Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
046842
Nº Convencional: JSTJ00025614
Relator: SOUSA GUEDES
Descritores: OFENSAS CORPORAIS COM DOLO DE PERIGO
CO-AUTORIA
CUMPLICIDADE
PARTICIPAÇÃO EM RIXA
Nº do Documento: SJ199411030468423
Data do Acordão: 11/03/1994
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Referência de Publicação: CJSTJ 1994 ANOII TIII PAG230
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIAL.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: CP82 ARTIGO 26 ARTIGO 27 ARTIGO 48 N2 ARTIGO 72 ARTIGO 151.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1993/02/04 IN CJ ANOI T1 PAG187.
Sumário : I - Na verdadeira "rixa", não se sabe bem quem ataca e quem defende; há pancadaria generalizada, entre todos os intervenientes, sem que se possa determinar, com precisão, quem agride quem.
II - A "rixa" pressupõe que não houve acordo, entre os participantes; tendo existido, o caso será de comparticipação, em ofensas corporais ou homicídio.
III - Para se poder falar em "cumplicidade", é preciso que o próprio auxílio seja doloso; não basta o dolo do auxiliado.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2. Subsecção Criminal do Supremo Tribunal de
Justiça:

No processo comum 5/94, do 2. Juízo do Círculo de Coimbra, os arguidos A, solteiro, funcionário público, nascido em 7 de Outubro de 1957, em Torres do Mondego, residente em Coimbra;
B, casado, gerente comercial, nascido em 1 de Abril de 1961, em Torres do Mondego, residente em Coimbra;
C, casado, porteiro-segurança de discoteca, nascido em 10 de Março de 1964, em Angola; residente em Coimbra;
D, casado, sargento-ajudante do Exército, nascido em 24 de Outubro de 1957, em Vilas Boas, Vila Flor; residente em Coimbra;
E, casado, comerciante, nascido em 28 de Dezembro de 1959, em Vila Nova, Miranda do Corvo residente em Coimbra;
F, solteiro, barman, nascido em 7 de Setembro de 1963, na Póvoa do Varzim, residente em Coimbra;
G, solteiro, empregado de mesa, nascido em 29 de Maio de 1969, na Sé Nova, Coimbra, residente em Tovim de Cima,
Coimbra; foram acusados:
- o A, da comissão de um crime de homicídio voluntário tentado, dos artigos 22, 23, 74 n. 1, e 131, e de um crime de detenção de arma proibida, do artigo 260, todos do Código Penal;
- o B, o C, o D, e o E, em da co-autoria, de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, do artigo 144 ns. 1 e 2, e de um crime de participação em rixa, do artigo 151 n. 1, também do
Código Penal;
- o F, da de um crime de favorecimento pessoal, do artigo 410 n. 1, do Código Penal, e, como cúmplice, da de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo e da de um de participação em rixa.
- O G, como cúmplice, da de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo e da de um de participaçãoem rixa.
A final, o G e o E foram absolvidos de todas as acusações, e vieram a ser condenados apenas os arguidos A, B, C, D, e F, e unicamente pelos seguintes crimes:
- o A, pelo crime de homicídio tentado e pelo de uso de arma proibida, nas penas parcelares de 2 anos e 10 meses de prisão e de 4 meses de prisão, e na pena unitária de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos;
- o B, pelo crime de ofensas corporais com dolo de perigo, em 10 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por 2 anos;
- o C, pelo crime de ofensas corporais com dolo de perigo, em 15 meses de prisão cuja execução ficou suspensa por 2 anos;
- o D, pelo crime de ofensas corporais com dolo de perigo, em dez meses de prisão cuja execução ficou suspensa por dois anos;
- o F, pelo crime de favorecimento pessoal, em 7 meses de prisão cuja execução ficou suspensa por 2 anos.
Foi declarada a perda a favor do Estado da arma usada, e os arguidos condenados foram-no também no pagamento das despesas judiciais.
O arguido E foi absolvido dos crimes de que estava acusado.
Inconformado, recorre para este Supremo tribunal o assistente H, a defender a manutenção da absolvição do E, e o aumento da punição do arguido A, para valor superior ao do meio entre os limites mínimo e máximo, bem como a condenação dos arguidos G e F como cúmplices, pelos crimes de ofensas corporais com dolo de perigo e de participação em rixa, e, ainda, a elevação das penas destes arguidos e dos arguidos D e C, sem aplicação do benefício da suspensão das execuções das penas de todos eles.
Nas respectivas contra-motivações, a Excelentíssima
Delegada do Procurador da República e os arguidos A, B, e C, vieram defender a manutenção do decidido.
Foram corridos os devidos vistos e procedeu-se ao julgamento com observância do adequado formalismo.
A matéria de facto definitivamente dada como provada pelo colectivo é a seguinte:
1)
Em data não apurada de Abril ou Maio de 1992, na discoteca Broadway, em Coimbra, o assistente e os arguidos B e C, respectivamente gerente e porteiro-segurança daquela, brigaram, e, na sequência da tal briga, o B sofreu lesões no nariz e o
C num dos dedos da mão.
2)
Na madrugada de 30 de Novembro de 1992, o assistente
H, acompanhado de um grupo de amigos, entrou na discoteca "Anos 60", em Monte Formoso, Coimbra, que era então gerida pelos arguidos B e A.
O arguido C, que já estava no interior dessa discoteca, apercebeu-se, a determinada altura, da presença do assistente H, e comunicou o facto ao arguido A.
Ambos acordaram, então, em atrair o assistente ao bar, para, em conjugação de esforços, o agredirem.
O A dirigiu-se à mesa em que o assistente se encontrava com um grupo de amigos, e solicitou-lhe que o acompanhasse ao bar, pois precisava de lhe falar.
O assistente, sem de nada suspeitar, acompanhou-o ao bar, e, junto deste, o arguido A perguntou-lhe se se lembrava da cena da Broadway, altura em que o C, que permanecera escondido no bar, agarrou o assistente e, com a ajuda do A, arrastou-o para a porta de emergência, situada ao lado do bar.
Os dois, com um encosto, abriram essa porta de emergência, e empurraram o assistente para o exterior da discoteca, para um átrio de garagens do prédio, para onde dava aquela porta de emergência.
Acto contínuo, a porta de emergência fechou-se, e o arguido F trancou-a, através do respectivo sistema de segurança, em cumprimento de instruções dos gerentes da discoteca, os arguidos A e
B, e impediu que os amigos do assistente a abrissem.
O arguido F era o empregado do bar desde havia três semanas, e era quem orientava os empregados da discoteca, na ausência dos gerentes desta.
No seguimento das instruções genéricas da gerência e na ausência desta, o arguido F, além de impedir a saída dos amigos do assistente pela porta de emergência, ordenou ao arguido G, seu subordinado, que não deixasse efectuar qualquer ligação telefónica para o exterior da discoteca.
O G, que se encontrava no andar superior, em obediência à ordem dimanada do arguido F, não permitiu que os amigos do assistente utilizassem o telefone.
As atitudes, do arguido F de trancar a porta de emergência e impedir o acesso da mesma a clientes, e do arguido G de negar o estabelecimento de ligações telefónicas com o exterior, eram usuais em situações de confrontos físicos ou verbais gerados na discoteca com clientes.
3)
No átrio das garagens, zona completamente desconhecida do assistente, os arguidos A e C procuravam, entretanto, "sovar" aquele, e desferiam murros e pontapés em várias partes do corpo, principalmente na região toráxica, mão direita e cabeça, além de o picarem, por diversas vezes, com uma navalha de ponta e mola, não apreendida e de características desconhecidas.
O assistente, que é exímio lutador, procurava esquivar-se lutando com denodo e a desferir golpes característicos da modalidade conhecida por Kickboxing, em que foi campeão nacional, e modalidade em que é reconhecido como atleta de eleição, com vista a desenvencilhar-se e a pôr-se em fuga.
Alertados para o que decorria no átrio das garagens, os arguidos D e B, que entretanto haviam chegado
à discoteca, dirigiram-se para ali e, em conjugação de esforços e intenções, passaram também a agredir, a murro e pontapé, o assistente, que continuava sem desfalecimento a lutar galhardamente.
Surpreendidos com a capacidade lutadora, destreza, e técnica, reveladas pelo assistente, os arguidos entraram em desespero por não conseguirem manietá-lo e espancá-lo convenientemente, como desejavam.
Nessa altura, o arguido D, que trazia consigo o seu revólver da marca R S n. 1372044, de calibre 32 S"W
Long, de fabrico alemão, devidamente manifestado e registado, e que o usava sem necessidade de licença de uso e porte de arma, por ser militar no activo, empunhou-o, e procurou, dessa forma, intimidar o assistente, enquanto os restantes o continuavam a agredir.
No decurso da luta, os quatro arguidos (inicialmente só o A e o C) iam ligando sucessivamente a luz do átrio das garagens, que é temporizada.
Não obstante a conjugação de esforços dos quatro arguidos (A, C, B, e D), o assistente prosseguiu a luta, sem se intimidar com a amostragem (sic) do revólver.
O arguido A, já exausto e enervado por, ao contrário do que inicialmente supunha, não conseguir dominar e manifestar o assistente, retirou o revólver das mãos do arguido D, contra a vontade deste e dos restantes arguidos, empunhou-o, apesar de não ter licença de uso e porte de arma e de saber que a detenção do mesmo lhe era proibida, disparou um tiro em direcção ao assistente, que se encontrava à sua frente, de pé, a cerca de 1 ou 2 metros, e atingiu-o, desse modo, de raspão na barriga.
Instantes depois, e contra a vontade dos restantes arguidos, que procuraram retirar-lhe a arma, o arguido
A disparou novo tiro em direcção ao assistente, quando este se encontrava bem à sua frente, em pé, a 1 ou 2 metros, atingiu-o imediatamente abaixo do mamilo esquerdo, e o projéctil foi alojar-se no dorso, em posição subcutânea.
Causou-lhe, com essa conduta, as lesões descritas a folhas 268, 279 a 281, 299, 243, 272 a 274, e que lhe determinaram, como consequência directa e necessária,
175 dias de doença e de impossibilidade de trabalho.
O assistente só não morreu por circunstâncias alheias à vontade do arguido, nomeadamente a sua boa compleição física e a oportuna intervenção cirúrgica a que foi sujeito nos Hospitais da Universidade de Coimbra.
O assistente, apesar de baleado, continuou a lutar até que surgiu no local o arguido E, o qual conseguiu apaziguar os ânimos e pôr fim à contenda, e convencer o assistente a fugir, para o que lhe indicou o trajecto.
O assistente conseguiu, assim, alcançar o seu automóvel, que conduziu até àqueles Hospitais, onde foi socorrido e submetido a imediata intervenção cirúrgica.
Após a fuga do assistente H, o arguido F, que ouvira o barulho da refrega e o detonar dos disparos e se apercebeu, desse modo, da gravidade da ocorrência, abriu a porta de emergência, entrou no
átrio das garagens, e, com o intuito de ocultar os factos às autoridades e de proteger os arguidos A, B, C, e D, de virem a ser submetidos a sanção criminal, queimou uma camisola ensanguentada que o assistente ali deixara, e lavou o local em que a luta se desenrolara, e fez desaparecer algumas manchas de sangue que ali estavam, antes de as autoridades policiais terem comparecido, mas depois de ter sabido que as mesmas já haviam sido chamadas ao local pelos amigos do assistente.
4)
O arguido A, ao efectuar os disparos, admitiu a possibilidade de, com algum deles, causar a morte do assistente, e conformou-se com esse resultado.
5)
Os arguidos B, C, e D, agiram com o propósito de maltratar e molestar fisicamente o assistente.
6)
O arguido F agiu com o intuito de iludir a actividade probatória das autoridades tendente à recolha de indícios da responsabilidade criminal dos arguidos A, B, C, e D.
7)
Os arguidos A, B, C, D, e
F actuaram livre e conscientemente.
8)
Nenhum dos arguidos (A, B, C,
D, e F) tem antecedentes criminais.
9)
Os arguidos A, C, e B, confessaram parcialmente os factos, com alguma relevância, e revelaram arrependimento, que se crê sincero.
O arguido D negou o seu envolvimento.
O arguido F confessou também parcialmente e mostrou-se arrependido.
Todos os arguidos se encontram bem integrados socialmente.
10)
O arguido A exerceu funções de auxiliar de acção médica nos Hospitais da Universidade de Coimbra durante vários anos, e era reconhecido como funcionário educado, respeitador, e de comportamento exemplar.
Tencionava casar e constituir família, mas a ocorrência dos factos e a sua prisão vieram atrasar a concretização desse seu projecto.
11)
Os arguidos B, D, e C, já têm família constituída, e os seus rendimentos são o principal suporte económico dos respectivos agregados familiares.
12)
Todos os arguidos são dedicados ao trabalho e dispõem de ocupação profissional.
Os arguidos A, B, C, e D, têm bom comportamento anterior, o D é um militar com louvores, e o A tem tido bom comportamento também na prisão.
Os arguidos são de média condição social e dispõem de remediada situação económica.
13)
O assistente é de modesta condição social e de remediada situação económica.
Era e é cabo paraquedista.
Encontra-se curado das lesões que sofreu, continua a fazer os necessários saltos de paraquedismo, e iniciou já a sua preparação, com treinos de manutenção de Kickboxing.
Por ora, não é possível determinar se logrará alguma vez alcançar o nível competitivo elevado que antes atingira na referida modalidade.
O Tribunal não deu como provados os restantes factos constantes da acusação e das contestações, e, designadamente, que
- os arguidos tivessem arquitectado um plano para agredir o assistente de forma brutal.
- conhecessem que este era um atleta de Kickboxing e um exímio lutador;
- o assistente tivesse provocado o arguido C com sucessivos sorrisos;
- os arguidos se tivessem limitado a defender-se das investidas do assistente;
- os arguidos D e B se não tivessem envolvido na desordem e tivessem apenas procurado apaziguar os ânimos e pôr-lhe fim (à contenda);
- a luz estivesse ou não acesa quando dos disparos.
Atenta a posição assumida pelo assistente no seu recurso, deverá, em princípio, considerar-se como definitivamente assente a absolvição do arguido E, pelo que se passa a apreciar o mesmo recurso quanto aos demais arguidos.
O recorrente defende, como se viu, que se verificou a comissão do crime de participação em rixa, e que deve haver condenação, a título de cumplicidade, dos arguidos G e F pelo crime de ofensas corporais com dolo de perigo.
A problemática decorrente do crime de participação em rixa (tipo legal introduzido pelo Código Penal de 1982 - v. sobre a inovação as Actas da Comissão Revisora, in Boletim do Ministério da Justiça n. 286 - 71) não tem sido objecto de estudos doutrinais e jurisprudênciais tão abundantes e decisivos que se possa considerar definitivamente solucionada.
O que não surpreende, pois as querelas à volta desse tipo legal de crime, por exemplo, nos códigos italiano e espanhol estão longe de estar resolvidas, apesar de serem objecto de larga discussão desde há muito tempo.
No que ao direito italiano diz respeito, podemos assentar no seguinte conjunto de ideias:
A incriminação autónoma da participação em rixa representa uma novidade do Código de Rocco relativamente à legislação precedente.
À luz do Código Penal de 1930 perguntava-se qual o tipo de responsabilidade penal a imputar e quem houvesse participado numa rixa ou, mais genericamente, numa agressão colectiva, quando não fosse identificável o autor da lesão ou do homicídio, ou mesmo quando não fosse possível determinar com certeza a conduta tida por cada um dos participantes (sendo prova evidente a constante referência à circunstância de que o autor das lesões ou da morte seja ignorado).
Na evolução dos códigos preunitários até ao Código
Rocco "excluía-se que os participantes numa rixa fossem co-arguidos, sustentando-se que cada um devesse responder distintamente pela sua própria conduta" e era excluída a cumplicidade dos rixantes, por parecer excessivo punir os participantes como se fossem autores. (v. Prof. Mário Montorzi, na Enciclopédia del Diritto Ginffré, vol. XL, 1343 e seguintes, que seguimos de perto).
O Código Zanardelli só na aparência rompeu com a tradição e previu a punibilidade dos participantes na rixa (prescindindo da identificação do autor das lesões ou homicídio) e graduou-lhes a responsabilidade conforme ao menos tenham posto a mão no ofendido, sendo pela primeira vez introduzida a responsabilidade penal pelo mero facto da participação em rixa e configurada a rixa como crime de dano.
Todavia, em 1887 Zanardelli mudou de ideias e acolheu o
"sistema da igual responsabilidade dos participantes na rixa". Mas a comissão parlamentar temperou o princípio e pôs a condição de o participante "haver ao menos posto as mãos no ofendido", parecendo o legislador mais preocupado em resolver problemas práticos ligados à responsabilidade colectiva do que em conferir um desenho seguro ao tipo legal. Perseguiu-se, assim, não só o interesse da integridade física das pessoas como também, e sobretudo, a ordem pública, para cuja tranquilidade "estas manifestações de violência representam perigo".
Com o artigo 588 do Código Penal vigente veio a impor-se (afirmar o citado professor) uma real determinação dos elementos objectivos, e tanto assim que a simples referência ao nomen juris (rixa) suscita perplexidades sobre a conformidade da norma com os princípios constitucionais da legalidade e tipicidade.
E isto, entre outras coisas, porque nem sempre o intérprete pode contar com sólidas orientações da jurisprudência e da doutrina.
Depois de dar conta das diversificadas concepções da doutrina e da jurisprudência, conclui o mesmo autor:
"O único dado certo é que se pode configurar uma rixa somente quando exista contraposição de duas facções que entram em contacto trocando violências, ameaças ou injúrias". Portanto, no plano objectivo, estão excluídas do conceito de rixa as acções unilaterais.
Sempre que uma das facções em luta pode invocar uma causa de justificação, o facto material não pode ser qualificado como rixa e as condutas dos participantes na luta poderão ser eventualmente valoradas à luz de outros tipos incriminadores.
A legítima defesa é incompatível com a rixa; se a luta emerge de uma agressão e da necessária conduta defensiva dos agredidos, não pode configurar-se uma rixa nem mesmo do lado dos agressores, que deverão ser punidos por outros crimes.
Não deixaremos de aludir - ainda quanto ao direito italiano - ao importante estudo do Professor Remo Pannain, da Universidade de Nápoles.
Salienta este autor alguns pontos fundamentais, a saber:
1 -Estando este crime colocado entre os crimes contra a vida e a integridade física, o perigo para a ordem pública é elemento eventual, sem carácter de essencialidade;
2 -À identificação da rixa deve chegar-se por via de exclusão, isto é, quando resultem insubsistentes outras situações jurídicas de particular relevo;
3 -É claro que na hipótese de agressão e perseguição não existe rixa, porque não há aí dois grupos que pratiquem actos de violência um contra o outro, havendo somente agressores e agredidos, perseguidores e perseguidos; se o grupo agredido luta para se defender, nulla quaestio - não existe rixa;
4 -É comum o entendimento de que a luta deve surgir imprevistamente, por súbita excitação ou exaltação dos ânimos; e de que o fim seja, por via de regra, indeterminado.
Façamos agora uma breve mirada sobre o direito espanhol.
O artigo 408 do respectivo Código Penal (com a epigrafe - "homicídio em rixa tumultuária") dispõe:
"Quando rixando várias pessoas acometendo-se entre si confusa e tumultuariamente resultar a morte e não constar o seu autor, mas sim os que causaram lesões graves, serão estes castigados com prisão maior.
Não constando tão pouco os que tiverem causado lesões graves ao ofendido, impor-se-á a todos os que houverem exercido violências na sua pessoa a pena de prisão menor".
Note-se que a regulamentação da rixa está repartida, no código, por este e outros dois preceitos (artigos 424 e 583, parágrafo 7), mas estes referem-se sempre à definição dada no artigo 408.
Conforme informa Frederico Isasca (in "Da participação em rixa", 1985, página 27), a doutrina do país vizinho, embora unânime em afirmar que não é a paz pública o bem jurídico protegido, não é pacífica quanto a saber qual o bem jurídico protegido.
E, quanto à verdadeira estrutura do referido artigo 408, conclui Coelho Calón (Código Penal Anotado) o seguinte, apoiando-se na jurisprudência espanhola:
- Não existe este delito quando não há acontecimento confuso e tumultuário e quando um número de indivíduos acomete a outro grupo muito inferior em número, sem rixa empenhada e aceite, sendo conhecidos uns e outros;
- Nem ainda quando existe confusa e tumultuária mas são conhecidos os autores de homicídio; tão pouco na agressão de dois indivíduos contra um terceiro, ainda que não se saiba qual daqueles causou a lesão; nem mesmo quando lutem quatro pessoas, duas de cada lado, de modo conhecido e distinto; nem ainda quando os intervenientes não lutam entre si uns com os outros, antes todos juntos atacando directamente a uma só pessoa.
Abre-se aqui um parêntesis para dizer nem o parágrafo
227 do Código Penal Alemão, nem o artigo 133 do Código Penal Suíço definem o que seja a rixa, também nas respectivas doutrina e jurisprudência sendo discutida - de modo não essencialmente diferente do acima exposto - a verdadeira estrutura do crime de que nos ocupamos.
E é a altura de dizer que também o nosso Código Penal, quanto à participação em rixa (artigo 151), não nos fornece mais que o "nomen juris", deixando ao intérprete a tarefa de elaborar o respectivo conceito.
Ora, como se sabe, rixa é "disputa acalorada, acompanhada de ameaças e pancadas; desordem; briga; contenda" (v. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 25, 795).
Na verdadeira rixa não se sabe bem quem ataca e quem defende; há pancadaria generalizada entre todos os intervenientes, sem que se possa determinar com precisão quem agride quem.
Precisamente por isso, e para que não ficasse totalmente impune a participação em rixa de que resultou a morte ou a ofensa corporal grave de alguém, por não ser possível apurar o autor da acção de que proveio esse resultado, o legislador introduziu no Código Penal o artigo 151.
Como comenta Maia Gonçalves (Código Penal Anotado, 3. edição, 270), ficou assim colmatada uma omissão que se fazia sentir, particularmente pelas dificuldades de provar quem causava as lesões corporais aquando de uma rixa, pois o simples tomar parte não era incriminado pela lei anterior. E acrescenta que a rixa pressupõe que não há acordo ou facto prévio entre os intervenientes e que, se houver esse acordo, entramos no campo da comparticipação nos crimes de ofensas corporais ou de homicídio. Deixa de haver aí o acontecimento mútuo e confuso entre diversas pessoas que são simultaneamente ofensoras e ofendidas, o que é o sinal característico da rixa.
Uma posição que coincide, no essencial, com a dos comutadores acima referenciados e não a afasta da que foi acolhida no acórdão deste Supremo de 4 de Fevereiro de 1993, in C.J. do Supremo Tribunal de Justiça, I, I, 187.
À luz dos conceitos acima desenvolvidos, podemos afirmar que, no caso dos autos, não houve rixa. O que houve foi um acordo inicial e conjugação de esforços dos arguidos A e C para agredir fisicamente o H, o que fizeram, sendo a sua acção complementada pela adesão dos arguidos D e B àqueles acordo e conjugação de esforços.
Aqui existe simples comparticipação criminosa (artigo 26 do Código Penal) e não rixa; trata-se do vulgar caso de co-autoria material de quatro arguidos - perfeitamente identificados - um crime contra as pessoas, em que o ofendido se limitou a defender-se da agressão.
Ora, não existindo rixa, não podem os arguidos D, B e C ser condenados pelo crime do artigo 151, nem os arguidos F e G ser condenados pela cumplicidade nesse crime.
Quanto à cumplicidade destes dois últimos arguidos F e G no crime de ofensas corporais com dolo de perigo, entendemos que também ela não pode existir.
As acções destes arguidos - como se afirma no projecto vencido - "não foram indispensáveis para a realização dos actos por estes (restantes arguidos) praticados, nem foram motivados pelo propósito específico de permitir a agressão da parte dos outros co-arguidos, pois se demonstrou que constituíam atitudes "normais" daqueles, por ordem dos gerentes da discoteca, nos casos em que se tornava necessário expulsar clientes briguentos do estabelecimento".
Ora, não pode excogitar-se aqui o dolo, elemento essencial da cumplicidade.
Não basta a prestação de auxilio à prática por outrém de um facto ilícito doloso (este existiu); é também necessário que o auxílio seja doloso, por tal forma que sem ele - e como se dizia no projecto inicial do artigo 27 do Código Penal -, e posto que o crime fosse igualmente levado a cabo, o fosse todavia por modo, tempo, lugar ou em circunstâncias diferentes.
Se se entende que o comportamento dos referidos F e G foi o "normal" nas circunstâncias, decorrentes de instruções genéricas recebidas da gerência da discoteca e "não foi motivado pelo propósito de permitir a agressão da parte dos outros co-arguidos", não se verifica o dolo exigido pelo artigo 27 citado e, consequentemente, a figura da cumplicidade.
O recorrente, por último, veio defender que as penas aplicadas aos arguidos condenados devem ser agravadas e não ficarem suspensas nas respectivas execuções.
Tem de se reconhecer que os crimes praticados pelos arguidos foram graves, baseados num motivo fútil de obtenção de um desforço por parte do arguido A, e praticados por uma forma essencialmente reveladora de cobardia da parte dos seus agentes e, simultaneamente, de mau fundo por banda destes.
Por estes motivos, e tendo em atenção a culpa (dolo intenso), as exigências de prevenção em crimes desta natureza e os demais parâmetros indicados pelo artigo 72 do Código Penal, tem de se concluir que as penas impostas se apresentam como demasiado leves e que não existem razões válidas para suspender a execução das penas aplicadas aos arguidos A, B, C e D, sendo que - quanto ao F - se justifica a confirmação da pena pelo crime de favorecimento pessoal e a suspensão da respectiva execução pelo período de 2 anos.
Com efeito, o grau de culpa deste último arguido é diminuído pelas circunstâncias globais em que actuou e não se pugna julgar verificado o condicionalismo do artigo 48, n. 2 do Código penal - não tem antecedentes criminais, confessou parcialmente os factos, encontra-se arrependido e está integrado socialmente.
Nestes termos, e em função do exposto, concedem provimento parcial ao recurso do assistente e, nessa conformidade, alteram o acórdão impugnado pela seguinte forma: a) - o arguido A Simões Rodrigues passa a ficar condenado, pelos crimes de homicídio tentado e de uso de arma proibida, nas penas parcelares, respectivamente, de 5 (cinco) anos de prisão e de 4 meses de prisão, e na pena unitária de cinco anos e dois meses de prisão; b) - o arguido B passa a ficar condenado, pelo crime de ofensas corporais com dolo de perigo, na pena de vinte meses de prisão; c) - o arguido C passa a ficar condenado, pelo crime de ofensas corporais com dolo de perigo, na pena de dois (2) anos de prisão; d) - o arguido D passa a ficar condenado, pelo crime de ofensas corporais com dolo de perigo, na pena de 20 (vinte) meses de prisão.
Mantêm-se a decisão recorrida quanto aos demais arguidos.
Todos os arguidos condenados beneficiam do perdão concedido pelo artigo 8, n. 1 da Lei n. 15/94, de 11 de Maio, sendo de um ano para os arguidos acima referidos em a), b), c) e d) e de toda a pena para o arguido F, mas este só será aplicado na oportunidade aludida no artigo 12 daquela Lei, isto é, se houver lugar à revogação da suspensão.
O assistente e os arguidos A, B e C, porque decaíram parcialmente, pagarão, cada um, 8 ucs de taxa de justiça e o mínimo da correspondente procuradoria (artigos 188, n. 1, alínea b), 194, n. 1, alínea f), 195, n. 1 e 85, n. 1 do Código das Custas).
Por outro lado, os arguidos B, C e D vão condenados no pagamento de mínimo de honorários ao seu ilustre defensor.

O presente acórdão tem as páginas 1 a 10, e o início da página 11, processados em computador, e revista pelo relator.
Lisboa, 3 de Novembro de 1994.
Sousa Guedes (relator por vencimento);
Cardoso Bastos;
Costa Pereira;
Sá Nogueira (vencido, em harmonia com o projecto que elaborei como relator, e de que junto a nota correspondente aos aspectos em que votei vencido).
O recorrente defende que se verificou a comissão do crime de participação em rixa, e que deve haver condenação, a título de cumplicidade, dos arguidos
G e F pelo crime de ofensas corporais com dolo de perigo.
A análise do crime de participação em rixa envolve aspectos que se repercutem na qualificação dos factos dados como apurados em relação, não apenas aos arguidosF e G, mas também aos arguidos D, B, e C.
O artigo 151 do Código Penal, que prevê o crime de participação em rixa, não define o que esta seja, o que nos obriga a tentar descortinar o que possa ou deva ser uma "rixa".
Desde tempos muito recuados se têm defendido diversos conceitos distintos, relativamente à amplitude criminal da rixa, como se pode ver pela notícia histórica que, a propósito do respectivo termo, nos é dada pelo Prof.
Mário Montorzi, na Enciclopédia del Diritto Giuffré, vol. XL, a páginas 1343 e seguintes.
Com efeito, houve já quem defendesse que a "rixa" seria uma luta ou combate particularmente grave entre duas pessoas, o que a distinguiria da "turba", uma vez que esta teria como protagonistas uma multidão cf. Digesto, 47, 8, 4, 3, "Et rectissime Labeo inter turbam et rixam multum interesse aít: namque turbam multitudinis hominum esse turbationem et coectum, rixam etiam duorum"), assim como houve quem defendesse a identidade das duas figuras (Cícero, Verrónicas, 2, 4, 66, "ecce... nova turba atque rixa...").
Igualmente houve quem defendesse que, para haver rixa, era necessário que a luta se verificasse entre 4, 5, ou mais pessoas (cf. a Capitularia Regum Francorum, do Concílio de Mogúncia, de 852, em que se dizia, no seu Capítulo II, n. 249, página 189, capítulo 11, como se vê na obra citada, "Si quattuor vel V seu etiam plures hominem uunum rixati fuerint et ab eis vulneratus nortuus fuerit. ...", e, no mesmo sentido, o Decretum
Gratiani, C. XXIII, q. 8, muito embora neste se exclua a responsabilidade daqueles que convergiram à desordem mas não causaram ferimentos ou morte nem incitaram os contendores "qui nec eum impugnabant, nec vulnerabant, nec consilio nec auxilio cooperatores fuerunt, sed tantum affuerunt, extra noxam sint").
Em qualquer dos casos, porém, os autores davam a entender que a "rixa" teria a natureza de uma luta, ou combate (muitas vezes um proelium, como se vê em Tácito, História, I, 64, "mox rixa inter Batavos et legionarios prope in proelium exarsere"), de violência superior ao normal, em que se utilizariam armas (vd. Quint. Inst., 2, 12, 2, "gladiator, qui armorum inscius in rixa ruit"), mas cujos intervenientes seriam perfeitamente determinados e identificáveis.
Com o Pactus Legis Salicae, elaborado em seguida à conversão dos Francos, em 496, e também conhecido como "Lei Sálica", o acento tónico da "rixa" deslocou-se do combate entre pessoas determinadas para os casos em que, numa desordem em "turba" ou em "turbamulta", resulta a morte de alguém sem se poder averiguar concretamente quem foi o autor da mesma, e passou, assim, a estabelecer-se uma responsabilidade
"solidária" pela produção do resultado "morte", de todos os tumultuários intervenientes nessa desordem.
É neste contexto, parece-nos, que o apontado trecho do Decretum Gratianum sobre a exclusão da responsabilidade de determinados intervenientes do processo tumultuáruio deve ser considerado, na medida em que acaba por ter como efeito a exclusão da punição solidária de certas pessoas pela produção do resultado danoso, uma vez que a sua doutrina teria natureza tautológica se fosse aplicada ao conceito inicial de "rixa" atrás indicado.
A título de curiosidade, e sem se querer entrar de novo na respectiva discussão, lembra-se que a "Lei Sálica", especialmente na parte respeitante à exclusão da sucessão das mulheres ao trono, veio a ser considerada, ainda no tempo de D. José I, e não obstante os esforços deste e do Marquês de Pombal, como não tendo tido nunca aplicação e vigência no nosso País (isto a propósito da sucessão de D. Maria I a seu pai), o que pode ter um interesse mais do que académico para a determinação da validade, para Portugal, do conceito de "rixa" da mesma constante.
Verifica-se, desta forma, a existência de dois sentidos antagónicos para o referido termo: o de corresponder a uma luta grave, com armas, entre pessoas determinadas, e o de corresponder a uma desordem, da qual resultam consequências graves, sem se conseguir determinar adequadamente quem terá sido o respectivo causador.
Não obstante a existência de, pelo menos, dois acórdãos deste Supremo Tribunal que aderiram à segunda das indicadas posições, propendemos decididamente para a primeira, em virtude de a última se traduzir, a final, numa imputação objectiva, solidária, destinada a ficcionar e a presumir um culpado nos casos em que a investigação não conseguiu apurar a autoria das ofensas graves produzidas, o que nos parece, salvo o devido respeito, insustentável perante o claro princípio da presunção de inocência constante no n. 2 do artigo 32 da Constituição.

A partir do que fica referido, desde já se pode concluir que os factos apurados relativamente aos arguidos B, C, e D, são perfeitamente enquadráveis na figura do crime de participação em rixa, do artigo 151, n. 1, do Código Penal, o qual a decisão recorrida entendeu não se verificar por sustentar a tese, por nós não aceite, de que tal crime visa apenas incriminar os casos de desordem em que se não consegue apurar o autor ou autores das ofensas corporais ou do homicídio, conforme as decisões deste
Supremo de 29 de Janeiro de 1992, in Colectânea de 1992, I, 25 e de 4 de Fevereiro de 1993, in Colectânea de 1993, I, 183.
Essa posição doutrinária, seguida, de resto, também pelo Conselheiro Maia Gonçalves, na 6. edição do seu
Código Penal Anotado, em anotação ao artigo 151, não será, no entanto, e como se frisou, a mais ajustada à realidade.
Com efeito,
Tem sido entendido, nalguns meios, que a figura criminal da participação em rixa, constante do artigo 151 do Código Penal de 1983, se bem que inspirado pelo dispositivo de outros Códigos estrangeiros, não tem o mesmo sentido que lhe poderá ser dado noutros Países, e, no caso Português, vai buscar a sua essência, em parte, ao crime de assuada, que era objecto da previsão do artigo 180 do Código Penal de 1886, por a mesma, na realidade, ser um desenvolvimento e aperfeiçoamento deste, embora com a inclusão de realidades novas, motivo pelo qual lhe deveria ser aplicável a estruturação teórica que tinha sido desenvolvida para o crime do Código de 1886.
O crime de assuada, do Código de 1886, era definido como a conduta daqueles "que se ajuntarem em qualquer lugar público para exercer algum acto de ódio, vingança, ou desprezo contra qualquer cidadão, ou para impedir ou perturbar o livre exercício ou gozo dos direitos individuais, ou para cometer algum crime, não havendo começo de execução mas somente qualquer acto preparatório ou aliás motim ou tumulto arruído ou outra perturbação da ordem pública", e em que "a conjuração só era punível se tivesse havido começo de ajuntamento, ou algum acto preparatório".
(Note-se, de resto, que aquele quadro criminal da assuada, do Código de 1866, foi também um dos sentidos que foram dados pela jurisprudência bárbaro-romana ao termo "rixa" - cf. a Lex Romana Wisighotorum, aprovada por Alarico II, em 506, Lei esta que, indubitavelmente esteve em vigor na Península e que influenciou a nossa tradição sobre a matéria).
E, quanto àquele crime, entendia já então o Conselheiro Maia Gonçalves que, se com ele se praticassem lesões corporais ou danificações, concorreriam os crimes de ofensas corporais ou de dano (Código de 1886 anotado, 3. edição, 1977, página 332), sendo certo que o termo "concorreriam" deverá ser entendido com o sentido de a prática de qualquer destes últimos absorveria o crime de assuada, que ficaria consumido pelos crimes mais graves.
No crime de participação em rixa, todavia, deixou de se exigir que a conduta do agente tivesse uma natureza prévia em relação à prática do homicídio ou das ofensas corporais, pois se passou a punir a intervenção de alguém naquilo a que, em linguagem comum ou do submundo criminal, se costuma designar, entre diversas outras expressões, por "desordem", "zaragata", "rixa", "refrega" "arraial de pancadaria ou de porrada",
"enxugo", "espera em grupo", "varrer um grupo, ou uma feira, etc.", ou "actuação de pimpões", ou "de Faias", ou "de caceteiros".
Tudo, como se viu, na adopção, aplicação, e sequência do primitivo sentido que havia sido dado ao termo "rixa".
Este crime engloba, assim, não apenas os casos em que o agente se intromete na desordem, zaragata, ou rixa, para ajudar algum dos contendores, mas também aqueles em que o referido agente se envolve nelas movido pelo simples prazer entrar na refrega, ou pela necessidade de responder aos resultados de uma descarga brusca de adrenalina, resultante da assistência a um espectáculo de violência física entre outras pessoas.

Nessa medida, e ao contrário do que se passava com o Código de 1886, aquilo que poderia corresponder a uma assuada, e que tinha carácter nitidamente preparatório de actos violentos, deixou de ter relevo para o crime de participação em rixa, uma vez que se passou a exigir, como elemento constitutivo deste, uma conduta activa do agente, não destinada a separar os contendores, numa situação de luta de que resultem ofensas corporais ou morte.
O objecto da incriminação não é, assim, o pretender-se punir apenas a conduta de um agente nos casos em que se não consiga determinar quem, no calor de uma luta, cometeu determinadas ofensas corporais ou homicídio, mas o pretender-se conseguir a punição autónoma da actuação de quem, independentemente de produzir ou não ofensas corporais ou de praticar um homicídio no decurso da mencionada refrega, nela intervém, pois que, através dessa sua intervenção, toma uma atitude potenciadora, coadjuvante, e exacerbadora da prática de tais ilícitos.
Daí que se entenda que a individualização (no sentido de se determinar a autoria dos crimes de ofensas corporais ou de homicídio que sejam cometidos durante a luta) da autoria desses crimes não impede que cada um dos intervenientes na briga cometa, em acumulação real, também o crime do artigo 151 do Código Penal, já que o conceito de "intervenção" a que o artigo se refere se contenta e fica perfeito logo que o agente "intervém" na desordem, isto é, nela tome parte activa, quer cometa quer não crimes, autónomos dos atrás indicados.
Desta forma, tem-se como assente que os referidos arguidos (D, B, e C) cometeram igualmente o crime do mencionado artigo 151, por cuja prática tinham sido acusados, e que a decisão recorrida entendeu serem consumidos pela concretização, nas suas pessoas, da autoria dos crimes de ofensas corporais.
Passemos a apreciar, agora, a actuação dos arguidos F e G.
O assistente pretende que estes arguidos devem ser condenados como cúmplices dos apontados crimes de participação em rixa e de ofensas corporais com dolo de perigo.
E, desde logo, se pode colocar uma dúvida, que é a de se saber se é ou não possível uma situação de cumplicidade no crime de intervenção em rixa.
O acto de intervir, na verdade, pressupõe uma actuação directa, e intervir numa rixa mais não é, repete-se, do uma conduta de empenhamento pessoal numa luta que se está a verificar.
Por isso, se pode suscitar a dúvida acima indicada.
Uma vez que a participação em rixa tem as características que acabam de ser indicadas, não se vê que não possam configurar-se situações nas quais um determinado agente, sem entrar ou intervir directamente na contenda, possa prestar um contributo importante a quem nela se encontre envolvido. E, em tal caso, consoante esse contributo seja essencial ou não para o prosseguimento da actuação dos reais intervenientes, assim se estará perante uma co-autoria ou perante uma cumplicidade relativamente ao aludido crime do artigo 151 do Código Penal.
No caso dos autos, as condutas voluntárias, do arguido F de trancar a porta de emergência e impedir o acesso da mesma a clientes, e do arguido G de negar o estabelecimento de relações telefónicas com o exterior, foram de manifesto querido auxílio aos arguidos A, B, D, e C, e permitiram que estes mais facilmente pudessem desenvolver e prosseguir na luta com o ofendido, mas não foram indispensáveis para a realização dos actos por estes praticados, nem foram motivadas pelo propósito específico de permitir a agressão da parte dos outros co-arguidos, pois se demonstrou que constituíam atitudes "normais" daqueles, por ordem dos gerentes da discoteca, nos casos em que se tornava necessário expulsar clientes briguentos do estabelecimento.
Tais atitudes, desta forma, são perfeitamente enquadráveis no conceito de cumplicidade que nos é dado pelo artigo 27 do Código Penal (prestações de auxílio material à prática por outrem de um facto ilícito doloso), cumplicidade esta que se verifica em relação ao crime de participação em rixa.
E a mesma não pode deixar de se verificar, necessariamente, quanto à comissão do crime de ofensas corporais com dolo de perigo, na medida em que o crime de participação em rixa só pode existir se se verificarem ofensas corporais ou homicídio, como atrás foi exposto.
Desta forma, também quanto a este ponto, merece provimento o recurso.
O recorrente, por último, veio defender que as penas aplicadas aos arguidos condenados devem ser agravadas e não ficarem suspensas nas respectivas execuções.
Os crimes cometidos pelos arguidos foram graves, baseados num motivo fútil de obtenção de um desforço por parte do arguido A, e praticados por uma forma essencialmente reveladora de cobardia da parte dos seus agentes, e, simultaneamente, revelam mau fundo destes.

Por esses motivos, e atentos os parâmetros indicados pelo artigo 72 do Código Penal, tem de se concluir que as penas impostas se apresentam como demasiado leves e que não existem razões válidas para lhes suspender a execução das punições que lhes foram aplicadas.
Merece provimento, desta forma, também este aspecto do recurso.
Sá Nogueira.
Decisão impugnada:
Acórdão de 2 de Fevereiro de 1994 do Tribunal do
Circulo de Coimbra, 2. Juízo.