Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
070507
Nº Convencional: JSTJ00007678
Relator: AMARAL AGUIAR
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CONFISSÃO
QUESTIONARIO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198410160705072
Data do Acordão: 10/16/1984
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 8 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS N259 1984/11/08, PÁG. 3433 A 3435 - BMJ Nº 340 ANO 1984 PÁG. 157
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ALBERTO DOS REIS IN COMENTARIO VIII PAG521. MANUEL ANDRADE IN LIÇÕES PAG552.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL. DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 287 D ARTIGO 299 N1 N2 ARTIGO 511 ARTIGO 552 ARTIGO 561 ARTIGO 764 ARTIGO 766 N1.
CPC39 ARTIGO 304.
CCIV66 ARTIGO 352 ARTIGO 353 N1 ARTIGO 354 B ARTIGO 355 N2 ARTIGO 356 N1 N2 ARTIGO 357 ARTIGO 358 ARTIGO 361 ARTIGO 1849 ARTIGO 1857 ARTIGO 1865 N3.
L DE 1910/11/03 ARTIGO 18.
D 2 DE 1910/12/25 ARTIGO 29 ARTIGO 30.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RP PROC17279 DE 1982/05/18.
ACÓRDÃO RP PROC1031 DE 1981/11/11.
ACÓRDÃO STJ DE 1971/07/16 IN BMJ N209 PAG150.
ACÓRDÃO STJ DE 1972/09/29 IN BMJ N215 PAG257.
ACÓRDÃO STJ DE 1973/01/19 IN BMJ N223 PAG232.
Sumário :
Por respeitarem a direitos indisponiveis, os factos confessados pelo pretenso pai em acção de investigação de paternidade contra ele proposta devem ser levados ao questionario e não a especificação.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em sessão plenaria, no Supremo Tribunal de Justiça:

Recorre o Ministerio Publico, nos termos do artigo 764 do Codigo de Processo Civil, do Acordão da Relação do Porto de 18 de maio de 1982 (processo n. 17279, da 2 secção), certificado a folhas 6 e seguintes, com fundamento em que, no dominio da mesma legislação, deu esse acordão solução oposta a que no acordão de 11 de Novembro de 1981, tambem daquele Tribunal (processo n. 1031, da 3 secção), certificado a folhas
16 e seguintes, fora adoptada relativamente a mesma questão fundamental de direito: a de saber se os factos confessados pelo pretenso pai, expressa e inequivocamente, em acção de investigação de paternidade contra ele proposta, deverão ser levados a especificação, por versarem direitos disponiveis, ou ao questionario, por respeitarem a direitos indisponiveis.
No acordão preliminar proferido em cumprimento do disposto no artigo 766, n. 1, do citado Codigo, foi dada como existente a oposição que serve de fundamento ao recurso.
No prosseguimento deste ofereceu o Ministerio Publico o parecer de folhas 29 e seguintes, no qual sugere a formulação do assento seguinte:
Em acção de investigação de paternidade proposta contra o pretenso pai pode este confessar a autoria e conteudo de uma carta, confissão que, todavia, não constitui prova plena do direito invocado na acção.
O processo correu os vistos de todos os juizes do Tribunal e não se veem razões que de algum modo imponham a alteração do acordão preliminar de folhas24.
Ha que apreciar, por isso, a questão de fundo.
Qualquer dos acordãos em oposição teve por objecto o despacho de indeferimento de reclamações deduzidas contra a especificação e o questionario em acção de investigação de paternidade (acção oficiosa) dirigida contra o pretenso pai.
Entendeu o primeiro desses acordãos que, "quanto ao pretenso pai, a sua paternidade constitui direito disponivel; por conseguinte, e em principio, a confissão do direito como do facto a ele relativo" faz prova contra o confidente (artigos
354 e 353 do Codigo Civl) desde que "a confissão seja inequivoca, em obediencia a regra do artigo
357 do Codigo Civil" (exclui-se a confissão resultante da falta de contestação). Assim, e porque o investigado "acentou inequivocamente que a carta junta aos autos (folhas 8) e do seu punho", mandou o referido acordão se especificasse a autoria e o conteudo dessa carta, deixando-se para o questionario as razões que teriam determinado o investigado a escreve-la.
Entendeu o acordão recorrido, por sua vez, que as acções de investigação de paternidade, "pelo manifesto interesse social que tutelam", versam direitos indisponiveis, dai concluindo que nelas não são de "considerar confessados os factos não impugnados ou mesmo constantes de escritos subscritos pelo pretenso pai e que mais não seriam que uma forma dessa confissão, mesmo quando este e, nelas, directamente demandado". Por isso considerou que nem sequer interessava especificar terem sido subscritas pelo investigado as cartas juntas aos autos.
De que lado estara a razão?
A questão resolvida pelo Tribunal da Relação foi, num e noutro caso, como se ve, não a da confissão do direito ou do pedido, meio da extinção da instancia [artigo 287, alinea d), do Codigo de Processo Civil], mas a da confissão - meio de prova: "o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe e desfavoravel e favorece a parte contraria" (Codigo Civil, artigo 352).
E a segunda dessas questões, portanto, a que tambem agora ha-de ser decidida, se bem que para o efeito se não dispense a abordagem da primeira.
Mas o que se disser para esta valera igualmente para aquela, pois que, a não ser admissivel a confissão do pedido, tambem o não devera ser a dos factos alegados pelo autor. Caso contrario obter-se-ia por via indirecta (pela confissão dos factos, se estes fossem susceptiveis de conduzir a procedencia da acção) o mesmo efeito produzido pela confissão do pedido.
A modalidade de confissão prevista naquele artigo
352 so faz prova contra o confitente se recair sobre factos relativos a direitos disponiveis. E ineficaz na hipotese contraria: se o confitente não tiver o poder de "dispor do direito a que o facto confessado se refere" [artigos 354, alinea b), e 353, n. 1, do Codigo Civil].
Trata-se, no caso em apreço, de confissão feita em juizo, espontaneamente e nos articulados (artigos 355, n. 2, e 356, n. 1, do mesmo diploma). Esta fora de causa a confissão extrajudicial, bem como a confissão judicial provocada (artigos 356, n. 2, daquele Codigo, e 552 e seguintes do Codigo de Processo Civil).
A formulação proposta pelo Ministerio Publico para o assento a proferir parte da ideia (veja-se n. 10 do seu parecer) de que, "se o interesse publico e incompativel com a disponibilidade do direito, a opção" que faz "não contende com esse principio, pois não se trata de confissão como prova plena, confissão do pedido, mas tão-so confissão de factos a apreciar livremente pelo julgador" (artigo 561 do Codigo de Processo Civil).
Mas, como acima se diz, não foi essa a questão versada nos acordãos em conflito. Eles não trataram de saber se o pretenso pai poderia ou não confessar, em acção de investigação de paternidade contra ele proposta, os factos articulados pelo autor. Discutiram, sim - repete-se - , a questão de saber se os factos expressa e inequivocamente confessados pelo investigado
(no caso concreto a autoria e o conteudo de cartas juntas aos autos) deveriam ser levados a especificação ou ao questionario. E e exactamente para solucionar essa mesma questão, tantas vezes debatida ja, que no requerimento de folhas 2 se pede a intervenção deste tribunal.
Para ela vai, por conseguinte, a nossa atenção.
Não ha duvida de que as leis relativas ao estado das pessoas são em regra, e por natureza, de interesse e ordem publica. Mas a regra não e absoluta. O proprio artigo 299 do Codigo de Processo Civil, referente a confissão do pedido, depois de referir, no n. 1, que não e permitida confissão, desistencia ou transacção que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponiveis, logo acrescenta, no n. 2 - identicamente ao que, no tocante a acção de divorcio, dispunha o artigo 18 da Lei de 3 de Novembro de 1910 -, ser "livre, porem, a desistencia nas acções de divorcio e de separação de pessoas e bens".
Se não fosse a falibilidade do argumento a contrario, poderia dizer-se, face aquele artigo 299, não ser a confissão admissivel, nem nas acções ai referidas expressamente, nem em qualquer outra acção de estado, designadamente na de investigação de paternidade. Ha, pois, que enveredar por outro caminho.
O Codigo de Processo Civil de 1939 inseria no artigo 304 disposição de sentido equivalente ao do artigo 299, n. 1, do Codigo actual. E perante ele sustentava Alberto dos Reis, reafirmando doutrina ja anteriormente exposta (Processo Ordinario, Civil e Comercial, pagina 470), que, sendo possivel e valida a perfilhação espontanea, igualmente o deveria ser a confissão do pedido na acção de investigação de paternidade proposta contra o pretenso pai - solução a que, acrescentava, não constituia obstaculo o disposto nos artigos 29 e 30 do Decreto n. 2, de 25 de Dezembro de 1910, segundo os quais a perfilhação poderia ser contestada por qualquer interessado ou impugnada pelo filho menor depois de atingida a maioridade (Comentario, III, 521-522).
Manuel Andrade, por sua vez, tendo como certa a inadmissibilidade da confissão nas acções propostas contra os herdeiros do pretenso pai (posição que, hoje firmada, era tambem a daquele outro mestre), não dava como segura, todavia, face aos mencionados preceitos, a validade da confissão do pretenso pai, mesmo na acção directamente proposta contra ele (Lições, pagina 552, e Noções Elementares, edição de 1976, pagina 165). E essa tambem a posição dos Professores V. Serra, Boletim, n. 110, pagina 241, e A. Castro, Lições, pagina 372.
Por qual das soluções optar? Tudo se resume nisso.
A doutrina de Alberto dos Reis seria irrecusavel se o direito de perfilhação estivesse realmente, como nele se pressupõe, na inteira disponibilidade do perfilhante; se a perfilhação fosse equiparavel, nos seus efeitos, a confissão homologada por sentença com transito em julgado. E não parece que assim seja.
Diz-se no artigo 1849 do Codigo Civil, e certo, que a perfilhação e acto pessoal e livre. Mas so por isso e porque o artigo 1865, n. 3, manda lavrar termo da perfilhação quando, em acção de averiguação oficiosa, o pretenso progenitor confirma a sua paternidade em relação ao menor não podera concluir-se que o direito de perfilhar seja, como ja se tem afirmado (F. Fabião, RT n. 89, pagina 248),
"perfeitamente disponivel". Feita por essa forma ou por qualquer das outras referidas no artigo 1853, a perfilhação tem sempre o mesmo valor. E a ideia que se colhe da expressão "acto pessoal e livre" e a de que a perfilhação, ao contrario do que sucede com o reconhecimento judicial, que se lhe contrapõe, e um acto espontaneo voluntario -
- um acto a que não pode ser compelido o pretenso pai. Mas, sendo voluntario, não e, todavia, um acto discricionario, um acto a que de plena eficacia, so por si, a vontade do perfilhante, um acto que legitime a assunção por este de paternidade pertencente a outrem. Que assim e resulta, desde logo, do artigo 1857, em que, para perfilhação de maior ou emancipado, se exige o seu consentimento; depois, e mais decisivamente (aquele argumento não releva para as acções de investigação propostas pelo maior ou emancipado, pois que ai não faltara ao pretenso pai, se quiser reconhece-lo como filho, o necessario consentimento), do artigo 1859, que considera impugnavel a perfilhação quando não corresponda a verdade - sinal evidente de que ela, a perfilhação, "e acto meramente declarativo e não constitutivo ou atributivo da filiação, que resulta da geração", conforme se acentua no Acordão deste Tribunal de 16 de Julho de 1971 (Boletim, n. 209, pagina 150). Dai a razão da sua impugnabilidade pelo Ministerio Publico ou por qualquer dos interessados, a todo o tempo e qualquer que seja ( a lei não distingue) a forma a que tenha obedecido - o que indiscutivelmente deixa a sua estabilidade muito aquem da que oferece a perfilhação resultante da confissão (do pedido ou de factos de que resulte a sua procedencia) sancionada por sentença com transito em julgado.

A ter-se como valida a confissão em qualquer dessas modalidades viria a obter-se indirectamente, por via dela, um efeito que a vontade do perfilhante não seria susceptivel de produzir: o reconhecimento estavel de alegada paternidade. Alem de que, e ao mesmo tempo, não sendo a sentença definitiva passivel de recurso de revisão ou de oposição de terceiro, ficaria coarctado o direito de livre impugnação estabelecido no citado artigo 1859 (confer A. Castro, Lições, III, 372, e os Acordãos deste Tribunal de 29 de Setembro de 1972 e 19 de janeiro de 1973, Boletim, n. 215, pagina 257, e n. 223, pagina 232, nos quais se adoptou doutrina identica a que ora se propugna).
De concluir, depois disto, não ser disponivel o direito de paternidade. E sendo assim, nas acções de investigação, mesmo quando proposta contra o pretenso pai, a confissão de factos feita por ele, ainda que expressamente, não produz o efeito referido no artigo 358 do Codigo Civil - não faz prova plena desses factos -, valendo apenas como elemento probatorio a apreciar livremente pelo Tribunal, nos termos do artigo 361 do mesmo diploma.
O artigo 511 do Codigo Civil manda especificar apenas os factos que o juiz julgue assentes por virtude de confissão, acordo das partes ou prova documental - como explica Alberto dos Reis, os factos sobre os quais haja prova plena. E então, se os factos confessados pelo pretenso pai constituem simples elementos probatorios a apreciar livremente pelo julgador, deverão constar do questionario, não da especificação.
Face ao exposto, confirma-se o acordão recorrido e formula-se o seguinte assento:
Por respeitarem a direitos indisponiveis, os factos confessados pelo pretenso pai em acção de investigação de paternidade contra ele proposta devem ser levados ao questionario e não a especificação.
Sem custas.

Lisboa, 16 de Outubro de 1984

Amaral Aguiar - Santos Carvalho - Dias da Fonseca - Flamino Martins - Magalhães Baião - Leite de Campos
- Almeida Ribeiro - Alves Cortez - Corte Real - Moreira da Silva - Melo Franco - Joaquim Figueiredo - Campos Costa (com a declaração de voto que se junta) -
- Lima Cluny [vencido. Tal como expressamente se refere no relatorio do presente acordão, o que estava em causa era a questão de saber se o escrito do pai - "cartas juntas aos autos" em que inequivocamente se reconheça a paternidade, deve ser levado a especificação ou ao questionario. Ora, estando-se em pleno dominio do regime sobre prova documental e não sendo impugnada por ele a autoria de tal documento, parece-nos evidente que ele teria de ser levado a especificação, tanto mais que nos precisos termos da alinea d) do n. 1 do artigo 1871 do Codigo Civil o reconhecimento nele contido constitui mera presunção de paternidade necessariamente ilidivel. Salvo o devido respeito, no presente acordão confundiu-se a "confissão da autoria de um documento" com "confissão de paternidade"] - Silvino Villa Nova (vencido pelas razões constantes do voto do Excelentissimo Conselheiro Cluny) - Antero Pereira Leitão (vencido por identica razão) - Miguel Caeiro (vencido porque, estando em causa apenas a autoria de um documento, reconhecida ou confirmada nos autos pelo seu proprio autor, deve tal facto ser naturalmente levado a especificação, para, conjugado com os demais elementos de prova, se concluir quanto a veracidade das afirmações nele contidas e, consequentemente, quanto a paternidade) - Solano Viana (vencido pelos fundamentos indicados pelo Excelentissimo Conselheiro Miguel Caeiro) -
- Quesada Pastor (vencido pelos mesmos fundamentos) - Vasconcelos de Carvalho (vencido pelos fundamentos constantes do voto do excelentissimo Conselheiro Miguel Caeiro) - Jose Luis Pereira (vencido pelos mesmos fundamentos - o da declaração do juiz conselheiro Miguel Caeiro).
Declaração de voto
1 - Acabei por dar voto favoravel a verificação dos requisitos legais do recurso para o tribunal pleno, sem embargo de reconhecer que, num plano de muito rigor, outra poderia ser a solução. Efectivamente, desde que o artigo 764 do Codigo de Processo Civil teve por base a ideia de se deverem estender os beneficios da uniformização obrigatoria da jurisprudencia a certas materias que, apreciadas embora pela relação, não podem pela sua natureza ser submetidas, em via de recurso, ao conhecimento do Supremo, e seguro que, em normal recurso de revista, o Supremo sempre teria possibilidades de firmar doutrina acerca do valor da alegação de factos desfavoraveis pelo pretenso pai em acção de investigação contra ele proposta.
2 - No mais subscrevi a doutrina do assento, mas discordei de alguns aspectos de pormenor da respectiva fundamentação. - Campos Costa.