Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
072664
Nº Convencional: JSTJ00004305
Relator: JOSE CALEJO
Descritores: REDUÇÃO DO NEGOCIO
SOCIEDADE
ADVOGADO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198903090726641
Data do Acordão: 03/09/1989
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Referência de Publicação: DR 114 IS 1989/05/18, PÁG. 1989 A 1993 - BMJ Nº 385 1989 PÁG. 99
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 157 ARTIGO 158 ARTIGO 280 N2 ARTIGO 286 ARTIGO 289 ARTIGO 292 ARTIGO 295.
LSQ ARTIGO 2 ARTIGO 61 PAR4 N2 N3 N4.
CCOM888 ARTIGO 108 ARTIGO 114 N3 ARTIGO 193.
DL 42644 DE 1959/11/14 ARTIGO 2 B.
CPC67 ARTIGO 5 N2 ARTIGO 766 N3.
DL 513-Q/79 DE 1979/12/26 ARTIGO 8.
EJ62 ARTIGO 535 ARTIGO 536 ARTIGO 537 ARTIGO 542 N3 N4 ARTIGO 549 ARTIGO 574 N2 D O ARTIGO 580 D ARTIGO 700.
DL 483/76 DE 1976/06/19 ARTIGO 25 ARTIGO 61.
DL 84/84 DE 1984/03/16.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC71377 DE 1984/06/19.
ACÓRDÃO STJ PROC70980 DE 1984/01/19.
P PGR DE 1947/06/30 IN BMJ N4 PAG66.
ACÓRDÃO STJ DE 1974/11/05 IN BMJ N241 PAG265.
Sumário :
Não e susceptivel de beneficiar da redução do negocio juridico previsto no artigo 292 do Codigo Civil o pacto social de uma sociedade constituida entre advogados e não advogados cujo objecto inclua actividade propria de advogado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça em Tribunal Pleno:

Por escritura publica de 25 de Setembro de 1978, constituiu-se a sociedade por quotas ADJURIS - Associação de Juristas Reunidos, Limitada, estatuindo-se no artigo 3 do pacto social (folhas 81 e seguintes):
Constitui seu objecto a prestação de serviços de caracter juridico, nomeadamente de consultadoria juridica e fiscal, podendo, por simples deliberação da assembleia geral, dedicar-se ao exercicio de qualquer outra actividade exceptuada por lei

.
Em assembleia extraordinaria geral de uns dias depois - 11 de Outubro de 1978 - deliberou-se que tal disposição do pacto social englobasse tambem a prestação de serviços administrativos e burocraticos de apoio a advogados.
A ADJURIS - Associação de Juristas Reunidos, Limitada, interpos recurso para o tribunal pleno (folhas 15), nos autos de revista n. 71 377/1 Secção, em que foi recorrente e recorrida a INTER-HOTEL - Sociedade Internacional de Hoteis, S. A. R. L., por não se ter conformado com o acordão ai proferido, porquanto o mesmo, que tem a data de 19 de Junho de 1984, esta em manifesta oposição, no dominio da mesma legislação sobre a mesma questão fundamental de direito, com um anterior acordão do Supremo Tribunal de Justiça proferido, em 19 de Janeiro de 1984, no processo n. 70 980/2 Secção.


Admitido o recurso (em 6 de Dezembro de 1984), os autos correram os vistos para julgamento da questão preliminar, apresentada a alegação legal.
Por decisão unanime, foi decidido que o processo - ora com o n. 72 664 - prosseguisse seus termos, por se verificar a oposição a que se refere o artigo 763, n. 1, do Codigo de Processo Civil.


Ai se disse:


I - Duvida não ha que os dois invocados acordãos do Supremo Tribunal de Justiça foram proferidos no dominio da mesma legislação e que tomaram, relativamente a mesma questão fundamental de direito, face as regras aplicaveis da lei das sociedades por quotas, Estatuto Judiciario e Codigos Civil e Comercial, soluções opostas.


II - Assim:


A) No Acordão de 19 de Janeiro de 1984, em que a ADJURIS demandou a EDEC - Edificações Economicas, S.A.R.L., pedindo a condenação desta a pagar-lhe serviços prestados, discutido e apreciado o pacto social da demandante, foi decidido ser "so parcialmente nula a clausula 3 do pacto na parte especificada", consultadoria juridica e fiscal, assegurando-lhe, consequentemente, personalidade juridica e judiciaria;


B) No Acordão de 19 de Junho de 1984, em que a mesma ADJURIS demandou a INTER-HOTEL - Sociedade Internacional de Hoteis, S.A.R.L., para pagamento de serviços prestados, veio a julgar-se ser nulo o mesmo e referido pacto social da demandante, não gozando ela de personalidade juridica, nem, consequentemente, dotada de personalidade judiciaria.
O recorrente apresentou a sua alegação sobre o objecto do recurso, concluindo que deva lavrar-se assento em que se fixe: a) O pacto social da requerente esta ferido de mera nulidade parcial, pois o seu objecto social, alias diversificado, e so parcialmente nulo; b) Sendo assim, como e, a recorrente tem personalidade juridica e judiciaria pelos seguintes fundamentos:
I - A sociedade recorrente tem um objecto social vago, amplo e diversificado, que pode abarcar a pratica de varias actividades e varios actos juridicos;


II - No seu objecto social compreende-se, ate pela sua amplitude, a realização de actividades legais, que não são reprovadas por normas imperativas;
III - E o que sucede, nomeadamente, com o objecto do contrato celebrado com a recorrida, não estando, nessa parte, o pacto social da recorrente ferido de nulidade, a luz do disposto nos artigos 280 do Codigo Civil e 61 da lei das sociedades por quotas;


IV - O objecto social da recorrente so e nulo na parte que se refere a consultadoria juridica e fiscal;


V - Tal nulidade, meramente parcial, não afecta todo o pacto social e a propria recorrente, nomeadamente por força do disposto no artigo 292 do Codigo Civil;


VI - Em face das anteriores conclusões e do disposto nos artigos 2, 44 e 61, paragrafo 4, da Lei das Sociedades por Quotas, 108 e 193 do Codigo Comercial, 2, alinea b), do Decreto-Lei n. 42 644, de 14 de Novembro de 1959, 157 e 158 do Codigo Civil e 5, n. 2, do Codigo de Processo Civil, a sociedade recorrente tem personalidade juridica e judiciaria;


VII - Se das diversas actividades previstas em objecto social multiplo ou diversificado somente uma delas e ilegal, não lhe e aplicavel o disposto no artigo 61 da Lei das Sociedades por Quotas em termos de implicação da nulidade total do contrato social;


VIII - O acordão proferido violou não so as normas juridicas na conclusão 6, como tambem, e fundamentalmente, o disposto nos artigos 280 e 292 do Codigo Civil e 61 da Lei das Sociedades por Quotas.


O Senhor Pocurador-Geral-Adjunto, no seu bem elaborado parecer a folhas 64 e seguintes, entende que deve confirmar-se a decisão recorrida, lavrando-se assento cujos termos podem ser, aproximadamente, os seguintes:
E nulo o pacto social de sociedade por quotas constituida antes da vigencia do Decreto-Lei n. 513-Q/79, de 26 de Dezembro, cujo objectivo inclui, alem do mais, actividade propria de advogado, nulidade que não pode beneficiar da redução prevista no artigo 292 do Codigo Civil.
Os autos correram os vistos legais.


Nos termos do n. 3 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil, o acordão que reconheça a existencia de oposição não impede que o tribunal pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrario.


Não e esse o caso. A oposição existe realmente, como se salientou.
Cumpre, pois, decidir.


Diz, em conformidade com o decidido, o douto parecer do ilustre magistrado do Ministerio Publico junto deste Tribunal que o acordão recorrido se estribou fundamentalmente nos artigos 280, 286 e 289 do Codigo Civil, 61, n. 4, da Lei das Sociedades por Quotas e 114, n. 3, do Codigo Comercial. O acordão fundamento teve por base primordial o artigo 292 do Codigo Civil.


Não se deve tambem esquecer que aquando dos factos narrados nos dois acordãos ainda não estava em vigor o Decreto-Lei n. 513-Q/79, de 26 de Dezembro, que institucionalizou as sociedades civis de advogados.
Estavam, sim, em vigor ao tempo da constituição da ADJURIS o Estatuto dos Judiciario de 1962 e o Estatuto dos Solicitadores (Decreto-Lei n. 483/76, de 19 de Junho).


Afigura-se-nos importante iniciar a nossa "digressão" pelo artigo 280, n. 2, do Codigo Civil (tambem aplicavel aos actos juridicos, ex vi do artigo 295 do mesmo Codigo), o qual nos diz que "e nulo o negocio (juridico) contrario a ordem publica ou ofensivo dos bons costumes".


Sendo certo que negocios juridicos e actos juridicos contrarios aos bons costumes são tambem contrarios a ordem publica (Vaz Serra, Boletim do Ministerio da Justiça, n. 74, pagina 198), vamos tentar definir a dita "ordem publica". Tambem o juiz não deve inspirar-se somente nas suas proprias ideias: deve antes pautar-se pelo que a generalidade das pessoas correctas, sãs e de boa fe entendem (loc. cit., pagina 191) (v. ainda Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Juridica - Lições ao 2 Ano Juridico, 1953, pagina 98).
Muito se tem escrito sobre ordem publica. Seria fastidioso, por repetitivo, mencionarmos, um a um, os trabalhos consultados: J.A. Reis, Processos Especiais, II, paginas 174 e seguintes; Cunha Gonçalves, Tratado,
I, pagina 410; RDES, n. 27, pagina 135; Revista da Ordem dos Advogados, n. 43-1, pagina 122; Mota Pinto, Teoria Geral da Relação Juridica, Coimbra Editora, 1976, pagina 434; Galvão Teles, Direito das Obrigações, 3 edição, pagina 473; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3, pagina 473; P. Lima e A. Varela, Codigo Civil Anotado,1, pagina 189; Revista de Legislação e de Jurisprudencia, anos 99, pagina 343, 103, pagina 316, 104, pagina 8, 108, pagina 293, 108, pagina 191, 111, pagina 110, e 120, pagina 62; Castro Mendes, Teoria Geral, 1967, 3, pagina 106; Vaz Serra, Boletim do Ministerio da Justiça, n. 74 (estudo sobre o objecto das obrigações, prestações, suas especies, conteudo e requisitos), paginas 15-284, e Cabral Moncada, Lições de Direito Civil, II, 1932, pagina 352.


Limitar-nos-emos a ligeiras transcrições daqueles que nos parecem mais clarificadores.
Mota Pinto diz-nos que a ordem publica e o conjunto de principios fundamentais, subjacentes ao sistema juridico que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados que prevaleçam e que tem uma acuidade tão forte que devem valer sobre as convenções privadas.
Tais principios não são susceptiveis de uma catalogação exaustiva, ate porque a noção de ordem publica e variavel com os tempos.
A mesma conclusão chegam Galvão Teles e Almeida Costa nos trabalhos acima mencionados.


Vaz Serra, Boletim do Ministerio da Justiça, n. 74 (Março de 1958), no qual faz tres exaustivos e extraordinarios estudos, no primeiro dos quais (paginas 15-284) versa o objecto das obrigações, prestações, suas especies, conteudo e requisitos, fala-nos da ordem publica, como acima ja referimos.
A folhas 137 diz-nos que e dificil dizer o que e ordem publica, quais são, em concreto, as suas regras, a que, por isso, não podem os particulares subtrair-se pelas suas convenções. Ela varia com os tempos.
Mas adianta que a distinção repousa na existencia ou não de um interesse tão forte que deva prevalecer sobre as convenções privadas.
Quando o legislador - como dizem Planiol e Ripert - não teve o cuidado de proibir as derrogações a certas regras, ha que determinar, para cada lei ou regra particular, se ela salvaguarda um interesse geral bastante poderoso para prevalecer sobre a liberdade das convenções (loc. cit., pagina 137).
A certo passo da exemplificação que faz, Vaz Serra refere as leis que regulam o exercicio de certas profissões com o fim de garantir o publico contra a idoneidade de quem as exerce (alinea g), a pagina 142).
São nulos os contratos que proporcionam ou favorecem o exercicio delas com violação dessas leis (no mesmo sentido, o Acordão do Supremo Tribunal de justiça de 5 de Novembro de 1974 in BMJ n. 241 pag. 265).

Dissertando sobre a jurisprudencia francesa, Vaz Serra acha justificada a associação de dois profissionais qualificados "que entra nos usos sem grande inconveniente" (profissionais do mesmo metier).
Entende, porem, que "uma sociedade para o exercicio da profissão entre um diplomado e não diplomados deve ter-se como proibida".
O mesmo se dira de uma sociedade entre duas pessoas que exercem profissões regulamentadas diferentemente, quando a pratica de uma permite procurar clientes a outra (por exemplo, um advogado e um agente de negocios).
Reafirma Vaz Serra (pagina 145) que as soluções parecem aceitaveis por inspiradas no cuidado de defender o publico e no bem entendido interesse das profissões.
Diz ainda que, achando-se entre nos as profissões largamente regulamentadas, cabe, em grande parte, a legislação respectiva dizer se e permitida a associação entre profissionais qualificados.
Batista Machado (na citada Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 120, pagina 62) diz-nos que por ordem publica deve entender-se o conjunto de principios fundamentais imanentes ao ordenamento juridico e formando as traves mestras em que se alicerça a ordem economica e social.
Como tais, estes principios são inderrogaveis pela vontade contratual. A ordem publica representa, assim, o proprio quadro do funcionamento normal das instituições e rege tudo o que o direito entende não dever abandonar a vontade dos individuos. A sua função caracteriza-se como limitadora da vontade contratual.
Entendida a ordem publica nos termos acabados de expor, vejamos o que nos diz a sociedade por quotas constituida no 12 Cartorio Notarial de Lisboa em 25 de Setembro de 1978 (folhas 81 e seguintes), devidamente registada: a) Foi ela constituida por quatro identificados advogados e por um quinto outorgante, A, sem qualquer profissão declarada; b) Adoptou a denominação ADJURIS - Associação de Juristas, limitada; c) Constitui seu objecto a prestação de serviços juridicos, nomeadamente de consultadoria juridica e fiscal. Em aditamento - por assembleia geral extraordinaria de
11 de Outubro de 1978 - foi deliberado que esta disposição do pacto social englobasse tambem a prestação de serviços administrativos e burocraticos de apoio a advogados.
Na epoca a que se reporta a constituição da sociedade e da alteração do pacto social, do contrato com a INTER-HOTEL e do que teve lugar com a EDEC, estavam em vigor o Estatuto Judiciario de 1962, a Lei das Sociedades por Quotas, o Codigo Civil hoje vigente e o Estatuto dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n. 483/76, de 19 de Junho. [Ainda não tinha sido aprovado o Decreto-Lei n. 513-Q/79, de 26 de Dezembro, que estruturou o regime juridico das sociedades de advogados, nem o Estatuto da Ordem dos Advogados (Decreto-Lei n. 84/84, de 16 de Março)].
Ha que analisar, para ja, o Estatuto Judiciario de 1962.
Este diploma, no seu titulo V (artigo 535), dizia que o mandato judicial estava restrito a advogados, candidatos a advocacia, inscritos na Ordem e solicitadores. Na sequencia, o artigo 536 limitava, com clareza, as procurações e substabelecimentos.
A disposição que se lhe seguia (artigo 537) imperativamente proibia o funcionamento de escritorios de procuradoria judicial ou similares (note-se bem: ou similares), ainda que sob a direcção de advogados ou solicitadores.
E evidente que não se quis proibir a advogados e solicitadores que estes montassem os seus escritorios: teve-se apenas em vista escritorios de procuradoria que, mesmo no caso de serem dirigidos por aqueles profissionais do foro, a eles não pertencessem (parecer aprovado pelo Conselho da Ordem de 27 de Maio de 1946, Revista da Ordem dos Advogados, VI, pagina 451, salientado no acordão recorrido).
De tudo isto se infere a inequivoca determinação do legislador em não autorizar a intervenção nos mesmos de individuos sem qualificação, para defender, obviamente, a nobreza das profissões de advogado e solicitador.
Conclusivamente se dira que, existindo a norma proibitiva dos escritorios (artigo 537), nos termos acima explicitados, tambem estavam proibidos os demais actos, fossem ou não praticados no escritorio, ex vi dos artigos
549 e 700 do Estatuto Judiciario, fortemente penalizadores, como se salienta tambem no acordão recorrido.
Que dizer do Estatuto dos Solicitadores?
Nasceu em 1976 e com regras claras e rigorosas.
O diploma que o institucionalizou (artigo 25) admitiu a possibilidade de constituição entre solicitadores, e (ou) com outros mandatarios judiciais, de sociedades perfeitamente delimitadas no artigo 61.
Posteriormente, as sociedades civis de advogados (Decreto-Lei n. 513-Q/79, ja mencionado) são constituidas so por advogados (como decorre do preambulo e do texto do diploma), os quais participam da industria e poderão, no todo ou em parte, participar no capital (artigo 8).
Assim, tambem, regras claras e rigorosas.
Num e noutro caso, as sociedades a constituir são pautadas por regras bem claras, na sequencia da legislação anterior.
Quer dizer do acordão fundamento?
E evidente que nos merece o mesmo respeito que o acordão recorrido, dado o brilho emprestado a sua fundamentação. Escusado seria enaltece-lo.
Certo que no objecto social se compreende, atenta a sua amplitude, a realização de actos que não poderão integrar-se na esfera da advocacia e solicitadoria, sendo evidente que a prestação de serviços administrativos e burocraticos e de apoio a advogados não pode enquadrar-se nas funções proprias de advogado e solicitador e muito menos actos de indole mercantil permitidos pela ja mencionada deliberação da assembleia geral de 11 de Outubro de 1978.
Quanto a esta primeira parte, não esquecer que o douto acordão fundamento refere que a sociedade "pode exercer qualquer outra actividade não exceptuada por lei", o que e assaz vago.
O mesmo acordão fundamento refere que o ter-se mencionado
"a prestação de serviço de caracter juridico, nomeadamente os de consultadoria juridica e fiscal", se reveste de certa delicadeza.
Mas ultrapassa-se o problema, ja que no contrato com a EDEC (em causa nesses autos) se diz que, "sempre que nos referidos serviços se incluam os de procuradoria forense ou solicitadoria, os mesmos serão exclusivamente prestados individual ou conjuntamente pelos advogados socios da ADJURIS. Não houve, assim, intenção de compreender o mandato ou procuradoria judicial, ja que a clasula 3 termina por excluir qualquer outra actividade que a lei afaste ou vede e o mandato ou procuradoria judicial so pode ser exercido por advogado, candidato a advocacia ou solicitador (artigo 536 do Estatuto Judiciario então em vigor e acima referenciado).
Pelo que se refere aos serviços de caracter juridico extrajudicial, argumenta-se com o preceituado nos artigos 542, ns. 4 e 3, do Estatuto (consultores ou equivalentes e professores de Direito), 574, n. 2, alineas d) e o), 580, alinea d), e 537, n. 5, todos do mesmo Estatuto, nos quais existem referencias a actividades que se inserem no exercicio do mandato judicial, de agir relacionado com causa ou demanda pendente.
Interessando, nesta parte, aquilo que não ocorre no exercicio do patrocinio judicial, chama-se a atenção para a circunstancia (vindo a liça o Acordão de 21 de Abril de 1960 do Conselho Superior da Ordem dos Advogados e o Professor Palma Carlos, em parecer aprovado em 29 de Maio de 1947 pelo Conselho Geral da Ordem) de que extrajudicialmente as funções de advocacia se consubstanciam no campo juridico em dar consultas e pareceres, exercer mandato ou procuradoria, aconselhar, elaborar minutas de convenções, a estabelecer por titulo particular ou notarialmente, e praticar actos necessarios a defesa dos direitos dos constituintes.
Chama-se tambem a atenção para o parecer da Procuradoria Geral da Republica de 30 de Junho de 1947 (Boletim, n. 4, paginas 66 - 69), em que se emite a opinião de que o artigo 515 do Estatuto Judiciario não proibe o funcionamento em associação de classe e semelhantes, de secções de contencioso dirigidas por advogados e destinadas a facilitar a defesa, mesmo judicial, dos interesses legitimos dos associados.
Diz-se ainda que a largueza que foi dada ao artigo 3 do pacto social pode abranger actos ou actividades que nada se relacionam com os "actos proprios" de advocacia e solicitadoria, pelo que em relação a eles não se pode colocar a questão de nulidade da clausula 3 referida e de todo o pacto.
Conclui o acordão fundamento, dada a filosofia subjacente a sua construção que so esta ferida de nulidade a clausula 3 do pacto no referente "a consultadoria juridica e fiscal", por se tratar de actos proprios de advocacia, não se atingindo, pois, toda a clausula nem o objecto social, globalmente considerado. Deve assim, em seu entender, atender-se ao preceituado no artigo 292 do Codigo Civil, pese embora, na sua optica, a lei não ter balizado com clareza a esfera da profissão de advogado e de solicitador e tambem achar necessario que a pessoa que exerce a procuradoria judicial inspire confiança nas pessoas que dela careçam, merce da dignidade e competencia profissional ou tecnico-juridica que o mandato impõe.
Que dizer de tudo isto?
Explicitadas as disposições do artigo 280, n. 2, do Codigo Civil e as do Estatuto Judiciario de 1962, vigentes na epoca, falta-nos referir o artigo 61 da Lei das Sociedades por Quotas, que, no seu n. 4, diz que e nulo o contrato social quando for nula, nos termos gerais, qualquer das estipulações a que se referem os ns. 2 e 3 desse artigo, entre os quais se conta, dada a remissão feita pelo artigo 114, n. 3, do Codigo Comercial, a relativa ao objecto da sociedade.
Inclinou-se o acordão fundamento para a nulidade parcial da clausula, pelo que, nos termos do artigo 292 do Codigo Civil, essa nulidade não determina a invalidade de todo o negocio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluido sem a parte viciada.

Assim seria, vigiando a sua tese, ja que, como dizem Mota Pinto, Teoria Geral, 1967, pagina 370, e Castro Mendes, Teoria Geral, 1967, 3, pagina 106, "o contraente que pretender a declaração de invalidade total tem o onus de provar que a vontade hipotetica das partes, no momento do negocio, era neste sentido, isto e, que as partes teriam preferido não realizar negocio algum se soubessem que ele não poderia valer na sua integridade.
Não se fazendo essa prova, ou em caso de duvida, a invalidade parcial não determina a total".
Cremos, porem, e salvo o devido respeito pelo acordão fundamento, que a sua solução não pode vingar, face aos argumentos contra ela expendidos e tambem aos decorrentes do acordão recorrido.
Esqueceu-se fundamentalmente a ordem publica, contra cujos principios vai o pacto, na sua globalidade, todo ele inquinado, enganoso do publico, a começar na propria designação, Associação de Juristas Reunidos, misturado nos quais aparece um individuo com profissão totalmente desconhecida, e a acabar no seu objecto vago e impreciso, a coberto dos ditos juristas reunidos. Estranha simbiose em que cinco socios, dos quais quatro são advogados, fazem contratos de prestação (com caracter de permanencia e regularidade) de serviços administrativos e burocraticos, do ambito da sua secção de contencioso e de apoio aos seus advogados.
Onde "a bondade" do exercicio de uma actividade (tão imprecisa), a respeitar os principios fundamentais imanentes ao ordenamento juridico, de forte acuidade e esclarecendo sobre a idoneidade de quem a exerce? Temos assim, para nos, que a constituição da sociedade por quotas ADJURIS - Associação de Juristas Reunidos,
Limitada, se baseia num pacto nulo, por contrario a ordem publica, não gozando, consequentemente, a dita sociedade nem de personalidade juridica nem judiciaria (artigo 5 do Codigo de Processo Civil.)
Os casos (ou situações) referidos nos serviços de caracter juridico extrajudicial pelo acordão fundamento não invalidam o que vem de dizer-se, ja que, em nosso entender, não colidem com a ordem publica.
Pelo exposto, negamos provimento ao recurso e formulamos o seguinte Assento:
Não e susceptivel de beneficiar da redução do negocio juridico previsto no artigo 292 do Codigo Civil o pacto social de uma sociedade constituida entre advogados e não advogados cujo objecto inclua actividade propria de advogado.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 9 de Março de 1989

Jose Calejo - Jose Domingues - Brochado Brandão - Eliseu Figueira - Barbosa de Almeida - Abel Delgado - Mendes Pinto - Vasco Tinoco - Castro Mendes - Mario Afonso - Baltazar Coelho - Sousa Macedo - Pinto Ferreira - Ferreira da Silva - Barros de Sequeiros - Jorge Vasconcelos - Lopes de Melo - Ferreira Vidigal - Solano Viana - Villa Nova - Licinio Caseiro - Julio Santos - Manso Preto - Gama Prazeres - Gama Vieira - Alcides de Almeida - Meneres Pimentel - Soares Tome - Salviano de Sousa - Joaquim Gonçalves - Cura Mariano - Fernandes Fugas - Jose Saraiva - Tinoco de Almeida (com a declaração de que da redacção do assento devia constar a sua aplicabilidade somente as sociedades constituidas antes da vigencia do Decreto-Lei n. 513-Q/79, de 26 de Dezembro, uma vez que so essas sociedades estavam em causa nos acordãos em conflito)
- Lima Cluny (vencido. Com o devido respeito, não encontro na fundamentação do presente acordão qualquer argumento que me convença da impossibilidade de aplicar a situação discutida a redução prevista no artigo 292 do Codigo Civil. Pelo contrario, abrangida , em sede de nulidade parcial, a parte do pacto social relacionada com actividades proprias da profissão de advogados, a parte que subsistiria do mesmo não seria, de qualquer modo, ofensiva dos principios de ordem publica. Por tal motivo, teria preferido a doutrina do acordão fundamento, que alias, subscrevi).