Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2445/12.4TBGMR-AG1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: RECURSO DE REVISTA
CASO JULGADO
ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DECISÕES QUE ADMITEM RECURSO / RECURSO DE REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 629.º, N.º2, ALÍNEA A), 651.º, N.º1, ALÍNEA C).
Sumário :

I A ofensa de caso julgado em sede de fundamentos de embargos só é possível, se se tratar de «Caso julgado anterior à sentença que se executa».

II A inexequibilidade e/ou inexigibilidade, bem como a inexistência do título dado à execução como fundamento para os embargos, nada tem a ver com o caso julgado formal e material formado pela sentença homologatória da transacção havida entre as partes e dada à execução.

III Não é admissível recurso de Revista com fundamento na ofensa de caso julgado da sentença homologatória dada à execução, nos termos do artigo 629º, nº2, alínea a) do NCPCivil, quando as razões invocadas para a oposição deduzida, traduzem a falta de preenchimento por banda dos Exequentes de determinadas condições perfeitamente descritas aquando do acordo e que conduziriam à inexequibilidade/inexigibilidade da obrigação exequenda, coisa diversa daquele fundamento de impugnação recursiva.

(APB)

Decisão Texto Integral:

 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

C, LDA, Recorrente nos autos, notificada que foi do despacho singular da Relatora, que faz fls 270 a 273 que lhe não admitiu o recurso veio reclamar para a conferência, argumentando em abono da sua tese as mesmas razões que invocou em sede de motivação, insistindo, assim, que se está perante uma situação de violação de caso julgado.

A parte contrária não respondeu.

No despacho ora reclamado fez-se constar o seguinte:

«C, LDA, veio por apenso à execução comum, para prestação de facto, que lhe move M e A, deduzir embargos, alegando para tanto e em síntese, que a sentença dada à execução é inexequível e inexigível, por o prazo fixado na sentença não ter começado a correr ou se encontrar suspenso desde 3 de Outubro de 2011.

Tendo sido proferida sentença a julgar improcedentes os embargos, recorreu a Executada, tendo a Apelação sido julgada improcedente.

De novo inconformada e entre outros argumentos invocando a seu favor a violação de caso julgado porquanto na sua tese, sic :

«(…) 1ª Fundando-se     a       execução    em     sentença homologatória de transacção, que remete expressamente para documentos existentes no processo principal, essa sentença e esses documentos constituem o título executivo que nos termos do artigo 10º, n.º5 do Código de Processo Civil baliza o fim e os limites da acção executiva.

2ª Constando desse título que a ré se comprometia “a executar os trabalhos de eliminação e correcção dos aludidos defeitos sob a orientação do arquitecto J e dos engenheiros N e H e que os trabalhos a executar pela ré deveriam ser precedidos do fornecimento à recorrente de “um descritivo técnico de como e de que forma serão realizados” não podia o acórdão recorrido considerar dispensáveis quer a orientação dos referidos técnicos, em relação aos concretos trabalhos a realizar, quer a necessidade de prévia elaboração do referido descritivo técnico, pelo que não existindo essas prévias condições de exequibilidade do título, a sentença recorrida que as julgou dispensáveis viola o caso julgado formado pelo título executivo que contém aquelas cláusulas.

3ª Na verdade, se em sede executiva se desrespeita, mesmo em nome do critério de julgamento do decisor, o que consta do título executivo viola-se obviamente o caso julgado formado por aquele, pois, em sede executiva, o tribunal não pode, selecionar as cláusulas compromissórias que entre si se completam, considerando umas cláusulas aplicáveis e outras não aplicáveis, por considerar umas “essenciais” e outras “acessórias” ou secundárias, como fez, aliás, de modo totalmente arbitrário e sem qualquer arremedo de justificação.(…)».

Preceitua o normativo inserto no artigo 629º, nº2, alínea a) do NCPCivil que «Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: a) Com fundamento na violação das regras da competência internacional, das regras da competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa do caso julgado;(…)», sendo com base neste segmento que a impugnação recursiva vem sustentada.

Por se me ter afigurado estar face a uma situação de inexequibilidade e/ou inexigibilidade da sentença dada à execução e não a uma situação de violação de caso julgado e tendo entendido que não se poderia conhecer do objecto do recurso, nos termos do preceituado no artigo 655º, nº1 do NCPCivil aplicável por força do disposto no artigo 679º do mesmo diploma, ordenei a notificação das partes para se pronunciarem querendo acerca desta problemática.

Apenas respondeu a Recorrente, reafirmando tudo o que havia já aduzido em sede de alegações de recurso, acrescentando em abono da sua tese sic «(…) Se as instâncias dizem que a sentença é exequível e exigível não obstante dela constar que só pode ser executada depois do cumprimento de duas condições nela previstas, não pode dizer-se que apenas está em causa uma questão de exigibilidade ou exequibilidade da sentença: essa questão está em causa porque é preciso decidir se, apesar do incumprimento daquelas duas condições o tribunal pode considerá-las dispensáveis.

Temos por absolutamente claro que a questão não é cindível, é só uma: a sentença é inexequível e inexigível porque uma parte dela (aquela que fixou as duas condições prévias ao cumprimento das obrigações da ré) não foi cumprida, e decidindo-se ainda assim pela exequibilidade e exigibilidade do título viola-se o caso julgado formado pelo estabelecimento daquelas duas condições prévias.

Não parece necessário, mas será em todo o caso útil lembrar que o signatário considera de extrema gravidade a decisão recorrida através da qual as instâncias, de resto, sem qualquer prova, se entenderam no direito de excluir certas cláusulas de uma transacção e aproveitar outras sem as quais a mesma nunca seria celebrada.(…)».

Vejamos, então.

O fundamento dos embargos da ora Recorrente, Executada, reside na circunstância de o prazo fixado na sentença dada à execução não ter começado a correr ou se encontrar suspenso desde 3 de Outubro de 2011, uma vez que no seu dizer, só pode recomeçar as obras depois de os técnicos intervenientes lhe entregarem um descritivo técnico de como e de que forma serão realizados os trabalhos que tem obrigação de fazer; mesmo depois de receber esse documento, terá de aguardar que os exequentes estabilizem os terrenos envolventes à habitação, desviem as águas circundantes, superficiais e subterrâneas, por forma a que as mesmas sejam conduzidas sem interferir no edificado; e depois da entrega do descritivo técnico e das obras que os Exequentes têm de fazer, a Embargante só poderá iniciar a sua intervenção quando os técnicos intervenientes neste processo a informarem de que estão em condições de acompanharem os trabalhos.

Quer tudo isto dizer que a Recorrente, na sua tese, só poderia (ou poderá) cumprir tudo o quanto se obrigou na transacção judicial (sentença) dada à execução, depois de estarem preenchidas determinadas condições, aí perfeitamente descritas, que no seu entender ainda não ocorreram e, porque assim é, admitindo-se a instauração da execução com a falta de verificação das sobreditas condições está-se a violar o caso julgado formado pela sentença homologatória que incidiu sobre aquela transacção que as previu.

Resulta do disposto no artigo 704º, nº1 do NCPCivil que «A sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo.», sendo que, «A decisão considera-se transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.», cfr artigo 628º daquele mesmo diploma processual. 

Quer isto dizer que a exequibilidade da sentença depende em regra do seu trânsito em julgado, isto é da sua inalterabilidade no processo onde foi produzida, ou seja, do caso julgado formal.

In casu, dúvidas não podem subsistir que a sentença homologatória dada à execução, transitou em julgado e que por isso, em principio poderia ser executada, já que aqui o efeito de caso julgado e de exequibilidade se confundem (não houve recurso, nem poderia haver, porquanto o processo findou por transacção, afastadas ficando aquelas hipóteses em que embora não havendo trânsito em julgado, por força do regime recurso, poderia a mesma ser exequível), cfr Anselmo de Castro, Acção Executiva Singular Comum E Especial, 3ª edição, 21/22.

Os óbices postos pela Recorrente, isto é, que não estariam ainda reunidas todas as condições para que a sentença pudesse ser dada à execução, maxime, no que tange ao comprometimento da ora Recorrente, então Ré, «(…) “a executar os trabalhos de eliminação e correcção dos aludidos defeitos sob a orientação do arquitecto J e dos engenheiros N e H” e que os trabalhos a executar pela ré deveriam ser precedidos do fornecimento à recorrente de “um descritivo técnico de como e de que forma serão realizados” não podia o acórdão recorrido considerar dispensáveis quer a orientação dos referidos técnicos, em relação aos concretos trabalhos a realizar, quer a necessidade de prévia elaboração do referido descritivo técnico (…)», traduzem apenas objecções quanto à exequibilidade imediata do título e não à pretensa violação do caso julgado material e formal consubstanciado na sentença que se executa..

Explicitando.

A Exequente instaurou uma execução contra a Executada, aqui Recorrente, para prestação de facto, porquanto passado o prazo estipulado no termo de transacção, não deu cumprimento ao acordado, nos termos do disposto no artigo 868º, nº1 do NCPCivil.

A Executada deduziu embargos, brevitatis causa, por não estarem reunidos os pressupostos da sua intervenção, o que, de harmonia com o preceituado no artigo 729º do NCPCivil, onde se prevêm especificamente os fundamentos para a oposição à execução baseada em sentença, significa que se fundou nas alíneas a) e e) desse mesmo ínsito legal, isto é na sua inexequibilidade e/ou inexigibilidade, por não estarem ainda verificados todos os condicionalismos acordados com vista à correcção dos defeitos a seu cargo.

E, este fundamento é bem diverso do da ofensa de caso julgado, que em sede de fundamentos de embargos só é possível, se se tratar de «Caso julgado anterior à sentença que se executa», o que é compreensível, porquanto para se executar uma sentença esta tem de estar transitada (com ressalva para os casos excepcionais de possibilidade de execução com recurso pendente, acima falados), sendo que a sua inexequibilidade e/ou inexigibilidade, nada tem a ver com o caso julgado material formado pelas obrigações que as partes assumiram, mesmo que se desse à execução algo completamente diverso do acordado, porque sempre se cairia naquelas duas espécies de defesa argumentativa, ou, quiçá, também na da inexistência do título, a que se refere a alínea a) do artigo 729º do CPCivil.

Destarte, porque não se antolha qualquer ofensa de caso julgado propiciadora de recurso, nos termos do artigo 629º, nº2, alínea a) do NCPCivil, não se conhece do objecto do mesmo, julgando-se finda a presente instância recursiva, cfr artigo 652º, nº1, alínea h), aplicável ex vi do artigo 679º, daquele mesmo diploma legal.(…)».

Vejamos.

Do texto da reclamação ora apresentado não se vislumbram razões diversas das primitivamente oferecidas em sede recursiva e que abalem o raciocínio expendido em sede de decisão singular.

Acrescenta-se, todavia, que as arguidas nulidades imputadas ao Acórdão recorrido, integrantes da previsão normativa a que alude o artigo 651º, nº1, alínea c) do NCPCivil, não se tratam, como pretende a Recorrente de vícios formais do Acórdão em crise, maxime oposição dos fundamentos com a decisão, tendo a ver com a interpretação das cláusulas constantes da transacção e por isso com a violação do caso julgado invocada como fundamento para o recurso, cujo objecto não se pode conhecer, por inexistir a prevaricação apontada.

Face ao exposto, indefere-se a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular dela objecto.

Custas pela Reclamante, com taxa de justiça em 3 Ucs.

 

Lisboa, 9 de Julho de 2015

(Ana Paula Boularot)

(Pinto de Almeida) 

(Júlio Manuel Vieira Gomes)