Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
532/11.5TTSTRE.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO
ASSÉDIO MORAL
Data do Acordão: 05/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / SUJEITOS / IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO / PROIBIÇÃO DE ASSÉDIO.
Doutrina:
-Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, p. 39 e ss.;
-Júlio Gomes, Direito do Trabalho, volume I, 2007, p. 426, 428, 431 e 437;
-Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17.ª Edição, 2014, p. 173 e 174;
-Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3.ª ed., Almedina, 2006, p. 1010 e 1011.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 29.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 23-05-1995, IN BMJ 447, P. 271;
-DE 15-09-2010 PROCESSO N.º 234/07.7TTSTB.S1, IN WWW.STJ.PT.
-DE 13-07-2011, PROCESSO N.º 105/08.0TTSNT.L1.S1, IN WWW.STJ.PT.
-DE 02-04-2014, PROCESSO N.º 612/09.7TTSTS.P1.S1;
-DE 03-12-2014, PROCESSO N.º 712/12.6TTPRT.P1.S1;
-DE 04-03-2015, PROCESSO N.º 37/11.4TTBRR.L1.S1. IN WWW.DGSI.PT.
-DE 21-04-2016, PROCESSO N.º 299/14.5T8VLG.P1.S1;
-DE 31-05-2016, PROCESSO N.º 1184/10.5TTMTS.P1.S1.

Sumário :

I - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só pode ser objecto de recurso de revista quando haja ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova.

II- Não é toda e qualquer violação dos deveres da entidade empregadora em relação ao trabalhador que pode ser considerada assédio moral, exigindo-se que se verifique um objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, para que se tenha o mesmo por verificado. 

III- Mesmo que se possa retirar do artigo 29º do Código do Trabalho que o legislador parece prescindir do elemento intencional para a existência de assédio moral, exige-se que ocorram comportamentos da empresa que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos pela norma – respeito pela integridade psíquica e moral do trabalhador.

Decisão Texto Integral:

            Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1---

            AA intentou a presente acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra

BB, S.A., pedindo que lhe seja reconhecido o direito a:

A) Ver declarada lícita a resolução do contrato de trabalho motivada pelos fundamentos previstos no art. 394.º do CT;

 B) Em consequência, ser a R., condenada a indemnizar o A., nos termos do artigo 396.º, n.ºs 1 e 3 do CT, tendo por base os valores de retribuição mensal auferida pelo A, que à data da cessação do contrato de trabalho que era de e 5.070,00, acrescida de € 1.267,50, a título de IHT;

C) A R. deverá também ser condenada a pagar ao A. o montante de € 10.140 (Dez mil cento e quarenta Euros), que abusiva e indevidamente descontou a título de aviso prévio.

D) A R. deverá ainda ser instada a pagar ao A. uma indemnização pelos danos não patrimoniais, por força das razões descritas e designadamente as que constam do artigo 124º, assistindo-lhe o direito em face da conduta patenteada pela R, que deliberada e conscientemente frustrou as expectativas criadas, gerou instabilidade ao nível pessoal e familiar, nomeadamente uma grande ansiedade, angústia e depressão, a qual aqui se peticiona em montante nunca inferior a € 50.000 (Cinquenta mil Euros).

F) A R ser instada a entregar todos os documentos e informações detalhadas no que respeita quer às obrigações da R para com o Fundo de Pensões IDAL, quer à actual situação do mesmo, quer às obrigações e direitos da entidade gestora, bem assim como no que respeita aos direitos do aqui A, enquanto participante.

Para o efeito alegou que, ao fim de mais de 30 anos de trabalho para a R, o A viu-se forçado a resolver o contrato de trabalho, com justa causa, por ser vítima de assédio moral, na medida em que deixaram de o convocar para as reuniões de trabalho e começaram a esvaziar de conteúdo as suas funções, retirando-lhe o controlo hierárquico e funcional da equipa que até ali dirigira, humilharam-no; tentaram impor-lhe outras funções e outros valores salariais (inferiores), bem como outra viatura (de valor inferior); contrataram outra pessoa para desempenhar as suas funções; tentaram que acordasse em perder algumas das condições acordadas no seu contrato de trabalho, e fizeram cessar, durante o gozo das suas férias, os contratos de trabalho de dois colaboradores da sua equipa.

Contestando, a Ré invocou a excepção de caducidade do direito de resolução com justa causa e deduziu impugnação, alegando que:

     - Foi o A. quem propôs à R acordo para a cessação do contrato de trabalho, pedido a que a R. acedeu, sendo que o acordo se frustrou devido às suas elevadas exigências, tendo depois avançado para a resolução do contrato com justa causa;

            - Não ocorreram quaisquer factos que possam integrar a justa causa de resolução do contrato alegada pelo trabalhador;

            - A proposta de novas condições laborais ajustava-se às novas condições de negócio no mercado em que a R se movia, condições que se agravaram;

- Não houve qualquer assédio moral, mas mesmo que tivesse ocorrido, teria começado em 2008, pelo que, não se compreende que o A. só em 2011 viesse a resolver o contrato de trabalho com justa causa, tendo já caducado o direito de o fazer;

- O A. sempre foi envolvido nos processos de tomada de decisão;

- O A. recebeu prémios de anuais relativos aos resultados da R., no valor de € 3.500,00 em 2010 e de € 3.700,00, no ano de 2011;

- não há qualquer fundamento para peticionar o pagamento de indemnização por danos não patrimoniais;

- o A. litiga de má-fé.

            No saneador, foi a Ré absolvida da instância quanto ao pedido de entrega de documentos e informações detalhadas respeitantes ao Fundo de Pensões e relegou-se para final o conhecimento da excepção peremptória de caducidade.

            Após julgamento, foi proferida sentença que declarando a existência de justa causa para resolução do contrato de trabalho por parte do A., veio a condenar a R a pagar-lhe a quantia de € 140.809,41, a título de indemnização pela cessação do contrato, aqui se incluindo o ressarcimento dos danos não patrimoniais, e ainda a quantia de € 10.140,00, a título de desconto indevido da falta de aviso prévio.

           Inconformada, apelou a R, tendo o Tribunal da Relação de Évora proferido acórdão a julgar parcialmente procedente o recurso quanto à impugnação da matéria de facto; a julgar não verificada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, porquanto a decisão apreciou a questão da caducidade; e a julgar não verificada a caducidade do direito de resolver o contrato, porquanto na carta de resolução se descrevem factos continuados desde 2008.

           Por fim, considerando não ter ocorrido assédio moral por parte da R, nem qualquer comportamento integrante de justa causa para a resolução do contrato, absolveu-se a R do pedido.

           

O A veio interpor recurso de revista e arguir a nulidade do acórdão recorrido, fazendo-o nos termos do disposto no artigo 77.º do CPT, onde alegou que a apelante (a R) não havia cumprido os ónus previstos no artigo 640.º, n.º 2 do CPC, questão que como recorrido havia suscitado na sua contra-alegação, sobre a qual o acórdão não se pronunciou.

           A Relação proferiu acórdão a indeferir a invocada nulidade.

           

E quanto à alegação da revista, esta remata com as seguintes conclusões:

1.         Nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Évora, o então Recorrido (ora Recorrente) invocou o incumprimento do ónus de alegação por parte da então Recorrente por violação da exigência legal contida no artigo 640.°, n.° 2 do CPC, porquanto a mesma não procedeu à indicação exacta das passagens da gravação das sessões da audiência de discussão e julgamento por si invocadas, concluindo pela rejeição do recurso.

2)           No mesmo sentido se pronunciou a Digna Procuradora-Geral Adjunta, no seu Parecer (cfr. pág. 2, 3.° parágrafo e pág. 4, 2.° e 3.° parágrafos do respectivo Parecer).

3)           Sucede, porém, que, analisado o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, constata-se que o incumprimento suscitado e a consequente rejeição do recurso não foram objecto de apreciação, omitindo-se, assim, a pronúncia sobre uma das questões submetidas à sua apreciação.

4)            Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.°, n.° 1, alínea d), 1ª parte do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 663.°, n.° 2, in fine, do mesmo diploma, deixou o Tribunal recorrido de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, e, em consequência, o Acórdão recorrido encontra-se ferido de nulidade, nos termos da disposição conjugada dos artigos 615.°, n.° 1, alínea d), 1.ª parte e 666.°, n.° 1, 1ª parte, ambos do CPC.

5)           O Recorrente invoca a falta de fundamentação do Acórdão recorrido com base na violação da lei de processo (artigo 674.°, n.° 1, alínea b) do CPC).

6)            O Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 663.°, n.° 2, 607.°, n.° 4, 662.°, n.°1, todos do CPC:

7)           O Ponto 20 da matéria de facto assente foi alterado pelo Tribunal recorrido para: "Na sequência daquele procedimento, o administrador do sector agrícola, Eng. CC, deixou de convocar o A. para todas as reuniões de serviço relativas às campanhas do tomate, passando a comparecer apenas quando era considerada justificada a sua presença." (sublinhado nosso);

8)           O Tribunal recorrido alterou a redacção do Ponto 21 da matéria de facto assente para: "As aludidas reuniões passaram a ser realizadas com o Eng. DD, na qualidade de responsável da área do aprovisionamento do tomate e, quando tal era considerado justificado, com a presença do A" (sublinhado nosso);

9)           O Ponto 37 da matéria de facto assente foi alterado pelo Tribunal recorrido que, ademais, relevou, para a formação da sua convicção, o facto de estar"(...) por provar que o A. tenha discutido semelhante proposta ou apresentado contrapropostas, (,..)" (cfr. pág. 56, 3.° parágrafo, in fine, do acórdão recorrido).

Foi dado como provado terem "sido trocadas diversas propostas entre A. e Ré" (facto provado 51) e este facto provado foi, completamente, ignorado pelo Tribunal recorrido, o que impedia que o Tribunal recorrido tomasse decisão diversa da tomada pelo Tribunal da 1ª instância,

10)         O Tribunal recorrido alterou a redacção do Ponto 45 da matéria de facto assente para: "Em Dezembro de 2008, a Ré propôs ao A. a cessão de posição contratual, deixando de ser trabalhador da IDAL e passando a integrar o quadro de pessoal da KK, Lda., empresa da qual foi fundador e era gerente desde a sua constituição em 1995, sendo que à data o A. já tinha mais de 55 anos de idade e mais de 20 anos de antiguidade." (sublinhado nosso).

11)         O Tribunal recorrido alterou a redacção do Ponto 49 da matéria de facto assente para: "A proposta de renúncia ao Fundo de Pensões provocou mágoa ao A", assim como concluiu pela inexistência de "outros elementos probatórios que denotem um efectivo "abalo" da imagem profissional do A." (cfr. pág. 27 do acórdão recorrido);

Não se compreende o fundamento utilizado na restrição da factualidade em apreço, pelo Tribunal recorrido, restringindo-a à questão do Fundo de Pensões.

12)         O Tribunal recorrido alterou a redacção do Ponto 96 da matéria de facto assente para: "O A continuou, ao longo dos anos de 2008 a 2011, a participar nas reuniões de Direcção e em algumas reuniões da Administração, nomeadamente as que se realizavam periodicamente para apresentação de resultados." (sublinhado nosso).

Dois factos careciam da análise do julgador: a participação do Recorrente em reuniões de Direcção e a participação do Recorrente em reuniões da Administração.

13)         O Tribunal recorrido aditou o Ponto 137 à matéria de facto assente, o que fez com base na factualidade, por si, considerada como provada no ponto 96 da matéria assente, privilegiando um raciocínio dedutivo, em detrimento da prova expressa e inequívoca produzida pelas Partes.

14)          Quer na alteração dos pontos 20, 21, 37, 45, 49 e 96, quer no aditamento do ponto 137 da matéria de facto assente, o Tribunal da Relação de Évora não esclareceu os meios de prova nos quais formou a sua convicção,

15)         Nem especificou, como lhe competia nos termos das disposições legais acima invocadas, os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção,

16)         Sendo que o Recorrente desconhece qual o documento ou depoimento que serviu de base à formação da convicção do julgador e lhe permitiu concluir pela alteração/aditamento da factualidade dada como provada pelo Tribunal de 1ª instância.

17)         O Recorrente desconhece, assim, se, de facto, alguma prova produzida nos autos impunha decisão diversa da tomada pelo Tribunal de 1ª instância, porquanto o Tribunal da Relação de Évora não identificou ou analisou criticamente o meio de prova no qual formou o seu juízo.

18)         O Tribunal recorrido omitiu os fundamentos decisivos para a formação da sua convicção, assim como os meios de prova nos quais esta se formou,

19)          E desatendeu aos factos tidos como assentes, sem que a prova produzida ou um documento superveniente impusessem decisão diversa, privilegiando um raciocínio de dedução em detrimento de prova clara e inequívoca constante dos autos.

20)         O Tribunal recorrido estava impedido de proceder à modificação da matéria de facto como fez,

21)          Porquanto incumpriu o disposto nos artigos 607, n.° 4 e 662.°, n.° 1, ambos do CPC,

22)          E violou, consequentemente, a lei de processo civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 81.°, n.° 5 do CPT,

23)          Devendo ser revogado o Acórdão recorrido.

24)          O Recorrente invoca a ofensa a disposição legal expressa que culminou no erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (artigo 674.°, n.° 3 do CPC).

25)         O Tribunal recorrido violou as disposições legais constantes dos artigos 663.°, n.° 2 e 607.°, n.°s 4 e 5, ambos do CPC.

26)         O Tribunal recorrido alterou a redacção do Ponto 27 da matéria de facto assente;

Este facto foi dado como assente com fundamento na sua admissão por acordo das Partes quanto ao respectivo teor, o que significa que o mesmo deixou de ser controvertido.

27)         O Tribunal recorrido alterou a redacção do Ponto 36 da matéria de facto assente para: "No âmbito da negociação da revogação do contrato de trabalho proposta pelo A., o departamento de recursos humanos da Ré reduziu a escrito uma minuta dos seguintes documentos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido: (identificação dos documentos)";

O Tribunal da 1ª. instância em consideração a prova documental junta aos autos, cuja genuinidade nunca foi impugnada pela Recorrida e cuja autoria esta sempre admitiu;

No Doc. 15 - Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho - consta o seguinte: "A cessação do contrato de trabalho está integrada num processo de redução de efectivos e tem por fundamento a reestruturação da Primeira Contraente [leia-se, a ora Recorrida], (...)" (cfr. Doe. 15, cláusula Primeira, n.° 2);

No Doc. 19 - Declaração anexa àquele Acordo - consta que "BB, S.A., (...), declara que na sequência de uma reestruturação interna com redução de trabalhadores recentemente operada nesta Empresa, (...)";

A Recorrida confessou a elaboração destes documentos;

Não deveria o Tribunal recorrido ter eliminado do ponto 36 o facto (...) a inserir num processo de redução de efectivos da ré, tendo por fundamento a sua reestruturação(...)", ignorando, assim, a prova documental e a confissão da Recorrida e desatendendo à força probatória legalmente fixada para estes meios de prova.

28)         O Tribunal recorrido alterou a redacção do Ponto 37 da matéria de facto, limitando-se a transcrever as provas, sem delas extrair quaisquer factos, ilações ou conclusões, menosprezando a força probatória dos referidos meios de prova que lhe permitiriam concluir de forma clara e inequívoca;

Foi admitida por acordo, a existência do direito do Recorrente (facto provado 1) e foi confessado que a autoria destes documentos foi da Recorrida (facto provado 36).

29)          No decurso da audiência de discussão e julgamento, o M.mo. Juiz de Direito do Tribunal do Trabalho de Santarém foi ditando para a acta a matéria de facto a dar como assente por acordo das Partes (assentada), assim como aquela que deveria dar-se como confessada, o que fez, designadamente, aquando do depoimento de parte do Administrador da Recorrida, EE.

30)         Atento o exposto, incorreu o Tribunal recorrido num erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa por ofensa a disposições legais expressas, designadamente, o disposto nos artigos 352.°, 353.°, n.° 1, 356.°, 358.°, 362.° e 376.°, todos do CC.

31)         Porquanto ignorou que estes factos foram dados como assentes com fundamento na sua admissão por acordo das Partes ou por confissão da Recorrida, não poderia o Tribunal da Relação de Évora sobrepor-se às Partes e à força probatória fixada para proferir decisão em sentido diverso,

32)         Antes se impondo a manutenção da decisão de facto tomada pelo Tribunal da 1ª instância,

33)          Motivo pelo qual deverá ser revogado o Acórdão recorrido.

34)          Caso não se entenda pela revogação do Acórdão recorrido, no que não se concede, deverá ser revogada a decisão do Tribunal da Relação de Évora de alteração da redacção dos pontos 27, 36 e 37 da matéria de facto assente, mantendo-se a redacção inicial dada pelo Tribunal da 1ª instância.

35)         O Recorrente invoca a errada aplicação do Direito pelo Tribunal recorrido (674.°, n.° 1, alínea a) do CPC).

36)          Andou mal o Tribunal da Relação de Évora ao concluir que a conduta continuada da Recorrida não integra a noção legal de assédio moral (artigos 29.°, n.° 1 e 15.°, ambos do CT).

37)          Entre outros, foi dado como provada/o:

a)           A não intervenção do Recorrente na defesa no âmbito do processo instaurado, à Recorrida, pela Autoridade da Concorrência (factos provados 88 e 19), sendo que era o Recorrente quem, naquela data, detinha a direcção das áreas de negócio envolvidas naquele processo (a saber, a comercialização de sementes e o aprovisionamento de tomate - factos provados 18 e 83);

b)           A preterição do Recorrente, na liderança do "core business" da Recorrida (o aprovisionamento de tomate), pelo seu subordinado, DD, recentemente contratado para a empresa (factos provados 18, 21 e 100) quando "os administradores da ré conheciam a provisoriedade do negócio de comercialização de sementes, (...)" (factos provados 136 e 25,112,113, 119,120);

c)            Os novos moldes em que passaria a desenrolar-se a relação laboral, com claras perdas ao nível do estatuto remuneratório do Recorrente (facto 33 provado por confissão da Recorrida);

d)           A cessação dos contratos de trabalho de FF e GG, que colaboravam com o Recorrente, sem que este último tivesse conhecimento prévio da sua saída (facto provado 39);

e)           A grave imposição pela Recorrida de renúncia do Recorrente ao Fundo de Pensões ÍDAL, do qual era legítimo beneficiário (facto provado 1 e factos 36, 37 provados por confissão da Recorrida);

f)            A admissão de HH para colaborar na área de negócio atribuída ao Recorrente, sem que este último tivesse participado no respectivo processo de recrutamento ou, sequer, sido informado daquela contratação (factos provados 92 e 133).

38)          Pese embora a gravidade de cada uma das situações acima descritas, a verdade é que a actuação da Recorrida deve ser apreciada na globalidade.

39)         A conduta adoptada pela Recorrida, desde 2008 até 2011, visou uma diminuição do estatuto profissional do Recorrente, consubstanciando uma verdadeira situação de assédio moral/"mobbing".

40)         A Recorrida levou a cabo diversas acções e decisões que afectaram, directamente, as funções que o Recorrente desempenhava na empresa, a sua equipa e a sua dignidade pessoal e profissional, com o intuito de criar um ambiente hostil e forçar o Recorrente a afastar-se da empresa.

41)         Entre os anos de 2008 e 2011, a Recorrida recorreu a um conjunto de actos e/ou condutas marginalizantes - um verdadeiro processo -, destinado a afectar a dignidade pessoal e profissional do Recorrente e a forçá-lo a ceder, saindo da empresa,

42)         O que revela que a actuação da Recorrida foi intencional e dolosa.

43)          E, como bem referiu o Tribunal da 1ª instância, "Uma parte de boa fé não age como o fez a ré empregadora" (cfr. 4.° parágrafo da pág. 47 da sentença recorrida).

44)         Esse conjunto de comportamentos da Recorrida teve como consequência a humilhação e desvalorização profissional do Recorrente perante os seus subordinados, pares e pessoas que directamente se relacionavam com a empresa, designadamente os produtores de tomate,

45)         Assim como a mágoa e vexame pessoais do Recorrente, porquanto o mesmo foi "encostado" pela Recorrida após mais de 20 anos de dedicação profissional total (facto provado 48) e tratado sem qualquer dignidade no momento em que se negociava a sua saída (forçada) da empresa.

46)         Sem conceder, a toda esta argumentação, acresce, ainda, aquela que resulta da posição que tem vindo a ser defendida por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça segundo a qual a conduta assediante se encontra caracterizada mesmo que tal não seja o objectivo do assediante, mas desde que seja esse o efeito provocado no assediado, o que ficou provado no facto 49 da matéria assente.

47)         A conduta, reiterada e continuada, da Recorrida consubstanciou uma verdadeira situação de assédio moral e, porque seria inexigível impor ao Recorrente a manutenção 6a relação laboral, integradora do conceito legal de justa causa de resolução do contrato de trabalho, nos termos e com os efeitos previstos no artigo 394.° do CT, a qual merece tutela jurídica.

48)          Por todo o exposto, deverá o presente recurso de revista ser julgado totalmente procedente, revogado o douto Acórdão recorrido e, em consequência, confirmada a decisão proferida pelo Tribunal da 1ª instância, com as consequências legais.

Pede assim que se revogue o Acórdão recorrido, repristinando-se a decisão proferida pelo Tribunal da 1ª instância.

           A recorrida contra-alegou pugnando pela inexistência de qualquer nulidade do acórdão e pela improcedência da revista.

           Subidos os autos a este Supremo Tribunal, proferiu o Senhor Procurador Geral Adjunto proficiente parecer no sentido do acórdão não enfermar de qualquer nulidade e da matéria de facto apurada não revelar o menor indício da prática por parte da R de qualquer comportamento susceptível de integrar a figura do assédio moral.

Conclui assim pela inexistência da justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, com a consequente confirmação do acórdão recorrido.

Notificadas as partes sobre este parecer, nenhuma delas se pronunciou sobre o mesmo.

Cumpre assim apreciar a matéria da revista.

2----

            A Relação, alterando a matéria de facto, acabou por fixá-la nos seguintes termos:

1) A Ré resulta da fusão de duas empresas, a Indústrias de II, Lda., que foi vendida em Maio de 2007, e a JJ, S.A., cuja fusão ocorreu em Maio de 2009, tendo sido feitas várias comunicações de onde resultou claramente que os direitos adquiridos pelos trabalhadores estavam todos salvaguardados e que eram assumidos pela BB, S.A..

2) O A. foi admitido ao serviço da Indústrias de II, Lda., em 01 de Janeiro de 1988, mediante contrato de trabalho sem termo, para exercer funções de responsável pelo Sector Agrícola, com a categoria profissional de adjunto de director de serviços, com isenção de horário de trabalho, auferindo em contrapartida um ordenado mensal ilíquido de 107.000$00, acrescidos de 25% pela isenção de horário de trabalho, o que perfaria 133.750$00, subsídio de refeição, uso de viatura de empresa e seguros de acidentes pessoais e de vida.

3) O A., antes de ter sido admitido ao serviço da Ré, trabalhou para a empresa JJ., entre 01 de Janeiro de 1977 e 31 de Dezembro de 1987.

4) À data da admissão na II, Lda., foi determinada a aquisição de uma viatura destinada ao A., de segmento superior.

5) O A. após a admissão dependeu hierárquica e funcionalmente da direcção geral da Ré.

6) O estatuto profissional do A., ao serviço da Ré, foi desde sempre de nível superior.

7) O A. foi sempre e até ao presente ano o responsável máximo da Ré no que respeita ao “negócio de sementes”.

8) O citado negócio foi projectado, iniciado e desenvolvido pelo A., quer ao nível nacional quer ao nível internacional.

9) Graças ao desempenho, à competência e ao esforço do A., foi criada a sociedade KK, Lda., 1995, com vista à aludida expansão nacional e internacional.

10) Como a Ré não desconhece, foi o A. quem outorgou, na qualidade de procurador e em representação da sociedade anónima sob a firma “LL, S.A.”, o acima citado contrato de constituição de sociedade, na qual foram intervenientes a II, Lda., e a referida sociedade “LL”.

11) A Ré também não desconhece que se visava criar uma sociedade de dimensão internacional, designadamente ibérica, cujo objecto foi a elaboração de estudos e projectos sobre a viabilidade de explorações agrícolas alheias, exploração agrícola, agro-pecuária e silvícola e a comercialização de produtos agrícolas e alheios, tendo o A. sido nomeado um dos três gerentes.

12) O A. foi reconhecido nacional e internacionalmente como sendo um profissional íntegro, competente e dedicado.

13) O A. representou a referida sociedade KK, tendo feito parte dos órgãos sociais da Organização de Produtores MM, S.A..

14) Por força destas circunstâncias vindas de referir e que se prendem com a capacidade de trabalho e o elevado nível de responsabilidade do A., foi chamado a representar o país e a coordenar relativamente às operações do Tomate.

15) O trabalho, a dedicação, o empenho, a competência do A. foram reconhecidos, interna e externamente à Ré, designadamente pela LL Europe e pela MM, NN, S.A..

16) O A., ao longo dos anos ao serviço da Ré, intentou gerar riqueza para esta e, adentro das suas funções e competências, procurou sempre colocar a Ré num patamar de sucesso e de elevados resultados.

17) O A., por força do seu trabalho e das suas características pessoais e profissionais, evoluiu, tendo sido reconhecido também do ponto de vista remuneratório, tendo recebido da Ré, em Março de 2008, por referência ao período entre Maio e Dezembro de 2007, um prémio anual no montante de € 8.872,50.

18) O A. foi, até determinada altura, o responsável por todos os aspectos e negócios que respeitavam ao sector agrícola, nos quais se incluíam: o aprovisionamento do tomate, a prestação de serviços a terceiros, a experimentação e divulgação de novas tecnologias de produção e a selecção de novas variedades de tomate para os vários mercados.

19) A Ré contou com a participação do até ali subordinado do A., Eng. DD, admitido ao serviço da Ré em Maio de 2008, para participar na construção da defesa no procedimento que a OO instaurou à Ré.

20) Na sequência daquele procedimento, o administrador do sector agrícola, Eng. CC, deixou de convocar o A. para todas as reuniões de serviço relativas às campanhas do tomate, passando a comparecer apenas quando era considerada justificada a sua presença.

21) As aludidas reuniões passaram a ser realizadas com o Eng. DD, na qualidade de responsável da área do aprovisionamento do tomate e, quando tal era considerado justificado, com a presença do A..

22) Em Junho e Julho de 2009 foram divulgados pela Ré os organigramas apresentados com a petição inicial como documentos n.ºs 13 e 14.

23) A Ré alterou a cadeia hierárquica dos seus colaboradores, de forma que alguns dos colaboradores que antes reportavam ao A. passaram a depender hierárquica e funcionalmente do Eng. DD.

24) Nos meses de Julho e Agosto de 2009 o A. foi confrontado com a ocupação por parte da direcção de logística da Ré, um seu par na cadeia hierárquica da empresa, do espaço (parque de máquinas) que até então fora ocupado pelo serviço liderado pelo A..

25) Em Abril de 2011 deu-se o fim do acordo que a Ré mantinha com a LL para distribuição exclusiva para a Europa das sementes comercializadas por aquela empresa.

26) Tendo a Ré recebido daquela empresa uma indemnização de € 350.000,00 e contratado ambas a renovação para mais uma campanha de vendas ou seja até Abril de 2012, mas apenas para o território nacional.

27) O A. após a separação das áreas do aprovisionamento de tomate e da gestão das sementes, e ter sido designado para dirigir esta última, procurou então envolver-se no trabalho operacional do mercado.

28) Foi fazendo o acompanhamento dos ensaios de variedades de forma directa nos campos de produção, visando a sua integração na empresa.

29) A Ré pretendeu que o A. subscrevesse o descritivo funcional da categoria de director agrícola, em Setembro de 2010, retroagindo a Janeiro deste ano.

30) Ao que o A. não acedeu, porquanto não tinham correspondência com os organigramas distribuídos na Ré.

31) Na terceira semana de Maio de 2011, a Ré reuniu com o A., segundo referiu “para a definição de nova estratégia comercial”, onde lhe comunicou o abandono do negócio das sementes.

32) Nessa reunião, a Ré deixou implícita a vontade de impor ao A. uma nova função.

33) A Ré anunciou ao A. que a relação laboral do A. se manteria à luz de um novo formato, a saber:

- O A. abandonaria todas as actividades comerciais e de suporte ao negócio das sementes, tais como a experimentação e selecção de novas variedades para o mercado nacional;

- As funções e actividades supra mencionadas seriam incumbidas ao subordinado do A., Eng. PP, após o mesmo acertar as novas condições de trabalho que lhe iriam ser propostas;

- O A. passaria a trabalhar na produção directa de “Tomate”;

- O A. iria integrar e trabalhar numa estrutura ainda por definir, a qual poderia ser integrada na BB, na KK ou noutra;

- O A. deixaria de estar isento do cumprimento de horário de trabalho e, em consequência, perderia a retribuição devida por tal isenção;

- O A. veria também a viatura ser substituída por uma outra de valor e estatuto inferior, bem assim como teria de se sujeitar a novas condições de utilização.

34) O A. não aceitou as pretendidas alterações contratuais.

35) A Ré contactou o seu colaborador directo, PP, para lhe confiar o negócio das sementes, com a condição de aceitar ficar sem isenção de horário de trabalho e com uma viatura inferior.

36) No âmbito da negociação da revogação do contrato de trabalho proposta pelo A., o departamento de recursos humanos da Ré reduziu a escrito uma minuta dos seguintes documentos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido:

- Doc. 15 – Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho;

- Doc. 16 – Acordo de Utilização de Viatura;

- Doc. 17 – Certificado de Trabalho;

- Doc. 18 – Declaração de Quitação;

- Doc. 19 – Declaração (art. 10.º e 74.º do DL 220/06);

- Doc. 20 – Declaração (Renúncia ao plano de reforma);

- Doc. 21 – Recibo de quitação discriminado.

37) Da minuta do documento n.º 18 supra referido, consta, para além do mais, uma declaração de renúncia ao Fundo de Pensões II, designadamente ao plano de reforma individual e a qualquer benefício do mesmo decorrente; e da minuta do documento n.º 20 consta uma declaração com os seguintes termos: «Eu, (identificação do A.), pela presente declaro que com a cessação, em 31 de Julho de 2011, do contrato de trabalho que me vinculava à (identificação da Ré), venho pela presente renunciar a todos e quaisquer benefícios que, na pendência do contrato de trabalho em apreço, me foram garantidos pela BB, designadamente do meu plano de reforma individual, bem como de quaisquer benefícios do mesmo decorrentes. O referido plano de reforma encontra-se integrado no Fundo de Pensões II, do qual a BB é Associado, sendo a QQ, S.A., a Entidade Gestora e ao qual, na qualidade de Participante, pela presente expressamente renuncio, o que faço de livre vontade e com efeitos imediatos.»

38) Instada pelo A. para prestar esclarecimentos sobre o aludido Fundo de Pensões, a Ré remeteu o A. para a informação constante do sítio da internet do Instituto de Seguros de Portugal e da intranet da Ré, mormente para o relatório de contas do Fundo de Pensões respeitante a 2010.

39) O A. soube da cessação dos contratos de trabalho entre a Ré e os trabalhadores GG e FF pelos próprios.

40) O A. enviou à Ré uma carta, registada e com aviso de recepção, datada de 21 de Outubro de 2011, mediante a qual comunicou à Ré resolver o contrato de trabalho, com invocação de justa causa, com os seguintes dizeres:

               “Assunto: Resolução de contrato de trabalho com justa causa

Exm.ºs Senhores:

Nos termos do artigo 394.º do código do Trabalho, venho fazer cessar com justa causa e com efeitos imediatos, o contrato de trabalho que mantenho com a BB – …, S.A..

Tomo esta decisão por não ter outra alternativa, ao estar a ser vítima de uma campanha eivada de má fé por parte de V. Exas., destinada a forçar-me a sair da empresa.

V. Exas., conseguiram criar um ambiente insustentável para mim e a impossibilidade prática de uma pessoa bem formada como me orgulho de ser, conseguir manter uma relação laboral em bases minimamente aceitáveis.

Os factos que me levam a tomar esta decisão estão integrados num processo de assédio moral que teve o seu início em Outubro de 2008 e me fez atingir o limite nesta data.

Sucintamente são os seguintes:

1. No final de dia não determinado de Outubro de 2008, fui avisado inesperadamente por telefone, sobre um processo que existia contra a BB sobre a obrigatoriedade de uso de variedade de tomate LL, em que era preciso defender a posição da empresa. A administração definiu que a defesa seria apesentada por outro que não eu, que não teria qualquer envolvimento na construção da argumentação, em evidente e não fundamentada demonstração de quebra injustificada de confiança na minha pessoa, a qual culminou com,

2. Em Novembro de 2008 ter sido afastado das minhas funções de aprovisionamento de tomate, responsabilidade que detinha desde 1988. Sem uma prévia explicação dos motivos e na presença dos meus colaboradores fui esvaziado de funções. Questionei várias vezes os motivos para esta decisão da empresa que tanto me abalava, sem que tivesse tido qualquer resposta. Aliás,

3. Entre Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009 continuei a pedir uma redefinição de funções, de forma mais insistente junto dos recursos humanos, uma vez que o Administrador do pelouro não falava comigo. Como resposta tive uma completa marginalização nas decisões em que regularmente participava.

4. Em Junho de 2009 foi-me retirado, sem aviso ou informação, o controlo hierárquico e funcional da minha equipa. Em duas semanas foram divulgados pela empresa dois organigramas com essa finalidade sem que tenha tido qualquer contacto, informação ou participação, Em suma, os colaboradores que eu coordenava passaram a reportar a outra pessoa dentro da BB.

5. Nos meses de Julho e Agosto de 2009 a direcção de logística da empresa ocupou o espaço até então ocupado pelo meu serviço sem que eu tivesse sido informado. Desde essa data deixei de ser responsável pela coordenação do referido espaço, sem que tivesse sido sequer informalmente envolvido.

6. Em Abril de 2010 a Administração inicia tentativa de renegociação do contrato de sementes com a estrutura LL Europa, contra a minha sugestão de manter fidelidade à estrutura LL (USA), sem o meu envolvimento, acções que tiveram como consequência, que a relação entre as duas empresas saiu fortemente deteriorada. Isto é, na ânsia de me esvaziar de funções e de me afastar da actividade da empresa, esta começou a sofrer fortes consequências, que representaram rudes golpes na minha dignidade e profissionalismo, que assistia impotente à destruição do trabalho de uma vida.

7. A empresa reforçou a sua estratégia destinada a forçar-me a sair, em Agosto de 2011: propõe uma redução salarial ilegal e injustificada e apresenta uma proposta de revogação por acordo do meu contrato de trabalho. Porque a proposta era totalmente inaceitável, comuniquei a minha recusa. No entanto, um dos elementos da Proposta, apresentado como inegociável, consistia na minha renúncia aos direitos adquiridos no Fundo de Pensões da II, o que despertou a minha atenção para a possibilidade de que este Fundo de Pensões não estava a ser gerido convenientemente. Por isso,

8. Suportado na obrigação de a empresa informar os trabalhadores sobre todos os aspectos relevantes do contrato de trabalho, previsto no art. 106.º do CT, pedi informações sobre o Fundo de Pensões. Inexplicavelmente a empresa recusou dar essa informação direccionando-me para o Instituto de Seguros de Portugal!

9. Insisti nesse pedido de informação e a resposta foi a mesma: recusa e direccionamento para o ISP o que aconteceu em carta datada de 23 de Setembro de 2011.

Finalmente, o total esvaziamento de funções de que fui vítima teve o seu epílogo com a admissão de um substituto anunciado internamente a 24 de Agosto, com as funções de “Responsável para a área de sementes da KK”.

Acresce que há fortes suspeitas de estar a ocorrer lesão culposa por parte da empresa, de sérios interesses patrimoniais enquanto trabalhador, como é a pressão para renunciar ao complemento de reforma que o Fundo de Pensões da II me garante, a recusa em me informar do estado do referido Fundo.

Assim, não me resta outra alternativa, confessadamente desgastado e incapaz de continuar a viver com o pesadelo que a empesa me criou, senão rescindir o meu contrato de trabalho com justa causa por se verificarem ofensas à minha honra e dignidade, puníveis por lei, praticadas por V. Ex.ªs, reservando-me o direito de recorrer às instâncias judiciais para ver reposto o meu bom nome e a minha imagem profissional.

Nos termos da lei, dever-me-á ser posto à disposição o seguinte, no prazo de cinco dias nos termos do artigo 43.º do decreto-Lei n.º 22/2006, de 3 de Novembro:

a) Modelo destinado a instruir processo de requerimento de subsídio de desemprego;

b) Certificado de trabalho;

c) Pagos os palores referentes a direitos adquiridos e proporcionas;

d) Pago o crédito de horas para formação contínua não proporcionada;

e) Pagos os valores de férias e subsídio de férias e de Natal em falta (…).”

41) A Ré respondeu ao A, por carta registada com aviso de recepção, datada de 28 de Outubro de 2011, comunicando-lhe que aceitava a cessação do contrato de trabalho por referência à data de 21 de Outubro de 2011, mas que rejeitava a existência de justa causa para a resolução do contrato e se reputava credora de uma indemnização correspondente ao período de aviso prévio inobservado pelo A.

42) A Ré descontou a quantia de € 10.140,00 (dez mil, cento e quarenta euros) a título de “Desconto Aviso Prévio” no pagamento correspondente ao recibo datado de 27 de Outubro de 2011.

43) Naquela data, em conjunto com a carta supra mencionada, a Ré remeteu ao A. o certificado de trabalho e a declaração para a Segurança Social.

44) O A. não esteve envolvido no processo de selecção, recrutamento e recepção de HH, o qual foi contratado pela Ré, por referência à data de 16 de Agosto de 2011, para assumir as funções de “Responsável pela área das Sementes na KK”.

45) Em Dezembro de 2008, a Ré propôs ao A. a cessão de posição contratual, deixando de ser trabalhador da II e passando a integrar o quadro de pessoal da KK, Lda., empresa da qual foi fundador e era gerente desde a sua constituição em 1995, sendo que à data o A. já tinha mais de 55 anos de idade e mais de 20 anos de antiguidade.

46) Foi apresentado ao A. um acordo para concretização dessa cessão no qual o A. era designado por “Trabalhador”.

47) Esta atitude levou o A. a reagir, apresentando a sua renúncia à gerência.

48) O A. sempre foi dedicado à vida da empresa, com prejuízo dos seus tempos livres, da própria vida pessoal e familiar, sempre foi pessoa estimada e tida em consideração quer por colegas, quer por chefias, bem como por terceiras pessoas com quem tem contactado profissionalmente.

49) A proposta de renúncia ao Fundo de Pensões provocou mágoa ao A..

50) Em data indeterminada de Junho de 2011, o A. propôs à Ré a cessação do seu contrato de trabalho mediante a celebração de um acordo de revogação do contrato de trabalho.

51) Tendo sido trocadas diversas propostas entre A. e Ré.

52) No período compreendido entre o dia 6 de Outubro de 2011 e o dia 21 de Outubro de 2011, data em que procedeu à resolução do contrato de trabalho, o A. encontrava-se de férias.

53) No mês de Fevereiro de 1989 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante equivalente a € 172,23 (cento e setenta e dois euros e vinte e três cêntimos).

54) No mês de Março de 1990 a Ré voltou a atribuir ao A. um prémio no montante equivalente a € 217,97 (duzentos e dezassete euros e noventa e sete cêntimos).

55) No mês de Março de 1991 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante equivalente a € 260,74 (duzentos e sessenta euros e setenta e quatro cêntimos).

56) No mês de Março de 1992 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante equivalente a € 311,26 (trezentos e onze euros e vinte e seis cêntimos).

57) No mês de Março de 1993 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante equivalente a € 341,26 (trezentos e quarenta e um euros e vinte e seis cêntimos).

58) No mês de Marco de 1994 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante equivalente a € 349,16 (trezentos e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos).

59) No mês de Março de 1995 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante equivalente a € 374,10 (trezentos e setenta e quatro euros e dez cêntimos).

60) No mês de Março de 1996 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante equivalente a € 436,45 (quatrocentos e trinta e seis euros e quarenta e cinco cêntimos).

61) Ainda durante o ano de 1996, mas no mês de Agosto, a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante equivalente a € 5.087,74 (cinco e oitenta e sete euros e setenta e quatro cêntimos).

62) No mês de Março de 1997 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante equivalente a € 475,35 (quatrocentos e setenta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos).

63) Ainda durante o ano de 1997, mas no mês de Agosto, a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante equivalente a € 6.120,25 (seis mil cento e vinte euros e vinte e cinco cêntimos).

64) No mês de Dezembro de 1998 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante equivalente a € 5.092,73 (cinco mil e noventa e dois euros e setenta e três cêntimos).

65) No ano de 1999 o A. recebeu dois prémios da Ré, nos meses de Março e Agosto, nos montantes equivalentes, respectivamente, a € 556,09 (quinhentos e cinquenta e seis euros e nove cêntimos) e € 21.548,07 (Vinte e um mil quinhentos e quarenta e oito euros e sete cêntimos).

66) No mês de Março de 2001 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante de € 552,37 (quinhentos e cinquenta e dois euros e trinta e sete cêntimos).

67) No ano de 2002 a Ré atribuiu ao A. três prémios, a saber:

- Em Fevereiro o A. recebeu um prémio no montante de € 578,24 (quinhentos e setenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos);

- Em Agosto o A. recebeu um prémio no montante de € 20.100,00 (vinte mil e cem euros);

- Em Dezembro o A. recebeu um prémio no montante de € 5.075,76 (cinco mil e setenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos).

68) No mês de Agosto de 2003 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante de € 16.521,00 (dezasseis mil quinhentos e vinte e um euros).

69) No ano de 2004 o A. recebeu dois prémios da Ré, nos meses de Maio e Setembro, nos montantes de € 1.630,87 (mil seiscentos e trinta euros e oitenta e sete cêntimos) e € 16.353,00 (dezasseis mil trezentos e cinquenta e três euros), respectivamente.

70) No mês de Julho de 2005 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante de € 5.483,00 (cinco mil quatrocentos e oitenta e três euros).

71) No mês de Junho de 2006 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante de € 18.074,94 (dezoito mil e setenta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos).

72) No mês de Maio de 2007 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante de € 12.858,00 (doze mil oitocentos e cinquenta e oito euros).

73) No mês de Março de 2008 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante de € 8.872,50 (oito mil oitocentos e setenta e dois euros e cinquenta cêntimos).

74) No mês de Abril de 2010 a Ré atribuiu ao A. um prémio no montante de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros).

75) Em 2011, a Ré atribuiu ao A. um prémio cujo montante ascendeu a € 3.700,00 (três mil e setecentos euros).

76) Durante o período de vigência da relação laboral, a Ré atribuiu ao A., a título de prémio pelo mérito demonstrado, o montante de € 154.643,08 (cento e cinquenta e quatro mil seiscentos e quarenta e três euros e oito cêntimos).

77) O A. participou em diversas acções de formação ao longo do ano de 2010 com a restante equipa de Direcção e Administração da Ré, nomeadamente ao nível da liderança e comunicação.

78) Bem como em acções de formação no âmbito da área de vendas e gestão de conflitos.

79) O A. participou ainda em actividades de Outdoor, nomeadamente em Maio de 2010, no âmbito das quais os referidos temas foram abordados.

80) Pretendia-se, com estas actividades, criar uma cultura nova, da Ré, onde todos os quadros, independentemente da sua proveniência, se sentissem bem, realizados e em condições de motivar o resto da organização.

81) Em 2010, o A. participou na elaboração de um plano estratégico para toda a actividade da Ré, com especial foco na fábrica de retalho.

82) Não obstante o negócio de retalho se tratar de uma actividade totalmente desligada da desempenhada pelo A., entendeu a Ré envolvê-lo, apesar de tudo, por entender que podia, com a sua experiência, dar contributos relevantes.

83) Até ao ano de 2008 as áreas de actividade da Ré sob a responsabilidade do A. eram a comercialização de sementes de tomate e, simultaneamente, o aprovisionamento de tomate fresco.

84) Sucede porém que, no decurso do ano de 2008, a Ré foi objecto de um processo instaurado pela OO.

85) Como fundamento para o referido processo, a OO alegou que a cumulação das actividades acima referidas (i.e., comercialização de sementes de tomate e aprovisionamento de tomate fresco) na mesma entidade consubstanciava uma violação das regras de concorrência aplicáveis.

86) Com efeito e segundo a OO, a Ré na actividade prosseguida recorria a práticas lesivas das regras de concorrência, resultantes, segundo a referida entidade, “da obrigatoriedade definida contratualmente com os Produtores de tomate fornecerem a empresa BB com tomate fresco para uso industrial produzido com sementes da marca LL comercializadas em exclusivo em Portugal pela empresa KK – …, Lda. (adiante designada KK), pertencente ao grupo em que se insere a empesa BB”.

87) No âmbito deste processo instaurado pela OO, foi a Ré, na pessoa do seu Administrador, o Exmo. Senhor Dr. EE, constituída arguida.

88) Face aos contornos do mencionado processo, o Dr. EE assumiu a defesa da Ré, conforme se pode comprovar pelos autos de depoimento recolhidos no âmbito do referido processo.

89) No seguimento da análise do processo levantado, e das questões que o mesmo suscitava, a Ré decidiu, de imediato e de forma preventiva, separar totalmente a actividade de comercialização de sementes da actividade de aprovisionamento de tomate fresco.

90) Sem prejuízo da medida preventiva em apreço, no âmbito do referido processo a Ré sempre contestou e nunca aceitou a tese defendida pela OO, defendendo sempre o carácter, competência e profissionalismo dos colaboradores envolvidos nas actividades objecto de análise, em especial o A..

91) Sucede porém que a OO considerou que a actuação da Ré violava as regras de concorrência aplicáveis, tendo concluído “pela existência de abuso de posição dominante pela BB”, pelo que deveria “suprimir as práticas em causa”, razões pelas quais, no âmbito deste processo, a Ré assumiu os seguintes compromissos:

i. “Supressão da cláusula contratual relativa à preferência por tomate de variedade sementes LL.

ii. Adaptação do contrato à iminente operação de fusão entre a BB e a II, S.A. e às consequências resultantes da mesma.

iii. Envio de uma circular às Organizações de Produtores, dando conhecimento da supressão da cláusula contratual relativa à preferência por tomate da variedade sementes LL”.

92) Face à orientação da decisão da OO e à pressão exercida por esta entidade, a Ré procedeu à separação definitiva, clara e transparente entre a actividade do aprovisionamento de tomate e o negócio da gestão das sementes, tendo designado o A. para dirigir o negócio das sementes, área a que se dedicaria em exclusivo.

93) O A. tinha um conhecimento ímpar do negócio da gestão de sementes porque tinha conhecimento técnico profundo e experiência profissional, bem como um relacionamento profissional próximo com a sociedade LL, a representada do negócio de comercialização de sementes.

94) Continuou a caber-lhe, entre outras funções, dirigir, planear e controlar as operações relacionadas com a produção de tomate, avaliar o potencial agrícola com vista a melhorar as práticas existentes, de modo a aumentar a produção e a produtividade dos campos e projectar e executar iniciativas agrícolas desenhadas para criar os meios de atingir ou exceder os objectivos de negócio das sementes da Ré.

95) Não obstante a decisão acima referida, as condições contratuais específicas inerentes à relação laboral estabelecida entre o A. e a Ré, nomeadamente a categoria, a remuneração e outros benefícios garantidos ao A., não foram minimamente afectados.

96) O A. continuou, ao longo dos anos de 2008 a 2011, a participar nas reuniões de Direcção e em algumas reuniões da Administração, nomeadamente as que se realizavam periodicamente para apresentação de resultados.

97) Os colaboradores FF e GG estavam quase exclusivamente adstritos a funções atinentes ao negócio do aprovisionamento de tomate.

98) Razão pela qual, na sequência da separação total determinada pela OO, a Ré decidiu afectar os referidos colaboradores à actividade de aprovisionamento de tomate.

99) Integrando as actividades destes colaboradores que se encontravam relacionadas com a aquisição de sementes na estrutura que agora passava a ser exclusiva, por imposição da OO.

100) Estes colaboradores passaram a reportar ao Eng. DD, ao qual, na sequência da separação de actividades operada na Ré, foi atribuída a gestão da actividade de aprovisionamento.

101) O A. conhece as exigências logísticas inerentes aos ciclos de produção da Ré, nomeadamente durante a campanha do tomate.

102) Como o A. bem sabe, nos meses de Julho, Agosto e Setembro de cada ano decorre a normal campanha do tomate.

103) Nesta época do ano e de modo a fazer face às necessidades temporárias da Ré, são recrutados cerca de 250 colaboradores adicionais.

104) Sendo, igualmente, realocados recursos internos de todas as áreas em que tal se justifique à execução destes serviços.

105) Este esforço anual promovido pela Ré decorre do facto de, durante este período, entrarem, em média, nas respectivas instalações cerca de 7.000 toneladas de tomate fresco por dia.

106) Face ao aumento exponencial da actividade da Ré nos meses de Julho, Agosto e Setembro de cada ano, todos os espaços disponíveis são ocupados com produto acabado (i.e., concentrado de tomate).

107) O ano de 2009 foi um ano excepcional de campanha de tomate, durante o qual a quantidade de tomate recebida pela Ré foi mais elevada do que o previsto e, como consequência, o volume de concentrado de tomate produzido foi superior ao verificado em anos anteriores.

108) Nesta medida, foi necessário aumentar os espaços físicos para armazenar o stock de concentrado de tomate que seria vendido apenas nos doze meses subsequentes, como sempre se verificou nos 50 anos de actividade da Ré, facto que o A. não desconhece.

109) De facto, para além do parque de máquinas, foram, igualmente, ocupados parques de estacionamento de colaboradores, ou seja, todos os espaços disponíveis nas instalações da Ré foram utilizados para efeitos de armazenamento de tomate, o que foi do conhecimento do A..

110) Mais, o A. sabe que todos os anos a Ré é confrontada com a necessidade de afectar todos os espaços disponíveis para o armazenamento de concentrado de tomate nesta fase do ano, nunca suscitou qualquer problema relativamente a esta matéria, nem nunca comunicou à Ré que, em sua opinião, a ocupação do espaço de máquinas, para efeitos de armazenamento de tomate, implicava uma “perda de autoridade”.

111) Com a compra da sociedade II, S.A. em 2007, a Ré assumiu também o negócio das sementes desenvolvido pela filial daquela sociedade, a KK, Lda. (adiante KK).

112) A KK celebrara, com a LL, um contrato de distribuição de sementes LL para a Europa, o qual tinha a duração de 4 anos e findaria em Abril de 2011.

113) A Ré iniciou a renegociação do referido contrato um ano antes, em Abril de 2010, de forma a definir o seu plano de negócios e orçamento.

114) A renegociação do referido contrato foi sempre efectuada directamente com a LL, nos Estados Unidos da América.

115) Esta renegociação motivou, inclusivamente, a deslocação da Administração da Ré à sede da sociedade LL, na Califórnia para, em reuniões presenciais com os responsáveis da mesma, apresentar um modelo de negócio para o futuro.

116) O A. esteve directamente envolvido na renegociação do contrato de apreço, tendo a informação e documentação, nomeadamente o “Business Plan”, sido desenvolvido em primeira mão pelo A. e pelos seus colaboradores.

117) E, posteriormente, discutido e finalizado em reuniões conjuntas com a Administração da Ré.

118) O contrato celebrado com a LL para o quadriénio 2008 a 2011 colocava a KK e, consequentemente, a Ré, numa situação extremamente favorável, visto que a KK era o único distribuidor de sementes da LL, circunstância que lhe permitia obter margens de lucro extremamente elevadas com a venda das referidas sementes.

119) A LL deixou sempre muito claro que não concordava com esta situação e que pretendia rever totalmente o modelo de negócio na Europa, especificamente os termos e condições em vigor no âmbito do contrato celebrado com a KK.

120) Assim, e como é do conhecimento do A., a LL iniciou, muito antes do final deste contrato, o processo de reforço da sua estrutura própria na Europa.

121) Tendo promovido contactos directos com os agentes da KK nos países do sul da Europa, nomeadamente na Grécia e Itália, situação que, de resto, o A. não conseguiu evitar.

122) Mais, a LL sempre invocou o processo da OO instaurado contra a Ré como fundamento para lhe retirar o monopólio da venda de sementes ao seu único distribuidor.

123) Assim, o contrato de representação celebrado entre a KK e a LL acabaria por não ser renovado na totalidade, mas apenas em parte, para Portugal e para o ano de 2012.

124) Adicionalmente e por forma a libertar-se das obrigações decorrentes do contrato celebrado com a KK, a LL pagou à Ré o montante de € 350.000,00.

125) Desta forma, a KK perdeu o monopólio da venda de sementes fornecidas pela LL.

126) Circunstância que implicou uma redução significativa do volume de negócios de venda de sementes da Ré, desenvolvido pela sua filial KK, superior a 98%.

127) Esta actuação permitiu à LL iniciar a exploração autónoma do negócio de venda de sementes no sul da Europa, nomeadamente entre Portugal e a Turquia, maximizando, dessa forma, as suas margens de lucro.

128) Em consequência da redução do volume de negócios da Ré, motivado pela resolução, por parte da LL, do contrato de distribuição de sementes celebrado com a KK, a Ré foi obrigada a promover urna reestruturação da respectiva actividade comercial.

129) O próprio A. participou no processo de reestruturação da actividade a implementar na KK, elaborando o modelo de negócio a implementar nesta sociedade no período compreendido entre os anos de 2011 e 2015.

130) Nesse âmbito, a Ré propôs ao A. uma alteração de funções, de forma a ajustar aquela empresa à actividade e a um volume de negócios muito mais reduzido.

131) Este novo projecto teria, naturalmente, menor dimensão e, à partida, menor rentabilidade, mas permitiria à Ré manter a KK em actividade e, nessa medida, salvaguardar postos de trabalho dos colaboradores afectos à mesma.

132) Com efeito, este novo projecto que a Ré pretendia implementar teria, nos primeiros anos, um nível de rentabilidade mínimo ou negativo.

133) A contratação do Eng. HH não visou a ocupação de um cargo de Direcção, antes de Técnico Comercial, para substituir o Eng. PP.

134) Os colaboradores FF e GG já não pertenciam, na data em que cessaram o vínculo laboral com a Ré, à equipa do A., a quem, formalmente, já não reportavam.

135) Após a separação formal entre as áreas de negócio de aprovisionamento de tomate e de comercialização de sementes, FF e GG continuaram a prestar colaboração à área de negócio de comercialização de sementes, sempre que para tal solicitados.

136) Aquando da separação das áreas de negócio de aprovisionamento de tomate e de comercialização de sementes, a administração da BB tinha conhecimento de que, após a fusão da II com a JJ, por incorporação daquela nesta, a LL tinha interesse em reverter para si o negócio da comercialização de sementes que havia concedido, em exclusivo para alguns países da Europa e do Norte de África.

137) O A. continuou a ser consultado e envolvido na gestão do negócio das sementes.

3----

Face às conclusões do recorrente, constatamos que se suscitam as seguintes questões:  

           

a) Aferir se o acórdão do Tribunal da Relação é nulo por omissão de pronúncia relativamente à nulidade arguida pelo A recorrido - inobservância do artigo 640.º, n.º 2 do CPC por parte da apelante – e não rejeição da apelação;

b) Aferir se o acórdão é nulo por não fundamentar a alteração que fez à matéria de facto;

c) Aferir se ocorre erro na apreciação da matéria de facto.

d) Aferir se o Tribunal da Relação decidiu bem ao considerar que o A. não foi vítima de assédio e que, como tal, não teve fundamento para resolver o contrato de trabalho com justa causa.

            Assim sendo, vejamos então cada uma delas.

3.1---

Quanto à nulidade do acórdão por omissão de pronúncia:

Alega o recorrente que invocou na contra-alegação da apelação a inobservância pelo apelante do disposto no artigo 640º, nº 2 do CPC, sustentando assim que o recurso deveria ter sido rejeitado nesta parte, não se reapreciando a impugnação da matéria de facto efectuada pela recorrente.

E concluindo que esta questão não foi apreciada, sustenta que há uma omissão de pronúncia sobre uma das matérias submetidas à apreciação da Relação.

Mas não tem razão.

Efectivamente, enfrentando a questão diz o acórdão:

           “Ponderando, ainda, que o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640.º do Código de Processo Civil, “não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado; nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação e, que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica”[1], proceder-se-á à análise desta parte do recurso, no uso da referida autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto.”

           Concluímos portanto que a Relação não omitiu a apreciação desta matéria suscitada pelo então apelado, pelo que improcede esta primeira questão.

3.2----

           

Mais alega o recorrente que o acórdão é nulo por não fundamentar a alteração que fez à matéria de facto.

Mas também esta invocação improcede.

Efectivamente, a Relação modificou nos seguintes termos a factualidade que a primeira instância havia apurado:

 

                “Em suma, concedendo parcial provimento à impugnação da matéria de facto, decide-se alterar a redacção dos seguintes pontos da matéria de facto:

    • ponto 20: “Na sequência daquele procedimento, o administrador do sector agrícola, Eng. CC, deixou de convocar o A. para todas as reuniões de serviço relativas às campanhas do tomate, passando a comparecer apenas quando era considerada justificada a sua presença”;
    • ponto 21: “As aludidas reuniões passaram a ser realizadas com o Eng. DD, na qualidade de responsável da área do aprovisionamento do tomate e, quando tal era considerado justificado, com a presença do A.”;
    • ponto 27: “O A., após a separação das áreas do aprovisionamento de tomate e da gestão das sementes, e ter sido designado para dirigir esta última, procurou então envolver-se no trabalho operacional do mercado”;
    • ponto 36: “No âmbito da negociação da revogação do contrato de trabalho proposta pelo A., o departamento de recursos humanos da Ré reduziu a escrito uma minuta dos seguintes documentos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido:” (e segue-se a descrição dos mesmos);
    • ponto 37: “Da minuta do documento n.º 18 supra referido, consta, para além do mais, uma declaração de renúncia ao Fundo de Pensões II, designadamente ao plano de reforma individual e a qualquer benefício do mesmo decorrente; e da minuta do documento n.º 20 consta uma declaração com os seguintes termos: «Eu, (identificação do A.), pela presente declaro que com a cessação, em 31 de Julho de 2011, do contrato de trabalho que me vinculava à (identificação da Ré), venho pela presente renunciar a todos e quaisquer benefícios que, na pendência do contrato de trabalho em apreço, me foram garantidos pela BB, designadamente do meu plano de reforma individual, bem como de quaisquer benefícios do mesmo decorrentes. O referido plano de reforma encontra-se integrado no Fundo de Pensões II, do qual a BB é Associado, sendo a QQ, S.A., a Entidade Gestora e ao qual, na qualidade de Participante, pela presente expressamente renuncio, o que faço de livre vontade e com efeitos imediatos»”;
    • ponto 45: substitui-se a expressão “pretendeu impor” por “propôs”;
    • ponto 49: “A proposta de renúncia ao Fundo de Pensões provocou mágoa ao A.”;
    • ponto 96: “O A. continuou, ao longo dos anos de 2008 a 2011, a participar nas reuniões de Direcção e em algumas reuniões da Administração, nomeadamente as que se realizavam periodicamente para apresentação de resultados;

Adita-se à matéria de facto o seguinte: ponto 137: “O A. continuou a ser consultado e envolvido na gestão do negócio das sementes;

Finalmente, decide-se julgar improcedente a impugnação quanto aos pontos 35, 38, 39, 44 e 46 dos factos provados, e ainda quanto ao facto não provado de que “a Ré pretendia continuar a beneficiar da experiência e reconhecido mérito do A. no exercício da respectiva actividade profissional.”

 

Constatamos assim que a Relação, embora duma forma sintética, identificou os depoimentos em que se fundou para proceder a tais alterações.

Diga-se ainda que, e como refere Fernando Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pág. 39 e segs.), citando Alberto dos Reis e Antunes Varela, só a falta absoluta de motivação é que é susceptível de integrar a nulidade da decisão, quer esta respeite aos factos quer ao direito, doutrina também seguida por este Supremo Tribunal, no acórdão de 04/03/2015, proferido no Processo n.º 37/11.4TTBRR.L1.S1, desta 4ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, onde se salienta que a fundamentação da sentença tem que ser aferida globalmente, só se verificando a sua nulidade em caso de falta absoluta de fundamentação».

Assim, improcede também esta questão.

3.2.1---

           

Alega ainda o recorrente que a Relação desatendeu os factos tidos como assentes, sem que a prova produzida ou um documento superveniente impusessem decisão diversa, privilegiando um raciocínio de dedução em detrimento de prova clara e inequívoca constante dos autos, sustentando assim que estava impedido de proceder à modificação da matéria de facto como fez.

Suscita assim o erro na apreciação da matéria de facto pela Relação.

Mas também não tem razão quanto a esta questão.

Efectivamente, e conforme resulta do disposto do artigo 682.º, nº 1 do Código de Processo Civil, aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. Mais estatui o nº 2 que a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, a não ser no caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674.º.

Assim, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só pode ser objecto de recurso de revista quando haja ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova.

Acresce que, por força do disposto no n.º 3 do artigo 682.º do NCPC, o processo só volta ao Tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou quando ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.

Assim, em sede de apreciação da matéria de facto, impera a regra de que a sua fixação é da competência exclusiva das instâncias, com excepção do preceituado nos já referidos artigos 674º, nº 3, e 682º, nº 3, ambos do CPC.

Quer isto dizer que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto Tribunal de revista e no âmbito deste recurso, apenas conhece de matéria de direito, ressalvadas as situações previstas nos normativos legais citados, e em que ocorra ofensa de normas que integram o direito probatório material.

Entendeu assim o legislador que, em tais circunstâncias, o Supremo não deveria ficar indiferente a erros de apreciação da prova resultantes da violação de direito probatório material, podendo constituir fundamento de revista a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a respectiva força probatória de determinado meio de prova.

No caso presente, não ocorre nenhuma destas circunstâncias, pois a alteração da matéria de facto a que a Relação procedeu resulta da análise de prova de livre apreciação, ou seja, dos depoimentos das testemunhas identificadas e da documentação (documentos particulares) junta aos autos.

Assim e não se estando perante meios de prova plena, não pode este Supremo Tribunal sindicar as alterações da matéria de facto a que Relação procedeu.

Pelo exposto, e improcedendo também esta questão, vejamos então se o trabalhador tinha justa causa para resolver o contrato.

4----

            Tendo o A resolvido o contrato de trabalho com invocação de justa causa por declaração de vontade que chegou ao conhecimento da R em 28/X/2011, esta questão tem que ser apreciada tendo em conta o regime do Código do Trabalho de 2009, que é o aplicável.

 

Neste compêndio legal a resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador com fundamento em justa causa encontra-se disciplinada nos artigos 394.º (e seguintes), de cujo nº 1 resulta que, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato, enunciando o n.º 2, de forma meramente exemplificativa, vários comportamentos do empregador que poderão integrar justa causa de resolução do contrato, só esta situação lhe conferindo o direito a indemnização, conforme determina o nº 1 do artigo 396º.

Não se consagra assim uma noção de justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador que possa funcionar como cláusula geral relativamente à aferição dos pressupostos daquela forma de extinção da relação de trabalho, tal como faz o n.º 1 do artigo 351.º para a justa causa disciplinar.

Impondo no entanto, o nº 4 do supracitado artigo 394º que na sua apreciação devem ser tomadas em consideração as circunstâncias enunciadas no n.º 3 daquele artigo 351º, continua válida a doutrina que se formou no domínio do DL nº 64-A/89 de 27/2 (LCCT) e do Código do Trabalho de 2003 que manda apreciar a justa causa invocada pelo trabalhador com base nos critérios que a lei estabelece para a justa causa invocada pela entidade empregadora, vendo-se neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 2014, processo n.º 612/09.7TTSTS.P1.S1, 4.ª Secção [2].

Por isso, a resolução do contrato com justa causa e por iniciativa do trabalhador respeita a situações anormais e particularmente graves, em que deixa de ser-lhe exigível que permaneça ligado à empresa por mais tempo, pelo que só existirá justa causa para o trabalhador resolver o contrato, quando a conduta do empregador satisfizer estes três requisitos:

um de carácter objectivo, traduzido num ou vários comportamentos deste que violem as garantias legais do trabalhador ou ofendam a sua dignidade;

outro de carácter subjectivo, consistente no nexo de imputação desta conduta a culpa exclusiva do empregador;

mas para além disso, exige-se ainda que esta conduta do empregador gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência do contrato, tornando inexigível ao trabalhador que permaneça vinculado por mais tempo à empresa.

Donde termos de concluir que para ocorrer justa causa tem que existir um comportamento ilícito do empregador, que seja violador dos deveres que lhe são impostos e das garantias do trabalhador, e que o seu grau de culpa condicione de tal forma a relação laboral que não lhe seja exigível que se mantenha vinculado à empresa.

Daí que, nem toda a violação de obrigações contratuais por parte do empregador confira ao trabalhador o direito de resolver o contrato.

Na verdade, e seguindo Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3.ª ed., Almedina, 2006, págs. 1010/11, «sempre que o empregador falta culposamente ao cumprimento dos deveres emergentes do contrato estar-‑se-á perante uma situação de responsabilidade contratual; e, sendo grave a actuação do empregador, confere-se ao trabalhador o direito de resolver o contrato. No entanto, nem toda a violação de obrigações contratuais por parte do empregador confere ao trabalhador o direito de resolver o contrato; é necessário que o comportamento seja ilícito, culposo e que, em razão da sua gravidade, implique a insubsistência da relação laboral.»

Não é assim um qualquer conflito entre os sujeitos do contrato de trabalho que poderá justificar a resolução imediata do contrato, sendo exigível que esse conflito, além de imputável a culpa da entidade patronal, seja de tal modo grave que provoque a ruptura imediata do contrato por não ser exigível ao trabalhador que permaneça por mais tempo ligado à empresa, conforme se retira da doutrina que advém do supramencionado acórdão de 2 de Abril 2014, proc. n.º 612/09.7TTSTS.P1.S1.

No caso presente, o recorrente invocou uma série de factos ocorridos entre 2008 e 2011, sustentando estar a ser vítima duma situação de assédio destinada a forçá-lo a sair da empresa, razão pela qual temos que apreciar se o trabalhador foi, efectivamente, vítima duma conduta assediante da R.

4.1----

Só com o Código do Trabalho de 2003, que entrou em vigor em 1/12/2003, foi consagrada a figura do “mobbing”, que no seu artigo 24º, nº 2 definia o assédio moral como “todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no nº 1 do artigo anterior, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.

Como explica Júlio Gomes[3], “o mobbing ou assédio moral ou ainda, como por vezes se designa, terrorismo psicológico, caracteriza-se por três facetas: a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes”, sendo usual associar-se à figura a intencionalidade da conduta persecutória, o seu carácter repetitivo e a verificação de consequências na saúde física e psíquica do trabalhador e no próprio emprego, que se pode manifestar numa baixa de produtividade e, quiçá, no abandono.      

E continuando a seguir este autor, quanto aos comportamentos em causa, para Leymann tratar-se-ia de qualquer comportamento hostil. Para Hirigoyen, por seu turno, tratava-se de qualquer conduta abusiva manifestada por palavras (designadamente graçolas), gestos ou escritos e muitos outros comportamentos humilhantes ou vexatórios. Daí a referência a uma polimorfia do assédio e, por vezes, a dificuldade em distingui-lo dos conflitos normais em qualquer relação de trabalho. Tais comportamentos são, frequentemente, ilícitos, mesmo quando isoladamente considerados; mas sucede frequentemente que a sua ilicitude só se compreende, ou só se compreende na sua plena dimensão atendendo ao seu carácter repetitivo. E esta é a segunda faceta que tradicionalmente se aponta no mobbing… é normalmente o carácter repetitivo dos comportamentos, a permanência de uma hostilidade, que transforma um mero conflito pontual num assédio moral. A terceira nota característica do assédio, pelo menos para um sector da doutrina, consiste nas consequências deste designadamente sobre a saúde física e psíquica da vítima e sobre o seu emprego. O assédio pode produzir um amplo leque de efeitos negativos sobre a vítima que é lesada na sua dignidade e personalidade, mas que pode também ser objecto de um processo de exclusão profissional, destruindo-se a sua carreira e mesmo acabando por pôr-se em causa o seu emprego…

Trata-se de um conceito que não sendo de natureza jurídica, mas sociológica, permite “apreender como comportamentos que isoladamente seriam lícitos e poderiam até parecer insignificantes, podem ganhar relevo muito distinto quando inseridos num determinado procedimento e reiterados ao longo do tempo. (…) O principal mérito da figura consiste em que ela permite ampliar a tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que, isoladamente considerados pareceriam de pouca monta, mas que devem ser reconduzidos a uma unidade, a um projecto ou procedimento …”[4].

           

Ainda de acordo com Júlio Gomes[5], é possível distinguir em função da motivação da conduta, duas modalidades de assédio moral:

O assédio emocional/psicológico (decorrente, por exemplo, de animosidade, antipatia, inveja, desconfiança ou insegurança), em regra dirigido à obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (animus nocendi);

O assédio estratégico, merecedor de especial atenção e que se reconduz a uma técnica perversa de gestão, dirigida a objectivos estratégicos definidos, com frequência utilizada como meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa e, por outro lado, como instrumento de alteração das relações de poder no local de trabalho (por exemplo, com o fito de levar o trabalhador a aceitar condições laborais menos favoráveis) ou para implementar determinados padrões de cultura empresarial e/ou de disciplina.

O Código do Trabalho de 2009 manteve a figura do assédio, estabelecendo o seu artigo 29.º, n.º 1 que:

“Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.”

Como realça a doutrina, uma abordagem ao preceito assente apenas no seu elemento literal revela-se demasiado abrangente, pelo que se impõe um esforço para delimitar a sua esfera de protecção.

Com efeito, e como enfatiza Monteiro Fernandes, (Direito do Trabalho, 17ª edição, 2014, pgª 173) “a definição do art. 29º não parece constituir o instrumento de diferenciação que é necessário”, uma vez que “nela cabem, praticamente, todas as situações que o mau relacionamento entre chefes e empregados pode gerar”.

E continuando a seguir este autor, (obra citada, pgª 174), conclui que, entrando em conta com o texto da lei e os contributos da jurisprudência, parece possível identificar os seguintes traços estruturais da noção de assédio no trabalho:

“a) Um comportamento (não um ato isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (…);

b) Uma intenção imediata de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro (…);

c) Um objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (…).”

Atentas estas considerações vejamos agora se as condutas do empregador invocadas pelo trabalhador são susceptíveis de integrar a figura do assédio moral e de constituir justa causa para resolução do contrato com justa causa.

4.2----

         A Relação concluiu pela falta de prova de factos suficientes para estar integrada a matéria do assédio moral, argumentando para tanto que:
 

                “Voltando ao caso dos autos, os fundamentos elencados pelo trabalhador na carta de resolução decorrem num período temporal iniciado em Outubro de 2008, com o não envolvimento do A. na defesa do processo instaurado pela OO, mas tal acto está devidamente justificado pela circunstância dessa defesa ter sido assumida por um dos administradores da Ré – factos 87 e 88 – pelo que não se encontra aqui qualquer indício de assédio moral.

               Quanto à retirada das funções que detinha no aprovisionamento do tomate, também não se encontra aqui um objectivo da Ré em afastar o trabalhador da empresa – note-se que este era um especialista desta área, sempre foi o responsável desta área e a decisão da empresa em separá-la da área do aprovisionamento do tomate está suficientemente fundamentada na decisão da OO (facto 92). Considerando que o A. aceitou esta decisão, mantendo-se à frente da área das sementes durante três anos, também aqui não se encontra indício de assédio moral.

               A decisão recorrida aponta ainda a proposta da Ré, formulada em Maio de 2011, de afectação do A a uma nova área, de produção de tomate, deixando de estar isento de horário de trabalho e sendo a viatura de serviço substituída por outra de valor inferior. Para além de estar por demonstrar em que medida a viatura de serviço integrava a componente remuneratória do A, também estava em causa uma mera proposta, que o A. tinha a faculdade de recusar, como efectivamente o fez. Tendo o negócio das sementes sido afectado nessa altura pela decisão da LL de retirar o exclusivo europeu de que a Ré beneficiava, restringindo-o apenas a Portugal e para o período de 2011/2012, era natural que a empresa procurasse a reafectação dos seus recursos humanos, sendo assim lícita a proposta apresentada ao A. para passar a dirigir a nova área de produção de tomate. Note-se que, estando em causa um acto de gestão, a Ré poderia ter imposto ao A essa afectação, mas respeitou a recusa do trabalhador. Atendendo ainda que a Ré continuou a consultar e a envolver o A na gestão do negócio das sementes, participando no processo de reestruturação da actividade a implementar na KK e elaborando o modelo de negócio a implementar nesta sociedade no período compreendido entre os anos de 2011 e 2015 (factos 129 e 137), o que revela que a Ré continuou a confiar ao A as tarefas de direcção que lhe assistiam, apenas se pode concluir que, também aqui, não se encontra fundamento para a ocorrência de assédio moral.

                Quanto às condições de trabalho propostas ao Eng. PP, mais uma vez está em causa uma mera proposta, nem sequer dirigida ao A. e que não afectava a sua situação laboral, pelo que também aqui não se encontra prejuízo da honra e dignidade do trabalhador. E sobre a cessação dos contratos dos trabalhadores FF e GG, estes não pertenciam à equipa do A, a quem não reportavam, embora prestassem colaboração à área de negócio de comercialização de sementes, sempre que para tal solicitados – mas os mesmos cessaram livremente os seus contratos por mútuo acordo, e não resulta que tal acto tivesse igualmente por intuito ou objectivo afectar a honra e dignidade do A. ou prejudicar as suas garantias laborais.

               Acerca das circunstâncias que envolveram as negociações malogradas para revogação por mútuo acordo do contrato de trabalho do A, também aqui não se encontram factos violadores das garantias legais ou convencionais do trabalhador, assumindo qualquer gravidade apta a tornar impossível a subsistência do contrato de trabalho, ou intolerável para o trabalhador a manutenção da relação laboral.

                Para além de se fazer notar que uma negociação mal sucedida para revogação por mútuo acordo do contrato de trabalho não constitui violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, também se realça que a proposta da Ré era substancialmente generosa, envolvendo uma compensação pela cessação do contrato de trabalho no valor ilíquido de € 173.279,37, a que acrescia, ainda, € 45.630,00 a título de não concorrência durante dois anos e o comodato da viatura de serviço durante o mesmo período – apenas como medida de comparação, a decisão recorrida, ao calcular a indemnização de antiguidade com base em 35 dias por cada ano, não ultrapassou o montante de € 140.809,41 – pelo que não se pode afirmar que a proposta apresentada, mesmo envolvendo a renúncia aos seguros de vida, de doença e de acidentes pessoais, e ao Fundo de Pensões, fosse de tal forma ridícula que significava uma forma de menosprezo à dignidade profissional do trabalhador.

                No que concerne à renúncia ao Fundo de Pensões, para além de estar em causa uma mera proposta contratual, está por provar que o A. tenha discutido semelhante proposta ou apresentado contra-propostas, ou realizado qualquer diligência junto do ISP e da entidade seguradora que procedia à gestão do Fundo para obter as informações que pretendia, e que obedeciam a um quadro legal específico – notando-se que está em causa um instrumento regulado pelo DL 12/2006, de 20 de Janeiro, impondo à autoridade de supervisão e à entidade gestora diversos deveres de informação aos participantes e aos beneficiários (art. 62.º), e reconhecendo aos participantes, em certas situações, a existência de direitos adquiridos (art. 9.º).

               Também não se pode retirar da resposta da Ré contida na carta de 23.09.2011 uma recusa efectiva de prestação de informações acerca do aludido Fundo, o qual, mercê do seu regime legal, possui a autoridade de supervisão e a entidade gestora com responsabilidades específicas de informação. Deste modo, o A. não ficou impossibilitado, de todo, de aceder às informações que pretendia obter acerca da gestão do Fundo de Pensões, podendo diligenciar junto do ISP e da Seguradora que procedia à respectiva gestão para obter as informações que pretendia.

               A decisão recorrida fundamenta, ainda, a sua condenação na admissão do Eng. HH, à revelia do A., em Agosto de 2011, o que seria um acto de desconsideração profissional. Porém, este foi contratado para substituir o Eng. PP, que havia saído, numa altura em que decorriam as negociações entre A. e Ré, que se vieram a revelar infrutíferas. Igualmente não decorre deste facto qualquer desconsideração profissional, tanto mais que não assistia ao A. o poder de admitir trabalhadores na empresa.”

           Também aderimos a estas razões invocadas pela Relação para afastar a existência de assédio na actuação da R a partir de 2008.

            Efectivamente, não podemos retirar da sua actuação a existência de um qualquer comportamento da empresa que constitua uma violação dos direitos do trabalhador.

Na verdade, este acumulava o exercício de funções na direcção do aprovisionamento de tomate e na gestão do negócio das sementes.

No entanto, por força da decisão da OO e da pressão exercida por esta entidade, a Ré teve que proceder à separação das duas actividades, sendo nesta sequência que o A foi designado para dirigir o negócio das sementes, área a que passou a dedicar-se em exclusivo, pois detinha um conhecimento ímpar deste negócio (facto 92).

Por isso, tendo sido sempre o responsável máximo da Ré no que respeita ao “negócio de sementes”, conforme consta do facto nº 20, temos de concluir que as suas capacidades profissionais foram reconhecidas e até valorizadas na empresa, mesmo depois de 2008, ao ser designado para dirigir este ramo da actividade da R.

Mas apesar disso continuou, entre outras funções, a dirigir, planear e controlar as operações relacionadas com a produção de tomate, a avaliar o potencial agrícola com vista a melhorar as práticas existentes, de modo a aumentar a produção e a produtividade dos campos e a projectar e executar iniciativas agrícolas desenhadas para criar os meios de atingir ou exceder os objectivos de negócio das sementes da Ré (facto 94).

Continuou a participar em diversas acções de formação ao longo do ano de 2010 com a restante equipa de Direcção e Administração da Ré, nomeadamente ao nível da liderança e comunicação, bem como em acções de formação no âmbito da área de vendas e gestão de conflitos, conforme se colhe dos factos 77 e 78.

Participou ainda em actividades de Outdoor, nomeadamente em Maio de 2010, no âmbito das quais os referidos temas foram abordados, pretendendo-se com estas actividades criar uma cultura nova na Ré, onde todos os quadros, independentemente da sua proveniência, se sentissem bem, realizados e em condições de motivar o resto da organização (factos 79 e 80).

E em 2010, o A participou também na elaboração de um plano estratégico para toda a actividade da Ré, com especial foco na fábrica de retalho (facto 81).

E não obstante o negócio de retalho constituir uma actividade totalmente desligada da desempenhada pelo A, entendeu a Ré envolvê-lo por considerar que podia, com a sua experiência, dar contributos relevantes.

Já em Maio de 2011, na sequência da perda do exclusivo de distribuição na Europa das sementes de tomate da LL, o A foi convidado para dirigir uma nova área de negócio da empresa – a produção de tomate – o que revela que a empresa continuava a reconhecer-lhe elevado mérito no seu desempenho profissional.

Não podemos considerar, face a esta factualidade, que a R tenha marginalizado ou secundarizado a actividade do A, pois estando ele adstrito em exclusivo ao negócio das sementes, mesmo assim continuou a dirigir, planear e controlar as operações relacionadas com a produção de tomate; continuou, ao longo dos anos de 2008 a 2011, a participar nas reuniões de Direcção e em algumas reuniões da Administração; e continuou a participar em acções de formação com a restante equipa de Direcção e Administração da Ré ao nível das áreas da liderança e comunicação e da gestão de conflitos.

E até no plano remuneratório o seu trabalho foi valorizado pela empresa, tendo recebido prémios de mérito, que em 2008 atingiram o montante de € 8.872,50, 3500 euros em 2010, e em 2011, o montante de € 3.700.

Mesmo a proposta de revogação do contrato que a R lhe apresentou em Junho de 2011, e que o trabalhador não aceitou, revela o muito apreço em que a R o tinha, bastando referir que o montante da indemnização de antiguidade que a R se propunha pagar era de valor superior ao valor que lhe foi atribuído na (revogada) sentença da 1ª instância.

É certo que na sua carta de resolução do contrato invocou ainda o A que foi afastado do processo de renegociação do contrato de sementes com a estrutura LL Europa.

No entanto, a empresa, por uma questão de estratégia que só a ela compete definir, preferiu realizar tal renegociação directamente com a LL nos Estados Unidos (facto 114), iniciando este processo ainda antes de 2010, conforme consta do facto 113.

Por outro lado, e conforme se retira dos factos 116 1 117, o A. esteve directamente envolvido nesta renegociação, tendo a informação e documentação, nomeadamente o “Business Plan”, sido desenvolvidos, em primeira mão, pelo recorrente e pelos seus colaboradores. E posteriormente foi discutido e finalizado em reuniões conjuntas com a Administração da Ré.

Por isso, não podemos atribuir relevância assediante a esta situação invocada pelo trabalhador.

Pelo exposto, não podemos considerar que na sua actuação a R tenha prosseguido qualquer objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, nem que tenha agido movida por um qualquer intuito persecutório do A, tanto mais que este, para além da direcção do negócio das sementes, que estava exclusivamente a seu cargo a partir de 2008, participou também no processo de reestruturação da actividade e na elaboração do modelo de negócio a implementar no período compreendido entre os anos de 2011 e 2015.

Não podemos assim concluir que tenha existido um esvaziamento de funções derivada duma atitude persecutória da R que visasse atingir a integridade psíquica e moral do trabalhador, nem comportamentos da empresa real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da sua dignidade de trabalhador.

É certo que em Maio de 2011, a R apresentou ao A uma proposta de afectação à área de produção de tomate, que traria desvantagens para o trabalhador, pois deixaria de estar isento de horário de trabalho (com a consequente perda do respectivo subsídio) e a sua viatura de serviço seria substituída por outra de valor inferior.

No entanto, também não se pode concluir desta actuação qualquer intenção de humilhar ou vexar o trabalhador, pois tratou-se duma mera proposta, que o A teve a possibilidade de recusar, o que fez.

Além disso, esta proposta resultou da R ter sido muito afectada no negócio das sementes pela decisão da LL de lhe retirar o exclusivo europeu deste negócio, restringindo-o apenas a Portugal e para o período de 2011/2012, pelo que era natural que a empresa procurasse reafectar os seus recursos humanos a outros sectores da sua actividade, sendo por isso, compreensível esta proposta.

Por outro lado, e como acentua a Relação, estando em causa um acto de gestão, a Ré poderia ter imposto essa afectação ao trabalhador, mas aceitou a sua recusa, o que revela inequivocamente o respeito e a consideração em que o tinha.

Não se pode assim concluir pela existência de qualquer intenção assediante da empresa.

4.3---

Sustenta, no entanto, o recorrente que pode existir assédio moral desde que seja esse o efeito provocado no assediado e mesmo que não seja esse o objectivo da empresa.

E é certo que do conceito de assédio constante do já supracitado artigo 29º do Código do Trabalho constatamos que o legislador parece prescindir do elemento intencional que no ponto anterior considerámos essencial à diferenciação das situações de assédio face a outros tipos de comportamento incorrecto, abusivo ou prepotente do empregador ou dos superiores hierárquicos do trabalhador.

A propósito desta dimensão volitiva/final do conceito, e seguindo o acórdão desta Secção Social de 3 de Dezembro de 2014, proferido na revista n.º 712/12.6TTPRT.P1.S1, destaca-se que a doutrina se mostra dividida, pois “enquanto para alguns o mobbing pressupõe uma intenção persecutória ou de chicana (ainda que não necessariamente a intenção de expulsar a vítima da empresa), para outros, o essencial não são tanto as intenções, mas antes o significado objectivo das práticas reiteradas”.

E continua o aresto: “Neste âmbito, havendo que reconhecer a necessidade de uma interpretação prudente da sobredita disposição legal, também importa ter presente que não pode ser considerado pelo intérprete um “pensamento legislativo” que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas – art. 9.º, n.ºs 2 e 3, C. Civil.

Incontornavelmente, a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objectivo” de afectar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adoptado pelo “assediante”.

No entanto, quanto aos precisos contornos desta exigência, duas observações se impõem.

Em primeiro lugar, uma vez que a esfera de protecção da norma se circunscreve, como vimos, a comportamentos que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, não pode deixar de notar-se que é dificilmente configurável a existência de (verdadeiras) situações de assédio moral que - no plano da vontade do agente - não imponham concluir que ele, pelo menos, representou as consequências imediatas da sua conduta, conformando-se com elas.

Por outro lado, para referir que a circunstância de o legislador ter prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento não obsta à afirmação de que o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objectivo final “ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável” (v.g. a discriminação, a marginalização/estigmatização ou neutralização do trabalhador, atingir a sua auto-estima ou, no tocante ao “assédio estratégico”, os objectivos específicos supra expostos).”

E nesta linha conclui o mesmo acórdão que de acordo com o entendimento perfilhado pela generalidade da doutrina, pode dizer-se, numa formulação sintética, que o assédio moral implica comportamentos (em regra oriundos do empregador ou de superiores hierárquicos do visado) real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.

De qualquer maneira, mesmo que se consubstancie um exercício arbitrário de poder de direcção, para que este possa ser considerado assédio moral, exige-se que se verifique um objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, para que se tenha o mesmo por verificado, conforme realça o acórdão desta Secção Social de 21.04.2016, Recurso n.º 299/14.5T8VLG.P1.S1 (Mário Belo Morgado).

Seguindo esta doutrina também não podemos imputar à R a existência do invocado assédio em relação ao recorrente, mesmo sem ter havido intenção assediante da empresa, conforme sustenta o recorrente.

Efectivamente, não podemos considerar, face à factualidade já descrita, que esta tenha adoptado qualquer comportamento eticamente reprovável.

Por outro lado, não se tendo provado que a R conhecia a existência de quaisquer razões de desconforto na sua relação laboral com o recorrente, também não se pode concluir que ela tenha representado quaisquer consequências nefastas da sua conduta, e se tenha conformado com elas, como exige a posição doutrinária que vimos seguindo.

Por isso, nem nesta vertente podemos considerar que a conduta da R invocada pelo trabalhador integre a existência de assédio.

E como tal, não se pode concluir pela existência de justa causa.

5----

Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista.

Custas a cargo do A.

Lisboa, 9 de Maio de 2018

Anexa-se o sumário do acórdão.

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[1] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016, proferido no Proc. 1184/10.5TTMTS.P1.S1, também publicado na dita base de dados.
[2] Neste sentido se haviam pronunciado também os seguintes acórdão deste Supremo Tribunal: de 23/5/95, BMJ 447/271; de 15/9/2010 Processo nº 234/07.7TTSTB.S1-4ª secção; e ainda o acórdão de 13/7/2011, Processo 105/08.0TTSNT.L1.S1-4ª secção (Revista), estando estes últimos acessíveis em www.stj.pt.
[3] In “Direito do Trabalho”, volume I, 2007, página 428.
[4] Júlio Gomes, obra citada, pag. 426 e 437.
[5] Loc. cit., pág. 431.