Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17085/15.8T8 LSB.L1.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PAULO SÁ
Descritores: REVISTA EXCEPCIONAL
REVISTA EXCECIONAL
FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO RELATOR
DIREITO DE PREFERÊNCIA
QUESTÃO NOVA
Data do Acordão: 11/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / FUNÇÃO DO RELATOR / RECURSO DE REVISTA / REVISTA EXCEPCIONAL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 652.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 672.º, N.º 1, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 25-03-2010, PROCESSO N.º 5541/03.5TBVFR.P1.S1B;
- DE 21-01-2016, PROCESSO N.º 9065/12.1TCLRS.L 1.S19;
- DE 24-05-2018, PROCESSO N.º 1832/15.0T8GMR.G1.S2.
Sumário :
I - A Formação admitiu a revista excepcional, com fundamento na al. a) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, relativamente à questão referida pelo recorrente nas suas alegações da (in)existência do direito de preferência dos arrendatários de partes de prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal.

II - A decisão da Formação não pode ultrapassar a barreira de que o recurso se destina a impugnar as decisões da sentença ou acórdão recorrido e não a apreciar, nessa sede, questões não suscitadas pelas partes ou que não sejam de conhecimento oficioso e que não foram tratadas na decisão recorrida, surgindo, por isso, como questões novas.

III - Proferida a decisão da Formação no sentido da admissibilidade do recurso, nesta estrita formulação, compete ora ao relator exercer as funções que lhe são atribuídas pelo art. 652.º, ex vi do art. 679.º, ambos do CPC, designadamente a de verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso (al. b) do n.º 1).

IV - Com efeito, verifica-se do próprio enunciado da petição que o direito de preferência só foi controvertido quanto à intenção da terceira ré de o exercer de facto e quanto à sua extinção por caducidade, nunca tendo sido objecto de apreciação na 1.ª instância, nem tinha que ser oficiosamente a referida questão da existência do direito, uma vez que nessa parte não havia desacordo entre as partes, o administrador da insolvência notificara a 3.ª ré para o exercer e não resulta patente da matéria de facto que o mesmo não existisse, no caso.

V - Apenas tendo sido suscitada pelo autor no recurso de apelação a questão da existência do direito, tendo a Relação considerado, e bem, que não fora tal questão tratada no recurso e, por isso, não havia que conhecer dela, a mesma não pode fundar uma apreciação em sede de revista.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 17085/15.8T8LSB.L1.S1[1]

Acordam, em conferência, neste Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA, UNIPESSOAL, L.DA intentou acção comum contra MASSA INSOLVENTE DA BB, CC, L.DA, DD, L.DA, EE, L.DA, peticionando que:

a) Se declare a nulidade do contrato de compra e venda celebrado, entre a 1.ª e a 3.ª Rés, em 23.10.2014;

b) Em consequência, se declare a nulidade do contrato de compra e venda celebrado, entre a 3.ª e 4.ª Rés, em 06.11.2014;

c) Seja ordenado o consequente cancelamento dos registos de aquisição sobre o IMÓVEL respeitantes aos contratos mencionados nas alíneas antecedentes;

d) Se declare que a autora – após pagamento do preço de € 521.000,00 em prazo a fixar pelo Tribunal – é a proprietária do IMÓVEL na sequência da adjudicação realizada em 18.09.2014;

e) A 4.ª RÉ seja condenada a entregar o IMÓVEL à Autora, livre de quaisquer ónus, encargos, pessoas ou bens;

f) Serem as Rés solidariamente condenadas no pagamento à Autora do montante de € 4.024,09 (quatro mil e vinte e quatro euros e nove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal sucessivamente em vigor desde a citação até integral e efectivo pagamento;

g) Serem as Rés condenadas no pagamento à Autora do valor dos encargos por esta suportados com os honorários dos seus Mandatários, em montante a liquidar no decurso da presente acção;

h) Em qualquer caso, serem as Rés condenadas no pagamento de custas processuais e o mais que for de lei.

Para tanto alegou, em síntese, que é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de imóveis ou terrenos para revenda, entre outras actividades. Por morte de BB, foi aberta a respectiva Herança, com o NIF ..., lendo a mesma sido declarada insolvente por Sentença proferida em 24.04.2014 pelo 6.º Juízo Cível de Lisboa, no âmbito do Processo n.º 24/10.0YXLSB, o qual corre agora termos na Secção Cível (J16) da Instância Local deste Tribunal de Comarca.

A Massa Insolvente da BB, ora 1.ª Ré, é administrada e representada pelo Administrador de Insolvência nomeado pela Sentença que declarou a insolvência, Dr. FF.

O falecido BB era proprietário, entre outros imóveis, do prédio urbano composto por R./C, 1.º e 2.º andares e águas furtadas, sito na Rua do ..., ..., Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com o n.º …, freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana respectiva, com o artigo ..., da freguesia de .... Razão pela qual este imóvel integrava o acervo patrimonial da BB, tendo sido objecto de apreensão pelo Administrador de Insolvência à ordem do referido processo.

A 2.ª Ré é uma sociedade comercial que se dedica a leilões, avaliações gerais e actividades imobiliárias, entre outras actividades, tendo coadjuvado o referido Administrador de Insolvência da 1.ª Ré na promoção e venda dos imóveis desta que foram apreendidos no âmbito do processo dc insolvência.

A 3.ª Ré era arrendatária do imóvel, de acordo com a informação que foi veiculada à Autora pelo Administrador de Insolvência da 1.ª Ré e pela 2.ª Ré.

A 4.ª Ré, por sua vez, é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.

O "direito de preferência" supostamente exercido pela 3.ª Ré na compra do imóvel acima referido, previamente licitado e adjudicado à Autora pelo Administrador de insolvência da 1.ª Ré no âmbito do processo de insolvência, não visou de forma alguma, a efectiva compra do imóvel pela e para a 3.ª Ré. Pelo contrário, são já várias as evidências de que a 3.ª Ré jamais pretendeu exercer, para si, o direito de preferência atinente à qualidade de arrendatária da imóvel e apenas "exerceu" tal suposto direito, num momento em que, aliás, o mesmo já havia caducado, para garantir que o imóvel da 1.ª Ré fosse vendido à 4.ª Ré e já não, consequentemente, à Autora.

Desde logo, resulta evidente dos mais elementos disponíveis nos autos que a 3.ª Ré não teria, à partida, qualquer interesse em adquirir para si o imóvel ou sequer capacidade financeira para a fazer. Aliás, tal falta de interesse foi manifestada desde o início do processo, momento em que a 3.ª Ré não só nada disse quanto á notificação que lhe foi remetida pela 2.ª Ré, em 10.09.2014, como também não compareceu na diligência designada para o dia 18.09.2014. Na verdade, a Exma. Senhora Dra. GG, Comercial da HH, ..., Lda., que actua com a designação de II, frequentava com assiduidade o estabelecimento comercial explorado pela 3,ª Ré no R/C da imóvel, tendo já manifestado ao sócio-gerente da mesma o seu interesse no imóvel, por considerar que poderia encontrar clientes para o mesmo. Aliás, tanto assim é que tal Comercial da II tinha já contactado o Sr. Administrador de Insolvência da 1.ª Ré, no sentido de angariar a venda da IMÓVEL, tendo sido informada que tal tarefa estava já a cargo da ora 2.ª Ré. Num dos dias em que se deslocou ao estabelecimento comercial explorado pela 3.ª Ré, foi a Ex.ma Senhora Dra. GG informada pelo sócio-‑gerente daquela que havia recepcionado uma notificação dirigida pela 2.ª Ré, que o imóvel iria ser vendido e que a 3.ª Ré, por não ter condições de concorrer à venda do mesmo, teria que abandonar o local. Assim, o sócio-‑gerente da 3.ª Ré interpelou a Exma. Senhora Dra. GG no sentido de saber se havia alguma coisa que pudesse ser feita com vista a que a 3. ª Ré não tivesse que abandonar o locado de "mãos a abanar", ou seja, sairia por nela não ter forma de exercer o seu direito de preferência mas, idealmente, receberia uma contrapartida pecuniária para o efeito. A Exma. Senhora Dra. GG, Comercial da II e licenciada em …, vislumbrou, desde logo, uma oportunidade de negócio e transmitiu ao sócio-gerente da 3.ª Ré que tudo tentaria para concretizar a pretensão daquela, isto é, sair do IMÓVEL contra o pagamento de uma compensação. Em primeiro lugar, a Exma. Senhora Dra. GG solicitou ao sócio-gerente da 3.ª Ré que lhe mostrasse a notificação que havia recebido da 2.ª Ré, tendo transmitido àquele que tentaria colocar em causa a forma como a mesma havia sido realizada, já que este deveria estar presente na diligência convocada para 18.09.2014 mas, não tendo condições para exercer o seu direito de preferência, não poderia fazê-lo. Em segundo lugar, a Exma. Senhora Dra. GG contactou de imediato um seu Colega, o Exmo. Senhor JJ, perguntando-lhe se teria conhecimento de qualquer potencial interessado na aquisição do imóvel, no pagamento da inerente compensação à 3.ª Ré e da comissão da II. Ao que este respondeu afirmativamente, indicando uma sua cliente habitual, a 4ª Ré. Nesta sequência, foi celebrado entre a HH, ..., Lda., a 3.ª e 4° Rés um "Contrato de Mediação Imobiliária", mediante o qual a 4.ª Ré "prometeu comprar um prédio, sito na Rua do ... em Lisboa, freguesia do ... (…) à sociedade DD, Lda., (…), angariado à firma vendedora em 09.10.2014 (…)".

De acordo com o mencionado convénio, "O valor do contrato em causa é de € 556.000,00 (quinhentos e cinquenta e seis mil euros)."E, já sem surpresa, declararam as Partes contraentes que "A Terceira Outorgante substitui-se à Segunda Outorgante no pagamento da remuneração à Mediadora, HH". A par dos acordos que iam sendo concretizados entre a II, a 3.ª e a 4.ª Rés, afigurava-se necessário protelar o processo de venda do imóvel no âmbito do processo de insolvência, o que foi concretizado mediante a vasta troca de correspondência acorrida entre a 2.ª e 3.ª Rés, os sucessivos pedidos de novas (e infundadas) notificações e o efectivo envio destas últimas. Para além de ser já evidente que a 3.ª Ré se encontrava destituída de qualquer capacidade e interesse para proceder ao pagamento do preço da imóvel: reitere-se que esta pagava de renda a singela quantia de € 150,00 mensais. Mais, como também se adiantou supra, colaboradores da 2.ª Ré e, bem assim, o próprio Administrador de Insolvência da 1.ª Ré, Dr. FF, informaram a Autora que a 3.ª Ré não iria preferir, por não ter sequer capacidade financeira para tal. Ademais, resulta das contas da 3.ª Ré, referentes ao exercício de 2013 que esta teve um resultado líquido de – € 8.856,38, apresentando vendas brutas na ordem dos € 42.684,29. Saldos de caixa e depósitos bancários de € 127,62. Um activo total de 7.204,68, no qual se inclui ainda um crédito de € 5.000,00 sobre o Estado, inventários de € 1.135,00 e activos fixos tangíveis de € 942,06. De onde se conclui inequivocamente que a 3.ª Ré não teria em caixa ou no Banco saldos que lhe permitissem proceder ao pagamento do preço pelo qual declarou comprar o IMÓVEL, nem bens para dar em garantia a qualquer eventual Instituição Bancária que financiasse a operação, ou, enfim, capacidade de contrair um empréstimo bancário de mais de meio milhão de euros, como, de resto, se veio a confirmar.

Aliás, prova do que antecede é a facto de ter sido a 4.ª Ré a proceder ao pagamento da comissão da II no montante de € 20.516,40 e, bem assim, ao pagamento dos seguintes valores:

(i) O valor que a 3.ª Ré declarou ter pago à 1.ª Ré na escritura pública de compra e venda do imóvel junta como Documento n.º 24 – € 521.000,00;

(ii) O valor de IMT relativo a essa escritura pública, cujo pagamento a 3.ª Ré comprovou no acto da aludida escritura pública junta como Documento nº 24 – € 30.644,75;

(iii) O valor de Imposto de Selo relativo a essa escritura pública, cujo pagamento a 3.ª Ré comprovou no acto da aludida escritura pública;

(iv) O valor de 5% sobre o preço de compra do IMÓVEL pela 3.ª à 1.ª Ré, correspondente à Comissão da 2.ª Ré, ascendente a € 26.050,00;

(v) O IVA incidente sobre esse valor – € 5.991,50.

Tudo num total de € 587.854,25.

A tais valores acresceu, ainda, e conforme havia sido entre as partes combinado, o pagamento, pela 4.ª à 3.ª Ré, de uma "compensação" pelo exercício do direito de preferência por conta da 4.ª RÉ.

Ora, o que se acaba de expor, evidencia a intenção constante das Rés, de garantirem a venda do IMÓVEL à 4.ª Ré, com a inerente preterição do direito da Autora.

Citadas, regularmente, vieram as Rés "CC, L.DA", MASSA INSOLVENTE DA BB, "DD, L.DA” e EE, L.DA deduzir contestação, invocando excepções e impugnando a matéria de facto invocada pela Autora, nos termos constantes de fls. 248 a 255; 260 a 266; 274 a 287 e 291 a 300, respectivamente.

Após o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu as RR. do pedido.

Inconformada, recorreu a A, tendo a Relação de Lisboa julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença impugnada.

Sem se conformar, interpôs a A. recurso de revista excepcional, recurso que foi admitido.

A A. recorrente apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:

1. DA ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO

A) Entende a RECORRENTE que se encontram verificados os pressupostos para a admissão do presente recurso de revista excecional, uma vez que:

i. se encontram reunidos os requisitos previstos para o recurso de revista "norma!', designadamente os consagrados nos artigos 629.º e 671.º do CPC.;

ii. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância ("dupla conforme”; e

iii. verificam-se as três condições de admissibilidade elencadas no n.º 1 do artigo 672.º do CPC, designadamente:

a) está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação e uniformização do regime jurídico do direito de preferência dos arrendatários;

b) estão em causa interesses de particular relevância social, atento o panorama nacional atual e as possíveis implicações nos direitos constitucionalmente consagrados de propriedade e à habitação; e, por último,

c) o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa está em manifesta contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por este Supremo Tríbunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.05.2018, proferido no âmbito do processo n.º 1832/15.0T8GMR.G1.S2, de que foi Relatora MARIA DO ROSÁRIO MORGADO).

B) O Acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, incorreu num erro de aplicação e interpretação da lei de processo, designadamente do disposto no artigo 5.º do CPC.

C) A apreciação da (in)existência do direito de preferência dos arrendatários de partes de prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal é uma questão puramente de Direito que devia ter sido conhecida pelo Tribunal recorrido.

D) O disposto no artigo 1091.º, n.º 1, do CC deverá ser interpretado no sentido de o direito de preferência do arrendatário estar limitado ao local arrendado, objeto do contrato de arrendamento, se se tratar de bem jurídico autónomo; caso o prédio vendido não tenha sido constituído em propriedade horizontal, o arrendatário de parte dele, sem autonomia jurídica, não tem direito de preferência sobre ele ou sobre a totalidade do prédio, em caso de venda ou dação em cumprimento deste último.

E) Concluir pela existência de um direito de preferência dos arrendatários de parte de prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal impõe uma fortíssima limitação ao pleno exercício do direito de propriedade.

F) O Tribunal a quo, ao arrepio das disposições legais aplicáveis, consentiu e validou o exercício do (inexistente) direito de preferência por parte de arrendatário de parcela de prédio não constituído em regime de propriedade horizontal.

G) A decisão recorrida entrou em contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 24 de maio de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 1832/15.0T8GMR.G1.S2.

H) A decisão recorrida violou, de resto, os artigos 62.º, da CRP, 405.º do CCiv. e 5.º, do CPC.

Termina, defendendo a admissão da Revista Excepcional, julgando-se a mesma procedente, revogando-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19.06.2018, o qual deverá ser substituído por outro que julgue a ação procedente, por provada, e condene os Réus/Recorridos no pedido.

Houve contralegações, rematadas com as seguintes conclusões:

1. Nos presentes autos, não existe, nunca existiu e nunca poderia existir, qualquer questão relativa à existência ou não do direito de preferência de arrendatário na compra e venda do imóvel em causa nos presentes autos.

2. Nos presentes autos, nunca foi proferida qualquer decisão – seja em primeira ou segunda instância – quanto à existência ou não do direito de preferência de arrendatário na compra e venda de imóvel.

3. O objecto do litígio e os temas da prova foram claramente definidos na audiência preliminar e as respectivas decisões já transitaram em julgado.

4. E do despacho, também transitado em julgado, proferido após conclusão de 07-03-2017, no seu ponto II – Requerimento deduzido pela Autora a 02.02.2017 (modificação do pedido) – decidiu-se que os actos de liquidação da massa insolvente “encontram-se fora da competência funcional e material deste Tribunal, integrando a previsão legal ínsita no art.º 128.º, n.º 3, da referida LOSJ”.

5. Donde resulta que não só não existiu decisão quanto à questão do direito de preferência do arrendatário como existem diversas decisões, transitadas em julgado, quanto ao objecto do processo e ao tema da prova, que expressamente excluíram as questões relativas aos atos do administrador de insolvência, como as questões da venda do imóvel ao arrendatário em reconhecimento do direito de preferência, dos presentes autos.

6. O acórdão recorrido, como a Recorrente confessa, "decidiu não conhecer desta questão por considerar que a apelante não suscitou esta questão na petição e logo não foi a mesma apreciada na primeira instância pelo que, constituindo questão nova, não se conhece da mesma” citando afirmação Inserta na página 19 do acórdão recorrido.

7. Como é evidente, e a Recorrente e os seus mandatários bem sabem, nem o Tribunal da Relação de Lisboa nem o STJ podem apreciar matéria que não foi apreciada em primeira instância, pelo que presente recurso não pode ser admitido.

8. De resto, as simples irregularidades ou ilegalidades praticadas pelo Administrador de Insolvência no exercício das suas funções – como a venda de imóvel em decorrência do exercício do direito de preferência – seriam da competência do Tribunal onde pendeu o processo de insolvência e o respectivo processo de liquidação.

9. A recorrente poderia ter apresentado reclamação da sua decisão ao juiz titular do processo de insolvência. a quem cabia a fiscalização da actividade do administrador de insolvência – art. 58 do CIRE e art. 723, nº 1. c). do CPC, analogicamente.

10. Donde resulta que não ocorreu qualquer violação ou errada interpretação da lei de processo; o que acontece é que a Recorrente pretende recorrer de uma questão que não foi conhecida nos presentes autos, que foi expressamente considerada fora do objecto destes autos, que seria da competência de outro Tribunal e cujo prazo de arguição há muito decorreu!!!

11. Por outro lado, ficou provado que a R. DD era arrendatária de todo o prédio urbano e não apenas de parte do prédio urbano, como resulta dos n.ºs 4 e 6 da matéria provada, ao contrário do alegado pela recorrente.

12. Pelo que o recurso pretendido pela Recorrente também implicaria a necessidade de impugnar a decisão da matéria de facto, sendo certo, como a Recorrente e os seus mandatários bem sabem, que o recurso de revista apenas pode versar sobre questões de direlto» art. 671 e 55. do CPC – e a decisão da matéria de facto já não pode ser reapreciada.

13. A Recorrente juntou uma impressão do acórdão do STJ proferido no proc. 1832/15.0T8GMR.G1.S2, retirado do sítio da internet www.dgsi.pt. e um pedido de emissão de certidão apresentado na secretaria judicial onde aquele processo pende ou pendeu, apresentada praticamente na véspera da data em que apresentou as alegações – bem sabendo que não disporia da respectiva certidão na data de apresentação das suas alegações – e sem que requeira a menção de trânsito em julgado do acórdão de que pediu emissão de certidão.

14. Nestas condições, e não invocando qualquer obstáculo para cumprir as condições necessárias para a apreciação do recurso, não pode o recurso da Recorrente ser admitido por falta de prova da oposição de acórdãos, mediante junção de certidão ou de documento com valor idêntico, do acórdão fundamento, contendo o texto integral e a respectiva nota de trânsito em julgado, não cabendo ao tribunal suprir a sua eventual falta.

15. A Recorrente e os seus mandatários apresentaram o presente recurso sabendo necessariamente que não existe qualquer fundamento para aquela pretensão, omitiram os factos provados que seriam essenciais para a apreciação da sua pretensão, fizeram do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, entorpecer a acção da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, devendo ser condenados como Iitigantes de má-fé, nos termos do art. 542 e 55. do CPC.

16. Tendo em conta os manifestos e avultados prejuizos que resultam para a recorrida da apresentação do presente recurso, a recorrente e os mandatários que subscrevem o recurso apresentado devem ser condenado ao pagamento de indemnização à recorrida, cujo valor a recorrida requer seja fixado em valor não inferior a 20.000,00 € (vinte mil euros).

Entende, por isso, a recorrida que o recurso não deve ser admitido e, caso seja admitido, deverá ser julgado improcedente, com todas as consequências legais, e a A. e os seus mandatários subscritores do recurso por si apresentado devam ser condenados como litigantes de mà fé e no pagamento à recorrida de indemnização, cujo valor a recorrida requer que seja fixado em valor não inferior a 20.000,00 (vinte mil euros).

A Formação admitiu a revista excepcional, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.

Pela recorrida foi suscitada a questão de a decisão da Formação padecer de nulidades (artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC) e de inconstitucionalidade, tendo a Formação respondido a essa arguição, pela não impugnabilidade da sua decisão e pela inexistência dos vícios referidos, tendo, consequentemente, indeferido a reclamação.

2. Por se entender que a decisão não era passível de recurso, por uma das circunstâncias obstativas do conhecimento do recurso ser o facto de a questão considerada objecto da revista excepcional não ter sido tratada no recurso de apelação, nem ser de conhecimento oficioso.

E como não ocorreu essa pronúncia no recurso de apelação, por se ter entendido que a mesma era uma questão nova, daí decorreria que a mesma não poderia ser objecto de revista excepcional.

E, se é certo que a recorrida de algum modo suscitara esta questão relativamente à decisão da Formação que rejeitara a respectiva arguição, com o fundamento no disposto no artigo 672.º, n.º 4, do CPC, entendeu o Relator não poder ver coarctados os seus poderes do artigo 652.º do CPC, sob pena de, de outro modo, se avançar para a prolação de uma decisão sem efeitos práticos, ou seja um acto inútil que a lei proíbe (art.º 130.º do CPC).

Determinou-se que, antes de ser prolatada decisão singular definitiva, no sentido da não admissão do recurso, se desse cumprimento ao disposto no artigo 655.º, n.º 1, do CPC.

Veio a A. e recorrente reclamar, pugnando pela admissão do recurso, sustentando a Ré a posição oposta.

Foi, de seguida, proferido novo despacho, a sustentar a inadmissibilidade do recurso.

Veio a A. e recorrente reclamar para a conferência, apresentando em sede conclusiva a seguinte argumentação:

i. A presente reclamação é apresentada atento o teor da decisão singular proferida pelo Meritíssimo Juiz Conselheiro Relator, em 30.09.2019;

ii. O Meritíssimo Juiz Conselheiro Relator não logrou demonstrar a razão pela qual o recurso é manifestamente infundado;

iii. A decisão de optar por decidir liminarmente o objeto do recurso nos termos do artigo 656.º do CPC revela-se manifestamente desajustada;

iv. De acordo com o disposto no artigo 656.º do CPC, apenas poderá ser proferida decisão sumária nos casos em que (i) o Relator considere que a questão de mérito, embora fundadamente suscitada, é simples e foi já jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, pelos Tribunais Superiores; (ii) o Relator considere que o recurso em apreço é manifestamente infundado (como parece ter sido o caso);

v. Não sendo a decisão de que se reclama um despacho de mero expediente e considerando-se a Recorrente prejudicada pela decisão do Meritíssimo Juiz Desembargador Relator, assiste-lhe inequivocamente o direito de requerer que a matéria julgada na decisão sub judice seja apreciada na conferência da presente secção e que sobre a mesma recaia um Acórdão;

vi. Uma análise meramente perfunctória dos autos, e da decisão sumária em particular, poderia levar a considerar que o litígio que opõe as partes é de simples resolução;

vii. Uma análise mais aprofundada (a que deve ser feita de forma colegial) demonstra que, subjacente ao presente litígio, existe uma miríade de questões de direito (muito concretamente, a nem sempre fácil destrinça entre questões de direito e questões de facto), complexas e intrincadas, que não se compaginam com uma decisão sumária proferida ao abrigo do artigo 656.º do CPC e, ao invés, impõem uma apreciação colegial, cuidada e ponderada, atenta a multiplicidade de soluções possíveis que as rodeiam e que não têm merecido tratamento uniforme na nossa jurisprudência;

viii. O direito de preferência é uma questão central que perpassa(ou) toda esta ação;

ix. Em sede de recurso de apelação, a Recorrente explorou um argumento que o Tribunal de primeira instância deveria ter analisado e que corresponde à (in) existência de qualquer direito de preferência;

x. O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, no seu Acórdão de 19.06.2018, apenas se limitou a referir que “A Apelante não suscitou esta questão da petição e logo não foi a mesma apreciada na primeira instância pelo que, constituindo questão nova, não se conhece da mesma”;

xi. A Recorrente considera que a questão referente à (in)existência do direito de preferência dos arrendatários de partes de prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal não consubstancia uma questão nova nos autos, sendo antes uma questão puramente de direito que podia e deveria ter sido conhecida pelo Tribunal recorrido, pelo que não recaía sobre a Recorrente o ónus de alegação de tal questão;

xii. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do CPC, “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiem as exceções invocadas”;

xiii. São ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais, complementares ou concretizadores e, ainda, “os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções” (conforme alíneas a) a c), do n.º 2, do artigo 5.º do CPC);

xiv. Acrescenta-se, ainda, no n.º 3 do referido preceito legal, quanto aos poderes de cognição do tribunal, que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”;

xv. Dos factos essenciais carreados pelas partes e dados como provados, dos factos instrumentais resultantes da instrução da causa e, bem assim, dos documentos juntos aos autos, resultam todos aqueles que são necessários à concreta apreciação da questão da (in)existência de qualquer putativo direito de preferência da Recorrida DD, quer sobre a parte do prédio do qual é arrendatária (o espaço destinado ao restaurante), quer sobre a totalidade do prédio em questão, pelo que o Tribunal da Relação, ao contrário do decidido, podia e devia ter tomado conhecimento da questão suscitada pela Recorrente nas suas alegações de recurso;

xvi. Não está em causa, como resulta já óbvio, o conhecimento ou sequer a decisão de qualquer pretensão material ou de qualquer questão que apenas tenha sido suscitada pela ora Recorrente nas alegações de recurso que dirigiu ao Tribunal da Relação de Lisboa, sem que tenha sido dada às restantes partes a oportunidade de se pronunciarem.

xvii. A Recorrente não solicitou ao Tribunal a quo que conhecesse de questão nova, cujo conhecimento lhe está, de facto, vedado.

Dispensados os vistos cumpre decidir.

3. Disse-se no despacho objecto da presente reclamação:

“Entendemos que a reclamante não tem razão.

Considerado o teor do disposto no n.º 4 do artigo 672.º do CPC, a decisão da Formação é definitiva e vinculativa sobre a admissão do recurso de revista excepcional.

E, como resulta dos artigos 684.º, n.º 4 e 690.º do Código de Processo Civil as conclusões das alegações delimitam o âmbito do recurso.

No entanto, como estamos no caso da revista excepcional, apenas está em discussão a apreciação das questões que a Formação entendeu justificarem a respectiva admissão.

Nos presentes autos a questão jurídica essencial e transversal à causa de pedir e aos pedidos apreciados na sentença e no acórdão recorrido, foi apenas a da inexistência de direito de preferência dos arrendatários de partes de prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal.

Com efeito, a recorrente elegeu esta questão, como a que justifica a análise, por haver na jurisprudência da Supremo Tribunal decisões de sentido oposto.

E citou:

– O Acórdão proferido em 25.03.2010, no âmbito do processo n.º 5541/03.5TBVFR.P1.S1B, cujo sumário se transcreve:

 

"I – Ainda que um prédio com vários andares não tenha sido submetido ao regime da propriedade horizontal, é o prédio, no seu todo físico, porque só este goza de autonomia jurídica e matricial, que imporia considerar, para o efeito de subsunção da questão da preferência na alienação do prédio no seu todo.

II – Se a alienação projectada ou realizada se referir à totalidade do imóvel, não subordinado ao regime da propriedade horizontal, a preferência competirá a todos os co-arrendatários das partes do mesmo prédio, cujo contrato perdure há mais de um ano.

III – Existindo distintos inquilinos do mesmo prédio, unitariamente considerado, está-se perante uma situação de coexistência ou de concorrência de vários direitos legais de preferência, de que são sujeitos activos os distintos inquilinos dos respectivos locais arrendados, e não em face de uma situação de contitularidade de um mesmo e único direito, em relação à totalidade do prédio.

IV – Só quando o direito de preferência único pertença, simultaneamente, a vários titulares, e deva ser exercido, por todos em conjunto, e, mesmo assim, com ressalva de algum ou alguns declararem que o não querem exercer ou quando pertença a mais do que um titular e haja de ser exercido apenas por um deles, a tramitação processual a observar é a constante do art. 1459.0-8, do CPC.

V – O arrendatário habitacional, titular plural do direito de preferência legal na venda a outrem do objecto do locado, habitado há mais de um ano, pode, isoladamente, propor acção de preferência, desacompanhado dos demais, não estando obrigado a notificar os restantes preferentes no sentido de dizerem se pretendem ou não exercer o seu direito de preferir ou de instaurar a acção, em conjunto com os demais concorrentes dada a pluralidade de preferentes com direitos distintos entre si."

– O Acórdão proferido em 21.01.2016, no âmbito do processo n.º 9065/12.1TCLRS.L 1.S19, no qual se decidiu o seguinte:

 

"Na vigência do artigo 1091.º do CC, introduzido pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, o arrendatário, há mais de três anos, de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, não tem direito de preferência, sobre a parte arrendada ou a totalidade, na compra e venda ou na dação em cumprimento desse mesmo prédio."

E ainda, embora como fundamento, em contradição o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.05.2018, proferido no âmbito do processo n.º 1832/15.0T8GMR.G1.S2, de que foi Relatora MARIA DO ROSÁRIO MORGADO que tem o seguinte sumário:

I – Atento o teor do artigo 1091.º, n.º 1, al. a), do CC, o direito de preferência conferido ao arrendatário está confinado ao andar ou à parte do prédio que constitui o objeto concreto do contrato de arrendamento, o qual, para ser transacionável, deve estar juridicamente autonomizado;

II – O arrendatário de parte do prédio não constituído em propriedade horizontal, não tem direito de preferência sobre a totalidade do prédio, nem sobre a parte arrendada;

III – A interpretação da norma ínsita no art. 1091º, nº 1, al. a), do CC, no sentido atrás mencionado, não viola os princípios constitucionais consagrados nos arts. 13º e 65º, da Constituição da República Portuguesa.

Este último foi considerado paradigmático pela Formação não só pela tese que fez vencimento como pelo voto de vencido (Entendo que as alterações legislativas entretanto ocorridas e referidas no texto do Acórdão não são suficientes para alterar a corrente maioritária (Jurisprudencial e Doutrinária) que sempre defendeu a posição de que o arrendatário apenas de parte do prédio, não constituído em propriedade horizontal, pode exercer o direito de preferência em relação à totalidade do prédio).

Importa ponderar se essa questão fora apreciada na decisão recorrida.

Nas suas alegações de apelação diz, a dado passo, a A:

“65. Com a entrada em vigor do NRAU, emergiu uma corrente jurisprudencial, entretanto estabilizada e acolhida, tanto pelo Supremo Tribunal de Justiça, como por este Tribunal, que, na interpretação que faz do artigo 1091.° do Código Civil, entende que o direito de preferência estará, por um lado, sempre exclusivamente limitado ao local arrendado e que, por outro lado, não existirá direito de preferência, nem em relação ao espaço locado, nem em relação a todo o imóvel, naquelas situações em que o espaço locado é parte de imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal;

66. In casu, por qualquer uma destas duas razões – na medida em que o imóvel não está sujeito ao regime da propriedade horizontal –, nunca poderia colher a tese de que a DD era titular de um direito de preferência, seja sobre o espaço efetivamente locado (isto é, o do restaurante), seja sobre a universalidade do prédio;

67. Diversa é a finalidade do direito de preferência, figura criada com o intuito de facilitar o acesso à habitação ou instalações próprias e não a desenvolver um qualquer esforço especulador, ao arrepio da Lei, como aquele que procedeu da conduta das Rés após a adjudicação do imóvel à Apelante;

68. Importa atermo-nos nos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 26.03.2015 e pelo Supremo Tribunal de Justiça em 21.01.2016;

69. Qualquer "exercício de preferência" daí resultante deverá ser considerado como juridicamente inexistente, ou, pelo menos, ineficaz, com as decorrentes consequências legais sobre os negócios subsequentes;”

E, tendo a recorrida, nas suas contralegações, suscitado o carácter de novidade dessa questão, sobre ela limitou-se o tribunal recorrido a afirmar:

“Inexistência de qualquer direito de preferência, quer sobre o locado, quer sobre todo o imóvel, nos termos do novo RAU

A apelante não suscitou esta questão da petição e logo não foi a mesma apreciada na primeira instância pelo que, constituindo questão nova, não se conhece da mesma.”

O que significa que, não tendo tal questão sido suscitada na 1.ª instância, não foi conhecida no acórdão da Relação, por ter sido considerada questão nova e não havendo pronúncia sobre ela na apelação, sem que isso implique nulidade por essa omissão, também não pode ser objecto de revista.

Ora, entende o Relator, dever verificar, como questão prévia, se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso (artigo 652.º, n.º 1, al. b), do CPC)

Com efeito, compete à Formação, nos termos do artigo 672.º, n.º 3 do CPC a decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do citado normativo, sendo tal apreciação de natureza “preliminar sumária”, “sumariamente fundamentada”, mas insusceptível de reclamação ou recurso.

Ou seja, à Formação compete decidir se a questão ou questões suscitadas têm relevância jurídica ou social ou se se verifica a contradição a que se refere a alínea c) do n.º 1 da citada norma.

Não pode, contudo, pode ultrapassar a barreira de que o recurso se destina a impugnar as decisões da sentença ou acórdão recorrido e não a apreciar, nessa sede, questões não suscitadas pelas partes ou que não sejam de conhecimento oficioso e que não foram tratadas na decisão recorrida, surgindo, por isso, como questões novas.

Mas a esta análise não procedeu nem tem de proceder a Formação, como o afirmou, no seu segundo acórdão, pois, “ir mais longe do que a verificação dos pressupostos tais como a parte os apresenta no seu recurso, implicaria exorbitar da sua competência e a imiscuir-se no âmbito do mérito”.

Por isso, tendo a parte elegido como questão a justificar a revista excepcional, a da inexistência de direito de preferência dos arrendatários de partes de prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, a Formação, sem cuidar se essa questão fora suscitada no recurso de apelação, considerou que a mesma justificava a admissão desse recurso.

Proferida a decisão da Formação no sentido da admissibilidade do recurso, nesta estrita formulação, compete ora ao Relator exercer as funções que lhe são atribuídas pelo artigo 652.º, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, designadamente a de verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso (al. b) do n.º 1).

Sendo certo que uma das circunstâncias obstativas do conhecimento do recurso é o facto de a questão considerada objecto da revista excepcional não ter sido tratada no recurso de apelação, nem ser de conhecimento oficioso.

E como não ocorreu essa pronúncia no recurso de apelação, por se ter entendido que a mesma era uma questão nova, a mesma não pode ser ora objecto de revista excepcional.

Com efeito, verifica-se do próprio enunciado da petição que a questão do direito de preferência só foi suscitada na vertente de que a terceira Ré nunca o pretendeu exercer de facto e quando o fez o mesmo já se encontrava caduco.

É verdade que a recorrida de algum modo suscitara esta questão relativamente à decisão da Formação que rejeitara a respectiva arguição, com o fundamento no disposto no artigo 672.º, n.º 4, do CPC.

Mas esta decisão não só não impede como reforça a necessidade de uso pelo ora Relator dos seus poderes do artigo 652.º do CPC, sob pena de, de outro modo, se avançar para a prolação de uma decisão sem efeitos práticos, ou seja um acto inútil que a lei proíbe (art.º 130.º do CPC).

Termos em que consideramos que não deve conhecer-se do recurso interposto e admitido pela Formação.”

Pouco haverá a acrescentar ao que ficou dito.

No entanto, não nos furtaremos de procurar ser mais incisivos na argumentação, atenta a manifesta inflexão da reclamante, atento o que dissera quando se pronunciou, nos termos do artigo 655.º.

Constata-se da posição da A. na petição que nunca se controverteu o direito de preferência da 3.ª Ré, antes sempre se disse que a mesma não quis exercer nenhum direito de preferência e que no momento em que aparentemente exercera esse direito o mesmo encontrava-se caducado.

Ou seja, esse direito de preferência não se controvertia, mas o seu exercício sofria de um vício de vontade ou, a assim se não entender, teria sido exercido após o decurso de um prazo de caducidade.

A 1.ª instância não tinha, portanto, de conhecer oficiosamente da existência do direito, uma vez que nessa parte não havia desacordo entre as partes, o Administrador da insolvência notificara a 3.ª Ré para o exercer e não resulta patente da matéria de facto que o mesmo não existisse, no caso.

Só no recurso de apelação a questão é suscitada pelo A., tendo a Relação considerado, e bem, que não fora tal questão tratada no recurso e, por isso, não havia que conhecer dela.

A argumentação com base no artigo 656.º do CPC é mais uma patente confusão, uma vez que esta norma se refere à prolação de decisão sumária sobre o objecto do recurso, o que manifestamente não é aqui o caso e nos dispensa de discutir se estamos ou não perante os pressupostos da aplicação dessa norma.

Como se diz no despacho reclamado o Relator decidiu, nos termos do artigo 652.º do CPC e a reclamação presente é admitida, nos termos do n.º 3 deste artigo.

Não merece, pois, censura a decisão reclamada.

4 – Termos em se acorda em manter o despacho do Relator, não se conhecendo do recurso interposto, por inadmissível.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 12 de novembro de 2019

Paulo Sá (Relator)

Alexandre Reis

Pedro de Lima Gonçalves

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[1] N.º 1053.3
  Relator:    Paulo Sá
  Adjuntos: Alexandre Reis
Pedro Lima Gonçalves