Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOSÉ RAINHO | ||
Descritores: | RECONVENÇÃO PEDIDO DE JUROS CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR CONTAGEM DOS JUROS | ||
Data do Acordão: | 11/27/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DE DEVEDOR. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 805.º, N.ºS 1 E 3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 07-04-2005, PROCESSO N.º 05B517; - DE 30-10-2008, PROCESSO N.º 07B2978, AMBOS IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: - DE 06-12-2011, PROCESSO N.º 7303/06.9TBALM.L1-7, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: - DE 19-03-2015, PROCESSO N.º 3333/13.2TBGMR.G1, IN WWW.DGSI.PT. | ||
Sumário : |
I - Tendo sido deduzido pedido líquido (prestação pecuniária por incumprimento contratual) e pedidos juros desde a notificação da reconvenção, a circunstância de ter sido produzida depois decisão que condenou o autor a pagar ao reconvinte o que se liquidasse posteriormente não torna ilíquido o crédito. II - Nesta situação, os juros de mora são devidos desde a notificação da reconvenção, e não desde a decisão que, no respetivo incidente, liquidou o montante do dano. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):
I - RELATÓRIO
Na sequência de decisão oportunamente proferida nos autos (sentença de fls. 957 e seguintes, e que foi mantida em sede de recursos de apelação e de revista) foi a Autora AA, Lda. condenada a pagar à Ré e Reconvinte BB, Lda. a indemnização que se viesse a liquidar subsequentemente, com limite em €230.428,00.
Transitada em julgado a decisão, apresentou-se então a Ré e Reconvinte (doravante designada Requerente) – que entretanto passou a denominar-se CC, S.A. – a requerer, através da dedução do competente incidente, a liquidação da indemnização (fls. 2909 e seguintes). Peticionou que a indemnização fosse fixada em €230.428,10, acrescendo juros de mora e sanção pecuniária compulsória.
Contestou a Autora (doravante designada Requerida), concluindo pela improcedência do incidente.
Seguindo o incidente seus devidos termos, veio, a final, a ser proferida sentença que liquidou em €109.211,72 a indemnização devida pela Requerida à Requerente, acrescida de juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado da sentença (e até efetivo e integral pagamento) e de juros compulsórios (fls. 3149 e seguintes).
Inconformadas com o assim decidido, apelaram ambas as partes. Na Relação de Lisboa foi a apelação interposta pela Requerida julgada totalmente improcedente. Já a apelação interposta pela Requerente foi julgada parcialmente procedente no que se refere ao momento a partir do qual são devidos os juros de mora, tendo-se decidido que são devidos desde 4 de Novembro de 2004, data em que a ora Requerida foi notificada do pedido reconvencional apresentado pela ora Requerente.
Inconformada com o decidido, pede a Requerida revista.
Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões:
PRIMEIRA: O recurso ora interposto é de REVISTA com delimitação objectiva, a subir imediatamente com efeito meramente devolutivo (artigos 635°, n.º 3 e 4, 638°, n.º l, 639°, n.ºs 1 e 2, 671.°, n.º 1 e 674°, n.º 1 alínea a) do NCPC/13. SEGUNDA: As conclusões é que delimitam o objecto do recurso, porquanto é nesta sede que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo do conhecimento das questões oficiosas. TERCEIRA: Na verdade, essa definição e delimitação recursiva resulta da conjugação das normas dos artigos 635.°, n.º 4 e 639.°, n.º 1 do NCPC/13. QUARTA: E a questão controvertida prende-se com o inicio da contagem de juros devidos, na realidade não tem sido pacífica na nossa jurisprudência, conforme é reconhecido expressamente a página 20 do ACÓRDÃO do TRLISBOA recorrido, prolatado em 12-04-2018, que apresenta três versões ou vertentes jurisprudenciais, embora opte pela vertente da qual a recorrente discorda e pretende ver alterada, em termos de fixação de jurisprudência, pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, com a admissão e concessão da presente REVISTA, que propende para a fixação destes juros apenas a partir do trânsito em julgado da decisão liquidatária que fixou o montante devido, aderindo assim ao ACÓRDÃO da RELAÇÃO DE LISBOA de 21-11-2017, Relator Luís Espirito Santo, proferido no Processo n.º 5097 /05.4 TVLSB .L2- 7, citado no rodapé da referida pág. 20 do Acórdão em crise, e que consta da nota 7. QUINTA: Destarte, deve ajuizar-se improcedente nesta parte o recurso interposto pela liquidante CC, Lda. e procedente a apelação interposta pela requerida AA, Lda., que deverá ser recuperada ou repristinada, porquanto não pode olvidar-se a noção de trânsito em julgado ínsita no artigo 628.º do NCPC/13, bem como o valor da sentença transitada em julgado consagrado no artigo 619.º do mesmo diploma legal, que nos reporta para o caso julgado formal e material, devendo os dois textos coordenar-se para se captar a verdadeira doutrina do valor ou eficácia das decisões relativamente á sua imutabilidade ou estabilidade, sendo certo que é proibida a violação do caso julgado, pois opera a garantia da imodificabilidade da decisão transitada em julgado.
Termina dizendo que “devem as vertentes conclusões proceder e, por via disso, deve o recurso ser admitido e obter procedência, revogando-se a decisão recorrida nessa parte, quanto ao início da contagem dos juros devidos no âmbito da liquidação, que a recorrente considera ilegal, impondo-se decisão diversa, recuperando-se ou repristinando-se, quanto a essa questão a douta sentença proferida em 16-11-2017, a fls ... , a cujos fundamentos a recorrente adere na íntegra”.
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A parte contrária contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II - ÂMBITO DO RECURSO
Importa ter presentes as seguintes coordenadas: - O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas; - Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam; - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.
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É questão a conhecer: - Desde quando são devidos os juros de mora.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
Quanto à matéria das conclusões Primeira, Segunda e Terceira:
O que consta destas conclusões reporta-se à admissibilidade da revista e à delimitação do seu objeto. A revista é efetivamente admissível. E o seu objeto está circunscrito à questão do momento a partir do qual são devidos os juros de mora.
Quanto à matéria das conclusões Quarta e Quinta:
A única questão que nestas conclusões vem submetida à apreciação deste Tribunal é a da definição do momento a partir do qual se contam os juros de mora a incidir sobre a quantia liquidada (€109.211,72). A sentença da 1ª instância decidiu que os juros eram devidos apenas desde o trânsito em julgado da sentença, “na medida em que somente nessa altura se tem por líquida a obrigação da Requerida”. A Recorrente defende este ponto de vista. Por seu turno, o acórdão recorrido entendeu que os juros eram devidos desde a interpelação da devedora para os termos do pedido reconvencional. O acórdão aduziu a propósito, entre o mais, que “tendo em conta a fixação de danos decorrentes de incumprimento (ou deficiente cumprimento) contratual, a liquidação que destes danos foi feita na reconvenção e a interpelação para pagamento, tem de se entender que a mora se fixou no momento da interpelação, com a notificação para a reconvenção, em que tais danos foram reclamados e quantificados, ou seja em 04/11/04 e não com a sentença que posteriormente os fixou.” É este último o bom entendimento jurídico da questão. A Recorrente teria eventualmente razão se acaso estivéssemos perante uma prestação cujo objeto se apresentasse à partida não definido no seu quantitativo, a demandar necessariamente apuramento para poder ser exigida e cumprida. Neste caso estaríamos perante um crédito ilíquido, não se constituindo a mora enquanto o crédito não se tornasse líquido (n.º 3 do art. 805.º do CCivil). Compreender-se-ia que assim fosse, visto que até então o devedor desconheceria o preciso objeto da sua prestação. Mas não é este o caso. Na realidade, e como se diz adequadamente no acórdão da Relação de Lisboa de 6.12.2011 (processo n.º 7303/06.9TBALM.L1-7, relator Pimentel Marcos, disponível em www.dgsi.pt), o n.º 3 do artigo 805º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que o crédito só é ilíquido quando, à data em que deve ser efetuado o pagamento, não for possível proceder à sua liquidação, ou seja, não for possível saber qual a quantia em dívida, e sendo que para que o crédito se considere ilíquido não basta que o devedor impugne a obrigação de pagar ou alegue que a quantia pedida não é (total ou parcialmente) devida. Ou, como se observa no acórdão da Relação de Guimarães de 19 de Março de 2015 (processo n.º 3333/13.2TBGMR.G1, relator Filipe Caroço, disponível em www.dgsi.pt), a interpretação da primeira parte do n.º 3 do art.º 805º do Código Civil deve ser feita com alguma exigência, de tal modo que, na responsabilidade contratual, só uma iliquidez objetiva obsta à mora, não sendo suficiente o mero desacordo das partes sobre o valor da obrigação, e sendo que, mais se diz nesse acórdão, a obrigação é ilíquida quando a indefinição do valor da obrigação resulta da circunstância de não terem ainda ocorrido ou serem desconhecidos de alguma das partes algum ou alguns dos factos que são necessários para o apuramento e conhecimento desse valor. No caso vertente, do que se trata é de uma situação em que a prestação não se apresentava à partida ilíquida, não bastando, para dizer o contrário, que a ora Recorrente tenha contestado o montante líquido exigido pela outra parte e que o quantum emergente da condenação tenha ficado pendente de liquidação. Como se aponta adequadamente no acórdão recorrido, a obrigação da ora Recorrente não era ilíquida, por isso que a Reconvinte (ora Requerida) veio fazer atuar uma prestação líquida e reclamou desde logo a condenação nos juros devidos sobre o montante da indemnização decorrente de incumprimento contratual. A obrigação em causa apenas se tornou ilíquida por ausência de quantificação de danos já ocorridos e previamente determinados nos autos, relegando-se para apuramento posterior o valor destes concretos danos. A obrigação de indemnização está já reconhecida e fixada na sentença proferida nos autos, sendo que a liquidação não constitui uma nova ação, mas antes determina a renovação da instância para quantificação desse prejuízo já reconhecido. Daqui que, como muito bem se decidiu no acórdão recorrido, os juros de mora sejam devidos desde a interpelação (via reconvenção) para pagamento da dívida que acabou depois sendo objeto de liquidação. O montante desta dívida que foi liquidada está compreendido no pedido líquido que foi apresentado, razão pela qual não há que falar, para os efeitos em causa, em crédito ilíquido. O que significa que regula para o caso o n.º 1 do art. 805.º do CCivil, e não o n.º 3. Concordantemente com o ponto de vista que fica expresso, já se decidiu neste Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de 7 de Abril de 2005, processo n.º 05B517, relator Neves Ribeiro, disponível em www.dgsi.pt) que, sendo a divida de capital liquidada em execução de sentença e tendo o autor começado por acionar um pedido liquido, os juros de mora legais incidentes sobre a divida contam-se a partir da data de citação do devedor para a ação declarativa donde emergiu a sentença que condenou no que se liquidar em execução. Ponderou-se neste acórdão, reportando-se naturalmente ao anterior Código de Processo Civil, que: “A liquidação, que é um ónus, corresponde também a um incidente processual que «pode ser deduzido depois de proferida a sentença de condenação, genérica, nos termos do n.º2 do artigo 661º, e, caso seja admitido, a instância considera-se renovada». (Artigo 378º-2 do Código de Processo Civil). É um incidente da instância declarativa. Ou seja, a acção principal continua. A liquidação da obrigação tem lugar na acção declarativa, renovando-se a instância, mesmo depois de transitar em julgado a sentença proferida, exceptuando-se os casos em que a liquidação dependa de simples cálculo aritmético (artigo 805º, n.ºs 4, 5 e 6, do Código de Processo Civil) - calculo que aqui está fora de causa. (…) Estamos pois, e ainda, na mesma acção, não podendo o inicio do vencimento ser diferido para a data da sentença. Como o não seria se tivesse havido apelação ou revista (ou outro recurso) nessa mesma acção, e a sentença só transitasse tempos mais tarde. Certo é que, se assim fosse, o vencimento da obrigação de juros não estaria dependente do retardamento, até serem esgotadas as vias de recurso, como é inquestionável.” E no acórdão de 30 de Outubro de 2008 (processo n.º 07B2978, relatora Maria dos Prazeres Beleza, disponível em www.dgsi.pt) afirma-se (sumário), com reporte também ao anterior Código de Processo Civil, que “1. A liquidação em execução de sentença era um processo de estrutura declaratória, enxertado na acção executiva, destinado a preencher um requisito necessário para a execução, a liquidez da dívida exequenda. 2. Não é da sentença proferida no processo de liquidação que resultava a condenação do executado no pagamento da indemnização que fosse devida. 3. Não era assim a citação para a liquidação, mas a citação na acção declarativa, o momento relevante para o início da contagem de juros de mora que tivessem sido pedidos com referência ao momento da citação.” Observa-se depois no acórdão que “a resposta [á questão de saber desde quando são contados os juros] se encontra na função desempenhada pela liquidação em execução de sentença (…). Trata-se, como se sabe, de um processo de estrutura declaratória enxertado na acção executiva, e que se destina a preencher um dos requisitos necessários para a execução: a liquidez da dívida exequenda. Não é, pois, da sentença proferida no processo de liquidação que resulta a condenação do executado no pagamento, no caso, da indemnização; não tem, assim, cabimento pretender-se que seja a citação para a liquidação a marcar o início do momento a partir do qual o responsável está em falta, não devendo o nº 3 do artigo 805º do Código Civil ser interpretado nesse sentido (…)”. Na conclusão Quinta a Recorrente faz alusão ao trânsito em julgado e à violação do caso julgado. Trata-se de uma alusão pouco menos que ininteligível, sendo certo que o corpo da alegação (onde não se faz a menor referência a esse tópico) também não esclarece o pensamento da Recorrente. Ainda assim dir-se-á que se a Recorrente pretendeu (e só pode ter pretendido) reportar o trânsito em julgado e o caso julgado ao decidido na sentença da 1ª instância que procedeu à liquidação (e cuja repristinação pretende), então não se vê de que trânsito em julgado e de que caso julgado é que está a falar. Pois que tal sentença foi (na parte aqui em discussão) revogada pelo acórdão recorrido, e, consequentemente, nenhum trânsito em julgado ou caso julgado se pode ter formado a partir dela. Apodítico.
Improcedem pois, no que vão contra o que vem de ser dito, as conclusões em epígrafe.
IV. DECISÃO
Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista.
Regime de custas:
A Recorrente é condenada nas custas do presente recurso.
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Sumário:
++ Lisboa, 27 de novembro de 2018 José Rainho (Relator) Graça Amaral Henrique Araújo |