Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2051/21.2T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: PORTARIA DE EXTENSÃO
CONFLITO DE NORMAS
CONCORRÊNCIA
CATEGORIA PROFISSIONAL
Data do Acordão: 05/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

I- Segundo o disposto no artigo 483.º n.º 2 do CT também no contexto de concorrência de portarias de extensão se devem aplicar os critérios previstos no artigo 482.º, números 2 a 4,

II- Atendendo ao momento em que se iniciou a relação laboral será aplicável a convenção coletiva objeto da portaria de extensão mais recente nesse momento.

III- A interpretação da parte normativa da convenção coletiva faz-se com recurso aos critérios de interpretação da lei, assumindo grande importância a letra da convenção.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 2051/21.2T8LRA.C1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

AA, apresentou requerimento/ formulário a que se reportam os artigos 98º-C e 98º-D do Código de Processo de Trabalho, opondo-se ao despedimento por justa causa efetuado em 27/05/2021 por DIGIDELTA SOFTWARE – ANÁLISE E PROGRAMAÇÃO, UNIPESSOAL, LDA pedindo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

A Entidade Empregadora/Ré apresentou articulado motivador do despedimento e juntou cópia do processo disciplinar.

A Autora apresentou articulado de contestação defendendo-se por exceção e por impugnação e deduziu reconvenção, requerendo a condenação da Ré no pagamento:

 a) da quantia de € 2.548,00, por danos não patrimoniais;

b) da quantia de € 2.661,27, a título de prestações intercalares salariais vencidas até 31.0./2021, e vincendas até ao trânsito em julgado da sentença que declare a ilicitude do despedimento;

c) da quantia de € 485,49, a título de subsídio de almoço relativamente ao período de tempo referido no item anterior (€ 480,69), acrescido de juros de mora vencidos (€ 4,80), bem como nestas prestações vincendas;

d) da quantia de € 11.210,70, a título de indemnização pelo despedimento ilícito em substituição da reintegração, por se tratar de uma sanção abusiva, e calculado nos termos dos artigos 331º e 392º, nº 2 do Código de Trabalho;

e) no pagamento da quantia de € 8.408,12, a título de indemnização substitutiva da reintegração, nos termos do artigo 391º do Código de Trabalho, caso não proceda o pedido mencionado em d);

f) da quantia de € 28.146,92 a título de diferenças salariais devidas com base no reconhecimento da categoria profissional da Trabalhadora como Analista Informática, de acordo com a CCT aplicável, acrescida de:

g) € 2.384,14 a título de juros vencidos sobre tal quantia contados até 31.07.2021, e h) juros vincendos desde essa data;

i) da quantia de € 607,75, a título de diuturnidades no valor de € 561,42, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, sendo os primeiros, contados até 31.0./2021, no montante de € 46,33;

j) da quantia de € 827,95, a título de crédito de horas por ausência de formação profissional, acrescida de juros de mora calculados desde 01/08/2021;

(k) a corrigir, declarar e pagar as devidas contribuições à Segurança Social tendo como base as remunerações que são devidas, por força do contrato de trabalho celebrado entre as partes.

Requereu ainda a condenação da Ré como litigante de má-fé, no reembolso das despesas a que a mesma deu lugar, incluindo os honorários do seu mandatário.

 A Ré/ Reconvinda apresentou articulado de resposta, restringida aos pedidos formulados sob as alíneas c), f), g), h) i) e j) do pedido reconvencional, concluindo pela respetiva improcedência, quer por a Autora/Trabalhadora nunca ter exercido as funções de Analista Informática, quer por falta de correspondência do Contrato Coletivo de Trabalho à atividade desenvolvida pela empregadora, referindo ainda que a Trabalhadora não manifestou a sua adesão ao Contrato Coletivo de Trabalho no prazo que dispunha para o fazer, pelo que, entende ser aplicável à relação contratual existente o Contrato Coletivo entre a AGEFE – Associação Empresarial dos Setores Elétrico, Eletrodoméstico, Fotográfico e Eletrónico e a FEPCES – Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e Outros, por ser o mais recente.

Foi proferida Sentença em 19.04.2022 na qual se decidiu o seguinte:

1. Julgar procedente, por provada, a presente ação com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, bem como parcialmente procedente a reconvenção deduzida pela Trabalhadora/Reconvinte AA, e, em consequência:

a) Declarar ilícito e abusivo o despedimento da Trabalhadora AA efetuado pela Entidade Empregadora “Digidelta, Lda.”, absolvendo tal Trabalhadora do pedido contra si deduzido pela Entidade Empregadora;

b) Condenar a Entidade Empregadora/Reconvinda “Digidelta, Lda.” a pagar à Trabalhadora/Reconvinte AA, a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 1.304,97 € (1.272,00 € + 32,97 €) – mil trezentos e quatro euros e noventa e sete cêntimos - desde o dia 27/05/2021 e até ao trânsito em julgado desta sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado desta sentença e até efetivo e integral pagamento;

c) Condenar a Entidade Empregadora/ Reconvinda “Digidelta, Lda.” a pagar à Trabalhadora/Reconvinte AA, a título de indemnização por antiguidade, a quantia correspondente a 60 (sessenta) dias de retribuição base da Trabalhadora, no valor de 2.609,94 € (dois mil seiscentos e nove euros e noventa e quatro cêntimos), por cada ano completo ou fração de antiguidade da Trabalhadora na Entidade Empregadora até ao trânsito em julgado desta sentença, a liquidar posteriormente, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da liquidação dessa quantia e até efetivo e integral pagamento;

c) Condenar a Entidade Empregadora/Reconvinda “Digidelta, Lda.” a pagar à Trabalhadora/Reconvinte AA, a título de diferenças salarias, incluindo subsídios de férias e de Natal), a quantia total de 27.657,96 € (vinte e sete mil seiscentos e cinquenta e sete euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 20/03/2017 e até efetivo e integral pagamento;

d) Condenar a Entidade Empregadora/Reconvinda “Digidelta, Lda.” a pagar à Trabalhadora/Reconvinte AA, a título de diuturnidades desde 01/04/2020, a quantia total de 560,49 € (quinhentos e sessenta euros e quarenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde aquela data até efetivo e integral pagamento;

e) Absolver a Entidade Empregadora/Reconvinda “Digidelta, Lda.” do demais peticionado pela Trabalhadora/Reconvinte AA.

2. Condenar a Entidade Empregadora/Reconvinda “Digidelta, Lda.” por litigância de má-fé em multa de 4 (quatro) UC´s e em indemnização a favor da Trabalhadora AA em montante a apurar após audição das partes.”

Inconformada, a Ré interpôs recurso de Apelação.

Foi proferido Acórdão em 14.10.2022, no qual se decidiu:

Em conformidade com o exposto, delibera-se julgar a apelação parcialmente procedente e, confirmando no mais a sentença recorrida, revoga-se a mesma na parte em que condenou a ré a pagar à autora, a título de diuturnidades, a quantia de € 560,49, acrescida de juros, e ainda a condenou por litigância de má-fé em multa e em indemnização a favor da autora.”

Inconformada a Ré/Empregadora veio interpor recurso de revista.

Nesse recurso e depois de sustentar a inexistência de “dupla conformidade”, já que a sentença e o Acórdão divergiram quanto às convenções coletivas que seriam aplicáveis à situação concreta, defende que o Contrato Coletivo de Trabalho aplicável é o celebrado entre a Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços (FEPCES) e outros, por ser o mais moderno à data da propositura da ação que entrou em vigor no dia 01-09-2019, por portaria de extensão n.º 335/2019, publicada em DR, n.º 185/2019, Série I, de 26-09-2019 (Conclusão e)). Além disso e com apelo aos elementos literal e sistemático da convenção coletiva, sustenta que face ao facto 46 não poderia decidir-se que a categoria da trabalhadora fosse a de analista informática. Afirma que não teria “o mínimo sentido atribuir uma categoria profissional a uma trabalhadora que nem sequer tem competências para exercer a atividade de programador por não saber programar, como admite o acórdão recorrido” (Conclusão i)); acresce que apenas se a trabalhadora integrasse “as equipas de desenvolvimento da Recorrente é que faria sentido prestar funções de análise informática” (Conclusão j)). E sublinha que teria a trabalhadora o ónus da prova de que “as funções que vinha a desempenhar se circunscreviam no conteúdo normativo da categoria profissional de analista informático(a)” (Conclusão m)), ónus que não teria satisfeito (Conclusões m) e n)).

A Autora contra-alegou.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso de revista.

Fundamentação

De Facto

Foi a seguinte a matéria dada como provada nas instâncias;

1. A “Digidelta, Lda.” dedica-se a atividades de consultoria e desenvolvimento de sistemas de softwares, prestadas principalmente a entidades públicas, nas áreas da saúde animal, gestão de fundos comunitários e gestão de produção animal (CAE 62020);

2. Em especial, a “Digidelta, Lda.” presta serviços à Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), serviço da administração central do Estado, que tem como fim a definição, execução, e avaliação das políticas de segurança alimentar, de proteção animal e de sanidade animal, proteção vegetal e fitossanidade, sendo investida nas funções de autoridade sanitária veterinária e fitossanitária nacional e de autoridade responsável pela gestão do sistema de segurança alimentar;

3. Com o objetivo de controlar a prossecução das políticas de segurança alimentar, proteção e sanidade animal, a DGAV utiliza o Programa Informático de Saúde Animal (PISA), para controlo da saúde animal, desenvolvido pela “Digidelta, Lda.”, e instalado localmente na DGAV, que comunica através de um sistema de transferência de dados (SPD – Serviço de Propagação de Dados);

4. O programa “PISA.net” tem vindo a ser desenvolvido e gerido pela Digidelta Software, que detém com a DGAV um contrato de prestação de serviços, em regime de ajuste direto, por ausência de recursos próprios desta.

5. A “Digidelta, Lda.” gere e desenvolve também o programa “PISA.mobile”, este não homologado pela DGAV, mas que colmata as necessidades dos veterinários no campo, cujo trabalho é integrado no “PISA.net”.

6. O programa PISA.net pode ser instalado em servidores da própria DGAV, Serviços Oficiais e Organizações de Produtores Pecuários (OPP’s) ou em terminais, mas necessita de serviços adicionais para o fluxo de informação, serviços esses prestados pela “Digidelta, Lda.”;

7. Além do PISA, que tem cerca de 1500 utilizadores, a “Digidelta, Lda.” desenvolve ainda os programas de software S... (50 utilizadores), W... (40 utilizadores), O... (3 utilizadores), D... (em fase de desenvolvimento) e L... (6 utilizadores), tendo o PISA duas assistentes que prestavam suporte a utilizadores do programa PISA, sendo uma delas a T.; (alterado pelo Tribunal da Relação)

8. A Trabalhadora foi admitida ao serviço da “Digidelta, Lda.” em 20 de Março de 2017, através de contrato de trabalho a termo, pelo período de seis meses, “com a categoria de Assistente Técnica ao Pisa – Programa Informático de Saúde Animal e Programador, com as funções constantes da respetiva definição convencional, obrigando-se este a exercer tais funções bem como executar todos os trabalhos com elas compatíveis” (cláusula 1ª do contrato de fls. 54 verso a 55;

9. Em 1 de setembro de 2017, por “aditamento ao contrato de trabalho a termo certo”, a Trabalhadora e a EP acordaram na renovação do referido contrato, pelo período de 12 meses, com início no dia 12 setembro de 2017, e termo no dia 19/09/2018 (doc. fls. 56);

10. Em 2 de setembro de 2019, por “aditamento ao contrato de trabalho a termo certo”, a Trabalhadora e a EP acordaram na renovação do referido contrato, pelo período de 6 meses, com início no dia 20 setembro de 2019, e termo no dia 20/03/2020 (doc. fls. 57);

11. Em 31 de Janeiro de 2020, a Trabalhadora e a EP, subscreveram a denominada “Declaração de conversão de contrato a termo em contrato sem termo”, na qual a EP “declara que o “Contrato a Termo Certo, tempo completo, celebrado pelo período de seis meses, com início a 20 de março de 2017 e termo a 19 de setembro de 2017, da funcionária AA (…) se converte a Contrato de Trabalho Sem Termo, Tempo Completo, a partir do dia 3 de fevereiro de 2020 inclusive (doc. fls. 58);

12. Nos termos ajustados, o período normal de trabalho era de 40 horas semanais e 8 horas diárias, de segunda a sexta-feira, no horário de trabalho das 09.00 horas às 18.00 horas, com intervalo para o almoço das 13.00 horas às 14.00 horas;

13. O vencimento ajustado da trabalhadora, no contrato inicial, era de € 730,00 a título de retribuição mensal ilíquida, acrescido de subsídio de refeição, auferindo, até Maio de 2021, as retribuições mensais ilíquidas a seguir discriminadas, acrescidas de subsídio de refeição, no valor, em 2021, de € 7,63:

- 2017: € 735,00 de Abril a Dezembro, acrescido de € 490,00 de subsídio de férias e € 490,00 de subsídio de Natal;

- 2018: € 785,00 de Janeiro a Dezembro, acrescido de € 785,00 de subsídio de férias e € 785,00 de subsídio de Natal;

- 2019: € 785,00 de Janeiro a Dezembro, acrescido de € 785,00 de subsídio de férias e € 785,00 de subsídio de Natal;

- 2020: € 785,00 de Janeiro a Dezembro, acrescido de € 785,00 de subsídio de férias e € 785,00 de subsídio de Natal;

- 2021: € 785,00 de Janeiro a Abril, € 683, 71 em Maio, acrescidos de € 316,15 de subsídio de férias e € 316,15 de subsídio de Natal.

14. A Trabalhadora exerceu as suas funções desde o dia em que foi admitida ao serviço, 20 de março de 2017, prestando-as sempre nas instalações da EP até ao dia 22 de março de 2020, quando, por imposição legal no âmbito das medidas de combate à pandemia do vírus Covid-19, passou para o regime de teletrabalho até outubro de 2020 e dessa data até 22 de janeiro 2021 nas instalações da empresa e a partir dessa data em teletrabalho;

15. No dia 24 de março de 2021, o sócio-gerente da EP, proferiu despacho pela instauração de inquérito prévio, para investigação dos factos pelos quais a trabalhadora estava fortemente indiciada, com suspensão preventiva imediata e sem perda de retribuição, comunicada à Trabalhadora por carta de 25 de março de 2021, e por ela recebida no dia seguinte;

16. Realizadas as diligências tidas por necessárias, com inquirição de testemunhas e junção de documentos;

17. Em 19 de abril de 2021, foi elaborado pelo instrutor relatório final de inquérito prévio, que concluiu pela existência de “indícios suficientes acerca da existência de infração disciplinar de despedimento por justa causa por parte da trabalhadora, por violação dos seus deveres contratuais e legais, com previsão nos arts. 128.º, n.º 1, als. c), f) e g) do Código do Trabalho.”;

18. No dia 19 de abril de 2021, foi proferido despacho pelo sócio gerente da EP, a converter o inquérito prévio em processo disciplinar com sanção de despedimento por justa causa da trabalhadora;

19. A Nota de Culpa e a comunicação de intenção de despedimento com justa causa foram remetidas por correio registado com aviso de receção à trabalhadora no dia 20 de abril de 2021, que esta recebeu no dia seguinte;

20. Por carta datada de 05 de abril de 2021, a Trabalhadora respondeu à Nota de Culpa, negando a veracidade dos factos nela imputados;

21. No dia 25 de maio de 2021, o instrutor do processo disciplinar elaborou relatório final, concluindo pela existência de infração disciplinar e de justa causa de despedimento;

22. No dia 26 de maio de 2021, proferiu decisão de despedimento com justa causa da trabalhadora, pelos fundamentos constantes do relatório final, que remeteu à Trabalhadora por carta de 26 de Maio de 2021, que esta recebeu no dia 27 de Maio de 2021;

23. No dia 23 de março 2021, através da VPN (Virtual Private Network) facultada pela C... (cujo CEO é o Sr BB), a T. conectou-se remotamente ao seu posto de trabalho situado fisicamente na Digidelta, poucos minutos antes das 09:00 horas.

24. Uma das muitas tarefas da T. para esse dia consistia em terminar o serviço de ... quanto antes, cujo pedido foi elaborado pelo Eng. CC da DGAV no dia 22 de março de 2021, da parte da tarde.

25. Sucede que a internet da T. estava demasiado lenta, e a T. sentia alguma pressão por causa do trabalho que alguns colegas haviam deixado acumular, pelo que decidiu deslocar-se às instalações da Digidelta.

26. A T. deslocou-se a tais instalações, com o intuito de terminar o Servidor de ..., tendo telefonado a informar a sua colega DD cerca das 10:00 horas, pois era prática avisar a respetiva equipa sempre que um dos trabalhadores se ausenta do posto de trabalho.

27. A DD, que era do departamento de Marketing, enquanto técnica de marketing, foi colocada a partir de 23 de fevereiro de 2021 a atender as chamadas dos clientes do PISA e, nesse sentido, passou também a integrar a referida equipa;

28. Todos os trabalhadores da EP, apesar de em regime de teletrabalho, estavam autorizados a fazer as deslocações que entendessem necessárias para as instalações da EP;

29. A T. chegou à Digidelta cerca das 10:16 horas, e com a chave que lhe havia sido entregue em março de 2017 abriu a porta e tentou desativar o alarme, o que não conseguiu, tentando fazê-lo por mais que uma vez;

30. Em virtude do referido em 28., a T, ligou à DD, solicitando-lhe que esta ligasse para a empresa de segurança a fim de poderem desativar o alarme;

31. Tendo sido informada pela referida DD que o código foi alterado (o que nunca tinha ocorrido desde que estava ao serviço da Digidelta);

32. Em resposta ao solicitado, a DD enviou à T. o novo código que deveria colocar, o que esta fez, entrando nas instalações;

33. A T. permaneceu a trabalhar nas instalações da Ré cerca de 30 minutos antes de alguém bater à porta;

34. Quando abriu a porta, deparou-se com duas Senhoras que se apresentaram como inspetoras da ACT, que lhe pediram para entrar em contato com o CEO da empresa;

35. Em consequência daquela solicitação, a T. contactou telefonicamente o Sr. EE, tendo este e aquelas falado por esse meio;

36. Findo o telefonema pediram à T. para entregar uns documentos ao sócio gerente, o que esta, de acordo com as instruções por aquele recebidas, de deixar toda e qualquer documentação dirigida à sua pessoa na sua secretária, assim o fez;

37. Nesse mesmo dia, pouco depois do fim do horário de trabalho da Autora, a EP retirou, sem qualquer explicação, o acesso remoto ao posto de trabalho da T., não tendo esta conseguido terminar o referido servidor;

38. No dia seguinte a T. enviou uma mensagem ao sócio gerente da EP informando-o que o servidor de ... havia ficado por terminar, em virtude de não ter o referido acesso, à qual aquele respondeu no dia 25 de março, pelas 12:01 horas, agradecendo a preocupação da T., mas que já estava resolvido;

39. A EP tinha aderido ao apoio extraordinário à retoma progressiva, jamais tendo a T. manifestado perante a EP que não concordava com tal medida;

40. Apenas se recusou a assinar, em fevereiro de 2021 uma comunicação e declaração da EP, datada de 16/12/2020, na qual esta lhe comunicava da intenção de redução do seu período normal de trabalho em 75%, para vigorar em Janeiro de 2021, com vista a apresentar na Segurança Social para que a EP pudesse receber o AERP (Apoio extraordinário à retoma progressiva) referente ao mês de janeiro de 2021;

41. A referida recusa da T. tinha por base o facto de em tal documento se referir que apenas tinha trabalhado duas horas diárias em janeiro de 2021, quando, em tal período, não tinha sofrido qualquer redução do seu horário de trabalho, que se manteve em 8 horas diárias e 40 horas semanais, entendendo a T. que se assinasse tal declaração defraudaria a Segurança Social;

42. Em 19 de março de 2021 a T. marcou uma reunião na ACT e informa desse facto a sua equipa, reunião que foi cancelada por nessa altura já não existirem reuniões presenciais, não tendo apresentado qualquer queixa;

43. Suprimido pelo Tribunal da Relação;

44. A T. entrou de baixa médica no dia 23-02-2021 (sem que informasse previamente a EP dessa situação, tendo-o feito logo que lhe foi possível) até ao dia 28-02-2021, e depois beneficiou do apoio extraordinário de apoio à família desde o dia 01-02-2021 o dia 15-03-2021 (tendo a EP rececionado a carta no dia 02-03-2021);

45. A T. esteve de baixa médica por causa de depressão motivada pela recusa em assinar a declaração referida em 39;

46. Desde o início da relação contratual, a T. desempenhou, de forma habitual e permanente, além de “help desk”, as seguintes funções de análise, diagnóstico e resolução de problemas aplicacionais:

1. Programas gerais nos quais trabalha: i. Windows. ii. SQL, express e standard, SQLlite. iii. Programas de anti-virus. iv. Conhecimentos de TCP/IP e redes. v. CRM (Costumer Relation Management). vi. Microsoft Office: Excel, Outlook, Word. vii. Programas de Assistência Remota.

2. Dispositivos e técnicas desenvolvidas: i. Instalação e ligação bluetooth, com o software PISA, com os seguintes componentes: 1. Impressoras. 2. Leitores de RFID (radio frequency identification – identificação por radiofrequência). Serve para identificar os animais no campo. 3. Portáteis Windows ou MAC com virtual machine Windows.

3. Desenvolvimento e módulos de utilização geral: i. Manipulação de alguns documentos do Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, IP, doravante IFAP, para serem integrados no PISA.net. ii. Análise e correção de ficheiros. iii. Elaboração e interpretação de dados estatísticos, através de querys, excel ou no próprio software. iv. Criação de ficheiros para integração de novos animais no PISA.net. v. Ligação do cliente com o departamento de desenvolvimento, para implementação de melhorias ou criação de novos módulos, a seu pedido.

4. Rotinas diárias e utilitárias para a instalação e manutenção do software PISA: i. Análise do sistema operativo: versões e compatibilidades. ii. Instalação das atualizações de sistema operativo. iii. Verificação das funcionalidades do Windows. iv. Após análise cuidada, caso seja servidor, instalar a versão do SQL adequada ao sistema operativo em causa. v. Verificação de existência e eliminação de programas maliciosos

vi. Verificação de permissões de segurança do computador e utilizador. vii. Análise do fluxo de informação, do serviço de propagação de dados, doravante SPD, com paragem e início de serviços das diversas entidades intervenientes. Este serviço permite a monitorização, controlo e atualização das comunicações realizadas pelo PISA, entre e na DGAV, serviços oficiais, Laboratórios, Associações de Defesa Sanitária (ADS), OPP’s e vice-versa. viii. Criação, extração e integração de uma ou mais Bases de dados. ix. Instalar o executável do PISA.net, bem como os seus componentes, serviços e atualização do PISA.net para a versão mais recente. x. Configuração de terminais e servidores. xi. Analisar a versão do programa Standard Query Language, doravante designado SQL, desenvolvido pela Microsoft sendo este uma linguagem de programação que permite gerir e obter informação de uma ou diversas bases de dados. Configuração e instalação de periféricos.

5. Manutenção do PISA.net na DGAV, servidores dos serviços oficias, OPP’s e Laboratórios: i. Análise, reparação e reconstrução de base de dados.

6. Suporte e assistência técnica do PISA.net, nos computadores na DGAV, utilizadores dos serviços oficiais, Laboratórios e OPP’s.: i. Análise, diagnóstico e resolução de problemas do PISA ii. Apresentação de soluções a alternativas aos clientes. iii. Formação aos clientes. iv. Realização de testes, aquando da implementação de novas funcionalidades e atualizações, não só no PISA.net do Continente e Região Autónoma dos Açores e PISA.mobile. v. Suporte técnico aos bastões dos veterinários e OPP’s. vi. Reporte de bugs e necessidades dos clientes, à Eng. Informática que está afeta ao desenvolvimento do PISA.net.

7. Instalação, suporte e assistência técnica ao serviço de propagação de dados, doravante designado SPD.: i. Como programa de atualização de dados na BD central, quando há problemas de informação é necessário analisar as diversas entidades e fazer a intervenção técnica adequada à resolução dos mesmos.

47. Consta da folha de serviços prestados, enviada aos clientes da EP, nomeadamente à DGAV, que a T. integra a equipa de assistência técnica, referindo, no e-mail que capeava aquela folha, que prestava serviços de assistência e apoio ao programa PISA, bem como a assistência à ADS, OPPs e Veterinários - DOC. ....

48. A T. é finalista do curso de Gestão do ... e foi considerada engenheira de primeira linha no departamento P... e posteriormente denominada PC ..., tendo sido nomeada duas vezes para melhor trabalhadora da Europa;

49. Ao serviço da EP, a T. teve as seguintes ausências justificadas, não renumeradas: de 22.02.2021 a 26.02.2021;

50. Quando foi admitida ao serviço da EP, a T. detinha a seguinte experiência profissional:

- Entre 01-01-2010 até 19-03-2017, foi “Coordenadora de Projetos” na T..., em ..., ..., exercendo funções de coordenação de projetos para os clientes: S..., A..., A..., B..., B..., S..., F... e C...;

⎯ Entre 01-10-2009 até 01-01-2010, foi “Service Desk Analist/Eu Change Desk” na T... ..., nos ...;

⎯ Entre 01-05-2009 até 01-10-2009, prestou funções de “Serviço de Apoio ao Cliente” na T....

⎯ Entre 01-05-2007 até 01-05-2009, foi “PC ... da Microsoft em ...”, na Microsoft, ..., onde aí realizava as seguintes funções de suporte técnico: a) Remoção de Vírus (Cavalos de Troia, vermes, rogue software e outros); b) Resolução de problemas na instalação do SP1 para o Windows Vista e SP3 para o Windows XP; c) Resolução de problemas específicos dos sistemas operativos; Windows Vista e XP; d) Elaboração de assistências remotas aos computadores dos clientes (Microsoft Easy assistente);

51. A T. não tem quaisquer antecedentes disciplinares;

52. E nunca exerceu quaisquer funções como membro de corpos gerentes de associações sindicais, da comissão de trabalhadores ou delegada sindical.

53. A sanção de despedimento aplicada à T. ocorreu como forma de retaliação por esta se ter recusado assinar, em fevereiro 2021, a declaração mencionada em 40.;

54. A título de subsídio de refeição, entre janeiro e maio 2021, a EP pagou à T. (em vales refeição) as seguintes quantias: 152,60 € (janeiro), 122,08 € (fevereiro), 175,49 € (março) e 144,97 € (maio);

55. A EP não ministrou formação profissional à Trabalhadora; a esse título, em maio de 2021, pagou-lhe o montante de 472,25 €;

56. O procedimento prévio de inquérito, instaurado pela EP, determinou na T. um profundo estado de nervos, humilhação e desgosto.

De Direito

As duas questões que se colocam no presente recurso são, em primeiro lugar, a determinação do IRCT aplicável e, em segundo, e face à resposta à questão anterior, se a trabalhadora tem direito a uma requalificação em termos da categoria de “analista informática” com o inerente direito a diferenças salariais.

Quanto à primeira questão, a sentença decidiu que com base na escolha da recorrida, ao abrigo do disposto no art. 497.º, n.º 2, do CT, o CCT aplicável é «o celebrado entre a ANIMEE - Associação Portuguesa das Empresas do Sector Elétrico e Eletrónico e a Federação dos Sindicatos de Indústria e Serviços - FETESE e outros, publicado no BTE, n.º 19, de 22/05/2016 alteração salarial e texto consolidado - com PE n.º 326/2016, publicada no DR, n.º 242/2016, Série I, de 20/12/2016, e sucessivas alterações, publicadas no BTE, n.º 15, de 22/04/2017, com PE n.º 222/2017, publicada no DR, n.º 140/2017, Série I, de 21/07/2017, no BTE, n.º 14, de 15/04/2018, com PE n.º 137/2018, publicada no DR, n.º 93/2018, Série I, de 15/05/2018 e no BTE, n.º 19, de 22/05/2019, com PE n.º 206/2019, publicada no DR, n.º 126/2019, Série I, de 04/07/2019.
Ao invés, o Acórdão recorrido afastou a possibilidade de escolha pelo trabalhador neste contexto e decidiu que, tomando “por critério a aplicação da mais moderna portaria de extensão concorrente ao longo do contrato de trabalho da autora, tomando em consideração a data do início do contrato de trabalho, em 20 de Março de 2017, a publicação das portarias de extensão no Diário da República e a respetiva entrada em vigor, temos por ordem cronológica de antiguidade como sucessivamente “mais moderna” e com impacto na vigência daquele contrato de trabalho, a seguinte ordem: 1.ª PE em relação ao CCT com a FETESE em vigor no dia 25-12-2016; 2.ª PE em relação ao CCT com a FEPCES em vigor no dia 31-05-2017; 3.ª PE em relação ao CCT com a FETESE em vigor no dia 27-07-2017; 4.ª PE em relação ao CCT com a FEPCES em vigor no dia 05-04-2018; 5.ª PE em relação ao CCT com a FETESE em vigor no dia 20-05-2018; 6.ª PE em relação ao CCT com a FETESE em vigor no dia 09-07-2019; 7.ª PE em relação ao CCT com a FEPCES em vigor no dia 01-10-2019; 8.ª PE em relação ao CCT com a FETESE em vigor no dia 01-06-2021; 9.ª PE em relação ao CCT com a FEPCES em vigor no dia 26-03-2022”.
Desde logo, sublinhe-se que não existe dupla conformidade quanto a este segmento decisório já que as duas decisões assentaram em respostas diferentes (ao menos parcialmente) quanto às convenções coletivas e, por conseguinte, quanto às fontes de direito – porque as convenções coletivas embora sejam contratos de direito privado entre particulares são também fontes de direito – aplicáveis.
A respeito desta questão importa transcrever, igualmente, um segmento do minucioso, e bem fundamentado, Parecer que o Ministério Público emitiu junto deste Tribunal:
“Dá-se conta, portanto, de três perspetivas para encontrar o CCT aplicável à relação laboral em causa, sendo duas com o recurso ao disposto no art. 483.º, n.º 2, do CT, divergindo, no entanto, na sua interpretação, já que o acórdão recorrido entende que essa aferição deve ser efetuada ao longo de toda a relação de trabalho, sendo a convenção coletiva definida a cada momento pela PE mais recente, enquanto no referido parecer se assume como aplicável o CC resultante da PE mais recente à data da propositura da ação; e uma outra assente na possibilidade da trabalhadora optar pelo CCT, ao abrigo do disposto no art. 497.º, n.º 2, do CT.
Ora, dando-se como assente que à relação laboral em causa existem aqueles dois contratos coletivos de trabalho que são aplicáveis por força das respetivas portarias de extensão, afigura-se como acertado que o contrato coletivo de trabalho aplicável não pode resultar da escolha da trabalhadora, mais sim das regras expressamente impostas pelo art. 483.º, n.º 2, do CT.

E, considerando que não foi dado como provado que os trabalhadores da empresa em relação aos quais se verifica a concorrência tenham escolhido o instrumento aplicável, nos termos do art. 482.º, n.º 2 do CT, prefere o instrumento de regulamentação coletiva mais recente, conforme o disposto no n.º 3, alínea a) daquele preceito.

(…)

Aqui chegados, surge então o seguinte dissentimento: é de considerar a PE mais recente em cada momento da relação de trabalho ou apenas à data da propositura da ação?

Com todo o respeito pelos entendimentos acima referidos, afigura-se, em nossa modesta opinião, que o que se terá que ter em conta é a PE mais recente à data da entrada em vigência do contrato de trabalho, o que aconteceu, no caso, em 20.03.2017.

E isto porque entendemos que é nessa data que se define o CCT aplicável à relação laboral, o qual não tem que ir sendo alterado por força de PEs referentes a outros CCTs eventualmente também aplicáveis. Só assim não seria caso o CCT aplicável por este critério tivesse, entretanto, deixado de estar em vigência. Nem, tão pouco, se deve ter em conta a data da propositura da ação, já que o incumprimento do empregador na sua aplicação não deve ter relevância para se apurar o CCT aplicável”.

Antes de mais, importa começar por excluir a aplicação no caso da faculdade de escolha individual da convenção coletiva aplicável, prevista no artigo 497.º do CT. É que este preceito pressupõe “que sejam aplicáveis, no âmbito de uma empresa, uma ou mais convenções coletivas ou decisões arbitrais”. Ora na hipótese de concorrência de convenções com portarias de extensão, a lei define os critérios para decidir qual é a convenção aplicável, questão que se situa, por assim dizer, a montante da faculdade de escolha individual. E dos critérios previstos nos números 2 a 4 do artigo 482.º, para os quais remete o n.º 2 do artigo 483.º, resultará que só uma é aplicável.

A solução deve ser, assim, encontrada por aplicação dos artigos 483.º e 482.º números 2 e 4, como bem decidiu o Acórdão recorrido.

No entanto, a solução não deve passar pela aplicação a uma mesma relação de trabalho ora de uma ora de outra convenção coletiva, ao sabor das portarias de extensão e da determinação de qual seja a mais recente portaria, com a consequente instabilidade quanto ao regime coletivo aplicável. Com efeito, transparece do sistema legal, em vários momentos, e apesar de não haver sequer uma duração mínima da convenção, uma opção pela aplicação estável de uma mesma convenção a uma relação de trabalho enquanto a mesma convenção estiver em vigor. Assim, se um trabalhador a quem era aplicável uma convenção por força do princípio da filiação se desfiliar, a convenção continuará, apesar de tudo, a aplicar-se-lhe até ao seu termo de vigência. E o n.º 4 do artigo 482.º referindo-se a um dos critérios de preferência, a escolha pela maioria, esclarece que esta deliberação “é irrevogável até ao termo de vigência do instrumento adotado”. E, como observa ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, “cremos que a regra se aplica a qualquer das restantes formas de determinação da convenção aplicável”[1].

Afigura-se-nos, pois, exato o entendimento sufragado pelo Ministério Público no seu bem fundamentado Parecer.

Deverá atender-se ao momento em que o contrato de trabalho foi celebrado e entrou em vigor para determinar qual a convenção coletiva aplicável.

A norma do artigo 483.º n.º 2 tem sido interpretada na doutrina – veja-se, por exemplo, a anotação de LUÍS GONÇALVES DA SILVA a este preceito, em Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez e Outros, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, p. 1033 – como referindo-se aos critérios dos números 2 e 4 do artigo 483.º, mas em relação às portarias de extensão.

É certo que a portaria de extensão[2] tem uma natureza instrumental e como certeiramente refere MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO[3], “a portaria não contém uma regulamentação a se das situações laborais, mas se limita a estender a eficácia subjetiva de um regime convencional já existente”. No entanto, na hipótese de concurso de portarias de extensão estamos já, em rigor, fora do domínio da autonomia negocial coletiva propriamente dita e antes no domínio da heteronomia, isto é, no âmbito de IRCT’s não negociais, traduzindo a portaria mais recente a decisão do Estado quanto à convenção que considera mais oportuno estender às relações laborais que não são diretamente abrangidas pelo campo de aplicação de uma outra convenção.

Face ao critério enunciado, e tendo em conta que a relação laboral se iniciou a 20 de março de 2017 (facto 8) afigura-se que será aplicável em concreto a esta relação de trabalho o CCT entre o celebrado entre a ANIMEE - Associação Portuguesa das Empresas do Sector Elétrico e Eletrónico e a Federação dos Sindicatos de Indústria e Serviços - FETESE e outros, publicado no BTE, n.º 19, de 22/05/2016 – alteração salarial e texto consolidado - com PE n.º 326/2016, publicada no DR, n.º 242/2016, Série I, de 20/12/2016, e sucessivas alterações, publicadas no BTE, n.º 15, de 22/04/2017, com PE n.º 222/2017, publicada no DR, n.º 140/2017, Série I, de 21/07/2017, no BTE, n.º 14, de 15/04/2018, com PE n.º 137/2018, publicada no DR, n.º 93/2018, Série I, de 15/05/2018 e no BTE, n.º 19, de 22/05/2019, com PE n.º 206/2019, publicada no DR, n.º 126/2019, Série I, de 04/07/2019.

Importa, agora, analisar a segunda questão e a pretensão da trabalhadora a ser qualificada, à luz da convenção coletiva aplicável, como “analista informática”.

Deve ter-se presente que, de acordo com a jurisprudência reiterada deste Tribunal a parte normativa das convenções coletivas está sujeita aos critérios hermenêuticos aplicáveis à interpretação da lei, sendo de realçar a importância, entre outros, do elemento literal.
As funções desempenhadas pelo analista informático encontram-se no anexo I do CCT aplicável[4] e são descritas da seguinte forma:
«1.1- Informática
Analista informático(a) - Desempenha uma ou várias das seguintes funções:
a) Funcional (especialista da organização e métodos) - estuda o serviço do utilizador, determina a natureza e o valor das informações existentes e especifica as necessidades de informação e os cadernos de encargos ou as atualizações dos sistemas de informação.
b) De sistemas - estuda a viabilidade técnica, económica e operacional dos encargos, avalia os recursos necessários para os executar, implantar e manter e especifica os sistemas de informação que os satisfaçam.
c) Orgânico - estuda os sistemas de informação e determina as etapas de processamento e os tratamentos de informação e especifica os programas que compõem as aplicações. Testa e altera as aplicações.
d) De software - estuda software base, rotinas utilitárias, programas gerais, linguagem de programação, dispositivos e técnicas desenvolvidas pelos fabricantes e determina o seu interesse de exploração. Desenvolve e especifica módulos de utilização geral.
e) De exploração - estuda os serviços que concorrem para a produção do trabalho no computador e os trabalhos a realizar, especifica o programa de exploração do computador a fim de otimizar a produção, rentabilidade das máquinas, os circuitos e controle dos documentos e os métodos e os processos utilizados.

Sublinhe-se que a cláusula é inequívoca no sentido de que basta que o trabalhador ou trabalhadora desempenhe uma destas funções para que se enquadre na categoria de analista informático/a.

O extenso rol de funções desempenhadas pela trabalhadora consta do facto 46:

“Desde o início da relação contratual, a T. desempenhou, de forma habitual e permanente, além de “help desk”, as seguintes funções de análise, diagnóstico e resolução de problemas aplicacionais:

1. Programas gerais nos quais trabalha: i. Windows. ii. SQL, express e standard, SQLlite. iii. Programas de anti-virus. iv. Conhecimentos de TCP/IP e redes. v. CRM (Costumer Relation Management). vi. Microsoft Office: Excel, Outlook, Word. vii. Programas de Assistência Remota.

2. Dispositivos e técnicas desenvolvidas: i. Instalação e ligação bluetooth, com o software PISA, com os seguintes componentes: 1. Impressoras. 2. Leitores de RFID (radio frequency identification – identificação por radiofrequência). Serve para identificar os animais no campo. 3. Portáteis Windows ou MAC com virtual machine Windows.

3. Desenvolvimento e módulos de utilização geral: i. Manipulação de alguns documentos do Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, IP, doravante IFAP, para serem integrados no PISA.net. ii. Análise e correção de ficheiros. iii. Elaboração e interpretação de dados estatísticos, através de querys, excel ou no próprio software. iv. Criação de ficheiros para integração de novos animais no PISA.net. v. Ligação do cliente com o departamento de desenvolvimento, para implementação de melhorias ou criação de novos módulos, a seu pedido.

4. Rotinas diárias e utilitárias para a instalação e manutenção do software PISA: i. Análise do sistema operativo: versões e compatibilidades. ii. Instalação das atualizações de sistema operativo. iii. Verificação das funcionalidades do Windows. iv. Após análise cuidada, caso seja servidor, instalar a versão do SQL adequada ao sistema operativo em causa. v. Verificação de existência e eliminação de programas maliciosos

vi. Verificação de permissões de segurança do computador e utilizador. vii. Análise do fluxo de informação, do serviço de propagação de dados, doravante SPD, com paragem e início de serviços das diversas entidades intervenientes. Este serviço permite a monitorização, controlo e atualização das comunicações realizadas pelo PISA, entre e na DGAV, serviços oficiais, Laboratórios, Associações de Defesa Sanitária (ADS), OPP’s e vice-versa. viii. Criação, extração e integração de uma ou mais Bases de dados. ix. Instalar o executável do PISA.net, bem como os seus componentes, serviços e atualização do PISA.net para a versão mais recente. x. Configuração de terminais e servidores. xi. Analisar a versão do programa Standard Query Language, doravante designado SQL, desenvolvido pela Microsoft sendo este uma linguagem de programação que permite gerir e obter informação de uma ou diversas bases de dados. Configuração e instalação de periféricos.

5. Manutenção do PISA.net na DGAV, servidores dos serviços oficias, OPP’s e Laboratórios: i. Análise, reparação e reconstrução de base de dados.

6. Suporte e assistência técnica do PISA.net, nos computadores na DGAV, utilizadores dos serviços oficiais, Laboratórios e OPP’s.: i. Análise, diagnóstico e resolução de problemas do PISA ii. Apresentação de soluções a alternativas aos clientes. iii. Formação aos clientes. iv. Realização de testes, aquando da implementação de novas funcionalidades e atualizações, não só no PISA.net do Continente e Região Autónoma dos Açores e PISA.mobile. v. Suporte técnico aos bastões dos veterinários e OPP’s. vi. Reporte de bugs e necessidades dos clientes, à Eng. Informática que está afeta ao desenvolvimento do PISA.net.

7. Instalação, suporte e assistência técnica ao serviço de propagação de dados, doravante designado SPD.: i. Como programa de atualização de dados na BD central, quando há problemas de informação é necessário analisar as diversas entidades e fazer a intervenção técnica adequada à resolução dos mesmos”.

Importa realçar, ainda, que o ora Recorrente pretendeu que fosse dado como provado um facto com o seguinte teor: “a T. apenas exercia funções de “help desk” a clientes diferenciados e aos utilizadores do programa PISA, na ótica do utilizador, semelhantes às dadas quando, por exemplo, se liga para a assistência técnica da M... ou da V... quando se tem alguma dificuldade na utilização do serviço e se pretende assistência técnica”. Tal facto, no entanto, não foi dado como provado, sublinhando o Tribunal da Relação que a Autora face ao que ficou provado no facto 46 “fazia bem mais do que funções correspondentes a help desk”.

Ora, e tal como afirmou o Acórdão recorrido, resulta da letra da definição de analista informático/a e do cotejo com o facto 46 que a Trabalhadora desempenhava pelo menos a vertente funcional (e é suficiente que desempenhe uma delas para se enquadrar na categoria). Com efeito, o Acórdão recorrido considerou que até outras vertentes se encontravam igualmente preenchidas.

Nas palavras do Acórdão recorrido:

“Assim no que toca à chamada função “Funcional”, apercebemo-nos que a autora estudava o serviço do utilizador, determina a natureza e o valor das informações existentes e especifica as necessidades de informação e as atualizações dos sistemas de informação, ao trabalhar no “desenvolvimento e módulos de utilização geral” (“i. Manipulação de alguns documentos do Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, IP, doravante IFAP, para serem integrados no PISA.net. ii. Análise e correção de ficheiros. iii. Elaboração e interpretação de dados estatísticos, através de querys, excel ou no próprio software. iv. Criação de ficheiros para integração de novos animais no PISA.net. v. Ligação do cliente com o departamento de desenvolvimento, para implementação de melhorias ou criação de novos módulos, a seu pedido” ou no “suporte e assistência técnica do PISA.net, nos computadores na DGAV, utilizadores dos serviços oficiais, Laboratórios e OPP’s” (“i. Análise, diagnóstico e resolução de problemas do PISA ii. Apresentação de soluções a alternativas aos clientes. iii. Formação aos clientes. iv. Realização de testes, a quando a implementação de novas funcionalidades e atualizações, não só no PISA.net do Continente e Região Autónoma dos Açores e PISA.mobile. v. Suporte técnico aos bastões dos veterinários e OPP’s. vi. Reporte de bugs e necessidades dos clientes, à Eng. Informática que está afeta ao desenvolvimento do PISA.net.”).

Também no que toca à chamada função “de sistemas”, tinha tarefas no estudo da viabilidade técnica e operacional dos encargos, avaliação dos recursos necessários para os executar, implantar e manter e especificação de sistemas de informação que os satisfaçam, ao trabalhar na “análise e correção de ficheiros”, “elaboração e interpretação de dados estatísticos, através de querys, excel ou no próprio software”, na “análise do sistema operativo: versões e compatibilidades”, entre outras.

Enquadráveis nas chamadas funções “Orgânico” e “Software”, tinha tarefas no “desenvolvimento e módulos de utilização geral” e na “manutenção do PISA.net na DGAV, servidores dos serviços oficias, OPP’s e Laboratórios”.

E enquadráveis nas chamadas funções “de Exploração” tinha também tarefas nas acima apontadas áreas e na área de “rotinas diárias e utilitárias para a instalação e manutenção do software PISA”, na área de “suporte e assistência técnica do PISA.net, nos computadores na DGAV, utilizadores dos serviços oficiais, Laboratórios e OPP’s.” e na área de “instalação, suporte a assistência técnica ao serviço de propagação de dados” (fim de citação).

Concordamos inteiramente com esta argumentação e com a conclusão de que a trabalhadora desempenhava, inclusive, várias das funções previstas na definição da categoria de analista informática.

Em todo o caso, bastaria, repete-se que uma destas funções correspondesse às suas tarefas para que se justificasse a aplicação da mencionada categoria.

Assim, há que reconhecer o direito da trabalhadora às diferenças salariais que peticionou e confirmar o Acórdão recorrido.

Decisão: Nega-se a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 10 de maio de 2023

Júlio Gomes (Relator)

Ramalho Pinto

Domingos José de Morais

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[1] ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, p. 960.
[2] Sobre as portarias de extensão, em geral, cfr., por todos, ANA TERESA RIBEIRO, Recentes desenvolvimentos legislativos e jurisprudenciais no domínio das portarias de extensão, Prontuário de Direito do Trabalho 2019, I, pp. 315 e ss.
[3] MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte III, Situações Laborais Colectivas, 3.ª ed. actualizada, Almedina, Coimbra, 2020, p. 401.
[4] O qual, aliás, no domínio da informática apenas prevê três classificações profissionais: analista informático(a), operador(a) informático(a) e programador(a) informático(a).