do despacho de 12/06/2019: expressa ou implicitamente, a anulação dos actos posteriores à citação pessoal do executado; que o Juiz que o proferiu em momento algum teve essa intenção; que os seus declaratários tenham interpretado e agido como se o referido despacho afectasse, designadamente, as (duas) sentenças de habilitação proferidas após a citação pessoal do executado (portanto, em incidentes não tramitados e decididos à revelia dos executados)  e transitadas em julgado e seus respectivos efeitos, nomeadamente quanto à legitimidade processual das partes,

não podem tais sentenças de habilitação (sem qualquer vício, transitadas em julgado e proferidas em conformidade com o esclarecimento havido no despacho de 10.07.2016 – ou seja, dentro do elenco de actos que tal despacho considerou serem válidos, os praticados após a citação pessoal do executado) ser, simplesmente, apagadas, ou (na linguagem do acórdão recorrido) eliminadas da ordem jurídica, sob pena de violação do julgado formado em tais sentenças.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível

I – RELATÓRIO

Barclays Bank, Plc, instaurou em 20/12/2012, execução para pagamento de quantia certa contra AA, BB e CC, pretendendo obter a cobrança coerciva da quantia de 339.568,71 euros, sendo 297.198,82 euros de capital em dívida e 42.369,82 euros de juros de mora vencidos, às taxas contratualizadas, acrescidas da sobretaxa de 4% por causa da mora, a que acrescem os juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento, servindo de títulos executivos três contratos de mútuo com hipoteca e fiança celebrados entre o exequente, na qualidade de mutuante, e o executado AA, na qualidade de mutuário, em, respetivamente, 31/08/2004, 28/12/2004 e 23/11/2007, e em que as restantes executadas figuram como fiadores, nomeando à penhora o prédio hipotecado, composto por casa de habitação, sito em ..., ..., ... ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...27, freguesia ..., e descrito na matriz sob o art. ...55º

Frustrada a citação pessoal do executado AA, procedeu-se à sua citação edital e à posterior citação do Ministério Público.

Em 20/11/2013 a agente de execução procedeu à penhora do prédio hipotecado (cfr. auto de penhora de 20/11/2013, junto aos autos de execução).

Determinada a venda daquele prédio por propostas em carta fechada, designou-se o dia 23/05/2015 para abertura de propostas (cfr. despacho de 26/01/2015, proferido nos autos de execução).

Por requerimento entrado em juízo em 10/02/2015, o Ministério Público veio alegar que, na sequência das diligências que encetou, apurou que o executado AA tem residência na Av. ..., ..., pelo que, ao contrário do que alegou o AE, aquele tem domicílio conhecido, não se justificando que o Ministério Público continue a atuar em representação do executado.

Conclui pedindo que se dê conhecimento do requerido ao AE para que proceda em conformidade.

Por requerimento entrado em juízo em 23/03/2015, o exequente requereu que o prédio penhorado e em venda lhe seja adjudicado e que seja dispensado do depósito do preço, sem prejuízo do pagamento das custas do processo.

Em 23/03/2015 teve lugar a abertura de propostas e verificando-se que “não foram apresentadas propostas em   carta fechada de  valor superior ao oferecido pelo exequente/adjudicante, 160.100,00 euros, declara-se aceite o preço oferecido pelo exequente nesse mesmo pedido de adjudicação (cfr. auto de abertura de propostas, junto à execução em 24/03/2015).

Por requerimento de 07/04/2015, o Ministério Público apresentou requerimento em que reitera o que fora anteriormente, em 10/02/2015, por si requerido.

Por despacho de 05/05/2015, a 1ª Instância determinou que se desse conhecimento desse requerimento apresentado pelo Ministério Público ao agente de execução para os fins tidos por convenientes.

Por requerimento de 15/05/2015, o agente de execução requereu que seja esclarecido se “o Ministério Público deve deixar de exercer as funções em representação do executado, porque verificou a existência de uma morada do executado por consulta em 26/03/2015 à base de dados da Segurança Social e, em caso afirmativo, em que termos deve o executado ser notificado para a referida morada, face ao estado dos autos”.

Por despacho proferido em 29/06/2015, a 1ª Instância ordenou ao agente de execução para que proceda à citação do executado na morada indicada pelo Ministério Público.

Em 03/09/2015, a agente de execução procedeu à citação pessoal do executado AA (cfr. expediente junto pela AE em 07/09/2015 à execução).

Por requerimento entrado em juízo em 14/09/2015, o executado AA requereu que se declarasse a falta de citação daquele, “uma vez que foi empregada indevidamente a citação edital que, por consequência é nula” e se anulasse “tudo o que tenha sido na execução praticado, nomeadamente a venda do imóvel penhorado[1].

Observado o contraditório, a exequente Barclays Bank, PLC, por requerimento de 08/10/2015, opôs-se ao requerido pelo executado (pugnando pela validade da citação edital e a manutenção da validade da adjudicação do imóvel).

Em 04/07/2016, Bankinter, S.A., deduziu incidente de habilitação contra os executados e o exequente Barclays Bank, Plc, requerendo que seja habilitado, na qualidade de exequente, nos presentes autos, em substituição do cedente, alegando, em síntese que, em 02/09/2015 e em 01/04/2016, celebrou com o Barclays Bank, PLC, contratos ao abrigo dos quais foram transmitidos créditos e garantias daquele para a requerente, entre os quais “os créditos detidos sobre os executados subjacentes aos autos principais. Assim, o cedente transmitiu para a requerente todos os direitos e garantias acessórias aos referidos créditos, assim como a sua posição contratual nos processos judiciais em curso para cobrança dos mesmos” – cfr. apenso B.

Notificado exequente e executados para deduzirem, querendo, oposição, não o fizeram.

Em 10.07.2016, o Tribunal proferiu despacho a determinar que a citação válida do executado AA era a citação pessoal e não a citação edital.

Por sentença proferida em 21/09/2016, julgou-se “totalmente procedente, por provado, o presente incidente, julgando habilitada a aqui requerente, Bankinter. S.A., para, em lugar da até aqui exequente “Barclays Bank, Plc, prosseguir na execução de que estes autos constituem apenso nessa qualidade e posição processual” – cfr. apenso B.

Exequente e executado foram notificados desta sentença de habilitação, dela não tendo recorrido.


Por despacho proferido nos autos de execução em 16/01/2017, concedeu-se à arrendatária do prédio adjudicado ao exequente, DD, o prazo de 60 dias para proceder à entrega do prédio.

Notificada dessa decisão, a arrendatária, por requerimento entrado em juízo em 20/01/2017, requereu que se revogue aquele despacho, aguardando os autos a decisão sobre o requerido pelo executado AA em 14/09/2015.

Também o executado AA, por requerimento de 06/02/2017, requereu que se desse sem efeito aquele despacho “por ser manifestamente ilegal” por os autos estarem “sustidos desde 14/09/2015, por o aqui requerente ter requerido a anulação de todos os atos anteriormente praticados, alegando a sua falta de citação, que ocorreu a 07 de setembro de 2015, matéria essa ainda não formalmente decidida”.

Observado o contraditório quanto aos mencionados requerimentos apresentados pelo executado AA e pela arrendatária do prédio adjudicado ao exequente, este último reiterou a posição que já anteriormente tinha manifestado, no sentido do requerido pelo executado quanto à sua falta de citação dever ser desatendido (cfr. requerimento de 10/02/2017, nos autos de execução).

Entretanto, a arrendatária do prédio, DD, interpôs recurso da decisão proferida em 16/01/2017, que lhe concedeu o prazo de 60 dias para proceder à entrega do prédio adjudicado ao exequente Barclays Bank, Plc, recurso esse que subiu em separado (cfr. apenso C), mas por despacho proferido pelo relator de 26/04/2018, o recurso não foi admitido por intempestividade.


Em 3/11/2018 Arrow Global, Limited, deduziu incidente de habilitação de cessionário requerendo que seja “habilitada para prosseguir os presentes autos de insolvência como credor reclamantes, com as respetivas consequências legais”, alegando, em suma que, por contrato de compra e venda de carteiras de créditos assinado em 01/10/2018, Bankinter, S.A. – Sucursal em Portugal vendeu-lhe o crédito identificado com as referências que indica que detinha sobre os requeridos e todas as garantias acessórias a eles inerentes; acresce que, em 31/03/2016 foi feito o trespasse entre o Barclays Bank – Sucursal em Portugal (trespassante) e o Bankinter – Sucursal em Portugal (trespassária e banco cedente) do estabelecimento comercial que constitui a universalidade de ativos (intangíveis e fixos tangíveis) e passivos, nomeadamente, contratos de depósito, contratos de mútuo, e de uma forma geral, a totalidade dos direitos e obrigações de que é titular o trespassante no âmbito da sua atividade bancária” (cfr. apenso D).

Notificado o exequente (Bankinter, S.A.) e os executados para deduzirem, querendo, oposição à habilitação requerida, não o fizeram.


Por sentença proferida em 12/03/2019, no apenso D, julgou-se o incidente de habilitação de adquirente ou cessionário procedente, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“Nestes termos, pelos fundamentos supra enunciados, declara-se “Arrow Global Limited” habilitada a intervir nos autos principais, substituindo-se ao exequente “Bankinter, S.A.” no que concerne ao crédito exequendo, assumindo a sua qualidade processual nos autos, aceitando-os no estado em que se encontrarem, nos termos do disposto no art. 262º, al. a) do CPC, impondo-se a procedência do incidente deduzido (cfr. ainda, arts. 263º e 356º do CPC” – cfr. sentença proferida no apenso D.

Entretanto, nos autos executivos, em 06/02/2019, a agente de execução procedeu à penhora de dois depósitos bancários, no montante global de 6.061,18 euros.

Em 14/03/2019, a exequente “Arrow Global Limited” requereu a junção aos autos de execução do termo de transação que se segue, celebrado entre aquela e o executado AA, requerendo que “só após o envio do comprovativo do pagamento o processo seja extinto”.

TERMO DE TRANSAÇÃO

PRIMEIRA OUTORGANTE e EXEQUENTE: Arrow Global Limited, com sede na Edifício ..., ..., Quinta ... ..., pessoa coletiva ..., aqui representada pela Exma. Senhora Dra. EE, Advogada, com cédula profissional n.º ...82-L e domicílio profissional na Rua ..., Ed. ..., Quinta ... ...,

E

SEGUNDO OUTORGANTE e EXECUTADO: AA, aqui representado pela Exma. Senhora Dra. FF, Advogada, com cédula profissional n.º ...94-P e domicílio profissional na Rua ..., ..., Apartado ...10, ... ....

Em 1 de outubro de 2018, Bankinter, S.A. – Sucursal em Portugal cedeu à Primeira Outorgante e Exequente todos os direitos respeitantes aos créditos “Operação n.º...57; ...43; ...31; ...47 e  ...53, em que era devedor o Segundo Outorgante.

Os Outorgantes, de comum acordo, por este ato e para todos os efeitos legais, vêm transigir sobre o montante da dívida total e global do segundo para com a primeira, libertando as avalistas e executadas do aval prestado, sobre a forma de pagamento dessa dívida e sobre o destino do processo a que parte dessa dívida diz respeito, designadamente o Processo Executivo n.º 320/12...., que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., ... – Juízo Execução – Juiz ..., obrigando-se reciprocamente nos termos e condições seguintes:

PRIMEIRO: Os Outorgantes acordam o valor de € 110.000,00 (cento e dez mil euros) a pagar à Primeira Outorgante, Arrow Global Limited, pelo Segundo Outorgante.

SEGUNDO: O Segundo Outorgante pagará numa única prestação de 110.000,00€ (cento e dez mil euros), nos três dias úteis subsequentes à subscrição do presente Termo de Transação.

TERCEIRO: O pagamento será efetuado através de depósito de cheque bancário, na conta com o IBAN:  ...05 do Millennium BCP, indicando como referência o n.º da Ação a que esta transação respeita.

QUARTO: Com o pagamento da quantia acima referida o Segundo Outorgante nada mais deve à Primeira Outorgante, seja a que título for, relativamente à dívida objeto do referido processo bem como aos restantes créditos transferidos, pelo que esta lhe dá plena e geral quitação, bem como liberta definitivamente as avalistas do aval prestado.

QUINTO: Na sequência da celebração da presente transação será extinta a instância do citado Processo Executivo, sem prejuízo de, no caso do presente acordo não ser cumprido pelo Segundo Outorgante, a Primeira Outorgante requerer a renovação da instância, nos termos do artigo 850.º do CPC, pela totalidade da divida exequenda.

SEXTO: Ambos os Outorgantes acordam, que com o cumprimento do presente acordo, honorários, despesas efetuadas com o Sr. Agente de Execução, taxas de justiça e demais custas processuais, no processo principal e apensos, serão da responsabilidade da Primeira Outorgante e Exequente.

SÉTIMO: Ambos os Outorgantes abdicam de custas de parte e procuradoria.

OITAVO: A Primeira Outorgante e Exequente, com o cumprimento do presente acordo, que se considera cumprido após boa cobrança do cheque depositado, requer expressamente o levantamento de todas as penhoras existentes, que incidam sobre bens ou contas de todos os executados.

Este acordo é celebrado no dia 15 de março de 2019.

Na sequência da junção da dita transação, a 1ª Instância proferiu em 15/03/2019, a seguinte decisão:

Considerando que as partes transigiram nos presentes autos, conforme avulta do termo de transação a que alude a referência n.º ...02, afigura-se-nos que a apreciação da (ir)regularidade na citação do executado AA ficará prejudicada.

Em face do exposto, por ora, aguardem os autos que o (a) Sr.(a) AE extinga a instância executiva, como pedido pelas partes”.

Por requerimento entrado em juízo em 15/03/2019, o executado AA juntou “aos autos documento comprovativo do depósito do cheque bancário, mais aguardando decisão deste Tribunal quanto ao pedido de anulação da venda do imóvel efetuado nos autos, por falta de citação e subsequente extinção da instância conforme termo de transação”.

Em 20/03/2019, a exequente Arrow Global, Limited, e o executado AA, apresentaram nos autos de execução o requerimento que se segue e “aditamento/aperfeiçoamento ao termo de transação” que antes celebraram:

“Exequente e executado devidamente notificados do Despacho de Vª. Excia. em 18 do corrente mês, percebendo-se de que terão de forma não intencional induzido em erro o Tribunal quanto à sua vontade, uma vez que em momento algum tiveram intenção que a apreciação da (ir)regularidade na citação do executado ficasse prejudicada, muito até pelo contrário, sendo tal apreciação pelo Tribunal, com a declaração dos seus efeitos legais, condição essencial na formação da vontade do executado na celebração do acordo de transação celebrado,

Vêm de comum acordo, proceder à alteração e aperfeiçoamento do Termo de Transação nos seguintes termos: TERMO DE TRANSAÇÃO

PRIMEIRA OUTORGANTE e EXEQUENTE: Arrow Global Limited, com sede na Edifício ..., ..., Quinta ... ..., pessoa coletiva ..., aqui representada pela Exma. Senhora Dra. EE, Advogada, com cédula profissional n.º ...82-L e domicílio profissional na Rua ..., Ed. ..., Quinta ... ...,

E

SEGUNDO OUTORGANTE e EXECUTADO: AA, aqui representado pela Exma. Senhora Dra. FF, Advogada, com cédula profissional n.º ...94-P e domicílio profissional na Rua ..., ..., Apartado ...10, ... ..., e restantes executados.

Em 1 de Outubro de 2018, Bankinter, S.A. – Sucursal em Portugal cedeu à Primeira Outorgante e Exequente todos os direitos  respeitantes aos créditos “Operação  nº ...57;  ...43;  ...31; ...47 e  ...53, em que era devedor o Segundo Outorgante.

Os Outorgantes, de comum acordo, por este ato e para todos os efeitos legais, vêm transigir sobre o montante da dívida total e global do segundo para com a primeira, libertando as avalistas e executadas do aval prestado, sobre a forma de pagamento dessa dívida e sobre o destino do processo a que parte dessa dívida diz respeito, designadamente o Processo Executivo n.º 320/12...., que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., ... – Juízo Execução – Juiz ..., obrigando-se reciprocamente nos termos e condições seguintes:

PRIMEIRO: Os Outorgantes acordam o valor de € 110.000,00 (cento e dez mil euros) a pagar à Primeira Outorgante, Arrow Global Limited, pelo Segundo Outorgante, acrescido dos montantes já penhorados nos autos, datado de 06/02/2019 com ref. Citius n.º ...43, em sede de saldos bancários, devendo os mesmos ser transferidos para a esfera do exequente.

SEGUNDO: O Segundo Outorgante pagará numa única prestação de 110.000,00€ (cento e dez mil euros), nos três dias úteis subsequentes à subscrição do presente Termo de Transação.

TERCEIRO: O pagamento será efetuado através de depósito de cheque bancário, na conta com o IBAN:  ...05 do Millennium BCP, indicando como referência o n.º da ação a que esta transação respeita.

QUARTO: Com o pagamento das quantias acima referidas o Segundo Outorgante nada mais deve à Primeira Outorgante, seja a que título for, relativamente à dívida objeto do referido processo bem como todos os créditos resultantes e inerentes às operações de crédito transferidos, pelo que esta lhe dá plena e geral quitação, bem como liberta definitivamente as avalistas do aval prestado.

QUINTO: Na sequência da celebração da presente transação, ficar-se-á a aguardar decisão do Tribunal quanto à questão pendente da (ir)regularidade da citação do executado e consequente declaração dos seus efeitos, pelo que só após tal decisão definitiva deverá ser extinta a instância do citado processo executivo, sem prejuízo de, no caso do presente acordo não ser cumprido pelo Segundo Outorgante, a Primeira Outorgante requerer a renovação da instância, nos termos do artigo 850.º do CPC, pela totalidade da divida exequenda.

SEXTO: Ambos os Outorgantes acordam, que com o cumprimento do presente acordo, honorários, despesas efetuadas com o Sr. Agente de Execução, taxas de justiça e demais custas processuais, no processo principal e apensos, serão da responsabilidade da Primeira Outorgante e Exequente.

SÉTIMO: Ambos os Outorgantes abdicam de custas de parte e procuradoria.

OITAVO: A Primeira Outorgante e Exequente, com o cumprimento do presente acordo, que se considera cumprido após boa cobrança do cheque depositado, requer expressamente o levantamento de todas as penhoras existentes, que incidam sobre bens ou contas de todos os executados (após a salvaguarda dos valores já penhorados nos autos a título de saldos bancários cfr. 1º artigo), bem como em consequência da decisão do Tribunal quanto à questão pendente da (ir)regularidade da citação e da declaração dos seus efeitos, que sejam levantadas e canceladas todas as penhoras e hipotecas que eventualmente daí derivem.

Este acordo foi celebrado no dia 15 e aditado em 20 de março de 2019.

Por requerimento de 24/05/2019, a agente de execução requereu que se informasse se, “atendendo ao estado dos autos, se ainda lugar à apreciação da suscitada (ir)regularidade da citação e, caso se considere conforme despacho de 18/03/2019, que esta questão se encontra ultrapassada, se digne ordenar a entrega coerciva e imediata do imóvel vendido os presentes autos”.


Após observância do contraditório, em 12/06/2019, a Instância proferiu decisão em que julga procedente a nulidade, por falta de citação, invocada pelo executado AA (em 14.09.2015) e, em consequência, anula todo o processado após o requerimento executivo, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva:

“Em face de tudo quanto vem de expor-se julga-se procedente a pretensão do executado AA.

Termos em que declara-se não ter ocorrido a sua citação, atentas as disposições conjugadas dos artigos 187º, alínea a), 188º, nº1, alínea c), 189º, a contrario, 198º, 225º, nºs1 e 6 e 236º, todos do Código de Processo Civil.

Em conformidade, anula-se o processado posterior ao requerimento executivo”.

A decisão que antecede foi notificada à exequente “Arrow Global Limited” e a todos os executados, que com ela se conformaram.

Entretanto, a execução foi remetida à conta, tendo a agente de execução, em 18/03/2020, proferido despacho declarando extinta a execução por impossibilidade superveniente da lide.

Por requerimento entrado em juízo em 18/01/2021, o Barclays Bank, Plc, requereu o

seguinte:

1- O Barclays tomou, inicialmente, a posição de Exequente nos presentes autos de execução, cuja quantia exequenda se cifrava em EUR 356.547,15, garantida por 3 (três) hipotecas sobre um imóvel (cfr. AP. 2 de 2004/08/20; AP. 5 de 2005/01/18 e AP. 1 de 2007/10/11 da certidão predial que se junta como Documento n.º 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais).

2- Foi nessa qualidade que o Barclays adjudicou, em 23.05.2015, o imóvel penhorado no âmbito deste processo (AP. ...87 de 2013/11/13), correspondente ao prédio urbano composto por casa de habitação, sito em Lugar ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...55 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...05, e sobre o qual incidiam as hipotecas que constituíam garantia do seu crédito, pelo preço de € 160.100,00 (cento e sessenta mil e cem euros), tendo ficado dispensado do depósito do mesmo, conforme auto de abertura de propostas que se junta como Documento n.º 2 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e título de adjudicação que é parte integrante do Documento n.º 1 já junto.

3- Esta aquisição foi devidamente registada na Conservatória do Registo Predial e junto da Autoridade Tributária (cfr. AP. ...78 de 2015/05/04 da certidão predial junta e caderneta predial que ora se junta como Documento n.º 3 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais).

4- Acontece que, em 14.09.2015, ou seja, após ter ocorrido a venda judicial do referido imóvel, o Executado/ex-proprietário AA veio arguir a nulidade da sua citação, com o fundamento de que não foram efetuadas todas as diligências legalmente previstas.

5- Este pedido foi contestado pela Agente de Execução e pelo Barclays, que pugnaram pela regularidade da citação e, consequentemente, pela validade da venda.

6- Entretanto, o Bankinter S.A. Sucursal em Portugal (doravante “Bankinter”), por via da cessão de créditos ocorrida, habilitou-se no processo no lugar do Barclays, ficando a constar como Exequente.

7- Em outubro de 2018, o Bankinter cedeu o remanescente dos seus créditos (no total de 146.575,07 e já sem qualquer garantia real) à Arrow Global Limited (doravante “Arrow”), que, por sua vez, veio habilitar-se e substituir o Bankinter no processo, tendo assumido a posição de Exequente.

8- Em novembro de 2018, a Agente de Execução notificou a inquilina/ocupante (à data DD) para proceder à entrega do imóvel então adjudicado ao Barclays – o que não chegou a ocorrer.

9- Em 20.03.2019, a Arrow terá celebrado um acordo de pagamento com o Executado, que consistia, sucintamente, no pagamento imediato do valor de € 110.000,00 à Arrow para a extinção da ação executiva.

10- Questionados pelo tribunal, a Arrow e o Executado vieram manifestar a manutenção do interesse na apreciação pelo tribunal da questão ainda pendente sobre a alegada irregularidade/nulidade da citação do Executado (arguida em 14.09.2015 e ainda não decidida).

11. No entanto, ainda antes da decisão pelo Tribunal, o Executado terá efetuado o referido pagamento de € 110.000,00 à Arrow.

12. Em 12.06.2019, o Tribunal proferiu despacho no qual declarou que a citação não foi regularmente efetuada e, consequentemente, anulou todo o processado posterior à entrada do requerimento executivo.

13. Ou seja, com esta decisão, terão sido anulados os seguintes atos: - a adjudicação do imóvel ao Barclays;

- a substituição processual do Barclays pelo Bankinter; - a substituição do Bankinter pelo Arrow;

- o acordo celebrado entre Arrow e executado.

14. E, consequentemente, a situação jurídica das partes deverão ter regressado ao seu estado inicial, retomando o Barclays a qualidade de Exequente, credor da totalidade da dívida inicialmente peticionada, garantida por três hipotecas sobre imóvel identificado em “2.”.

15. Acontece, porém, que o douto despacho não foi notificado ao Barclays – provavelmente por o mesmo já não ser parte no processo; contudo, e salvo o devido respeito, o Barclays deveria ter sido notificado, já que aquela decisão terá causado alterações nos seus direitos, designadamente no seu direito de propriedade sobre o imóvel adquirido por via da venda judicial ocorrida nestes autos,

16. Termos em que, para os devidos efeitos, se argui a nulidade do despacho proferido em 12.06.2019, por falta de notificação a todas as partes interessadas, mormente ao Barclays.

17. Sem prescindir, e apesar do teor do douto despacho, de acordo com o que foi possível apurar, nenhuma das partes no processo (i.e., à data, Arrow e Executado) terá recorrido desta decisão.

18. Não obstante, ao invés de proceder conforme ordenado no douto despacho – i.e., à citação do Executado, na medida em que foi declarada a nulidade de todo o processado após a apresentação do requerimento executivo –, a Exma. Senhora Agente de Execução procedeu à declaração de extinção do processo executivo (o que fez, segundo informação prestada pela mesma, por ter sido informada de que o Executado cumpriu o acordo com a Arrow, mediante o pagamento da quantia de €110.000,00).

19. Acresce ainda que, embora o Barclays tenha registado a sua aquisição logo em 2015, e tendo, ao longo destes anos (quase 6!), cumprido com as suas obrigações legais e fiscais decorrentes da sua qualidade de proprietário do imóvel, o Barclays nunca deteve e não detém, na presente data, a posse do mesmo, porquanto nunca o mesmo lhe foi entregue.

20. Das diligências efetuadas no sentido de tomar posse do imóvel, o Barclays apurou recentemente que o Executado, de clara e manifesta má fé e com o intuito de continuar a causar prejuízos ao Barclays e impedir a salvaguarda dos seus direitos, promoveu, junto da Conservatória do Registo Predial, o cancelamento do registo de aquisição a favor do Barclays, o que terá feito com base no já referido despacho proferido por este tribunal em 12.06.2019 (cfr. AVERB. – AP. ...67 de 2020/10/26 da certidão predial junta),

21. Tendo ainda, posteriormente, doado o imóvel à sua filha menor GG (cfr. AP. ...64 de 2020/11/09 da certidão predial junta) reservando para si o direito de habitação (cfr. AP. ...65 de 2020/11/09 da certidão predial junta e cópia da escrituração de doação que é também parte integrante do Documento n.º 1 já junto).

Ora,

22. Em face de todo o exposto, e sem prejuízo de em sede própria o Barclays impugnar a doação suprarreferida, vem, muito respeitosamente, com carácter de urgência, requerer a V. Exa. se digne a:

i. Proferir decisão sobre a validade/manutenção da venda do imóvel ao Barclays, na medida em que o Barclays é proprietário e terceiro de boa fé quanto a todo o processado após a sua substituição processual nos autos, e, consequentemente, o despacho de 12.06.2019 não lhe é oponível;

ii. Nessa sequência, ordenar a manutenção do registo de propriedade na Conservatória do Registo Predial a favor do Barclays (à semelhança do que sucede em sede tributária) e a entrega efetiva do imóvel ao Barclays, designadamente com recurso às forças policiais, se necessário.

Casoassim não seentenda,o quenão se aceita e apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona:

iii. Proferir decisão sobre a nulidade ora arguida quanto à falta de notificação do despacho de 12.06.2019 ao Barclays e ordenar a notificação de todos os intervenientes processuais e terceiros interessados (incluindo Barclays e Bankinter);

iv. Ordenar a notificação da Exma. Senhora Agente de Execução para que proceda à anulação da decisão de extinção da presente instância executiva e ao     consequente reinício das diligências     executivas     com vista ao ressarcimento da totalidade da quantia exequenda inicialmente peticionada, garantida pelas hipotecas sobre oimóvel jásupraidentificado.

Observado o contraditório, por decisão de 21/05/2021, a Instância julgou parcialmente procedente o requerido pelo Barclays Bank, Plc e ordenou a notificação da decisão proferida em 12/06/2019 àquele, “de modo a permitir ao adjudicatário o exercício do seu direito ao recurso”.

Cumprido com o determinado na decisão que antecede, por requerimento de 14/06/2021, o Barclays Bank declarou que “nos termos e para os efeitos do art. 623º do CPC, renuncia ao direito de recurso da decisão que lhe foi agora notificada” e requereu que se ordene que, “a secretaria do tribunal a efetuar a alteração da identificação dos intervenientes, passando o Barclays a constar como exequente, sem prejuízo dos posteriores requerimentos de habilitação de cessionário a que possa haver lugar”.

Mais requereu que se reinicie “as diligências executivas, designadamente, se diligencie pela citação dos executados (…) para, querendo, deduzirem oposição à execução por embargos de executado e/ou oposição à penhora, nos termos e para os efeitos do art. 856º do CPC”.

Observado o contraditório quanto aos requerimentos que antecedem, por requerimento de 25/06/2021, o executado AA requereu que se aceite “como válida a renúncia ao prazo de recurso requerida pelo Barclays Bank, Plc” e que se indefira liminarmente todo o restante requerimento, por falta de legitimidade processual, bem como por total falta de fundamento jurídico, de facto e de direito, e ainda por violação expressa dos efeitos produzidos pelo caso julgado, quer no que respeita às sentenças proferidas nos autos e respetivos efeitos, quer quanto à extinção da execução declarada extinta nos autos.

Para tanto alega, em síntese, que de acordo com o contrato de cessão celebrado entre o Barclays Bank, Plc e o Bankinter, S.A., junto em anexo à petição inicial no apenso do incidente de habilitação de cessionário deduzido pelo último, e os factos alegados por este nesse requerimento inicial, está-se perante uma cessão integral de créditos do primeiro para o segundo, com todas as garantias, estando incluída nessa cessão a posição de adjudicatária do prédio penhorado no âmbito da presente execução, facto que também resulta do negócio de trespasse de parte da atividade bancária do Barclays ao Bankinter;

O registo não tem efeitos constitutivos, o que interessa é quem ocupa a posição processual; Quando foi proferida a decisão a anular todo o processado posterior à entrada do requerimento executivo, por falta de citação do requerente, o Barclays já não detinha qualquer crédito com garantia sobre o executado e, desde que celebrou o acordo com o Bankinter, perdeu toda a legitimidade processual para a presente execução;

As pretensões deduzidas pelo Barclays violam o caso julgado que cobre as sentenças de habilitação de cessionário proferidas nos autos e a extinção da execução neles declarada pela agente de execução.

Por requerimento entrado em juízo em 07/07/2021, o Bankinter respondeu ao requerimento que antecede, concluindo pela improcedência das pretensões formuladas pelo executado, sustentando que, a cessão de créditos que celebrou com o Bankinter apenas teve por objeto o remanescente do crédito exequendo, porquanto, à data da cessão de créditos (2016), o imóvel dos autos já lhe tinha sido adjudicado (2015) e obviamente, o valor da adjudicação imputado à dívida; posteriormente, em outubro de 2018, o Bankinter cedeu à Arrow Global o crédito que detinha à data, no montante total de apenas 146.575,07 euros, e já sem qualquer garantia real, a qual se veio então habilitar no processo na posição de exequente.

Conclui pedindo a condenação do executado AA como litigante de má fé em multa e indemnização.

Observado o contraditório em relação ao pedido de condenação do executado como litigante de má fé, este pugna pela improcedência desse pedido.

Por despacho de 27/10/2021, designou-se “a realização de uma diligência com todos os interessados exequente primitivo Barclays Bank, Plc, executados e cessionária Arrow com vista à obtenção de uma solução negociada que melhor assegure os interesses em jogo”.

Frustrada essa solução negociada, por decisão proferida em 20/12/2021, a 1ª Instância julgou procedente o requerido pelo Barclays Bank e improcedente o requerido pelo executado AA, determinando o prosseguimento da execução do requerimento executivo, retomando o Barclays a posição de exequente e reduzindo-se a quantia exequenda do montante pago pelo executado à “Arrow Global, S.A.”, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva:

“Termos em que, julgo procedente o incidente suscitado pelo Barclays, pelo req. de 14/06/2021, e, na decorrência do trânsito em julgado da sentença proferida em 12/06/2019 que decretou a anulação de todo o processado posterior ao requerimento executivo, determina-se que a execução prossiga, desde esse requerimento executivo, retomando o Barclays Bank, PLC a posição de Exequente, tomando-se, todavia, em atenção que à quantia exequenda terá de reduzir-se o valor comprovadamente pago pelo Executado à “Arrow Global Limited”, ficando, consequentemente sem efeito a decisão do Sr. (ª) Agente de Execução de extinção da execução pelo pagamento.

Custas do incidente pelo Executado AA que fixo em 2UCs.

Notifique a presente execução ao Exequente primitivo, ao Bankinter, S.A., à “Arrow Global Limited” e aos Executado(a)(s).

Comunique ao Sr. (ª) Agente de Execução.

Após trânsito, conclua a fim de se apreciar o requerimento de 08/07/2021”.


**

Inconformado com o assim decidido, o executado AA interpôs recurso de apelação, tendo a Relação de Guimarães, em acórdão, proferido a seguinte

Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da ... Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, julgam a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência:

a - revogam a parte dispositiva da decisão recorrida, quando nela a 1ª Instância determina que, “à quantia exequenda terá de reduzir-se o valor comprovadamente pago pelo Executado à Arrow Global Limited”;

b - no mais, confirmam a decisão recorrida.”.


**


De novo inconformado, vem o executado AA, invocando a violação do princípio do caso julgado, interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES (agora já bem mais sintetizadas – após convite que feito pelo relator à sua sintetização, pois as inicialmente apresentadas eram não apenas extensíssimas (25 pp de conclusões!), como uma quase réplica do corpo das alegações, portanto, em desconformidade com o estatuído no art 639º, nº1 do CPC):

1) O Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão de 15 de Junho de 2022, não concluiu pela violação, pelo despacho recorrido, do princípio do caso julgado.

2) Motivo do presente recurso.

3) Nos autos de execução em que foi primitivo exequente o Barclays Bank Plç, (doravante apenas Barclays) e executado o ora recorrente, foi este citado editalmente; os autos prosseguiram os seus termos, tendo-se verificado a adjudicação de imóvel penhorado ao exequente Barclays, por compensação parcial de créditos.

4) Por decisão judicial, foi o ora recorrente citado pessoalmente para os autos de execução, o que ocorreu em 3/9/2015; quando teve conhecimento do autos o ora recorrente e então executado requereu fosse declarada a nulidade da citação edital e consequentemente, anulada a adjudicação do imóvel ao Exequente, nos seguintes termos: “Assim, com os fundamentos supra expostos, deve declarar-se “falta de citação” do executado, uma vez que foi empregue indevidamente a citação edital, que por consequência é nula, considerando-se este apenas citado no dia 3 de Setembro de 2015, falta essa que expressamente se invoca, nos termos do artº 188º 1 al) c, do Artº 851º 1 ambos do CPC, mediante RECLAMAÇÃO, sustendo-se todos os termos da execução até ao conhecimento da mesma, nos termos do 2 do citado último artigo, bem como requerendo ainda a anulação de tudo o que tenha sido na execução praticado,

nomeadamente a venda do imóvel penhorado, nos termos da Alínea b) do 1 do artigo 839º do Código de processo Civil.”.

5) O Tribunal a quo, a 10/07/2016, determinou que a citação do executado que era válida e a considerar era apenas e tão só a citação pessoal.

6) Na data posterior de 04/07/2016, o Bankinter, S.A., promoveu a sua habilitação processual nos autos, por ter adquirido ao então exequente Barclays os créditos que este detinha sobre o ora recorrente; o incidente foi tramitado normalmente pelo Tribunal a quo, e por sentença de 21/09/2016 foi o Bankinter, S.A., julgado habilitado para os autos, em substituição do Barclays; esta sentença encontra-se transitada em julgado.

7) Em 03/11/2018, a Arrow Global Limited, promoveu a sua habilitação processual nos autos, por ter adquirido ao então exequente Bankinter, S.A., os créditos que este detinha sobre o ora recorrente; o incidente foi tramitado normalmente pelo Tribunal a quo, e por sentença de 12/03/2019 foi a Arrow Global Limited julgada habilitada para os autos, em substituição do Bankinter, S.A.; esta sentença encontra-se transitada em julgado.

8) O Tribunal a quo, por decisão de 12/06/2019, julgou procedente a reclamação apresentada pelo ora recorrente em 14/09/2015, nos seguintes termos: “Em face de tudo quanto vem de expor-sejulgo procedente a pretensão do executado AA.

Termos em que declara-se não ter ocorrido a sua citação, atentas as disposições conjugadas dos artigos 187º, alínea a), 188º, nº1, alínea c), 189º, a contrário, 198º, 225º, nºs 1 e 6 e 236º, todos do Código de Processo Civil.

Em conformidade, anula-se o processado posterior ao requerimento executivo.”; a decisão foi devidamente notificada ao (então) exequente Arrow Global Limited, bem como aos executados, que da mesma não recorreram.

9) A exequente Global Arrow Limited e o executado ora recorrente chegaram a acordo, tendo o executado cumprido o mesmo, pelo que a Srª Agente de Execução, cumprindo instruções da Exequente, declarou extinta a execução em 18/3/2020.

10) Em 8/01/2021o Barclays Bank, primitivo exequente, apresentou um requerimento em que entre muitas outras questões (e seguido de outros, para o efeito não relevantes), defendia que o despacho proferido em 12/6/2019 anulava também as sentenças de habilitação que tinham ocorrido nos apensos B e D, pelo que o Barclays readquiria a posição processual de exequente.

11) Surge então a 20/12/2021 o despacho recorrido, o qual viola o disposto do estatuído nos artigos 851º nº 2 e 696º al) e, i), 130º e 613º, todos do CPC.

12) No mesmo, a 1ª Instância interpretou o despacho de 12/06/2019 como tendo anulado as duas sentenças de habilitação de cessionário devidamente transitadas, com base em dois fundamentos conjugados:

▪ O teor literal do despacho, que ordena em 12/06/2019: “Em conformidade, anula-se o processado posterior ao requerimento executivo”; logo, as sentenças proferidas em 21/09/2016 e em 12/03/2019 nos apensos B e D, que se encontravam devidamente transitadas em julgado, são abrangidas por esta anulação genérica;

▪O (suposto) facto de ambos os incidentes de habilitação de cessionário terem ocorrido à revelia do executado, conforme se cita: “Note-se que não há, contrariamente, ao propugnado pelo Executado qualquer violação do caso julgado, pois que as sentenças de habilitação de cessionário, em especial a sentença de habilitação do Bankinter foram tomadas à revelia do Executado, sendo que foi em seu benefício e conforme requerido pelo próprio que todo o processado posterior ao requerimento executivo foi declarado nulo.”

13) Sucede que estes dois pressupostos - que no fundo são a conjugação de duas normas legais, a verificação no estatuído no artigo 851º nº 2 cumulativamente com o estatuído no artigo 696º al) e, i), ambos do CPC, (“Artigo 851.º - 2 - Sustados todos os termos da execução, conhece-se logo da reclamação e, caso seja julgada procedente, anula-se tudo o que na execução se tenha praticado. e “Artigo 696.º - A decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando: e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;,”), in casu, não se verificam;

14) Nenhum dos apensos de habilitação de cessionário ocorreu à revelia do executado, que já se encontrava citado nos autos principais e foi devidamente notificado dos trâmites dos referidos incidentes.

15) Ocorreu manifesto lapso do Tribunal, facilmente verificável e que foi um dos fundamentos do recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

16) O Tribunal da Relação de Guimarães, sem se pronunciar sobre a existência ou não de revelia nos apensos de habilitação, confirmou, nesta matéria, o despacho recorrido que anulava as duas sentenças de habilitação e o despacho de extinção da execução, mas agora com argumentação diferente;

17) No douto Acórdão de que aqui se recorre, foi entendido que é do teor do despacho proferido em 12/06/2019 que decorre a anulação das respetivas sentenças de habilitação e do despacho de extinção da execução pela agente de execução - apesar de o mesmo ser totalmente omisso quanto a tal- e não do teor do despacho que o reinterpreta em 2021 e expressamente declara a anulação das sentenças de habilitação e do despacho de extinção da execução pela Sra. Agente de Execução, pelo que, uma vez que o primeiro despacho está transitado, nem sequer se coloca a questão de saber se houve ou não violação do princípio do caso julgado.

18) O Tribunal recorrido fundamentou esta visão baseado num conjunto de equívocos que não podem proceder, desde logo porque o despacho proferido em 12/06/2019 não transitou só quando o requerente Barclays renunciou ao prazo de recurso: transitou findo o prazo de recurso após as notificações ao exequente habilitado Global Arrows Limited e executados, uma vez que o Barclays deixou de ser parte após transito em julgado da sentença proferida em 21/09/2016, que habilitou o Bankinter S.A. em seu lugar;

19) Não foio despacho proferido em 12/06/2019, queanulou ou deu sem efeito o despacho a extinguir a execução, devidamente transitado, ou o “eliminou” da ordem jurídica; foi objetivamente e formalmente a reinterpretação efetuada no despacho proferido em 20/12/2021;

20) Não se pode tentar interpretar e extrair consequências do sentido literal da reclamação apresentada em 14/09/2015, por estar referido “todo o processado” e ainda serreferido “nomeadamente”, em vezdeter especificado apenas os atos praticados àdata, que eram exclusivamente a penhora e a adjudicação do imóvel, uma vez que se se limitou a reproduzir o texto legal: “ artigo 851º nº2, do CPC, 2 - Sustados todos os termos da execução, conhece-selogo da reclamação e, caso seja julgada procedente, anula-setudo o que na execução se tenha praticado”, e o uso da expressão “nomeadamente” serviu apenas para se chamar à atenção para o que era relevante, no caso o único ato praticado da adjudicação do imóvel.

21) Relembre-se que à data da apresentação da arguição da falta de citação do executado ainda não tinham ocorrido os incidentes de habilitação de cessionário.

22) Não se pode interpretar o despacho proferido em 12/06/2019 com a extensão como foi feito no Acórdão recorrido uma vez que o Juiz se limitou a dar razão ao reclamante nos termos que este a fez, correspondente à terminologia legal.

23) Não se pode considerar que o então requerente estava ciente e pretendia afetar todos os atos processuais futuros, uma vez que não era expectável que se praticassem outros atos processuais na execução, independentemente do tempo que o Tribunal levasse para conhecer da reclamação, dado o teor do artigo 851º nº2 do CPC: “2 - Sustados todos os termos da execução, conhece-se logo da reclamação e, caso seja julgada procedente, anula-se tudo o que na execução se tenha praticado”.

24) Encontra-se assim expressamente previsto que uma vez levantada a questão da nulidade ou falta da citação, nada mais se deve efetuar na execução até, o mais breve possível, se decidir da reclamação, e caso esta seja procedente, anular-se tudo o que na execução se tenha praticado, o que na prática, representa tudo o que foi feito à revelia do executado e em violação do princípio constitucionalmente consagrado do direito ao contraditório e à defesa.

25) O então requerente não escreveu com a intenção de anular atos futuros ainda não praticados e que não era expetável que existissem até o tribunal conhecer da reclamação apresentada, acrescido ainda de que na reclamação de 14/09/2015, se solicita também que até à decisão da reclamação, nos termos legais, os termos da execução estejam sustados, que nenhum ato seja praticado, o que se verificou, uma vez que nenhum ato material se praticou na execução posteriormente à reclamação e até ao transito em julgado da sentença da segunda habilitação que correu por apenso (as habilitações não são atos de natureza material, mas sim meramente processual);

26) No Acórdão recorrido, chega-se à conclusão, que do mero teor do despacho de 12/06/2019, “um declaratário médio” entenderia que esse despacho anulava também as sentenças de habilitação proferidas, pelo que o que tinha o agora recorrente que ter feito era ter recorrido desse despacho, pelo que ao não fazê-lo, o mesmo transitou, e consequentemente as sentenças e o despacho de extinção da execução foram simplesmente “eliminadas da ordem jurídica”, pelo que, “não ocorre qualquer violação do caso julgado”.

27) Esta conclusão de que do mero teor do despacho se entenderia que o mesmo anulava também as sentenças de habilitação proferidas é desmentida categoricamente pelos factos, a não ser que se entenda que desde a secretaria do tribunal, executado e sucessivos exequentes habilitados e ainda a Srª Agente de Execução não são pessoas “normais”, uma vez que todos entenderam e agiram como esse mesmo despacho não afetasse de nenhuma maneira as sentenças de habilitação proferidas e transitadas nos apensos referidos;

28) Tem-se que analisar a conduta do declarante e dos diferentes declaratários, antes de mais do Meritíssimo Juiz que proferiu o despacho de 12/06/2019:

A) Se entendesse que as tramitações dos incidentes de habilitação seriam afetadas pela decisão final da reclamação apresentada, e tendo em conta também que os autos estavam sustados, o Sr. Dr. Juiz não teria permitido a sua tramitação; pelo contrário, admitiu os dois incidentes, ordenou as competentes notificações e proferiu as competentes decisões.

B) Se entendesse que o seu despacho anulava as sentenças proferidas de habilitação nos apensos, tê-lo-ia escrito e formalmente declarado, dadas as enormes implicações que acarretaria, bem como os seus efeitos, nomeadamente perca de legitimidade do exequente habilitado;

C) Se assim o entendesse, mesmo que por descuido o não declarasse, teria pelo menos ordenado à secretaria a notificação a todos os afetados com a mesma, o que também não fez;

D) A própria secretaria do Tribunal, se entendesse que do mero teor do despacho, eram afetadas as sentenças de habilitação, teria de modo próprio notificado os anteriores exequentes, o que não fez porque assim o não entendeu;

E) Sucessivos exequentes e o executado também assim o não entenderam, porque se assim o tivessem entendido ter-se-iam oposto logo que os incidentes foram suscitados, inclusive o próprio Barclays;

F) Quanto ao próprio Barclays, o mesmo bem sabendo que a falta de citação tinha sido arguida, negociou e formalizou uma cessão de créditos com o Bankinter, S.A., e não deduziu qualquer oposição à habilitação do mesmo nos autos!

G) Se o executado e o exequente habilitado, assim o tivessem entendido e percecionado, também não teriam feito o acordo que fizeram e homologaram nos autos, porque seria evidente a falta de legitimidade do exequente;

H) Por último, se a própria agente de execução tivesse tido a perceção que as sentenças eram anuladas pelo referido despacho, também não tinha extinguido a execução,  porque o exequente habilitado e que lhe deu instruções para o efeito não teria legitimidade para tal.

I) Todos os intervenientes tiveram a perceção da mera leitura do despacho, que o M.mo Juiz não só não formalizou esses efeitos, como não quis que tivesse esses efeitos, como ainda não podia sequer legalmente determinar esses efeitos, uma vez que os apensos não padecem de qualquer vício, muito menos terem sido tramitados à revelia do executado, pelo que ninguém imputou a esse despacho o sentido que o douto Acórdão recorrido deu.

29) A M.ma Juíza que reinterpretou o despacho de 12/06/2019, em 20/12/2021, no sentido em que o mesmo anulava as sentenças de habilitação devidamente transitadas, fê-lo porque entendeu que esse entendimento era legal e não violava o princípio do caso julgado, ao considerar, erroneamente, que os incidentes de habilitação tinham sido tramitados à revelia do executado, o que tornava legal a sua anulação pelo M.mo Juiz titular anterior, caso fosse essa a sua intenção;

30) Resulta claro que se a Ilustre Magistrada não se tivesse equivocado e tivesse reparado que não existiu qualquer revelia, não teria feito aquela reinterpretação e não teria consequentemente anulado as sentenças de habilitação e o despacho de extinção da execução, equivoco esse que a levou a violar inequivocamente o princípio do caso julgado.

31) O princípio do caso julgado de uma sentença tem um valor constitucionalmente consagrado, que não é absoluto, mas só admite exceções nos estritos termos legais e quando confrontado com outros valores de igual valia, que verificados certos pressupostos lhe prevalecem.

32) O princípio do caso julgado numa execução, em confronto com o princípio também constitucionalmente consagrado do direito ao contraditório e à defesa, cede na parte em que foi tomada à revelia do executado, por falta de citação, dada a declaração de nulidade da mesma. Mas nestes estritos termos e tendo a mesma que ser obviamente declarada.

33) Se, no caso concreto, a tramitação dos apensos de habilitação tivessem sido tramitados à revelia do executado, entre a citação edital que veio a ser considerada nula, e a citação pessoal, que foi a considerada válida, tal como a penhora e a adjudicação do imóvel, então o Juiz podia e deveria ter anulado as sentenças entretanto proferidas, porque a lei expressamente o prevê, prevalecendo aqui o princípio do direito ao contraditório sobre o princípio do caso julgado.

34) Se foi tramitado posteriormente à citação pessoal, como foi o caso, não existindo qualquer revelia, muito menos absoluta, o Juiz não podia anular as sentenças, porquealei não o prevênem o admite, dado quenesta situação o princípio do caso julgado não entra em confronto com qualquer outro princípio constitucionalmente consagrado.

35) O juiz que proferiu o despacho de 12/06/2019, não tinha que expressamente que indicar que este não afetava as sentenças proferidas, pela simples razão que elas nunca legalmente poderiam ser afetadas, dado queos incidentes não tinham sido tramitados à revelia dos executados, tendo ambos os incidentes de habilitação sido posteriores não só à citação pessoal do executado, como posteriores ao despacho de 10/07/2016 , quedeterminou queacitação válidaeaconsiderar do executado eraacitação pessoal e não a citação edital.

36) Foi o despacho de 20/12/2021, que não está transitado, que reinterpretou o despacho de 12/06/2019, que determinou a anulação das sentenças de habilitação e deu sem efeito o despacho da agente de execução, todos devidamente transitados, bem como os seus efeitos processuais, nomeadamenteanecessidadedenotificação detodas as partes afetadas, a ilegitimidade da exequente habilitada, Global Arrows Limited e a “repristinação” do recorrido Barclays Bank Plç. como exequente, pelo que é deste despacho que se recorre e que se tem que verificar se viola ou não viola o princípio do caso julgado, e não como é defendido no Acórdão recorrido, o despacho proferido em 12/06/2019;

37) Demonstrado o equívoco de que revelia alguma existiu e dada a natureza puramente processual dos incidentes de habilitação, que em nada afetaram a relação material controvertida, com o conhecimento e aprovação de todas as partes, o despacho em crise só tem que ser revogado, por violação do estatuído nos artigos 851º nº 2 e 696º al) e, i), 130º e 613º, todos do CPC, conforme supra melhor explicado, declarando-se a manutenção da validade das sentenças de habilitação transitadas bem como dos seus efeitos, tal como se mantém valido o despacho da agente de execução a extinguir a execução em causa, mantendo-se a mesma extinta, motivo pelo qual não tem qualquer legitimidade processual o recorrido Barclays Bank. Plç. para requerer o que quer que seja neste processo, que para todos os efeitos legais, se encontra extinto.

TERMOS EM QUE, revogando o despacho proferido pela 1ª Instância, bem como o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, apenas quanto a esta matéria, de anular as sentenças proferidas, transitadas e tramitadas por apenso, bem como o despacho de extinção da execução, também devidamente transitado, por violação do princípio do caso julgado, mantendo-se assim a execução extinta, bem como a legitimidade da Global Arrows Limited, como último exequente habilitado, e consequentemente revogando areabilitação do BarclaysBank Plç., como exequente, tudo nos termos legais supra elencados,

Farão a costumada Justiça!


*


Contra-alegou o Recorrido Barclays Bank., sustentanto a manutenção do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


**

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).


**

Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), a questão a decidir consiste em saber:

§ Se o despacho de 20.12.2021[2], reinterpretando o despacho de 12/06/2019 como o mesmo tendo anulado as duas sentenças de habilitação de cessionário devidamente transitadas, violou o caso julgado formado nestas sentenças – o que implica, portanto, também, interpretar aquele despacho de 12/06/2019, aferindo se o mesmo anulou  apenas a adjudicação do imóvel e a anterior penhora (únicos actos materiais praticados nos autos antes da apresentação do requerimento do executado/Recorrente em 14.09.2015, em que pediu a nulidade da citação edital – praticados, portanto, dentro do período da citação edital considerada inexistente e a citação pessoal, considerada válida), ou anulou também as sentenças de habilitação de cessionário tramitadas nos apensos B e D, devidamente notificadas a todas as partes (apensos esses iniciados após a citação pessoal e o requerimento a solicitar a anulação do processado) e que transitaram em julgado.


**


III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. FACTOS PROVADOS

A factualidade relevante para estes autos é a supra elencada, que nos dispensamos de repetir.

Nota-se que, quanto às peças que o Recorrente requer sejam solicitadas, tem este Tribunal de recurso acesso às mesmas, via CITIUS, pelo que não há necessidade de “encher” mais os autos com papel sobre peças que aqui estão acessíveis (e que, naturalmente, serão consideradas, desde que pertinentes aos autos).

III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO

Analisemos, então, a questão suscitada na revista.

Como visto, em causa está o despacho de 20.12.2021[3] (prolatado em resposta a requerimento do Barclays Bank), que, reinterpretando o despacho de 12/06/2019 como o mesmo tendo anulado as duas sentenças de habilitação de cessionário devidamente transitadas, violou o caso julgado formado nestas sentenças – o que impõe se ajuíze da interpretação que a Srª juíza, naquele despacho de 20.12.2021, fez do despacho de 12/06/2019, aferindo se deste despacho resulta a anulação apenas da adjudicação do imóvel e da anterior penhora (únicos actos materiais praticados nos autos antes da apresentação do requerimento do executado/Recorrente em 14.09.2015, em que pediu a nulidade da citação edital – praticados, portanto, dentro do período da citação edital considerada inexistente e a citação pessoal, considerada válida), ou também (como entendeu a 1ª instância, secundada pela Relação) a anulação das sentenças de habilitação de cessionário tramitadas nos apensos B e D, devidamente notificadas a todas as partes (apensos esses iniciados após a citação pessoal e o requerimento a solicitar a anulação do processado) e que transitaram em julgado (e, então, caso se entenda que anulou estas sentenças de habilitação de cessionário, há que saber se mal andou a 1ª instância, por violação do caso julgado formada nessas mesmas sentenças).


**


No essencial, em causa está aferir se – como entende o Recorrente – o despacho de 12.06.2019, anulou apenas a adjudicação do imóvel e a anterior penhora (únicos actos materiais praticados nos autos dentro do período da citação edital considerada inexistente – portanto, até à citação pessoal do executado, que veio a ser declarada a única citação válida), ou anula também as sentenças habilitação de cessionário que foram tramitadas nos apensos B e D, devidamente notificadas a todas as partes e transitadas (apensos esses iniciados após a citação pessoal do executado e o requerimento deste a solicitar a anulação do processado).

O despacho de 20.12.2021 veio reinterpretar o despacho de 12/06/2019, considerando  que o mesmo anulou (também) as duas sentenças, transitadas, de habilitação de cessionário – alega-se que nesse despacho de 12.06.2019 não consta nenhuma referência expressa (e muito menos clara) à sua abrangência às sentenças de habilitação –, entendimento este que o acórdão recorrido sufragou (para tal recorrendo à doutrina da interpretação das decisões judiciais – aplicando aqui a designada doutrina da impressão do destinatário).

É contra esta interpretação feita pelo despacho de 20.12.2021 e reiterada no acórdão recorrido que se insurge o Recorrente, por entender que, não apenas tal interpretação não resulta, de todo, do dito de despacho de 12.06.2019, como, a ser interpretado como o fizeram as instâncias, com a consequente anulação das sentenças de habilitação de cessionário, então teríamos uma violação do julgado formado em tais sentenças.

Assim sendo, não se nos afigura necessário ou justificado levar a cabo grandes considerações sobre aspectos laterais, que só serviriam para dispersar do que, no essencial, está aqui em causa.

Vejamos.


*


O despacho de 12.06.2019, prolatado após observância do contraditório, decidiu assim: 

“Em face de tudo quanto vem de expor-se julga-se procedente a pretensão do executado AA.

Termos em que declara-se não ter ocorrido a sua citação, atentas as disposições conjugadas dos artigos 187º, alínea a), 188º, nº1, alínea c), 189º, a contrario, 198º, 225º, nºs1 e 6 e 236º, todos do Código de Processo Civil.

Em conformidade, anula-se o processado posterior ao requerimento executivo(sublinhado nosso).

A falta de citação fora suscitada pelo executado AA, em 14.09.2015 (tanto tempo para decidir!).

Como já referido, é imperioso anotar que as sentenças de habilitação de cessionário, transitadas e que as instâncias entenderam estar abrangidas pelo decidido no despacho de 12.06.2019, tiveram lugar depois de levada a cabo a citação pessoal do executado (uma de 21.09.2016 (que julgou habilitado o Bankinter. S.A., em lugar do até aí exequente “Barclays Bank, Plc) e outra de 12/03/2019 (que julgou habilitada a Arrow Global, Limited, no lugar do Bankinter, S.A.), datando de 10.07.2016 o despacho que considerou que a citação válida do executado AA era a citação pessoal e não a citação edital).

Fundamentou-se o despacho de 20.12.2021 (ora em crise, pela forma como veio interpretar/reinterpretar o despacho de 12.06.2019 – curiosamente, prolatado por um juiz diferente daquele que havia proferido este último):

- Numa pretensa (mas incorrecta) interpretação literal daquele despacho de 12.06.2019 (qual seja, com a alegação de que o mesmo “não ressalvou as habilitações de cessionário ou outro acto processual posterior ao requerimento executivo”como se o simples facto de se omitir qualquer referência a sentenças proferidas e transitadas nos autos seja argumento bastante para que se considerem…anuladas!).

– Na alegação de que os apensos de habilitação de cessionário e sentenças neles proferidas tiveram lugar à revelia do executado”, razão pela qual se entende não haver lugar a violação do caso julgado (isso mesmo é dito no despacho: “Note-se que não há, contrariamente, ao propugnado pelo Executado qualquer violação do caso julgado, pois que as sentenças de habilitação de cessionário, em especial a sentença de habilitação do Bankinter foram tomadas à revelia do Executado…o que é manifestamente incorrecto, dado que, como vimos, as sentenças tiveram lugar depois de o executado ter sido, devidamente, citado pessoalmente (e ter sido, até, dito, em despacho (de 10.07.2016) que a única citação válida era a citação pessoal havida).


Sem embargo da questão atinente à interpretação do despacho de 12.06.2019 – isto é, de saber se nele pode, de facto, ler-se como tendo anulado as sentenças de habilitação – , não se questiona que a execução pode ser anulada em caso de revelia do executado – caso em que se anula tudo o que na execução se tenha praticado, ut artº 851º, nº2 CPC. E transitada em julgado uma sentença prolatada à revelia, pode a mesma ser objecto de recurso de revisão, nos termos do artº 691º do CPC (recurso que inexistiu…).

Porém, dúvidas não se nos afiguram da falência de qualquer dos (dois) argumentos em que se sustentou o despacho recorrido para concluir que a decisão de 12/06/2019, ao decidir pela anulação de todo o processado posterior ao requerimento executivo, abrangeu as sentenças de habilitação: quer porque tal não foi ressalvado naquele despacho; quer porque tais sentenças tiveram lugar à revelia do executado.

Donde nos parecer manifesta a falta de razão ao acórdão recorrido.

Expliquemos.


1. Quanto ao elemento ou interpretação literal - do despacho de 12.06.2019:

Como dito, não se vislumbra que assista razão ao despacho de 20.12.2021 quando, ao interpretar o despacho de 12.06.2019 – interpretação essa que o acórdão recorrido aceitou –, o fez no sentido de que este havia decidido anular, também, as sentenças de habilitação de cessionário proferidas nos apensos.

Para assim considerar, o acórdão recorrido, socorreu-se, como dito, da designada teoria da impressão do destinatário, para concluir que a interpretação possível daquele despacho de 12.06.2019 era a anulação de todo o processado na execução à excepção do requerimento executivo – ou seja, portanto, anulando também as sentenças de habilitação. E, nesse entendimento, o acórdão recorrido considerou que as sentenças de habilitação, transitadas, foram, simplesmente, eliminadas da ordem jurídica.  E daí rematou que não ocorreu qualquer violação do caso julgado que cobre tais sentenças: se não podem considerar-se existentes, porque eliminadas da ordem jurídica por via daquela anulação de todo o processado, não faz qualquer sentido falar-se em caso julgado (diz a Relação).


Sem razão, porém. É que tais sentenças não foram, de todo, eliminadas da ordem jurídica.  E não o foram, quer porque não se pode extrair do despacho de 12.06.2019 que o mesmo anulou tais sentenças, quer porque as mesmas, foram prolatadas após a citação pessoal, válida, do executado e, como tal, são perfeitamente válidas.


Voltando à interpretação que o acórdão afirma não poder deixar de ter sido a do Recorrente – a de que aquele despacho de 12.06.2019 anulava as sentenças de habilitação – , não vemos como do teor desse despacho se pode extrair tal conclusão.

Com efeito, lendo o despacho de 12.06.2019, é claro que o mesmo omitiu a mínima (que seja) referência às sentenças de habilitação e aos efeitos decorrentes da sua anulação – anulação dessas sentenças que, relembra-se, também está, como vimos, completamente fora da reclamação apresentada pelo executado/recorrente, de anulação da citação edital –, não se vislumbrando, com sustenta a Relação, que um declaratário normal, colocado na posição do executado/real declaratário (e atendendo, designadamente, ao teor da sua reclamação para anulação da citação edital e seus pretendidos efeitos), não deixasse de interpretar tal despacho proferido em 2019, como se o mesmo tivesse determinado as anulações de sentenças transitadas em julgado – e, consequentemente, que com esta pretensa (mas, repete-se, não minimamente sustentável) interpretação, deveria ter recorrido de tal despacho, de forma que, não o tendo feito, o mesmo transitou, eliminando da ordem jurídica as putativas sentenças (e já agora, o futuro despacho de extinção da execução).

Não pode, com efeito, ser válida tal pretensa interpretação daquele despacho de 12.06.2019. Não é esse o sentido que um declaratário normal entenderia da sua leitura.

Em jeito de remate, observa (exemplificando) – e com toda a pertinência – o Recorrente: «Exemplificando: o agora recorrente deveria ter recorrido do despacho proferido em 2019 mais ou menos nos seguintes termos: “Sr. Doutor Juiz, eu recorro do seu despacho, não pelo que está escrito, mas porque entendo que o alcance que imagino que vª. Excia. lhe dá, abrange as sentenças transitadas em julgado e tramitadas por apenso, o que é expressamente ilegal por violação flagrante do caso julgado, pelo que recorro não do que Vª. Excia. determinou, mas do que imagino que queria dizer, que é ilegal, mas não disse.”.

Não pode ser.

Aliás, também não podemos deixar de dar razão ao Recorrente na seguinte asserção:

« Vamos antes de mais analisar o despacho sob o prisma do declarante, que não é exatamente um declarante “normal”, vulgo um leigo na matéria. É um Juiz de Direito:

· O douto despacho em alguma parte refere que anula as sentenças de habilitação transitadas em julgado? NÃO;

· O douto despacho em alguma parte faz qualquer referência aos efeitos processuais de uma putativa anulação das sentenças, tais como: Necessidade de notificar todos os anteriores intervenientes; perca de legitimidade do exequente habilitado Global Arrows e reabilitação do primeiro exequente Barclays; comunicação à agente de execução de que a execução voltava ao seu início e de todos os demais efeitos decorrentes da anulação das sentenças? NÃO;

· Se fosse entendimento do Juiz de que a prolação daquele despacho anulava as sentenças de habilitação de cessionário com os seus necessários efeitos jurídicos, não o teria expressamente declarado? A resposta é necessariamente que SIM.

Logo, atendendo a um comportamento normal e objetivo de um qualquer juiz na posição do juiz em causa, o não referir-se, expressamente, que o despacho anulava as sentenças de habilitação devidamente transitadas e tramitadas em dois apensos, ou a qualquer efeito que decorresse dessa anulação, só se pode concluir que o juiz nunca teve essa intenção quando proferiu o despacho, pelo qualquer interpretação nesse sentido é manifestamente abusiva.».

Concorda-se inteiramente – acrescentando-se que esta nossa conclusão é reforçada pelo teor do despacho de despacho de 10.07.2016 que, como abaixo melhor se verá, veio decidir quais os actos praticados no processo que deveriam ser considerados válidos, o que significa que a interpretação que o despacho de 20.12.2021 veio fazer do despacho de 12.06.2019, afinal, não podia afastar-se do que já se dissera naquele anterior despacho de 10.07.2016, ou seja, que os actos a considerar válidos no processo eram os que fossem posteriores à citação pessoal do executado, entre eles figurando as sentenças de habilitação.


2. Quanto à pretensa revelia do executado:

Como visto, não havia revelia alguma quando decorreram os apensos de habilitação e foram prolatadas as respectivas sentenças. As sentenças tiveram lugar depois de o executado ter sido devidamente citado pessoalmente (citação esta cuja validade ninguém questionou).


E não se diga que o Recorrente, na sua reclamação de 14.09.2015, pretendia se anulassem todos os actos processuais posteriores à citação edital.

Não é isso, de todo, que resulta do requerimento do Executado, como ressalta à evidência do seu requerimento: “com os fundamentos supra expostos, deve declarar-se “falta de citação” do executado, uma vez que foi empregue indevidamente a citação edital, que por consequência é nula, considerando-se este apenas citado no dia 3 de Setembro de 2015, falta essa que expressamente se invoca, nos termos do artº 188º 1 al) c, do Artº 851º 1 ambos do CPC, mediante RECLAMAÇÃO, sustendo-setodos os termos da execução até ao conhecimento da mesma, nos termos do nº 2 do citado último artigo, bem como requerendo ainda a anulação de tudo o que tenha sido na execução praticado, nomeadamente a venda do imóvel penhorado, nos termos da Alínea b) do 1 do artigo 839º do Código de processo Civil.”.

Ou seja, é evidente que o que o Recorrente requereu foi, somente e apenas, que a execução ficasse suspensa até ser decidida a requerida nulidade da citação edital, anulando-se “tudo o que tenha sido na execução praticado” – “tenha”, isto é, até então.

O que, obviamente, põe de fora o que na execução tenha sido decidido após a citação pessoal do executado (como foram as sentenças de habilitação de cessionário) – aliás (como observa o recorrente), nenhum acto material foi praticado na execução posteriormente à reclamação e até ao trânsito em julgado da sentença da segunda habilitação que correu por apenso; o que correu e foi tramitado por apenso, com pleno conhecimento de todas as partes devidamente notificadas e cientes, foram apenas os incidentes de habilitação que têm natureza meramente processual e que em nada afetam ou alteram o decurso da execução, que estava para todos os efeitos, sustados.

Veja-se que a preocupação nos autos em ressalvar a citação pessoal, com tudo o que posteriormente a ela venha a ser apreciado e decidido na execução (como é o caso das sentenças e habilitação) – e, de certo modo, também, já ajudando na resposta a dar à interpretação do despacho de 12.06.2019 – já ressalta do despacho proferido em 10.07.2016, no qual se decidiu que a citação válida e a ter em conta (com tudo o que isso importava) era a pessoal e não a edital. Era em função deste despacho, incidente sobre a reclamação do executado (de 14.09.2015) – em que suscitara a declaração de nulidade da citação edital, decidindo-se que a citação edital não era válida, sendo-o antes a citação pessoal – , que se determinaria se a penhora e a adjudicação do imóvel tinham ou não sido realizadas à revelia do executado e, consequentemente, se seriam anuladas ou válidas e consolidadas na ordem jurídica.

Ou seja, razão tem o Recorrente: foi já naquele despacho de 10.07.2016 (de que todos os intervenientes no processo foram notificados e nada disseram) que o tribunal apreciou a questão de fundo de saber quais os actos praticados nos autos que deveriam ser considerados válidos. E se expressamente ali os não elencou, implicitamente já o fez, dizendo que a citação válida para todos os efeitos legais era a pessoal e não a edital. O que significava que as sentenças de habilitação de cessionário, porque prolatadas após a válida citação pessoal do executado, não podiam deixar de ser válidas e se consolidarem na ordem jurídica (para usar a linguagem do acórdão), dado que delas não foi deduzida qualquer oposição, como tal transitando em julgado.

O despacho 20.12.2021 (ora em crise), que a Relação acolheu, veio interpretar o despacho de 2016proferido por um juiz diferente daquele que proferiu este último – no fito de clarificar quais os efeitos que deste decorriam. Só que tais efeitos, em boa verdade, já emergiam do despacho de 10.07.2016 onde se decidiu (sem os elencar, claro – até porque os não podia indicar, dado que muitos foram e podiam vir a ser praticados nos autos após esse despacho, como ocorreu, aliás, com as sentenças de habilitação) quais os actos praticados no processo que deveriam ser considerados válidos. E decidiu-o de forma que se nos afigura clara: são válidos os actos posteriores à citação pessoal e nulos os praticados no âmbito ou período da citação edital do executado.


**

Atento o exposto, não nos parece que necessárias sejam grandes adicionais explanações para se concluir que o despacho de 20.12.2021 que interpretou o despacho de 12.06.2019, não apenas errou na interpretação que ali faz no sentido de abranger as sentenças de habilitação de cessionário – estas que a Relação, corroborando o decidido pela 1ª instância, considerou que eliminadas da ordem jurídica – , como nunca as poderia abranger, dado que as mesmas, transitadas em julgado, haviam sido proferidas após a válida citação pessoal do executado, para além de que já no despacho de 10.07.2016 o Sr. juiz decidira (assim já interpretando o sentido do despacho de 12.06.2016) quais os actos do processo que deveriam ser considerados válidos, esclarecendo-se ali que eram/seriam (só) os praticados após aquela citação pessoal do executado (no que se inclui, obviamente, as sentenças de habilitação, dado que delas não foi interposto recurso e, como tal, transitaram em julgado).

E sendo assim, mal andou a Relação em considerar que o despacho recorrido (de 20.12.2021), interpretando o de 12.06.2019, no referido sentido (de que as sentenças de habilitação foram anuladas por este último, não podendo, como tal, jamais ser consideradas, porque estão eliminadas da ordem jurídica), não violou o julgado naquelas sentenças.

Violou, sim, pois tais sentenças de habilitação são plenamente válidas e eficazes para todos os efeitos.

Acresce que aquele despacho de 20.12.2021, ao interpretar o anterior de 12.06.2019, fê-lo partindo de um pressuposto errado (de um manifesto equívoco): que os incidentes de habilitação de cessionário tinham sido tramitados e decididos à revelia do executado, sem que o mesmo estivesse validamente citado (ou seja, tramitados entre a citação edital que veio a ser considerada nula, e a citação pessoal, que foi a considerada válida, tal como a penhora e a adjudicação do imóvel).

É isso mesmo que escreveu a Srª juíza: «Note-se que não há, contrariamente, ao propugnado pelo Executado qualquer violação do caso julgado, pois que as sentenças de habilitação de cessionário, em especial a sentença de habilitação do Bankinter foram tomadas à revelia doExecutado, sendo que foi em seu benefício e conforme requerido pelo próprio que todo o processado posterior ao requerimento executivo foi declarado nulo.».

Mas não o foram: foram prolatadas após a citação pessoal, válida, do executado.

Assim, não assiste razão ao acórdão recorrido quando remata que «…como consequência desse trânsito em julgado da decisão judicial de12/06/2019 é apodítico terem sido eliminadas da ordem jurídica as sentenças, transitadas em julgado, proferidas no âmbito dos incidentes de habilitação de cessionários deduzidos pelo Bankinter, S.A. e pela Arrow Global, Limited, ao longo da execução e, bem assim, a decisão proferida pela agente de execução, declarando extinta a execução pelo pagamento, retornando,  assim,  a execução à sua fase inicial».

Como igualmente carece de razão quando acrescenta que «Destarte, tendo a execução retornado ao seu ponto inicial, na medida em que tudo  nela processado foi anulado, mediante o trânsito em julgado da decisão proferida em 12/06/2019, à exceção do requerimento executivo, tendo esse requerimento executivo sido apresentado em juízo pelo apelado Barclays Bank, Plc, e figurando este como credor (mutuante e beneficiário da hipoteca e das fianças) nos títulos executivos que servem de fundamento à presente execução, é indiscutível que o Barclays Bank dispõe de legitimidade ativa para promover a execução (arts. 10º, n.ºs 1, 4, 5 e 6 e 53º, n.º 1 do CPC) e, bem assim, que não ocorre qualquer violação do caso julgado que cobre as sentenças proferidas no âmbito dos incidentes de habilitação de cessionária e a decisão da agente de execução que declarou extinta a execução pelo pagamento (reafirma-se, essas sentenças e decisão do AE foram anuladas e, portanto, eliminadas da ordem jurídica, pela decisão transitada em julgado proferida em 12/06/2019), assim como toda a demais argumentação aduzida pelo apelante AA para fundamentar esse seu ponto de vista.».


**

Percute-se, porém: as sentenças de habilitação proferidas nos autos não podem, simplesmente, ser apagadas, ou (na linguagem da Relação), simplesmente “eliminadas da ordem jurídica”, quando foram proferidas sem qualquer vício, transitaram em julgado e o foram em conformidade com o que foi esclarecido no despacho de 10.07.2016, ou seja, dentro do elenco de actos que tal despacho considerou serem válidos (os praticados após a citação pessoal do executado).

Ao assim não ter considerado, o despacho ora em crise, de 20.12.2021 (interpretando o despacho de 12.06.2019 como tendo o mesmo considerado nulas as sentenças de habilitação de cessionário – só porque neste despacho se referiu que “anula-se o processado posterior ao requerimento executivo”), violou o caso julgado formado com estas sentenças.


**


Em conclusão:

Afigura-se-nos que a razão está do lado do Recorrente, pois, como bem refere (e ressalta à evidência de todo o até aqui explanado), não pode deixar de se concluir: 1. Que do teor do despacho de 12/06/2019, não resulta, expressa ou implicitamente, a anulação das sentenças de habilitação transitadas em julgado e tramitadas por apenso; 2. que o Juiz que proferiu tal despacho em momento algum teve essa intenção; 3. que todos os declaratários, sem excepção (a começar pela própria secretaria do tribunal, executados e exequente e a terminar na agente de execução), interpretaram e agiram como se o referido despacho não afectasse, de nenhum modo, as sentenças de habilitação proferidas e devidamente transitadas em julgado e seus respectivos efeitos, nomeadamente quanto à legitimidade processual das partes; 4. que o juiz que proferiu o despacho não tinha que referir expressamente nesse despacho que o mesmo não afectava as sentenças proferidas, pela simples razão que elas nunca legalmente poderiam ser afectadas, dado que os incidentes de habilitação não tinham sido tramitados à revelia dos executados, antes tinham sido posteriores não apenas à citação pessoal do executado, como até ao despacho de10/07/2016 que determinou que válida e a ter em conta era (apenas) a citação pessoal do executado e não a sua citação edital.

Assim procede a questão suscitada.


**

IV. DECISÃO

 

Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e, consequentemente, conceder a revista, revogando-se o despacho recorrido e considerando-se válidas as sentenças de habilitação de cessionário transitadas bem como os seus efeitos – bem assim sendo válido o despacho da agente de execução a extinguir a execução, mantendo-se, em consequência desta extinção,  a legitimidade da Global Arrows Limited, como último exequente habilitado (e, consequentemente também, revogando-se a reabilitação do Barclays Bank Plç., como exequente, carecendo o mesmo de legitimidadeprocessual para requerer o que quer que seja nos presentes autos).

Custas a cargo do Recorrido.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2023

Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º adjunto)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 2º Adjunto)


_________

[1] Concluiu, o executado AA, tal requerimento:
Assim, com os fundamentos supra expostos, deve declarar-se “falta de citação” do executado, uma vez que foi empregue indevidamente a citação edital, que por consequência é nula, considerando-se este apenas citado no dia 3 de Setembro de 2015, falta essa que expressamente se invoca, nos termos do artº 188º 1 al) c, do Artº 851º 1 ambos do CPC, mediante RECLAMAÇÃO, sustendo-se todos os termos da execução até ao conhecimento da mesma, nos termos do 2 do citado último artigo, bem como requerendo ainda a anulação de tudo o que tenha sido na execução praticado, nomeadamente a venda do imóvel penhorado, nos termos da Alínea b) do 1 do artigo 839º do Código de processo Civil.”.
[2] Que assim decidiu:
“Termos em que, julgo procedente o incidente suscitado pelo Barclays, pelo req. de 14/06/2021, e, na decorrência do trânsito em julgado da sentença proferida em 12/06/2019 que decretou a anulação de todo o processado posterior ao requerimento executivo, determina-se que a execução prossiga, desde esse requerimento executivo, retomando o Barclays Bank, PLC a posição de Exequente, tomando-se, todavia, em atenção que à quantia exequenda terá de reduzir-se o valor comprovadamente pago pelo Executado à “Arrow Global Limited”, ficando, consequentemente sem efeito a decisão do Sr. (ª) Agente de Execução de extinção da execução pelo pagamento. (…)”- o sublinhado é nosso.
[3] Onde consta:
“… Ora, relembre-se, que a decisão de 12/06/2019 decretou a anulação de todo o processado posterior ao requerimento executivo.

Essa decisão de anulação do processado não ressalvou as habilitações de cessionário ou outro acto processual posterior ao requerimento executivo.

O que significa, portanto, que sendo os incidentes e subsequentes sentenças de habilitação de cessionários posteriores ao requerimento executivo, estas foram, consequentemente, anuladas por aquela decisão.”

“Termos em que, julgo procedente o incidente suscitado pelo Barclays, pelo req. de 14/06/2021, e, na decorrência do trânsito em julgado da sentença proferida em 12/06/2019 que decretou a anulação de todo o processado posterior ao requerimento executivo, determina-se que a execução prossiga, desde esse requerimento executivo, retomando o Barclays Bank, PLC a posição de Exequente, tomando-se, todavia, em atenção que à quantia exequenda terá de reduzir-se o valor comprovadamente pago pelo Executado à “Arrow Global Limited”, ficando, consequentemente sem efeito a decisão do Sr. (ª) Agente de Execução de extinção da execução pelo pagamento. (…)”- o sublinhado é nosso.