Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
148/10.3SCLSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: AUTORIA
CO-AUTORIA
COMPARTICIPAÇÃO
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CÚMPLICE
CUMPLICIDADE
DOLO
ERRO DE JULGAMENTO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
HOMICÍDIO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
INTENÇÃO DE MATAR
MATÉRIA DE DIREITO
MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Data do Acordão: 06/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: DIREITO PENAL - FACTO / PRESSUPOSTOS DA PUNIÇÃO / FORMAS DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIMES CONTRA AS PESSOAS
DIREITO PROCESSUAL PENAL - PROVA / MEIOS DE PROVA - RECURSOS ORDINÁRIOS
Doutrina:
- BMJ 341, p. 202 e segs ..
- Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal , Teoria do Crime , 1982 , Ed. Verbo, pp. 406, 412
- Eduardo Correia , RDES , Ano IV , 1948/49 , pp. 201/205 .
- Faria Costa, Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal, o Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, p. 174.
- Figueiredo Dias, in RLJ , Ano 105, p.125 .
- Jescheck e THomas Weigand, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Granada, 2002, pp. 744/745.
- Maria da Conceição Valdágua, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Coimbra ed., pp. 918, 920, 921, notas 9 a 12; Início da Tentativa do Co-autor, 1985, Ed. Danúbio, pp. 26, 73, 121, 133, 155/156.
- Susana Aires de Sousa , in RPCC, Ano 15 , 3 , 2005 , p. 345.
- Roxin, Problemas Fundamentais de Direito Penal, pp. 300, 301, 303.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 127.º, 410.º,N.º1, AL. B), N.º 2, AL. C), B), 427.º, 428.º, 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 14.º, 22.º, N.º 2 A), B) E C), 26.º, 27.º, 75.º, 76.º, 131.º, 132.º, N.ºS 1 E 2, AL. H).
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 11.4.2002, P.º N.º 485/02-5.ª; DE 24.10.2002, P.º N.º 3211/02-5.ª; DE 21.10 2004, P.º N.º 04P3205; DE 15.04.09, P.º N.º 583/09 – 3.ª; DE 08.06.2011, PROC. N.º 1584/09.3PBSNT.S1 - 3.ª; DE 19.11.2011, P.º N.º 6034 /08.OTDPRT.P1.S1.
Sumário : I  -   A jurisprudência define a co-autoria como envolvendo um acordo prévio com vista à realização do facto, acordo esse que pode ser expresso ou implícito, a inferir razoavelmente dos factos materiais comprovados, ao qual se pode aderir inicial ou sucessivamente, não sendo imprescindível que o co-autor tome parte na execução de todos os actos, mas que aqueles em que participa sejam essenciais à produção do resultado.

II -  No plano objectivo, o co-autor torna-se senhor do facto, que domina globalmente, tanto pela positiva, assumindo um poder de direcção, preponderante na execução conjunta do facto, como pela negativa, podendo impedi-lo, sem que se torne necessária, para a comparticipação estabelecida, a prática de todos os actos que integram o iter criminis.

III - No plano subjectivo, é imprescindível, à comparticipação como co-autor, que subsista a consciência da cooperação na acção comum.

IV - Já a cumplicidade pressupõe a existência de um facto praticado dolosamente por outro, estando subordinada ao princípio da acessoriedade. O cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime, mas não toma parte nela, limitando-se a facilitar o facto principal ─ Ac. do STJ de 15-04-2009, Proc. n.º 583/09 - 3.ª.

V - Os arguidos formaram um projecto criminoso, distribuíram tarefas entre si e municiaram-se com armas de fogo. O recorrente encostou o cano da arma à cabeça do condutor do veículo, o outro arguido apontou-a a um dos ocupantes e o terceiro disparou sobre a vítima, a quem tirou a vida. O recorrente podia deixar de praticar o facto, desistindo relevantemente, mas, diversamente, o que quis, foi criar com o outro comparsa, condições materiais para que nada falhasse. Deve ser considerado como co-autor, porquanto desempenhou um papel essencial para alcance do resultado, não meramente acessório, de auxiliar.

VI - Dizendo respeito o dolo, a intenção criminosa, ao foro intimo das pessoas, ao domínio do seu psiquismo, aquela só se atinge por via indirecta, pela análise da conduta material, no concretismo da situação conjugada com as regras da experiência comum.

VII - O colectivo formulou um juízo de culpa que não se afasta daquilo que as premissas materiais autorizam, reconduzindo-se a arguição de erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP), a uma diferente valoração dos factos, a um juízo de culpa mais mitigado, enquanto excluindo o animus necandi, para se centrar no domínio da cumplicidade. Mas essa diferença de posições, nada mais é do que a expressão da eterna divergência entre quem julga e é julgado, sem qualquer conexão com aquele vício da matéria de facto, de que só, a título excepcional, o STJ pode conhecer.

VIII - Só há erro notório quando o tribunal incorre em manifesto erro de análise, quando teve como definitivo um leque factual que a sã lógica das coisas, o bom senso, a justa e prudente apreciação das provas, dadas a conhecer na sentença, a partir da sua simples leitura ou de acordo com as regras da experiência, o repudia e descredibiliza em absoluto.

IX - O STJ só deve intervir em último recurso para bem decidir de direito, porém puramente por excepção, já que a fixação da matéria de facto, em último termo, cabe à Relação, nos termos dos arts. 427.º e 428.º do CPP.

Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

Em processo comum sob o n.º 148/10.3SCLSB da 6.ª Vara Criminal de Lisboa, com intervenção do tribunal colectivo , foram submetidos a julgamento :

a) AA,e

b) BB

vindo , a final , a ser condenados :

O AA  pela prática, em co-autoria e concurso efectivo, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts.131º, 132º, nºs 1 e 2, al.h), do Código Penal na pena de catorze anos de prisão, e de um crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. nos termos dos arts.22º, 23º, 73º, nº1, als.a) e b), 210º, nºs 1 e 2, al.b), por referência ao art.204º, nº 2, al.f), todos do Código Penal, na pena de três anos de prisão-e , em cúmulo jurídico de penas,  na pena única de quinze anos e seis meses de prisão.

O BB  pela prática, em co-autoria e concurso efectivo, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts.131º, 132º, nºs 1 e 2, al.h), 75º e 76º, do Código Penal, na pena de dezassete anos de prisão e de um crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. nos termos dos arts.22º, 23º, 73º, nº1, als.a) e b), 210º, nºs 1 e 2, al.b), por referência ao art.204º, nº2, al.f), 75º e 76º, todos do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão:

-e, em cúmulo jurídico de penas, na pena única de dezassete anos de prisão.

Foi , ainda , decidido julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante CC, por si e na qualidade de legal representante de seus filhos menores, DD e EE, e, consequentemente, condenar os demandados AA e BB no pagamento de 180.000,00 (cento e oitenta mil Euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais causados à vítima e aos demandantes, sendo setenta e cinco mil euros para cada um dos dois filhos menores da vítima, DD e EE, vinte e cinco mil euros para a companheira do mesmo, CC, e cinco mil euros a favor de DD, EE e CC.

I. Inconformados com o teor da decisão , interpuseram recurso ambos os arguidos para a Relação , que decidiu :

condenar o arguido AA, na pena de 13 (treze) anos de prisão, pelo crime de homicídio qualificado, e na pena de 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de roubo agravado, na forma tentada; em cúmulo jurídico, na pena única de 14 anos e 6 meses de prisão; o arguido BB, na pena de 16 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado, e na pena de 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de roubo agravado, na forma tentada; e em cúmulo jurídico, na pena única de 16 anos de prisão.

Relativamente ao pedido cível, adicionando-se o facto 77), condenar-se os arguidos solidariamente a pagar:

-Pela perda do direito a vida, o montante de 100.000,00 euros.

-Pelos danos morais próprios o montante de 7.500 euros.

-Pelos danos morais devidos a cada um dos seus herdeiros pela morte do seu pai e companheiro, respectivamente, o montante de 20,000 euros a cada um dos filhos e em 15.000 euros à sua companheira.

- sendo devidos juros legais desde a notificação do pedido cível até integral pagamento.

II . Foi alterada a matéria de facto , eliminando-se da matéria de facto o ponto n.º 13 .

III . 1.Inconformado recorreram ambos os arguidos para o STJ ,  , rejeitando-se o interposto pelo AA ,  apresentando o arguido BB as seguintes conclusões, requerendo a revogação do acórdão proferido pelo TRL, por entender que este, enferma dos seguintes vícios:

2- ERRO DE DIREITO - VIOLAÇÃO DOS ARTS. 22°. E 26.° DO CP, E DO ART. 9.°, N.°2, DO CÓDIGO CIVIL, E APLICAÇÃO ANALÓGICA VIOLANDO O PRINCÍPIO «NULLUM CRJMEN, NULLA POENA SINE LEGE STRICTA», QUE É UM COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE , VIOLANDO ASSIM TAMBÉM OS ARTIGOS 29.°, N.° 1 E 3, DA CONSTITUIÇÃO E ART. l.°, N.°3, DO CÓDIGO PENAL.

3.      VIOLANDO ESTA CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO A OUO, PELO TRIBUNAL AQUI RECORRIDO, JURISPRUDÊNCIA FIXADA PELO STJ E POR AQUELE TRIBUNAL (RECORRIDO) INVOCADA, POR ERRÓNEA INTERPRETAÇÃO DA DOUTRINA ACOLHIDA NOS ACÓRDÃOS DO STJ:

4.      Decorre do acórdão da 6a Vara Criminal de Lisboa o entendimento de que os crimes de coacção agravada e de detenção de arma proibida, cujos factos consubstanciadores do tipo este tribunal entende cometidos pelo recorrente, são consumidos pelo crime de homicídio qualificado, uma vez que, entende o tribunal, o dolo do recorrente era um só; este havia, em momento anterior aos factos, consciencializado e intencionado o cometimento de factos consubstanciadores de parte do crime de homicídio qualificado. Assim, tinha um dolo uno para o cometimento do homicídio qualificado da vítima FF, só com este resultado se esgotando finalisticamente a acção do agente. Apenas se encontrando assim preenchido um único ilícito, a que corresponde um único dolo do recorrente.

5.      Esse Tribunal entendeu ainda que, todos os factos que individualmente apreciados integrariam a prática pelo recorrente de dois crimes de coacção agravada e um crime de detenção de arma proibida, configuram, em concreto, a acção ( ou participação') do recorrente, que o Tribunal entendeu serem os actos de execução do recorrente, em comparticipação na forma de co-autoria, do crime de homicídio qualificado. Desta forma, modelando o dolo do recorrente, de forma a poder imputar-lhe, não aqueles dois crimes que corresponderiam à sua acção, ou o crime que se lhe imputou, mas na forma de cúmplice, mas, um crime de homicídio qualificado, entendendo ser este o dolo do recorrente, e não daqueles crimes.

6.      De facto, o recorrente ou tinha dolo de coacção agravada e detenção de arma proibida, ou o de homicídio qualificado, uma vez que procedendo os primeiros, não sobraria matéria de facto para o Tribunal considerar provado dolo de homicídio qualificado pelo recorrente, pois que, estando em comparticipação na forma de co-autoria, sempre teria que ter praticado algum acto de execução. E, esse acto de execução, mesmo que, mínimo, teria de existir, sob pena de procederem os crimes de detenção de arma proibida e de coacção agravada, e improceder, decaindo em relação ao recorrente ( e deste modo, em relação a todos, uma vez que a alínea h) obriga à comparticipação de um mínimo de 3 agentes), o crime de homicídio qualificado, dele sendo absolvido ( da participação como co-autor) por não se lograr provar o respectivo dolo do recorrente.

7.      Desta forma, condenou o Tribunal da 6a Vara Criminal de Lisboa o recorrente pela prática de um crime de homicídio qualificado em co-autoria.

8.      A nossa lei determina que é punido como co-autor quem tomar parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros, (art. 26° CP) (E NÃO, INDIRECTA: A LEI REFERE DE FORMA EXPRESSA A NECESSIDADE DE HAVER UMA PARTICIPAÇÃO DIRECTA DE CADA CO-AUTOR NA EXECUÇÃO DO FACTO TÍPICO, E NÃO DO PLANO).

9.      Assim, para o agente ser punido como co-autor são necessários três requisitos cumulativos:

10.    O primeiro: uma decisão conjunta, na forma de um plano acordado previamente à acção, com vista à obtenção de um determinado resultado (o facto típico ilícito punível).

11.    O segundo: uma execução igualmente conjunta. Pese embora, no que se refere à execução nos casos de comparticipação, não seja indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para a obtenção do resultado desejado, bastando que a actuação de cada agente, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado. Não sendo necessário que cada um dos comparticipantes cometa integralmente o facto punível, ou que execute todos os factos correspondentes ao ilícito, desde que seja incriminada a actuação global dos agentes. Mas, tem no entanto, que tomar parte directa na execução do crime. E,

12.    Toma parte directa na execução do crime quando pratica um qualquer acto de execução por si só, ou, conjuntamente com outros(s) agente(s). Sendo actos de execução:

13.    os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;

14.    os que forem idóneos a produzir o resultado típico;

15.    ou, os que, segundo a experiência comum, e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem

de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas

anteriores, (pelo mesmo agente!)

16.    E o terceiro requisito, transparece da Doutrina adoptada pela nossa Jurisprudência: tem o co-autor que ter o domínio funcional do facto global.

17.    A questão põe-se quanto à natureza neste caso em concreto, das funções que o aqui recorrente tinha e cumpriu: Teve o recorrente, através da conduta descrita, parte directa no homicídio; na morte? Ou, foi a sua conduta concretizada com vista àquele resultado, mas, de forma a auxiliar esse mesmo resultado, isto é, a assegurar que de facto, o terceiro indivíduo o concretizaria com sucesso? Tendo assim, o recorrente tido uma participação, mas indirecta, no homicídio. Isto é, atendendo ao resultado alegadamente acordado previamente (a morte da vítima), foi ou não a conduta do agente ESSENCIAL a que esse resultado se concretizasse?

18.    o crime de homicídio é um crime de resultado, que se concretiza com a morte da vítima, o recorrente, para ser responsabilizado como autor (olvidando só agora os demais requisitos da co-autoria), tem que ter tomado parte directa na morte da vítima.

19.    Pois uma coisa é a execução do plano, em que tem que participar directamente para ser comparticipante seja na forma de co-autor, seja na de cúmplice, outra, é tomar parte directa na execução do facto doloso típico, no caso em concreto, no homicídio. Ora, o homicídio em concreto concretizou-se com dois disparos de arma pelo terceiro agente, conforme factos provados.

20.    O recorrente, de facto, concede-se só por agora, tomou parte directa no plano que, alegadamente, os três agentes acordaram previamente, porém, não tomou parte directa no facto típico, ou nos actos directamente causadores da morte da vítima.

21.    Foi a sua conduta, numa visão global do plano e da acção dos três agentes, essencial indispensável, à concretização do resultado? Pensamos que não, ao contrário do que decidiram os Tribunais recorridos.

22.    Considerou o acórdão da 6a Vara provado que os três agentes traziam consigo armas de fogo. Donde não decorre automaticamente que os três agentes as fossem usar, ou quisessem usar.   Ou, que as quisessem usar para matar alguém, nomeadamente, para matar a vítima, O que não se pode presumir, pois não decorre do simples facto de se ter em sua posse uma arma, que se queira com ela matar alguém.

23.    Na verdade, também se provou que ambos os tiros sofridos pela vítima foram disparados pelo terceiro indivíduo. Tiveram os três hipótese de a qualquer momento que entendessem disparar, sem que nada os impedisse, e só o terceiro indivíduo o fez, duas vezes. Mesmo em fuga, o segundo tiro foi disparado pelo terceiro interveniente, quando podia algum dos outros agentes aqui ter também disparado. Todavia, o certo é que podendo o recorrente ter disparado e morto ou ferido a vítima não o fez, tendo hipótese disso. Facto provado que só por si, segundo as regras da experiência, e em conjugação com as "funções" de cada um provadas, obstaria a uma "PRESUNÇÃO" DE DOLO DE MATAR POR PARTE PO RECORRENTE.

24.    Posta a questão, respondeu o TRL que foi o crime de homicídio qualificado praticado pelos três agentes em co-autoria, sustentando esta posição, no seguinte:

25.    - "o facto de terem ido posicionar-se cada um nos ocupantes do veículo onde a vítima estava e terem trazido todos uma arma de fogo consigo'''' (p. 71, ac. 2º parág.). E mais,

26.    - "agiram em co-autoria já que a actuação dos três foi essencial para que o indivíduo não identificado tivesse disparado e matado a vítima. Os arguidos BB e AA "imobilizaram" os dois amigos da vítima para que o terceiro disparasse,"

27.    Ora, se a actuação, conforme o plano, do recorrente e co-arguido, fosse essencial para que o terceiro tivesse disparado, então, como se explica que já fora dessa "actuação", de os "reter" ali, quando fugiram, nada tivesse impedido o terceiro de perseguir e disparar sobre a vítima matando-o, olvidando por completo que os amigos da vítima haviam fugido e estariam naquele momento a concretizar aquilo que os seus co-arguidos "nos termos do plano visariam obstar": impedir que buscassem auxílio? Disparou na mesma, e sem pudores.

28.    Mas, o que diz o acórdão da 6a Vara não é « "imobilizaram" os dois amigos da vítima para que o terceiro disparasse."» e sim, que "imobilizaram" os dois amigos da vítima " de molde a impedi-lo de socorrer FF ou sair do carro e buscar o auxílio de terceiros". Foi isto que de deu como provado como sendo a "função" dos outros dois agentes, designadamente do recorrente. Agiriam daquele modo Não "para que o terceiro disparasse", Mas, " de molde a impedi-lo de socorrer FF ou sair do carro e buscar o auxilio de terceiros".

29.    Perguntamos:

30.    Era essencial para que o terceiro efectuasse o disparo e matasse a vítima que os outros dois arguidos - que até acabaram todos por fugir - impedissem os outros dois ocupantes do veículo de sair para de algum modo socorrerem a vítima (desconhecemos de que forma já. que estavam desarmados (presumimos) e um tiro demora uma fracção de segundo a dar), ou, irem buscar ajuda ou chamar a polícia? Parece-nos outra vez, que não foi decerto essencial, pois o arguido que disparou fê-lo de forma imediata, sem conversas, tendo mediado meia dúzia de segundos entre abordagem ao veículo e o disparo sobre a vítima (que lhe causa a morte).

31.    Sendo certo que um tiro pode ser dado num ou dois segundos, e tiveram o efeito surpresa, a vítima nem teve, aparentemente, e de acordo com os autos, reacção ou tempo de reacção.

32.    Assim, não nos parece que tenham contribuído de forma essencial para o resultado.

33.   Outrossim, Se, para o recorrente ser autor, tem que ter participação directa nos factos, e aqui factos não é qualquer facto - terá de ser o facto típico, aqui o homicídio -, tem que participar na execução de um facto que cause a morte (elemento constitutivo do crime), ou que seja idóneo a causar a morte, ou, que segundo a experiência comum, seja de natureza a fazer esperar que lhe siga facto que cause a morte ou seja idóneo a causar a morte (art. 22°, n.°2 do CP), porque aqui o resultado típico é esse.

34.    Porque o facto em que é necessário que o co-autor, neste caso dos autos, tenha participado, é o homicídio, o acto de causar a morte, e não, qualquer facto integrador do plano sem componente directa na fase executiva do facto típico e sem interferência no resultado típico .

35.    Uma vez que a sua participação não pode ser de tal forma ínfima que não caiba na prática de um qualquer acto de execução tal como os configura o art. 22°. n.°2 do CP, Senão, estender-se-ia de tal forma o conceito de participação directa e actos de execução correspondentes à co-autoría que já nada caberia na cumplicidade, ou mais grave, com o risco de tentar abarcar depois na figura de cúmplice um qualquer observador ou actuante sem participação passível de punibilidade para compensar esta "extensão".

36.    Mesmo pela doutrina acolhida do domínio do facto, o co-autor tem que tomar PARTE DIRECTA NA EXECUÇÃO DO FACTO. Deve ter o domínio funcional do facto típico. Mesmo que isso se traduza em que cada agente tenha o domínio (funcional) de um facto , e que do conjunto dos vários factos resulte, da acção global (e não resulte logo da acção parcial), o resultado.

37.    Ora, se formos por aqui, cada agente tem o domínio funcional do facto global, cada agente, através de uma tarefa/função que lhe advém do acordo prévio, tem o domínio do facto global. O que, em concreto quer dizer que, CADA UM DOS ARGUIDOS COM AS TAREFAS QUE SE ALEGA E PROVOU QUE TINHAM. TEM A CAPACIDADE DE OBSTAR AO RESULTADO. E, RESULTARÁ APENAS DO TODO DA ACÇÃO GLOBAL DOS TRÊS, A SUA CONCRETIZAÇÃO.

38.    Se o recorrente não tivesse a capacidade de obstar à concretização do resultado ao abster-se de realizar a sua "função" (aqui aquela que a 6° vara criminal deu como provada), esta não seria essencial, e este não teria o domínio funcional do facto global.

39.    Temos que "autor é quem domina o facto; quem toma a execução nas suas próprias mãos" de tal modo que dele - em concreto, da função de cada um -depende decisivamente o se e o como da realização típica. (Ac. STJ de 18-10-2006 ponto VI citado na pág. 77 do acórdão recorrido).

40.    O que aplicado aos autos não se verifica. Pois, A "FUNÇÃO" JÁ PROVADA COMO "DESIGNADA" AO TERCEIRO AGENTE É DESDE LOGO, NO SEU TODO, O ILÍCITO TÍPICO NO SEU TODO, COM O RESULTADO. É AO TERCEIRO QUE CABE "MATAR O FF" (de acordo com o plano que a 6a Vara deu como provado).

41.    Ora, SE CADA AGENTE DEVE TER O DOMÍNIO FUNCIONAL DO FACTO GLOBAL, COMO SE EXPLICA QUE ESTE AGENTE TENHA ELE, POR SI SÓ, O DOMÍNIO DO FACTO NO SEU TODO? DELE DEPENDE A MORTE DA VÍTIMA; A SUA FUNÇÃO DE ACORDO COM O "PLANO" ERA: MATAR A VÍTIMA. PARECE-NOS QUE TEM O DOMÍNIO FUNCIONAL DA PRODUÇÃO DO RESULTADO SOZINHO.

42.    Nem resultando dos factos provados ou de algum elemento dos autos ou neles produzido, a essencialidade da conduta do recorrente para a produção desse resultado.

43.    Assim, entendemos que o recorrente não tem o domínio funcional do facto, domínio que foi logo concertado (concede-se só aqui a existência do plano, e porque dado como provado que seria o terceiro a ter: a sua "função no plano" era logo e apenas a de matar a vítima. Os outros dois seriam elementos auxiliares, com funções distintas. Tinham de facto funções, mas nenhuma que fosse indispensável à produção do resultado final. Pode conceder-se existir um plano, mas esse plano é apenas compatível com uma comparticipação na forma de cúmplice do recorrente.

44.    É Jurisprudência fixada neste STJ que :

(...) XV- À FACE DO DIREITO PENAL PORTUGUÊS E, NOMEADAMENTE DO ART. 26." DO CP, A TEORIA DO DOMÍNIO DO FACTO É O EIXO FUNDAMENTAL DE INTERPRETAÇÃO DA TEORIA DA COMPARTICIPAÇÃO. XVI - Autor é, segundo esta concepção, e de forma sintética e conclusiva, quem domina o facto, quem dele é "senhor", quem toma a execução nas suas próprias mãos, de tal modo que dele depende decisivamente o "se" e o "como" da realização típica; nesta precisa acepção se pode afirmar que o autor é a figura central do acontecimento. Assim se revela e concretiza a procurada síntese que faz surgir o facto como unidade de sentido objectiva subjectiva: ele aparece, numa sua vertente como obra de uma vontade que dirige o acontecimento, noutra vertente como fruto de uma contribuição para o acontecimento dotada de um determinado peso e significado objectivo. (...)

XX - No aspecto objectivo, A CONTRIBUIÇÃO DE CADA CO-AUTOR DEVE ALCANÇAR UMA DETERMINADA IMPORTÂNCIA FUNCIONAL, DE MODO QUE A COOPERAÇÃO DE CADA QUAL NO PAPEL QUE LHE CORRESPONDEU CONSTITUI UMA PEÇA ESSENCIAL NA REALIZAÇÃO DO PLANO CONJUNTO (DOMÍNIO FUNCIONAL).

(...)

XXII - Sublinhe-se que, na distinção entre a autoria singular imediata e a co-autoria, o autor singular executa o facto por si mesmo, enquanto o co-autor toma parte directa na sua execução - efá-lopor acordo ou juntamente com outro ou outros.

XXIII         - Na co-autoria não precisa cada um dos agentes de realizar totalmente o facto correspondente à norma penal violada, PODENDO EXECUTÁ-LO SÓ PARCIALMENTE. Na co-autoria várias pessoas dividem as tarefas e na fase executiva cada uma presta a sua contribuição para o êxito do plano comum, DESTE ULTIMO PONTO DE VISTA, O ESSENCIAL RESIDIRA ENTÃO NO SEGUNDO REQUISITO DA AUTORIA: O EXERCÍCIO CONJUNTO DO DOMÍNIO (FUNCIONAL) DO FACTO. UM DOMÍNIO FUNCIONAL DO FACTO QUE EXISTIRA QUANDO O CONTRIBUTO DO AGENTE - SEGUNDO O PLANO DE CONJUNTO - PÕE, NO ESTÁDIO DA EXECUÇÃO, UM PRESSUPOSTO INDISPENSA VEL Ã REALIZAÇÃO DO EVENTO INTENTADO, QUANDO, ASSIM, "TODO O EMPREENDIMENTO RESULTA OU FALHA ".EM RESUMO, É INDISPENSÁVEL UMA DECISÃO CONJUNTA E UMA EXECUÇÃO CONJUNTA DA DECISÃO. O ACORDO ENTRE OS AGENTES PODE SER EXPRESSO OU TÁCITO, PRÉVIO OU NÃO À EXECUÇÃO DO FACTO.

(...) (AC STJ de 24-03-2011- Proc. n.° 322/08.2TARGR.L1.S1 - 3." Secção-Raul Borges (relator)-Henriques Gaspar)

45. - Como bem explica MARIA DA CONCEIÇÃO SANTANA VALDÁGUA in Início da tentativa do co-autor (estudo apresentado como dissertação de pós-graduacão na FPL em 1985:

Enquanto a proposição do CP português prescreve, expressamente, que o co-autor deve tomar parte directa na execução do facto (por acordo ou juntamente com outro ou outros), o StGB considera co-autores os que cometem o facto punível «em conjunto», sem fazer, pelo menos de modo expresso, a exigência de que cada co-autor tome parte directa na execução do facto. "... ao contrário do autor singular imediato, o co-autor propõe-se realizar, apenas, uma parte dos comportamentos yroibido(s) pelo tipo legal de crime. " (p. 135)

"(...) ELEMENTOS CONSTITUTIVOS ESSENCIAIS DA CO-AUTORIA que vimos serem, no Direito Penal português: O ACORDO SOBRE O PLANO COMUM DE EXECUÇÃO DO FACTO. A EXECUÇÃO CONJUNTA E O DOMÍNIO FUNCIONAL DO FACTO. " (.p. 161) "... na ordem jurídica portuguesa, é flagrante a violação do princípio da legalidade pela solução global (...) No Direito Penal português é incompatível com qualquer um dos sentidos possíveis da letra da lei a tese de que pode ser punido como co-autor alguém que não teve intervenção alguma na fase executiva. Na verdade, o nosso texto lesai exige em relação ao co-autor - ou seja; relativamente a cada um dos co-autores e não apenas, como o texto alemão, quanto ao grupo constituído pelos co-autores - a intervenção (tomar «parte directa») na execução do crime. " (p. 194)

" Concluímos, portanto, que a solução global é inadmissível no Direito Penal português, desde logo por violação do princípio da legalidade (art. 29. °. n.° 1 e 3 da Constituição e art. 1. °. n. °3 do Código Penal, todos conjugados com o art. 26.°, terceira proposição). " (p. 197) «No que respeita, porém, à co-autoria - que, segundo o §25, n. °2, do StGB, se verifica quando «vários cometem o facto punível, conjuntamente» (...) -, a terceira proposição do art. 26. °. embora seguindo o modelo alemão, na medida em que se refere à actuação do co-autor «juntamente com outro ou outros», parece não considerar este requisito suficiente nem necessário para a existência da co-autoria. Na verdade, a aludida proposição do art. 26. °. declara, por um lado, imprescindível que o co-autor tome «parte directa na execução», exigência esta que não se encontra no texto legal germânico; e, por outro lado, prevê a actuação do co-autor «por acordo», como alternativa («ou») à sua actuação «juntamente com outro ou outros».

« Para compreender a razão de ser do co-autor tomar «parte directa na execução» - que, como vimos, não se encontra no §25. n.°2 do StGB, mas consta, expressamente, da terceira proposição do artigo 26. ° - não basta, em nosso entender, recordar que o n. °1 do art. 20. ° do anterior Código punia, como co-autores. «os que tomam parte directa na... execução do crime)».

E mister, para além disso, ter-se presente a controvérsia, existente na Alemanha Federal, acerca da necessidade ou desnecessidade da intervenção do co-autor na fase executiva. Na verdade, a jurisprudência alemã e a opinião dominante na literatura juspenalista germânica continuam a entender (...) que não é imprescindível, para a punição de um agente como co-autor, que este actue na fase executiva do delito, bastando, portanto, para a co-autoria, uma intervenção na fase dos actos preparatórios (...)

(...) O LEGISLADOR PORTUGUÊS. QUE MANIFESTAMENTE SE INSPIROU. EM MAIOR OU MENOR MEDIDA, NO MODELO ALEMÃO. AO FORMULAR AS TRÊS PRIMEIRAS PROPOSIÇÕES DO ART. 26°. CONHECIA SEGURAMENTE A REFERIDA CONTROVÉRSIA E DECIDIU - A NOSSO VER, BEM - ESTABELECER DE MODO INEQUÍVOCO QUE NÃO PODE SER PUNIDO COMO CO-AUTOR AQUELE COMPARTICIPANTE CUJA ACTUAÇÃO, SEJA QUAL FOR A SUA IMPORTÂNCIA PARA A REALIZAÇÃO DO PLANO CRIMINOSO COMUM, SE PROCESSA TODA ELA. NA FASE DOS ACTOS PREPARA TÓRIOS. Essa atitude do legislador português ê tanto mais compreensível quanto é certo que a mencionada controvérsia tem por base um texto legal onde, como vimos, se estabelece que há co-autoria quando varias pessoas cometem conjuntamente o facto punível. requisito este que surge também - embora em alternativa com o acordo - na terceira proposição do art. 26. °.

De qualquer modo, a exigência de que o co-autor tome «parte directa na... execução (do facto)» torna, MANIFESTAMENTE. IMPRESCINDÍVEL A SUA ACTUAÇÃO DURANTE A FASE DE EXECUÇÃO DO DELITO. OU SEJA: DEPOIS DE TER SIDO PRATICADO (POR ALGUM DOS CO-AUTORES) UM ACTO DE EXECUÇÃO, NO SENTIDO DO ART. 22°. Em face da redacção da terceira proposição do art. 26.°, o entendimento de que a actuação do co-autor pode limitar-se à fase dos actos preparatórios não teria na letra da lei aquele «mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», a que se refere o artigo 9.°. n.°2, do Código Civil. Tal entendimento só poderia basear-se numa aplicação analógica que, por muito boas que fossem as rações invocadas a seu favor, seria sempre vedada pelo principio «nullum crimen, nulla poena sine lese stricta», que é um corolário do princípio da legalidade (art. 29. °, n. ° 1 e 3. da Constituição e art. I. °, n. °3. do Código Penal). " (págs. 138-141).

" As especificidades da co-autoria consistem, em síntese, em que, por um lado, o co-autor não executa nem quer executar todo o comportamento descrito no respectivo tipo legal de crime, mas, apenas, uma parte desse comportamento típico, querendo, no entanto, por outro lado, contribuir com a sua conduta para que esse tipo legal de crime venha a ser integralmente realizado, através da actuação conjunta dele e do(s) seu(s) parceiro(s). nos termos de um plano comum em que acordaram.

Daqui decorre, quanto ao elemento subjectivo da tentativa, a necessidade de, na aplicação do art 22° ao co-autor, se ter em conta, para além daquilo que esse agente se propõe fazer, o plano comum em que a sua actuação se integra. Tal como, quanto ao autor singular, não é possível delimitar a tentativa face aos actos preparatórios sem se tomar em consideração o seu plano (individual), também em relação ao co-autor, só se pode proceder a essa delimitação tomando por base o plano concreto de execução do facto, acordado entre esse e os restantes co-autores (...) Desde logo, só em face do plano comum pode decidir-se se um determinado acto é, ou não, «idóneo a produzir o resultado típico», quando o crime deva ser cometido em co-autoria,

Por outro lado(...) a estrutura específica da co-autoria impõe que se interprete o artigo 22a, sempre que aí é referido um determinado «acto», no sentido de abranger quer o cometimento (integral) desse acto, quer o tomar parte directa na sua prática (...) Há, assim, acto de execução do co-autor:

Quando ele, em conformidade com o plano comum, «preenche» (realiza) ou toma parte directa na realização de um elemento constitutivo do tipo legal de crime a que aquele plano comum se refere [art. 22. °, n. °2, alínea a)];

Quando ele, em conformidade com o plano comum, pratica ou toma parte directa na prática de um acto idóneo a produzir o resultado, descrito no tipo legal de crime a que o plano comum se reporta [art. 22. °, n. °2, alínea b)J, ou

Quando ele, em conformidade com o plano comum, pratica ou toma parte directa na prática de um acto que, tendo em conta esse plano, é de natureza a fazer esperar, «segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis», QUE SE LHE SIGAM, DA PARTE DESSE MESMO AGENTE, ACTOS DAS ESPÉCIES REFERIDAS NAS ALÍNEAS A) EBU...) (p. 212-214)

46.    Ou seja, APÓS ALGUM ACTO PREPARATÓRIO, O MESMO INDIVÍDUO, SEGUNDO AS REGRAS NORMAIS DA EXPERIÊNCIA, VIRIA SEGUIDAMENTE A PRATICAR, MESMO QUE PARCIALMENTE, ACTO DE EXECUÇÃO DO CRIME DE QUE SE QUER IMPUTAR-LHE A CO-AUTORIA, OU ACTO IDÓNEO A PRODUZIR A MORTE DA VÍTIMA, que era, segundo o plano que o Tribunal alega e dá como provado, o resultado descrito no tipo legal do crime a que o plano comum se reporta. Isto porque temos de falar em resultado; no nosso caso em concreto não se trata de tentativa pois que, o resultado sucedeu.

47.    Pese embora, a 6a Vara no dispositivo não ter discriminado qualquer alínea do art, 22°, como lhe seria exigido pelas obrigações de fundamentação, e o TRL ainda menos, este Tribunal recorrido olvidou-se por completo de complementar o dispositivo com qualquer preceito legal que fosse.

48.    Voltando, (e, não olvidando que este raciocínio terá que ser aplicado tendo em conta que não estamos em sede de tentativa, pois o facto típico e resultado típico foi consumado, tendo que ser apreciado que não se seguiu mais nenhum acto àqueles que se provaram): (...) a referida alínea c) do n.°2 do artigo 22.°, abrange, em relação ao co-autor da tentativa, sempre e só actos que, isoladamente considerados, apenas fundamentariam a punição por cumplicidade no delito tentado, mas que, tendo em conta o plano concreto dos comparticipantes, são de natureza a fazer esperar («segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis») que se lhes sigam, em estreita conexão temporal com eles, actos do mesmo agente que justificam a sua qualificação como autor. Quer isto dizer que é pressuposto indispensável da aplicação da dita alínea c) ao co-autor tratar-se de um comparticipante que, nos termos do plano comum acordado entre ele e os seus parceiros, deve prestar vários contributos de diversa importância, o(s) primeiro(s) dos quais não chegaria(m) ainda para que ele fosse considerado co-autor (mas sim, apenas, cúmplice). Se a esse(s) primeiro(s) contributo(s) dever(em) seguir-se, em estreita conexão temporal com ele(s), acto(s) próprio(s) de co-autor (abrangido(s) vela alínea a) e/ou b) do n.°2 do art. 22. °), o agente é punível como co-autor do delito tentado (por forca da alínea c)), logo que presta aquele(s) primeiro(s) contributo(s). (p. 214-216)

49.    Em concreto, não praticou o recorrente nenhum acto integrável nas alíneas b) ou a). Nem era de esperar, após a sua actuação, que os praticasse. Assim, também não pode preencher a c). E, MESMO QUE FOSSE DE ESPERAR, EM SEDE DE ACTUAÇÃO DO RECORRENTE, A VERDADE É QUE TAL NÃO SUCEDEU. Apreciando a acção completa do recorrente, pois que, o resultado consumou-se, nem uma tentativa de co-autoria temos.

50.    No caso concreto do recorrente, a acção seguiu o seu rumo e concretizou-se no todo sem interrupções, e não se seguiram pelo recorrente a prática de actos integradores das alíneas a) ou b) do art. 22°.

51.    (...) Sintetizando (...) início da tentativa do co-autor no Direito Penal português (...) a tentativa começa, em relação a cada co-autor. quando o respectivo agente, em conformidade com o plano de execução do facto acordado entre ele e os outros comparticipantes, pratica ou toma parte directa na prática de um acto de co-autor (alínea a) e/ou b) do n. °2 do artigo 22. °, conjugada(s) com o n. °1 do mesmo artigo e a terceira proposição do art 26. °), ou quando esse agente, também em conformidade com o aludido plano, pratica ou toma parte directa na prática de um acto de cumplicidade. ao qual, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, tendo em conta o dito plano, irá seguir-se, em estreita conexão temporal, um acto de co-autor, a praticar pelo mesmo agente ou em cuia prática ele tomará parte directa (alínea c) do n. °2 do art. 22, °, conjugado com o n. °1 do mesmo art. E a terceira proposição do art. 26.°). (D. 216-217)

52.    No caso do recorrente, de acordo com o plano, não se seguiriam esses actos (mesmo que parcialmente) pelo recorrente, e sim, pelo terceiro. Assim, aplicando esta teoria, e os preceitos legais que a acolheram, ao caso dos autos, não se pode dizer que , de acordo com o plano dado como provado, o recorrente iria de seguida cometer algum acto de execução , mesmo que parcial, do tipo de homicídio, contido na ai. a) ou b) do art 22, pois que, FICOU PROVADO QUE A SUA PARTICIPAÇÃO SERIA, E FOI, APENAS A QUE TEVE, e que, quem cometeria o único acto de execução, a nosso ver, de homicídio, seria, e foi, o terceiro interveniente, sem participações neste acto dos outros.

53.    Ou seja, o recorrente teria que ter praticado um acto de co-autor, mesmo que parcialmente; ter tido uma qualquer intervenção registável na fase executiva do facto típico, pois como não estamos em sede de tentativa e sim de factos consumados, mesmo que fosse de esperar que se seguisse um acto assim pelo recorrente, o certo é que não seguiu.

54.    Dos três requisitos que a lei exige para se considerar existir co-autoría, entendemos que em relação ao recorrente não se verifica (pese embora, também pensarmos não existir também "o plano" que a 6a Vara deu como provado) em concreto, a execução conjunta, pelas razões aduzidas, uma vez que, em síntese, pratica actos que não se podem considerar de execução de um homicídio, nem se lhes seguem (aos actos praticados) a prática por si, de quaisquer acto(s) susceptíveis de integrar o tipo legal do homicídio, e sim por um terceiro. Tal e qual o plano: do plano não constava que seria o recorrente a praticar qualquer ACTO OU PARTE DE ACTO DE EXECUÇÃO de homicídio e sim, actos meramente auxiliares (conforme se provou que seria a sua "função"). Assim, se não fazia parte do plano, como se prova, COMO SE PODE DIZER QUE TINHA O DOMÍNIO FUNCIONAL DO FACTO. ISTO É. DA CONCRETIZAÇÃO DA MORTE DA VÍTIMA, SE ESSA "FUNÇÃO" (QUE ERA ABORDAR E MATAR A VÍTIMA) SE ESGOTAVA (DE ACORDO COM O PLANO PROVADO). NA "FUNÇÃO" A REALIZAR PELO TERCEIRO COMPARTICIPANTE?

55.    Pelo que, entendemos que, O RECORRENTE TAMBÉM NÃO TINHA O DOMÍNIO FUNCIONAL DO FACTO, PORQUE NÃO PODIA, EM QUALQUER MOMENTO EVITAR, COM A OMISSÃO DA SUA CONDUTA/FUNÇÃO DEFINIDA (DE EVITAR QUE SAÍSSEM DO CARRO PARA BUSCAR AUXÍLIO À VÍTIMA), QUE O SEU COMPARTTCIPANTE DISPARASSE E MATASSE A VÍTIMA. DECORRENDO A NÃO ESSENCIALIDADE DA SUA FUNÇÃO PARA O PLANO GLOBAL E SEU RESULTADO,

56.    Do que, entendemos que o acórdão recorrido do TRL, ao aplicar esta mesma doutrina e jurisprudência erradamente, atribuindo-lhe significado diverso e mais amplo do que aquilo que concretamente se pode retirar do caso concreto, VIOLOU OS ARTS. 26° E 22° DO CP, tendo ido além daquilo que o mínimo expresso ainda na letra da lei permitiria, quando entende que, face aos factos provados, se poderá considerar que dos mesmos resulta que o recorrente é comparticipante na forma de co-autor, ao invés de o considerar, como alegamos, na forma de cúmplice.

57.    A INTERPRETAÇÃO DADA NO ACÓRDÃO RECORRIDO NESTA PARTE DA DECISÃO RECORRIDA NÃO TEM NA LETRA DA LEI AQUELE «MÍNIMO DE CORRESPONDÊNCIA VERBAL, AINDA QUE IMPERFEITAMENTE EXPRESSO», A QUE SE REFERE O ARTIGO 9.°, N.°2, DO CÓDIGO CIVIL. Tal entendimento só poderia basear-se numa aplicação analógica que, por muito boas que fossem as razões invocadas a seu favor, seria sempre vedada pelo princípio «nullum crimen, nullapoena sine lege stricta», que é um corolário do princípio da legalidade, TENDO VIOLADO TAMBÉM , DESTA FORMA, O ART. 29.°, N.° 1 E 3, DA CONSTITUIÇÃO E ART. l.°, N.°3, DO CÓDIGO PENAL, BEM COMO O ART. 9o N.°2 DO CC.

58.    Entendemos até, que esta interpretação - abrogante, inadmissível no sistema penal português - que o TRL faz dos arts. 22° e 26° do CP, e que afirma ser no seguimento de jurisprudência fixada, é contrária a essa mesma jurisprudência, que, ao invés do que intende, aplica erradamente, com violação das disposições legais dos arts.: 22° e 26°, do CP, 29°,n.°s 1 e 3 da CRP, e Io, n.°3 do CC.

II - ARTIGO 410°. N.°2. ALÍNEA B) DO CPP - CONTRADIÇÃO INSANÁVEL NA FUNDAMENTAÇÃO

59.    Na resposta (p. 21 do AC. TRL) às alegações do recorrente sobre o seu entendimento de que a comparticipação a existir seria na forma de cumplicidade e não de co-autoria, por não se verificarem em concreto os três requisitos indispensáveis à co-autoria, e, em causa nesta parte da resposta do TRL que se impugna aqui, estando sob apreciação na resposta do TRL apenas os dois requisitos seguintes: a participação directa na execução do plano e, bem assim nos factos típicos pelo recorrente; e o domínio funcional do facto, vem o acórdão recorrido responder que:

/. " Os arguidos agiram em co-autoria já que a actuação dos três foi essencial para que o individuo não identificado tivesse disparado e matado a vitima. Os arguidos BB e AA "imobilizaram" os dois amigos da vitima para que o terceiro disparasse.

60.    Diz-se que não sabiam que o outro indivíduo queria matar o FF. Por que traziam cada um uma arma de fogo, senão para a hipótese de as poderem utilizar e disparar? Por outro lado, não era certo que fossem encontrar a vitima com dois amigos, poderia ser apenas com um amigo daquele, assim de que serviriam três pessoas e três armas? Ou seja, os arguidos iam preparados para o que fosse preciso, tendo em vista os seus objectivos"

61.    E seguidamente enuncia uma série de jurisprudência sobre a questão deste Venerando Tribunal Superior (STJ), que como já referimos sustenta quanto à matéria de destrinça da co-autoria da cumplicidade a Doutrina do Domínio do Facto.

62.    Antes de mais, com esta resposta, na nossa modesta opinião, não nos parece que o douto acórdão recorrido tenha de alguma maneira, mesmo que minimamente logrado dar uma explicação mínima que justifique a integração dos factos provados na teoria do domínio do facto e que daí, resultem verificados os, pelo menos aqui em apreciação, dois requisitos em causa, isto é, que tenha logrado explicar , transpondo na resposta supra citada, um raciocínio mínimo que seja relativo a esses pontos,

63.    Pois não se compreende minimamente donde é que de facto aquele TRL entende que decorre que o recorrente tinha o domínio funcional do facto global e que a omissão da sua actuação obstaria à concretização do plano e do resultado típico: a morte de FF. Outrossim, também não decorre, nem de uma forma ínfima, da citada resposta, que o recorrente tivesse tido uma participação directa na fase executiva do facto típico, e não meramente indirecta.

64.    Porquê? Porque, se o plano era de facto aquele que a 6a Vara Criminal deu como provado., e aqui vai-se conceder que sim para efeitos de facilidade de raciocínio desta questão, não era minimamente necessário que o recorrente "impedisse o indivíduo que bloqueou de buscar auxílio", uma vez que, não se percebe como aquele saindo do carro para buscar auxílio, sem que nisso medeasse menos de dois minutos (sair do carro e buscar auxílio ao café por ex.), ou um concede-se, impediria que o terceiro concretizasse a sua função: o facto típico: matar a vítima. Actuação deste que se concretizaria, segundo as regras de experiência comum, em 2Á segundos, tempo que demora um disparo.

65.    E não nos parece essencial também porque, mesmo que o recorrente concretizasse a sua função (como concretizou), o outro co-arguido poderia ter "falhado" a sua, o que, no entender deste Tribunal obstaria à "execução" do homicídio pelo terceiro.

66.    Ainda, se os dois arguidos não tivessem imobilizado os dois amigos da vítima, estes, segundo as regras da experiência comum teriam corrido dali para fora, em busca de auxílio, ou de simples protecção, o que não impedia que o terceiro disparasse.

67.    Não obstante, não bastaria o domínio funcional do facto típico de acordo com o plano, é necessário ainda que tenha tido uma intervenção directa na fase executiva, isto é, participado nalgum acto de execução, ou, num acto considerado de execução nos termos do art. 22°. E como já vimos, para se considerar a prática de acto nos termos do 22° c), seria sempre necessário que a seguir aos actos que praticou, não executivos, se tivesse seguido uma participação no acto de execução, que aqui não se pode considerar que é outro que não o de homicídio do FF.

68.    Centremo-nos porém, na questão da contradição:

Ou bem que há um plano, e funções atribuídas aos comparticipantes, ou não há, e aí, nem pomos a questão da co-autoria e do domínio funcional, e sim, de várias autorias singulares, uma vez que a questão do plano põe-se exclusivamente pra a comparticipação.

69.    Se o Tribunal dá como provado que os arguidos tinham um plano, mediante o qual, cada um tinha a sua função, e a do recorrente era, segundo o termo indicado pelo TRL "imobilizar" um amigo da vítima para que o terceiro disparasse, e segundo o acórdão da 6ª Vara:

/'.   «   Nessa altura, os arguidos AA, BB e o outro indivíduo que os acompanhava combinaram entre si o seguinte:

1.   -o arguido BB abordaria o indivíduo sentado no lugar do condutor, apontando-lhe a arma que trazia consigo, de molde a impedi-lo de socorrer FF ou sair do carro e buscar o auxílio de terceiros;

2.-0 arguido AA abordaria o indivíduo sentado no banco dianteiro direito, apontando-lhe a arma que trazia consigo, de molde a impedi-lo de socorrer FF ou sair do carro e buscar o auxílio de terceiros;

3.    -o outro indivíduo abordaria FF e matá-lo-ia.

70     Concluindo pela co-autoria para dessa forma conseguir responsabilizar pelo acto de execução de um terceiro todos os outros - os arguidos - ( que todavia, não tiveram qualquer participação directa nesse acto),

71. OU, Não havia um plano e os arguidos e o terceiro iam, como diz o acórdão recorrido nesta matéria: («Diz-se que não sabiam que o outro indivíduo queria matar o FF. Por que traziam cada um uma arma de fogo, senão para a hipótese de as poderem utilizar e disparar? Por outro lado, não era certo que fossem encontrar a vítima com dois amigos, poderia ser apenas com um amigo daquele, assim de que serviriam três pessoas e três armas? OU seja, os arguidos) IAM PREPARADOS PARA O QUE FOSSE PRECISO (... tendo em vista os seus objectivos.»), e aí, cada um tinha, NÃO, dolo do plano global, e dolo de realizar a sua tarefa tendo em mente a concretização do resultado morte da vítima, mas, dolo de homicídio como autor singular, que poderia vir ou não, a concretizar-se num resultado típico.

72.0 acórdão recorrido fala em co-autoria, e depois, contrariamente, fundamenta que iam preparados para tudo, o que significa que tinha dolo de autor singular, isto é, que iam todos por si só, já preparados para matar se o outro falhasse. Porém, se assim fosse, uma vez que nenhum dos dois arguidos, individualmente, chegaria a praticar qualquer acto de execução, nem poderiam ser punidos por tentativa. E sim, apenas por coacção e detenção arma, como o Tribunal a quo primeiramente entendeu depois afastando essa tese para os responsabilizar a todos por homicídio qualificado. Pois, evidentemente, o dolo por si só não chega para se punir o autor singular, e bem assim, nem o co-autor.

73.    Entendemos, que face ao exposto, o TRL na fundamentação que aduziu na sua resposta a esta questão, pág. 71 do acórdão, apresentou fundamentos manifestamente contraditórios para a mesma questão: não pode entender existir co-autoria, por verificar existirem os pressupostos da autoria singular.

74.    Tudo isto decorrendo claramente do próprio acórdão recorrido, pelo que incorreu o Tribunal recorrido no vício de contradição insanável da fundamentação, previsto no art. 410°, n.°2, alínea b) do CPP.

III - IRREGULARIDADE (que vem aliás, desde a Ia instância)

75. O ACÓRDÃO RECORRIDO (DO TRL) NÃO CONTÉM NO DISPOSITIVO UMA COMPLETA FUNDAMENTAÇÃO OMITINDO AS DISPOSIÇÕES LEGAIS REFERENTES À IMPUTAÇÃO DOS FACTOS AO RECORRENTE NA MODALIDADE DE CO-AUTORIA - arguindo-se desde já para todos os efeitos legais esta irregularidade nos termos do disposto nos arts. 374°, n.°3, alínea a), e art. 379° a contrario, do CPP

IV - VÍCIO DO ART. 410°, N.°2. ALÍNEA O DO CPP - ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA:

76.    QUANTO AO PRIMEIRO REQUISITO DA CO-AUTORIA, A EXISTÊNCIA DE UM PLANO, DE UM ACORDO PRÉVIO, ATRAVÉS DO QUAL DISTRIBUEM AS TAREFAS PARA CONCRETIZAÇÃO DO FACTO TÍPICO E DO RESULTADO PLANEADO: QUANTO A ESTA MATÉRIA A 6a VARA CRIMINAL PRESUMIU A EXISTÊNCIA PE DOLO DE MATAR A VÍTIMA POR PARTE DO RECORRENTE.

77.    Para ser co-autor, o recorrente tem que ter querido o "plano global" que a 6a Vara deu como provado, e teria que querer o facto típico a praticar e o seu resultado: morte da vítima.

78.    Porém, como nada o provava, decidiu presumir a sua existência, olvidando que estamos em sede de direito penal, e por mais que no raciocínio indutivo que subjaz à apreciação da prova - art 127° - deva essa apreciação ser livre, e de acordo com as regras da experiência comum, essa "liberdade" tem limites. Não só os da experiência comum, mas também, aqueles que regem no processo penal: aqui não se presume livremente.

79.    Não se podendo "presumir" a existência de um elemento tão importante para a imputação dos factos ao agente (subjectiva), e respectiva condenação, como o dolo deste, o elemento subjectivo do crime, sem o qual não se pode puni-lo senão na forma negligente.

80.    Na verdade, também se provou que ambos os tiros sofridos pela vítima

foram disparados pelo terceiro indivíduo. Tiveram os três hipótese de a qualquer momento que entendessem disparar, sem que nada os impedisse, e só o terceiro indivíduo o fez, duas vezes. Mesmo em fuga, o segundo tiro foi disparado pelo terceiro interveniente, quando podia algum dos outros agentes aqui ter também disparado. Todavia, o certo é que podendo o recorrente ter disparado e morto ou ferido a vítima não o fez, tendo hipótese disso. Facto provado que só por si, segundo as regras da experiência, e em conjugação com as "funções" de cada um provadas, obstaria a uma "PRESUNÇÃO" DE DOLO DE MATAR POR PARTE DO RECORRENTE.

81.    O Tribunal recorrido distingue bem, a págs. 64, a questão a avaliar, invocada pelo    recorrente    BB,    no    âmbito    do    invocado    ERRO   DE JULGAMENTO - 127° - de " co-autoria na prática dos crimes de roubo e de homicídio, o que implica saber se os arguidos tinham um "plano"para matar a vítima... " e ainda, " se existiu intenção de matar".

82.    Porém, quando se trata de a ela responder, diz o seguinte, após citar uma série de acórdãos deste Supremo Tribunal, que concedem a utilização da presunção no raciocínio lógico-indutivo:

a.      "Mas dúvidas não restam que se provou que os arguidos e o terceiro indivíduo actuaram concertadamente, com repartição de tarefas, por forma a atingirem o objectivo que todos pretendiam, a saber, tirar a vida a FF."

b.      "E agiram com acordo prévio. "

c.       "Recorde-se que vieram os três com armas de fogo e agiram de forma concertada* dirigindo-se separadamente a cada um dos indivíduos que se encontravam na viatura Ford Focus, perseguiram a vítima certificando-se que havia morrido, fugiram todos na mesma direcção e tentaram roubar uma viatura para se colocarem em fuga,"

d.      "Anteriormente ao disparo que atingiu a vítima não existiu qualquer conversa com esta nem foram proferidas quaisquer palavras, tendo sido um disparo praticamente à "queima-roupa"'."

83.    Parece-nos que incorre o Tribunal da Relação de Lisboa num erro notório na apreciação da prova quando, conclui, extrai, que existiu um acordo prévio, e bem assim, dolo de matar pelo recorrente, das afirmações citadas, designadamente, extrai dos factos: vieram os três com armas de fogo e agiram deforma concertada, dirigindo-se separadamente a cada um dos indivíduos que se encontravam na viatura Ford Focus, perseguiram a vítima certificando-se que havia morrido, fugiram todos na mesma direcção e tentaram roubar uma viatura para se colocarem em fuga, que, o recorrente tinha dolo de matar a vítima.

84.    Comum à conclusão de que o recorrente tinha dolo de matar a vítima, é a argumentação pelos dois tribunais recorridos que, aquela conclusão (existência dolo) decorre do facto dos três terem armas. E o TRL refere mesmo, como vimos:

85.    Diz-se que não sabiam que o outro indivíduo queria matar o FF. POR QUE TRAZIAM CADA UM UMA ARMA DE FOGO, SENÃO PARA A HIPÓTESE DE AS PODEREM UTILIZAR E DISPARAR? Por outro lado, não era certo que fossem encontrar a vítima com dois amigos, poderia ser apenas com um amigo daquele, assim de que serviriam três pessoas e três armas? Ou seja, os arguidos iam preparados para o que fosse preciso, tendo em vista os seus objectivos"

86.    Ora, entendemos existir erro notório na apreciação da prova, a conclusão de que há dolo de matar do recorrente porque vinha com uma arma, erro plasmado nas seguintes afirmações do TRL: "vieram os três com armas de fogo e agiram de forma concertada" e "por que traziam cada um uma arma de fogo, senão para a hipótese de as poderem utilizar e disparar?", principalmente nesta última: NÃO DECORRE DAS REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM QUE, O SIMPLES (mas ilícito in casu) FACTO DE O RECORRENTE ESTAR NA POSSE DE UMA ARMA DE FOGO (da qual nem há qualquer exame pericial quanto às condições de uso, e nem sabemos se estava munida de balas), SIGNIFIQUE QUE A VAI UTILIZAR E DISPARAR.

87. Logo, diz-nos a experiência comum, que não decorre, claramente, do facto de se encontrar na posse de uma arma de fogo a conclusão de que a levara para disparar e matar a vítima.

88. Não podendo daqui ser extraída a conclusão de que o recorrente agiu com dolo de matar a vítima, e bem assim, de que havia um plano prévio.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser determinada a revogação da decisão recorrida por outra que consentânea com os fundamentos que se alegam.

IV. -Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. Por motivos não concretamente apurados, os arguidos engendraram um plano com vista a matar FF.

2. Na execução desse plano, no dia 03/08/2010, pelas 23h30m, os arguidos dirigiram-se, acompanhados de um terceiro indivíduo de raça negra, ao Bairro da Quinta do Loureiro, em Lisboa, cientes de que FF costumava frequentar aquele local durante a noite.

3. O arguido BB levava colocado na cabeça um boné de pala de cor preta e de marca Lacoste e na cara um par de óculos escuros, visando ocultar a sua identidade.

4. Na ocasião, o arguido BB trazia consigo uma arma de fogo, de cor escura, de características não concretamente apuradas.

5. Por seu turno, o arguido AA trazia consigo uma pistola semi-automática de calibre 7,65 Browning (equivalente a .32ACP ou .32Auto na designação anglo-americana), de marca Taurus, modelo PT57SC, com o número de série rasurado; municiada com o respectivo carregador contendo, pelo menos, quatro munições de calibre 7,65 Browning.

6. A dita pistola encontrava-se em boas condições de funcionamento e as munições encontravam-se em boas condições de utilização.

7. O terceiro indivíduo trazia consigo uma arma de fogo de calibre .38 Smith & Wesson Special ou .357 Magnum, (ambos equivalentes a 9mm no sistema métrico) e demais características não concretamente apuradas.

8. Na ocasião, nenhum dos arguidos era titular de licença de uso e porte de arma válida e nenhum deles tinha registada ou manifestada em seu nome qualquer arma de fogo.

9. Alguns minutos após terem chegado ao Bairro da Quinta do Loureiro, os arguidos AA, BB e o outro indivíduo encostaram-se à parede exterior do "Café S…", sito na Rua Q… do L…, Lote X R/C, voltados de frente para a Avenida de Ceuta.

10. Então, cerca das 23h55m, o veículo automóvel de matrícula XX-EA-XX, imobilizou-se, em 2ª fila de estacionamento, sensivelmente em frente da entrada do "Café S…", virado para a zona de Alcântara.   

- No interior do mesmo  encontravam-se:

- GG, sentado no lugar do condutor;

- HH, sentado no banco dianteiro direito;

- FF, sentado na zona direita do banco traseiro.

11. GG, HH e FF mantiveram-se a conversar no interior da viatura, encontrando-se os vidros das portas abertos.

12. Nessa altura, os arguidos AA, BB e o outro indivíduo que os acompanhava combinaram entre si o seguinte:

- o arguido BB abordaria o indivíduo sentado no lugar do condutor, apontando-lhe a arma que trazia consigo, de molde a impedi-lo de socorrer FF ou sair do carro e buscar o auxílio de terceiros;

- o arguido AA abordaria o indivíduo sentado no banco dianteiro direito, apontando-lhe a arma que trazia consigo, de molde a impedi-lo de socorrer FF ou sair do carro e buscar o auxílio de terceiros;

- o outro indivíduo abordaria FF e matá-lo-ia.

13. Passados alguns minutos, o arguido BB fez um sinal com a mão ao arguido AA e ao outro indivíduo, dando-lhes ordem para avançarem com o planeado( Este ponto de facto foi eliminado pelo acórdão recorrido pela Relação )

14. Então, os arguidos AA, BB e o outro indivíduo que os acompanhava dirigiram-se ao veículo de matrícula XX-EA-XX.

15. O arguido BB abeirou-se da porta dianteira esquerda da viatura e apontou a arma de fogo que trazia consigo à cabeça de GG.

16. GG, em pânico, agarrou na dita arma na zona do cano e tentou afastá-la noutra direcção.

17. Por seu turno, o arguido AA abeirou-se da porta dianteira direita da viatura, empunhando a pistola semi-automática supra descrita, na direcção de HH.

18. Entretanto, o terceiro indivíduo abeirou-se da porta traseira direita da viatura, empunhando a arma de fogo de calibre .38 Smith & Wesson Special ou .357 Magnum.

 19. Em resultado das condutas dos arguidos , GG e HH temeram pelas respectivas vidas e viram-se impedidos de abandonarem o veículo e irem buscar auxílio para FF, como pretendiam.

20. Então, passados alguns instantes, o indivíduo que acompanhava os arguidos AA e BB efectuou um disparo na direcção do peito de FF, atingindo-o no tórax - zona mamária direita.

21. Nessa altura, GG e HH conseguiram sair do interior da viatura e fugiram do local a correr, em direcção a Alcântara.

22. Por seu turno, FF logrou sair do veículo, através da porta traseira esquerda, e começou a correr em direcção a um pátio ali existente.

24. Acto contínuo, os arguidos AA e BB e o outro indivíduo foram a correr em perseguição de FF.

25. No decurso da perseguição foi efetuado um disparo que atingiu o ofendido na perna direita.

26. Entretanto, FF caiu inanimado sobre um canteiro de flores existente no referido pátio, acabando por falecer.

27. Em resultado da conduta dos arguidos AA e BB e do indivíduo que os acompanhava, FF sofreu duas feridas perfuro-contundentes orificiais, segundo um trajecto orientado de diante para trás, da esquerda para a direita e de cima para baixo:

- uma delas na região mamária direita, que dista 4 cm para a direita da linha média e 5 cm para cima do mamilo, ovalar, medindo 0,8x0,6 cm, rodeada de orla de escoriação concêntrica que mede 0,3 cm de largura - orifício de entrada de projéctil de arma de fogo;

- a outra na região dorsal direita inferior, que dista 8 cm para a direita da linha média e 26 cm para baixo da face superior do ombro, de contorno circular, medindo 1 cm de diâmetro - orifício de saída de projéctil de arma de fogo.

- Em resultado do percurso do projéctil no interior do corpo, FF sofreu, de igual modo, feridas perfuro-contundentes em forma de túnel, do tecido cecular subcutâneo e muscular da região peitoral direita com infiltração hemorrágica numa área de cerca de 14x10 cm; dos músculos intercostais anteriores do 3º espaço, de contorno circular, com cerca de 1,8 cm de diâmetro; transfixiva do pulmão direito entre os lobos superior e inferior; dos músculos intercostais posteriores do 9º espaço, de contorno circular, com cerca de 1,5 cm de diâmetro, bem como dos tecidos musculares dorsais e tecido celular subcutâneo subjacentes.

- As lesões descritas foram a causa directa e necessária da morte de FF.

28. De igual modo, em resultado da conduta dos arguidos e do indivíduo que os acompanhava, FF sofreu outras duas feridas perfuro-contundentes orificiais, no terço distal da face posterior da perna direita (orifício de entrada e de saída de projéctil de arma de fogo).

29. Em resultado do percurso do projéctil no interior do corpo, FF sofreu, de igual modo, ferida perfuro-contundente, em forma de túnel, do tecido celular subcutâneo entre ambas, com trajecto orientado de diante para trás, da direita para a esquerda e de cima para baixo.

30. Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e na execução de um plano previamente traçado, no propósito concretizado de matar FF.

31. Agiram, igualmente, com a intenção de impedirem, como vieram a conseguir, através do uso da força, GG e HH de abandonarem o veículo e irem buscar auxílio para FF, como estes pretendiam.

32. Conheciam, de igual modo, as características das armas de fogo que transportavam e de que não lhes estava autorizada a respectiva detenção.

33. Agiram cientes da reprovabilidade penal das suas condutas.

34. Então, apercebendo-se de que FF se encontrava morto, os arguidos AA e BB e o outro indivíduo começaram a correr pela Rua Quinta do Loureiro em direcção à Escola do Vale de Alcântara.

35. Naquela altura, II conduzia nesse local o veículo automóvel de matrícula XX-XX-ER, no valor de 600,00 Euros, transportando como passageiro JJ.

36. Apercebendo-se da presença da referida viatura, os arguidos AA e BB e outro indivíduo combinaram entre si subtraí-la, de molde a utilizarem-na para fugir do local.

37. Na execução desse plano, empunhando as armas que traziam, os arguidos AA e BB e o outro indivíduo abeiraram-se do dito veículo, começando os três a gritar, dirigindo-se aos ocupantes da viatura: Saiam do carro ou morrem!

38. Então, o indivíduo que acompanhava os arguidos gritou, dirigindo-se a II: Larga a carrinha que eu mato-te!

39. Entretanto, o arguido AA, com o auxílio da pistola que trazia consigo, quebrou o vidro dianteiro da viatura, ao mesmo tempo que gritava, dirigindo-se a JJ: Sai do carro!

40. Nessa altura, II, temendo pela sua vida e pela de JJ, arrancou repentinamente com a viatura em direcção ao dormitório da PSP existente naquele bairro, em busca de auxílio.  

41. Em resultado dessa conduta, o arguido AA caiu ao solo, deixando cair a pistola que transportava no interior do habitáculo do veículo.

42. Os arguidos agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, no propósito de se apropriarem de veículo em questão, pelo recurso à intimidação e violência, e assim o integrarem no seu património, ciente de que o mesmo lhes não pertencia e que actuavam contra a vontade do seu legítimo dono.

43. Todavia, não lograram atingir tal objectivo, por motivos alheios à sua vontade, em virtude de II ter arrancado subitamente com a viatura, impedindo-os de consumar a subtracção.

44. Agiram cientes da reprovabilidade penal das suas condutas.

45. O arguido BB foi condenado, no âmbito do Processo Comum Colectivo 545/05.6GFSNT, por acórdão transitado em julgado em 28/04/2008, pela prática de cinco crimes de roubo, na pena de seis anos e nove meses de prisão, pena essa que efectivamente cumpriu parcialmente, tendo sido colocado em liberdade no dia 25/11/2009.

- O mesmo arguido foi já condenado pela prática de um crime de roubo, no âmbito do Processo Comum Colectivo 240/05.6PYLSB, na pena de três anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo; bem como pela prática de um crime de furto qualificado e de um crime de violação de domicílio, no âmbito do Processo Comum Singular 85/04.0PGOER, na pena de cento e cinquenta dias de multa.

46. O arguido demonstrou não ter atribuído qualquer significado àquelas decisões judiciais, não tendo o cumprimento da referida pena de prisão impedido que praticasse os factos em causa nestes autos.

47. O arguido demonstrou total desrespeito pela vida humana.

48. O arguido BB tem nacionalidade caboverdiana e a sua situação em território nacional não se mostra regularizada.

49. O arguido AA não tem antecedentes criminais.

50. O arguido BB foi já condenado, em 7/04/08, pela prática de um crime de roubo em 27/02/05, na pena de três anos, suspensa por cinco anos; em 14/7/06, pela prática de cinco crimes de roubo em 19/03/05, na pena de seis anos e nove meses de prisão; em 17/11/06, pela prática de um crime de furto qualificado em 26/02/04 e de um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada em 26/01/04, na pena de cento e cinquenta dias de multa, à taxa diária de 3,00 Euros.

51. O processo de desenvolvimento do arguido AA foi condicionado pelas dificuldades económicas da família, pelas más condições do espaço habitacional em que vivia e pelos elevados índices de criminalidade do bairro em que estava inserido.

52. Mais velho de dois irmãos germanos, na sequência da separação dos progenitores, quando tinha cerca de dois anos de idade, juntamente com a irmã ficou entregue aos cuidados da mãe, não mantendo, desde então proximidade ou relações afectivas com o progenitor.

53. Associado às disfuncionalidades sócio-relacionais existentes na dinâmica das interacções familiares, a assunção do seu processo educativo por parte da progenitora viria a efectuar-se com dificuldades, principalmente ao nível da imposição de regras e normas que o arguido não acatava e da assunção de uma postura permissiva, desculpabilizante e condescendente, contextualizado ao bairro onde vivia, socialmente degradado e com elevados índices de exclusão social.

54. Apresentando dificuldades na gestão do seu quotidiano e dos seus comportamentos, sem uma supervisão adequada, após ingressar na escola começou a evidenciar comportamentos desajustados, elevado absentismo escolar e passou a identificar-se com grupos de amigos mais velhos, com comportamentos desajustados, opção de convivências que determinariam, na adolescência o seu envolvimento em práticas desviantes e o seu primeiro contacto com o Sistema de Administração da Justiça, no âmbito tutelar educativo, assinalando-se o seu internamento em instituições de menores da DGRS.

55. Durante a sua institucionalização, terminada aos dezoito anos, concluiu o 7º ano de escolaridade e frequentou um curso de calceteiro, que se recusou a concluir, atingida a data limite do cumprimento da medida (2 anos), apesar de lhe ter sido proposta a possibilidade de ali permanecer até concluir a sua formação.

56. Após a sua saída, não se integrou profissionalmente e optou por um estilo de vida marcado pela ociosidade e pela integração num grupo de pares com práticas quotidianas desajustadas, numa dependência diária da progenitora e irmãos.

57. O arguido esteve em França entre 2007 e 2008 e durante a sua permanência naquele país ocupou-se laboralmente na área da construção civil, não tendo tido dificuldades em inserir-se profissionalnente, situação que viria a verificar-se ao retornar a Portugal, uma vez que aqui, desde então e até à data da sua prisão preventiva, apenas realizou tarefas indiferenciadas.

58. À data da sua prisão, o arguido AA, juntamente com a companheira, as duas filhas e a enteada, encontrava-se inserido no agregado da progenitora, padrasto, irmãos, tio e sobrinhos, habitando uma moradia auto-construída, propriedade da mãe do arguido e num ambiente referido como gratificante ao nível das relações entre os seus elementos, persistindo relações de inter-ajuda.    

59. O arguido BB nasceu em Lisboa, sendo filho de um casal cabo-verdiano com mais três filhos, de um estrato sócio-económico carenciado, radicado em Portugal há já vários anos.

60. O seu processo de crescimento decorreu no Bairro do Alto da Cova da Moura, onde a família sempre viveu, havendo um relacionamento satisfatório entre os vários elementos constituintes do agregado.

61. No seu percurso escolar, que iniciou em idade normal, fez um curso de formação profissional de carpintaria, concluído com êxito, na Associação cultural Moinho da Juventude. A frequência desta acção de formação conferiu-lhe habilitações equivalentes ao 9º ano de escolaridade.

62. Apresenta um percurso laboral pouco significativo, sem grande regularidade, em trabalhos indiferenciados e sem qualquer vínculo laboral.

63. Ao nível profissional, no decorrer do ano de 2004 acompanhou o pai para os Açores, onde ambos permaneceram durante algum tempo, trabalhando na construção de obras públicas e de arruamentos por conta de diversos empreiteiros daquela zona do país.

64. No plano profissional verifica-se a falta de habilitações profissionais e falta de hábitos de trabalho ou motivação para se ocupar profissionalmente.

65. No plano pessoal revela ausência de juízo crítico e auto análise e uma forte permeabilidade face ao grupo de pares.

66. Dispõe de suporte afectivo e sócio-económico proporcionado pela progenitora e companheira.

67. Residia, antes de estar preso preventivamente, no Bairro do Zambujal, Buraca, Amadora, com a sua família: a companheira e o filho de ambos.

68. Entre 2001 e 2003 trabalhou na área de carpintaria e de informática, tendo tido formação prévia na Associação "Moinho da Juventude" na Cova da Moura.

69. Nos anos de 2003 e 2004 o arguido fez um estágio remunerado de pintura de automóveis.

70. De 2004 a 2005 trabalhou na Ilha das Flores, Açores, com o pai, como servente de obra.

71. De Janeiro de 2005 até ser preso o arguido encontrava-se desempregado, porém fazendo alguns biscates quando conseguia.

72. O arguido tem ainda uma filha nascida em 31/08/2003, com nacionalidade portuguesa e cartão de cidadão.

73. O arguido nunca saiu de Portugal e tem cá todos os seus familiares, sendo a sua filha de nacionalidade portuguesa.

74. O arguido, sempre que conseguiu, contribuiu activamente para o sustento de ambos os filhos, custeando em parte as despesas de alimentação, vestuário e educação com a filha nascida em 31/08/2003.

75. Inexiste a esta data qualquer ligação do arguido a Cabo Verde.                        

76. Os actos praticados pelos arguidos, atentando contra o bem vida de FF provocaram uma situação traumatizante para a sua companheira, CC, seus filhos, DD, nascido a 24 de Outubro de 2007, e EE, nascido a 1 de Junho de 2004, e restantes familiares.

V. Colhidos os legais vistos , cumpre decidir :

Dar-se-à primazia nas questões a abordar aos vícios da contradição insanável entre os fundamentos , quando se afirma a existência de uma coautoria considerando-se provada uma autoria singular ( art.º 410.º n.º 1 b) , do CPP ) e ao  ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA, pois que a 1.ª instância presumiu o dolo de matar pelo recorrente , partindo  da existência de um plano , a partir de um acordo  prévio ( art.º 410.º n.º 2 b) , do CPP ) , pelas consequências processuais que implicariam , a procederem , suposto que , oficiosamente , este STJ os declarasse , pois que ao recorrente é vedado erigir em fundamento específico de recurso para este STJ , como é jurisprudência assente , tais anomalias .

O poder conferido ao recorrente , em tais casos , não passa de uma mera chamada de reponderação , a que o STJ dará resposta afirmativa ou não porque tais defeitos decisórios se situam ou prendem com a fixação da matéria de facto e , quanto a esta , o STJ , como tribunal de revista , nos termos do art.º 434.º , do CPP , repondera a correcção do direito aplicado .

Na verdade fundamentar a decisão em termos de matéria de facto é explicar o decidido neste domínio , prestar contas aos destinatários da decisão sobre as razões da eleição de um facto em lugar de outro ; já no caso de erro notório o tribunal incorre em manifesto erro de análise , teve como definitivo um leque factual que a sã lógica das coisas , o bom senso , a justa e prudente apreciação das provas , dadas a conhecer na sentença , a partir da  sua simples leitura , que nesse aspecto há-de ser suficiente , ou de acordo com as regras da experiência , repudia e descredibiliza em absoluto , tornando-se insustentável, donde o STJ dever intervir em último recurso para bem decidir de direito , porém puramente por excepção nessa apreciação , já que a fixação da matéria de facto , em último termo , cabe à Relação , nos termos dos art.ºs 427.º e 428.º , do CPP .

Este vício não se confunde com a diferente convicção formada pelo recorrente ante o desfilar das provas e aquela que o tribunal alcançou , que é livre ,nos termos do art.º 127.º , do CPP ;  não prefixada legalmente , mediante inferências probatórias descritas pela lei em abstracto relativamente a cada meio de prova e ao modo processual de utilização , de aplicação formal e obrigatória para o juiz .

Toda a estruturação formal do recurso ao longo das largas dezenas de conclusões se situa no desacordo sobre a qualificação como co-autor do arguido , firmada  pelas instâncias , havida , antes , como cumplicidade , pela participação indirecta no evento letal , pelo que , estando , em nosso ver , dependente a decisão sobre aqueles vícios  , daquela qualificação , se relegará para momento posterior esse conhecimento , então último .

VI. Haverá uma resolução do facto sempre que , no dizer de Arzt , citado por Roxin , in Problemas Fundamentais de Direito Penal , págs 300 e 301 , o autor trabalha para um resultado com a consciência de que virá possivelmente a executar o crime ; isto é quando os “ motivos que pressionam ao cometimento do delito alcançaram preponderância sobre as representações inibitórias “

O começo da execução do crime ocorre quando é posto em movimento pelo autor do crime a realização da acção típica  , ou seja quando a “ vontade criminosa intervém claramente numa acção , que , segundo o plano global do autor , conduz imediatamente à colocação em perigo do objecto protegido pelo tipo atingido “ –op. cit . , pág. 303 .

Na tentativa , por exemplo,  as acções são puníveis porque imediatamente precedem a acção típica e apresentam –se , seguramente , dentro dos limites da mesma

Vale por dizer que existe  um começo de execução em todas as actividades que ,em virtude da sua necessária conexão com a acção típica surjam como parte integrante , numa perspectiva natural das coisas , segundo a fórmula de Frank .

Isto posto importará considerar que o autor de um facto criminoso é aquele que “ está no centro do acontecimento “ , é o senhor do facto , que domina , isto segundo uma concepção restritiva de autor que , assim , “ toma o facto na suas próprias mãos”  ,  de tal modo que lhe cabe o se e o como da sua realização típica , em oposição a uma concepção puramente subjectiva , segundo o qual seria autor aquele que age com “ animus autoris “ ou  uma concepção extensiva bastando-se com qualquer contributo causalmente relevante  para o resultado –Neste sentido , cfr. Susana Aires de Sousa , in RPCC, Ano 15 , 3 , 2005 , pág . 345 e Maria da Conceição Valdágua , in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues , Coimbra ed. , pág. 918 , 920 e 921 , notas 9 a 12.

Outra concepções definem autor por via residual : aquele que não é nem instigador nem cúmplice e outros ainda pelo mérito da pena ( teoria da dignidade penal ) ou pela maior perigosidade penal , através da intensidade de energia evidenciada

E o facto pode ser praticado isoladamente pelo autor, por si ( autoria imediata )  por intermédio de outrém ( autoria mediata ) , no âmbito dos aparelhos organizados de poder ou determinando outrém à sua prática , com homem de trás , mas sendo a decisão do homem da frente ainda resultante e em nexo causal com  a do homem de trás ( instigação ) ou , noutra modalidade , por acordo ou juntamente com outro ou outros , em co-autoria , na definição legal desta ,  segundo o art.º 26.º , do CP .

VII . No caso que nos ocupa estamos perante uma acção levada a cabo por uma pluridade de sujeitos não estando apurado , desde logo , o motivo pelo qual  os arguidos engendraram um plano com vista a matar FF

Na execução desse plano, no dia 03/08/2010, pelas 23h30m, os arguidos dirigiram-se, acompanhados de um terceiro indivíduo de raça negra, ao Bairro da Quinta do Loureiro, em Lisboa, cientes de que FF costumava frequentar aquele local durante a noite.

O arguido BB levava colocado na cabeça um boné de pala de cor preta e de marca Lacoste e na cara um par de óculos escuros, visando ocultar a sua identidade.

Na ocasião, o arguido recorrente BB trazia consigo uma arma de fogo, de cor escura, de características não concretamente apuradas.

 O arguido AA trazia consigo uma pistola semi-automática de calibre 7,65mm que se encontrava em boas condições de funcionamento e as munições encontravam-se em boas condições de utilização.

O terceiro indivíduo trazia consigo uma arma de fogo de calibre .38 Smith & Wesson Special ou .357Magnum, (ambos equivalentes a 9mm no sistema métrico) e demais características não concretamente apuradas, armas essas indocumentadas .

Alguns minutos após terem chegado ao Bairro da Quinta do Loureiro, os arguidos AA, BB e o outro indivíduo encostaram-se à parede exterior do "Café S…", sito na Rua Q… do L…, Lote X R/C, voltados de frente para a Avenida de Ceuta.

Então, cerca das 23h55m, o veículo automóvel de matrícula XX-EA-XX, imobilizou-se, em 2ª fila de estacionamento, sensivelmente em frente da entrada do "Café S…", virado para a zona de Alcântara.   

- No interior do mesmo  encontravam-se:

- GG, sentado no lugar do condutor;

- HH, sentado no banco dianteiro direito;

- FF, sentado na zona direita do banco traseiro.

O GG, HH e FF mantiveram-se a conversar no interior da viatura, encontrando-se os vidros das portas abertos.

Nessa altura, os arguidos AA, BB e o outro indivíduo que os acompanhava combinaram entre si o seguinte:

- o arguido BB abordaria o indivíduo sentado no lugar do condutor, apontando-lhe a arma que trazia consigo, de molde a impedi-lo de socorrer FF ou sair do carro e buscar o auxílio de terceiros;

- o arguido AA abordaria o indivíduo sentado no banco dianteiro direito, apontando-lhe a arma que trazia consigo, de molde a impedi-lo de socorrer FF ou sair do carro e buscar o auxílio de terceiros;

- o outro indivíduo abordaria FF e matá-lo-ia.

Os arguidos AA, BB e o outro indivíduo que os acompanhava dirigiram-se ao veículo de matrícula XX-EA-XX.

O arguido BB abeirou-se da porta dianteira esquerda da viatura e apontou a arma de fogo que trazia consigo à cabeça de GG.

GG, em pânico, agarrou na dita arma na zona do cano e tentou afastá-la noutra direcção.

Por seu turno, o arguido AA abeirou-se da porta dianteira direita da viatura, empunhando a pistola semi-automática supra descrita, na direcção de HH.

Entretanto, o terceiro indivíduo abeirou-se da porta traseira direita da viatura, empunhando a arma de fogo

 Em resultado das condutas dos arguidos , GG e HH temeram pelas respectivas vidas e viram-se impedidos de abandonarem o veículo e irem buscar auxílio para FF, como pretendiam.

Então, passados alguns instantes, o indivíduo que acompanhava os arguidos AA e BB efectuou um disparo na direcção do peito de FF, atingindo-o no tórax - zona mamária direita,

 Nessa altura, GG e HH conseguiram sair do interior da viatura e fugiram do local a correr, em direcção a Alcântara.

Por seu turno, FF logrou sair do veículo, através da porta traseira esquerda, e começou a correr em direcção a um pátio ali existente.

 Acto contínuo, os arguidos AA e BB e o outro indivíduo foram a correr em perseguição de FF.

 No decurso da perseguição foi efectuado um disparo que atingiu o ofendido na perna direita.

As lesões corporais causadas foram a causa directa e necessária da morte de FF.

Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e na execução de um plano previamente traçado, no propósito concretizado de matar FF.

Agiram, igualmente, com a intenção de impedirem, como vieram a conseguir, através do uso da força, GG e HH de abandonarem o veículo e irem buscar auxílio para FF, como estes pretendiam.

VIII Sem divergência a jurisprudência , teorizando sobre a coautoria , define esta  como envolvendo um acordo prévio com vista à realização facto , acordo esse que pode ser expresso ou implícito , a inferir razoavelmente dos factos materiais comprovados, ao qual se pode aderir inicial ou sucessivamente , ou seja já no desencadear da acção típica , não sendo imprescindível que o coautor tome parte na execução de todos os actos , mas que aqueles em que participa sejam essenciais à produção do resultado  cfr. Acs. deste STJ de 11.4.2002 , P.º n.º 485/02-5.ª, de 24.10.2002 , p.º n.º 3211/02-5, de 21.10 2004 , P.º n.º 04P3205 e de 08-06-2011, Proc. n.º 1584/09.3PBSNT.S1 - 3.ª Secção.

Essencial no plano objectivo , ainda , que domine funcionalmente o facto, pressuposto que a doutrina alemã , de modo especial por Roxin , tem enunciado no sentido de que o co-autor tem o domínio do facto quando acordou em repartir funções ; o autor não é titular do domínio exclusivo do facto , mas também não domina , apenas , a parte do facto que pessoalmente lhe cabe realizar ; cada coautor é , sim , cotitular de todo o domínio funcional do facto , solução que se acha também acolhida no estudos de Welzel , de 1939, Jescheck e Stratenwert , citados por Maria da Conceição Valdágua , in Início da Tentativa do Co-autor , pág.s 26 e 73 .

Na coautoria há , pois , um querer do resultado global pelo comparticipante , como próprio , com base numa decisão comum e de forças conjugadas , bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração , aferidas à luz da experiência comum –

Todo o colaborador  é aqui , como parceiro dos mesmos direitos , co-titular da resolução comum para o efeito de realização comunitária do tipo por forma que as contribuições individuais , dos seus comparsas , completam-se em  um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes , teoriza Wessels , op. cit . ,  121 .

O coautor torna-se senhor do facto ,  que domina globalmente , tanto pela positiva  , assumindo um poder de direcção  , preponderante  na execução conjunta do facto ,   como pela negativa , podendo impedi-lo ,  sem que  se torne  necessária , para a comparticipação estabelecida  ,  a prática de todos os factos que integram o “ iter criminis “ ( cfr. Dr.ª Maria da Conceição Valdágua    , in  O Início da Tentativa do Co-Autor , 1985   ,  Ed. Danúbio , 155/156  BMJ 341 , 202  e segs .)  .

No plano subjectivo imprescindível  à comparticipação como coautor é que subsista a consciência da cooperação na acção comum –cfr., neste sentido , os Ac. deste STJ , de 19.11.2011 , P.º n.º 6034 /08.OTDPRT.P1 .S1 ,

IX. A cumplicidade mostra-se definida no art.º 27 .º , do CP , como sendo aquele que , dolosamente , presta auxílio material ou moral à prática de acto doloso ; o texto legal aproxima-se do do direito alemão , que o inspirou .

Teoricamente distinguiu-se a autoria da cumplicidade porque nesta , ao contrário do que sucede naquela , a condição para o resultado deve ser eficiente , solução que deve reputar-se abandonada , como aqueloutra que define o autor como sendo aquele que age com “animus autoris “, agindo no seu próprio interesse ,   e o cúmplice com “ animus socii “, no interesse alheio ( teoria subjectiva ) ou ainda aqueloutra que considera o autor aquele que pratica o facto em nome próprio ou individual ou em nome alheio .

Para outros autores , de acordo com Birkmeyer e uma concepção formal  objectiva , haveria cumplicidade se o agente não executa o facto , mas apenas participa numa acção prévia ou preparatória , não atacando , ainda , o bem jurídico , sendo os seus actos principais não subordinados .

Uma teoria mista reputa cúmplice aquele que actuando “nomine alieno “  , considerando-se estanho ao processo principal –cfr. Prof. Eduardo Correia , RDES , Ano IV , 1948/49 , pág. 201 a 205 .

A definição continua em aberto , parecendo não estar ultrapassada a concepção clássica atribuída a Farinacio , seguida por Feuerbach , cingindo –se a cumplicidade ao auxilum causam non dans , ou seja àquele auxilio sem o qual o qual o crime não deixaria de se realizar –REDS , autor citado , pág. 201

A definição legal parte desse conceito clássico, não o abandonando antes se lhe parecendo fidelizar , pois o cúmplice auxilia ao cometimento do facto , mas não é essencial para a sua consumação que sempre teria lugar noutras condições de tempo e lugar .

O cúmplice apoia dolosamente outra pessoa ao cometimento do facto alheio , sem o domínio funcional dele , nisto se distinguindo da coautoria -; a cumplicidade é favorecimento doloso do facto alheio , podendo restringir-se a uma acção preparatória desde que punível , neste sentido comentando Jescheck e THomas Weigand , Tratado de Derecho Penal , Parte General , Granada , 2002 , págs . 744 e 745 .

Como diz Faria Costa (Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal, o Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, pag. 174), - A primeira ideia que ressalta… é a de que a cumplicidade experimenta uma subalternização, relativamente à autoria. Há, pois, uma linha que se projecta não na assunção de todas as consequências … mas que se fica pelo auxílio. Isto é, fazendo apelo a um velho critério…, deparamo-nos aqui com uma causalidade não essencial.

A cumplicidade pressupõe a existência de um facto praticado dolosamente por outro, estando subordinada ao princípio da acessoriedade, pois o cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime mas não toma parte nela, limitando se a facilitar o facto principal” (Ac. STJ de 15/04/09, P.º . 583/09 da 3ª sec.).

X. O ora recorrente  quis participar , com outros , num projecto para tirarem a vida ao FF , e está é uma realidade incontornável como facto imodificável por este STJ .

A exigência legal , no art.º 26.º , do CP , de o coautor para ser punível ter que tomar parte directa na execução com os outros,  torna manifestamente imprescindível a sua actuação durante a execução da acção típica , ou seja depois de alguns coautores terem cometido actos de execução , não podendo limitar-se a  actos preparatórios , o que não teria o mínimo de correspondência na lei , com cabimento só por aplicação analógica , que seria vedada pelo princípio “ nullum criminem , nulla poena sine lege stricta “ , que é um corolário do princípio da legalidade , segundo Maria da Conceição Valdágua , op. cit . 133.

Os actos preparatórios , salvo casos contados , não são puníveis precisamente porque não sendo na generalidade conhecidos não produzem , ainda , uma impressão juridicamente abaladora , mas já o são os actos de execução aqueles que significam por em movimento um processo de tal natureza .

E estes tem a dimensão esclarecida no art.º 22.º do CP , para punibilidade da tentativa ; enquanto preenchem um elemento constitutivo do tipo ; forem idóneos a produzir o resultado típico , ou que , segundo a experiência comum , e salvo circunstâncias imprevisíveis forem de natureza a fazer esperar que se sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores –n.º 2 a) , b) e c) .

Os arguidos formaram um projecto criminoso , com o propósito de matar o FF , distribuindo  tarefas entre si , em que , e para o efeito de infalibilidade do resultado letal , se municiaram de armas de fogo, posicionando-se o arguido BB armado e encostando o cano da arma à cabeça do condutor  , o outro apontando-a  ao ocupante do veiculo ao lado do condutor do veículo onde circulava a vítima e o terceiro  disparando sobre a vítima , a quem tirou a vida .

Os arguidos muniram-se das armas com o objectivo de impedirem que o condutor e a pessoa sentada a seu lado socorressem  FF,  saindo  do carro e buscassem  o auxílio de terceiros, logo praticando actos de execução , já englobados na acção típica em movimento , em curso , de que resultou o terceiro inidentificado ter causado a morte de pessoa alheia .

Esses actos eram idóneos a que se seguisse o resultado típico , pois se fosse oposta resistência , seguir-se-ia vencimento para que o resultado fosse causalmente alcançado . só assim se justificando o seu uso ; elas eram portadores de perigo objectivo ao bem jurídico , tutelado pela norma incriminatória .

O começo da execução , à luz de um critério objectivo-material , existe , na sequência do que antes se disse , com a prática de acto ou actos que , pela sua necessária conexão com a acção típica , se mostram , segundo uma concepção natural , suas partes integrantes , assim , pois , o uso das armas , neste sentido cfr. o Prof : Cavaleiro de Ferreira , Lições de Direito Penal , Teoria do Crime , pág. 412 , 1982 , Ed. Verbo

O plano do agente nada mais é , escreve o Prof. Cavaleiro de Ferreira, op. cit . pág. 406,  do que o projecto do crime quanto à sua execução , que deverá finalizar com a sua consumação . E assim o dolo é incindível , abrangendo tanto o resultado final como o meio  e os actos que o devem produzir .

XI . Invocar-se a figura da cumplicidade é não levar em conta que o resultado letal só da sua acção concertada  derivou , não se seguindo sem ela , ou seja “  causam dans “ , na forma de uma participação directa , de “ intranii “ , não indirecta , ao projecto querido e assumido por todos com a consciência da sua ilícita actuação .

Por outro lado explanar-se que não dominou o facto é , com o devido respeito , salvo melhor opinião , afirmação ao arrepio da doutrina e jurisprudência , porque o arguido o podia deixar de praticar , impedindo , até , à sua realização , desistindo relevantemente , mas , e diversamente , o que quis , foi criar com  o outro comparsa , até com frieza e calculismo - o arguido BB usava na cabeça um boné de pala de cor preta e de marca Lacoste e na cara um par de óculos escuros, visando ocultar a sua identidade- condições materiais favoráveis  para que  nada falhasse , o resultado global fosse certo , donde dever ser considerado , sem margem para dúvida , como co-autor , peça essencial para alcance do resultado , onde desempenhou papel de importância e não meramente acessório , de auxiliar .

XII. E definidos estes conceitos , este STJ está em condições de afastar qualquer erro de julgamento ; é a figura de coautoria que se sobrepõe à de cumplicidade , não se descortinando qualquer contradição a fls 71 do acórdão entre fundamentos no aspecto em que , segundo diz o recorrente  não pode entender existir co-autoria, por verificar-se existirem os pressupostos da autoria singular.

A ser assim, na verdade , afirmar-se-iam , a propósito da  execução material do crime ,  duas realidades contraditórias , inconciliáveis ,  e presente o vício previsto no art.º 410.º n.º 2 b) , do CPP .

Mas dos termos do acórdão não é lícito , em qualquer dos passos de fls .71 do mesmo –fls 1674 -extrair-se essa  conclusão , pois o que se enfatiza é exactamente o contrário , que , e se transcreve, “ agiram em coautoria , já que a actuação dos três foi essencial para que o indivíduo não identificado tiversse disparado e matado a vítima . Os arguidos BB e AA “ imobilizaram” os dois amigos da vítima para que o terceiro disparasse “ .

XIII . Como se não ignora a ideia de um dolo “ in re ipsa “ , que sem mais resultaria da materialidade factual , está hoje arredada do direito penal ; o dolo  não se presume ; as presunções de culpa deixaram de persistir no direito penal ; a subjectividade das condutas tem de resultar de factos de que , inequivocamente , demonstrado o processo lógico que a ele conduzem , se possa afirmar a intenção criminosa , nos termos do art.º 14.º , do CP .

Dizendo respeito o dolo , a intenção criminosa , ao foro íntimo das pessoas , ao domínio do seu psiquismo , aquela  só se atinge por via indirecta , pela análise da conduta material , no concretismo da situação conjugada com as regras da experiência comum dela reveladora , como teoriza o Prof. Figueiredo Dias , in RLJ , Ano 105 , 125 .

O dolo deve ser expressamente invocado para ser relevado e o Colectivo afirmou que os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e na execução de um plano previamente traçado, no propósito concretizado de matar FF, matéria de facto que a este STJ não é consentido alterar , antes de ter por imodificável , não resultando que haja presumido intenção de matar .

XIV. E quanto ao erro notório na apreciação da prova , nos termos do art.º 410.º n.º 2 c) , do CPP , o Colectivo,  formulou um juízo de convicção , de culpa , que se não afasta daquilo que as premissas materiais autorizam , reconduzindo-se aquela arguição, antes , a uma diferente valoração dos factos , a um juízo de culpa noutro sentido , mais mitigado , enquanto excluindo o “ animus necandi “, para se centrar no domínio da cumplicidade , mas essa diferença de posições , nada mais é do que a expressão da eterna divergência entre quem julga e é julgado , sem qualquer conexão com aquele vício da matéria de facto , de que só , a título excepcional , por razões óbvias , este STJ pode conhecer , reafirmando-se o antes dito .

XV. Uma nota final : A falta de indicação no dispositivo de completa fundamentação de direito do acórdão recorrido quanto à coautoria carece de relevância porque o arguido foi condenado , além do mais , pela prática , em coautoria , como reincidente , de um crime de homicídio qualificado , p . e p . pelas disposições conjugadas dos art.ºs 131,ç , 132 .º n.ºs 1 , 2 al.h) , 75 e 76.º , do CP , apenas falhando a indicação , a que agora se procede –do art.º 26.º , do CP , no elenco das supracitadas -, , porém citado várias vezes ,ao longo do acórdão-fls . 1675 , 1678 e 1680 -, norma amplamente conhecida do arguido , omissão sem a mais leve interferência na decisão da causa , como é por demais evidente.

Improcede toda a argumentação do arguido .

XVI . Negando-se provimento ao recurso , confirma-se o acórdão recorrido .

Taxa de justiça : 8 Uc,s .

Supremo Tribunal de Justiça, 5 de Junho de 2012

Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral